literatas
AS FACES DE LISPECTOR
Não se faz uma frase. A frase nasce.
TRABALHO INTERDISCIPLINAR Letras - 4° período | 2023 REVISTA ESCREVER (1) - CLARICE LISPECTOR
Interior de gruta
Crédito: Acervo Clarice Lispector/Instituto Moreira Salles
Autor: Clarice Lispector
Data: 1960
Nota: Óleo sobre madeira - 30,7 x 56cm.
Projeto gráfico: Denisson Rodrigues e Ellen Soares
Delicadeza - Clarice Lispector
"Nem tudo o que escrevo resulta numa realização, resulta numa tentativa. O que também é um prazer. Pois nem em tudo eu quero pegar. Às vezes eu quero apenas tocar. Depois o que eu toco às vezes floresce e os outros podem pegar com as duas mãos."
Clarice Lispector na Praça Maciel Pinheiro contempla a desgraça que tomou conta
SUMÁRIO
Apresentação. Fator Lispector.
ESCRITORAS SEM PSEUDÔNIMOS, PORQUE FAZEMOS QUESTÃO DE SERMOS. por: Sarah Isabela, Thessa Filipa, Geovani Frois e Rafaela Lopes
Revisores de Clarice. por: Sofia Andrade Venturim
Iracema sem chão POESIA DE AURITHA TAB
Análise textual CONTO “AMOR” DE CLAR por: Gabriel Corrêa Antôni
Entrevista com Adé Entrevistadores: Geovana Dannielle, Leonardo Pinto Lisboa e Mariana Santos.
Contos Autorais
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"Como a neve" e "Obsessão" por: Miguel Apollos
Clarice e Lygia por: Kamille Danielle Moreira Silva
Desigualdades Sociais Reveladas
O LEGADO DE CAROLINA MARIA DE JESUS por: Geovani Frois e Sara Izabela
Produções
Poemas e con
APRESENTAÇÃO
Bem-vindo(a) à revista Literatas, especialmente dedicada à celebração e exploração do legado daquelas que elaboram, escrevem e compõem obras literárias, nossas grandes escritoras!
Nesta publicação, feita pelos estudantes de Letras do 4º período da PUC Minas, mergulharemos em um mundo fascinante de palavras, ideias e histórias, destacando o extraordinário talento literário das mulheres ao longo da história.
Nesta era em que a equidade de gênero e a representatividade estão cada vez mais presentes em todas as esferas da sociedade, é essencial reconhecer e valorizar a contribuição das mulheres na literatura. Embora muitas vezes tenham sido subestimadas, ignoradas ou até mesmo silenciadas, as vozes das mulheres escritoras têm transcendido fronteiras, desafiado convenções e moldado a literatura de maneiras profundas e impactantes.
Nesta edição especial, mergulhamos na riqueza da literatura feminina, tendo como destaque a icônica Clarice Lispector Com sua escrita profunda e singular, Lispector deixou uma marca indelével na literatura. Mas não paramos por aí: ao explorar suas obras, também celebramos outras grandes autoras femininas.
Através das páginas desta revista, você encontrará ensaios, análises textuais, revisões e entrevistas, que exploram a riqueza e a diversidade das obras literárias produzidas por mulheres, além de poemas, contos e obras autorais. Nossos colaboradores acadêmicos oferecerão análises profundas e perspicazes, contextualizando o trabalho dessas autoras em seus respectivos períodos históricos, movimentos literários e questões sociais relevantes.
Nesta revista, estaremos atentos à interseccionalidade, reconhecendo a multiplicidade de experiências vivenciadas pelas mulheres escritoras em diferentes contextos culturais, étnicos, raciais e de classe social.
Fomos carinhosamente orientados pelas nossas queridas professoras Arabie Bezri Hermont, Raquel Beatriz Junqueira Guimarães e Daniela Lopes Dias Ignácio Rodrigues.
Convidamos você a embarcar nesta jornada conosco, explorando as páginas desta revista dedicada às mulheres escritoras e ao seu brilhante trabalho literário. Através de uma abordagem acadêmica e apaixonada, procuramos celebrar, enriquecer e ampliar a compreensão da literatura produzida por essas talentosas autoras, desafiando assim as limitações tradicionais e abrindo espaço para novas narrativas e visões de mundo.
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Esperança
Crédito: Acervo Clarice Lispector/Instituto Moreira Salles
Autor: Clarice Lispector
Data: 1975
Nota: Óleo sobre madeira - 30,2x39,7cm
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Por:SarahIsabela,ThessaFilipa,GeovaniFroiseRafaelaLopes
ESCRITORAS SEM PSEUDÔNIMOS, PORQUE FAZEMOS QUESTÃO DE SERMOS
A escrita feminina tem uma história complexa, marcada por desafios e dificuldades que muitas autoras enfrentaram ao longo dos séculos. As mulheres foram historicamente excluídas da esfera literária e sujeitas a diversas restrições sociais, culturais e educacionais que limitavam seu acesso à educação formal e ao reconhecimento como autoras.
No entanto, ao longo do tempo, as mulheres lutaram para superar essas barreiras e conquistar seu espaço na literatura. Ao percorrer a história verificamos as restrições impostas às Mulheres na Produção Literária tais como que era limitado a ser esposa e mãe.
As mulheres também enfrentaram restrições em relação aos temas que podiam abordar em suas obras. A censura e as expectativas sociais muitas vezes limitavam seu alcance temático. Por causa disso, muitas adotaram pseudônimos como estratégia para burlar o sistema. Com o passar do tempo e com o surgimento de movimentos relacionados à temática, as mulheres começaram a reivindicar seu espaço na literatura, destacando questões de gênero e desafiando as normas estabelecidas.
Clarice Lispector é um exemplo de uma escritora, poetisa e figura feminina na escrita brasileira. A autora apresentava uma personalidade intrigante que era explícita em seu trabalho, um deles, era a coragem de desafiar o sistema, fazendo observações e construções sob perspectivas femininas e novas formas de narrativa e expressão literária, abordando temas pouco explorados.
EU SOU UMA LONGA HISTÓRIA!
FATOR LISPECTOR 08
Assim como outras autoras, sofreu preconceito, perseguição e desqualificação, mas não deixou de buscar incessantemente seu lugar na história da literatura. Mesmo já tendo escrito seu primeiro livro “Perto do coração selvagem”, - obra essa que fora um sucesso de vendas – ela ainda temia perder seu título de escritora ao produzir uma obra com aquilo que poderia ser caracterizado por “feminino demais”. Mesmo sofrendo com represálias ,Clarice criou um traço de sua escrita marcante e utilizou deste fenômeno para montar uma “nova forma”, portanto, através dessa construção de “alter egos’’ a autora brincava com o sistema, transformando tudo em uma grande “cartada literária”.
Um exemplo de estratégia que podemos chamar de “crítica velada” é o próprio motivo da criação de Rodrigo S.M – que é um álter ego da própria autora. Rodrigo S.M é o narrador de “A hora da Estrela”, a construção do narrador evidencia uma voz, aparentemente independente de seu escritor, um homem cujo único trabalho é manter-se leigo para tudo que não fosse o “viver ralo” de Macabéa – personagem ficcional evidenciada no conto.
Clarice apresentava uma personalidade intrigante que era explícita em seu trabalho, um deles, era a coragem de desafiar o sistema, mantendo a elegância de sua genialidade complexa Um exemplo de uma estratégia que podemos chamar de “crítica velada” é o próprio motivo da criação de Rodrigo S.M - que é um álter ego da própria autora. Rodrigo S.M é o narrador de "A hora da Estrela", a construção do narrador evidencia uma voz, aparentemente independente de seu escritor, um homem cujo único trabalho é manter-se leigo para tudo que não fosse o "viver ralo" de Macabéa - personagem ficcional evidenciada no conto. Conquanto, traços da própria Lispector nos abrem uma possível janela de interpretação que, nos leva a crer que Rodrigo S.M foi um jogo da autora para evidenciar a narrativa de um homem sobe seu poder e domínio, mais precisamente, a criação desse personagem presente em A hora da estrela foi um recurso utilizado pela escritora para confundir o leitor, ou quem sabe, para que houvesse o apagamento de sua voz na sua obra, tornando-se, cada vez mais possível assumir Rodrigo S.M como "Sou eu mesma, Clarice". Essa presença de Clarice como personagem de seu próprio livro é notada de forma explícita quando há a assinatura do narrador do livro: "Rodrigo S. M. – na verdade Clarice Lispector".
Finalizando, Clarice não só constrói uma narrativa digna de sucesso, mas também “samba na cara” da sociedade ao reproduzir um eu homem, controlado por uma eu mulher, escritora e perfeitamente capaz de abalar estruturas da literatura como ainda consegue fazer nos dias atuais. É assim que nosso trabalho aqui começa: explicitar não só a literatura feminina sem pseudônimos, mas apresentar com “cara e coragem” o que é ser “escritora”, e por quê? – Porque fazemos questão de ser.
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REVISORES DE CLARICE
SOFIA ANDRADE VENTURIM
C....onsiderada uma das maiores escritoras da ……....literatura brasileira, Clarice Lispector tem ……....sua obra marcada pela introspecção e pelo questionamento existencial, com uma linguagem poética e profunda. A leitura e interpretação de seus textos podem ser bastante desafiadoras, e suas obras marcaram a vida de muitas pessoas. No entanto, o que poucas pessoas sabem é que a escritora tinha um relacionamento especial com seus revisores, que muitas vezes interferiam diretamente em seus textos. Neste artigo, você conhecerá algumas histórias interessantes sobre os revisores que trabalharam com Clarice e o impacto deles em suas obras
A primeira história é sobre a revisão do conto "Amor", que faz parte do livro "Laços de Família". Segundo Nádia Battella Gotlib, uma das revisoras da obra, o conto passou por diversas alterações até chegar à sua versão final. Inicialmente, a história era mais longa e apresentava cenas mais explícitas. No entanto, com a intervenção dos revisores, a história foi reduzida e simplificada. Gotlib relata que a ideia era tornar a história mais sugestiva e poética, em vez de apenas descritiva.
Em outra ocasião, durante a revisão do livro "A Maçã no Escuro", Lúcia Miguel Pereira, uma das revisoras da obra, encontrou um erro gramatical em uma das frases do livro. Ao questionar a escritora sobre o erro, Clarice respondeu: "mas é que assim soa melhor". Essa resposta revela o cuidado que a autora tinha em manter a sonoridade de suas frases e como ela valorizava a musicalidade da linguagem em detrimento da gramática convencional.
Clarice afirmou também, em uma carta, que seu processo de escrita era algo que "nasce e vive em segredo", e que os revisores eram os "anjos da guarda" de seus textos. Essa declaração mostra o valor que a escritora dava ao trabalho dos revisores e como ela reconhecia a importância de ter alguém que cuidasse de seus textos com carinho e atenção.
Outra curiosidade é que Clarice costumava enviar seus textos para diferentes revisores, a fim de receber opiniões e sugestões de diferentes profissionais. Isso mostra como ela se preocupava em aprimorar sua escrita e como confiava no trabalho de seus revisores.
Sabemos que os revisores são profissionais essenciais para as produções textuais, e devemos reconhecer a dificuldade de revisar um texto de Clarice, que escrevia à sua própria maneira. Essas histórias nos mostram como esses profissionais desempenharam um papel importante na construção da obra de Clarice Lispector, ajudando a tornar seus textos mais poéticos e sugestivos, valorizando a sonoridade das frases em detrimento da gramática convencional. Afinal, não é à toa que ela os chamava de "Anjos da Guarda".
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IRACEMA SEM CHÃO
Sou Auritha Tabajara
Nascida longe da praia, Fascinada pelas notas
E Melodia da jandaia.
No Ceará foi à festa
Meu leito foi a floresta
Na companhia de Maia.
Minha essência ancestral
Me encontra cordelizando, Em amparo faz-me existir, Ao mundo eu vou contando, Que minha forma de amar,
Ninguém vai colonizar,
Da arte vou me armando.
Filha da mãe Natureza
Mulher indígena eu sou,
Com a força feminina
Cinco século atravessou, Cada vez mais sábia e forte,
Seu medo não é morte
Que o preconceito gerou.
Hoje essa mulher levanta
Com letra e voz autoral, Contra toda violência, Por um amor ancestral, De um corpo esvaziado, Usado sem ser amado,
Na lei do homem normal.
E baseado na bíblia, O homem veio ditar,
Sua fé diz que é pecado,
O mesmo sexo amar,
E com massacre e doença, Nossa língua e nossa crença,
AURITHA TABAJARA
Tentaram assassinar. Essa força feminina, Traz um sagrado poder, Pois nascemos da floresta,, E com ela vamos morrer, É nossa ancestralidade E nossa diversidade, Que nos faz sobreviver. Minha avó é referência, Desde o tempo de menina, Até me tornar mulher, Nas histórias que ela ensina, Estou pronta para voar, A minha forma de amar Raiz que nunca termina. Fui casada tive filhos, Quatro para variar, Vitória Kawenne Cauê, Ana vem comigo ficar, Vitória e Cauê morreram, E para o meu desespero, Kawenne não sei onde está. Eu são sou como Iracema, A de José de Alencar, Virgem dos lábios de mel, Sem história pra lembrar, Trago comigo a memória, Sou Auritha com história, Mulher livre para amar. Sou lésbia, sou indígena, Resistindo a violência Nordestina, feminista, Sou mulher de resistência Ao regime a dominação.
Auritha Tabajara, é uma escritora brasileira, poeta e contadora de histórias, conhecida por ser a primeira cordelista indígena do Brasil. O seu livro Magistério Indígena em Verso e Poesia foi considerado como de leitura obrigatória nas escolas públicas pelo Estado do Ceará.
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Imagem: Estátua iracema, Fortaleza, Ceará De utilização gratuita (lhenrique20)
ANÁLISE TEXTUAL
POR: GABRIEL CORRÊA ANTÔNIO
Conto“Amor”de ClariceLispector
O.....conto "Amor" é um texto narrativo ……........pertencente à obra "Laços de Família", ............que reúne outros contos de Clarice Lispector. A primeira edição do livro foi publicada em 1960; entretanto, esta análise se faz acerca da edição publicada em 1998.
Durante o texto, são notáveis dois aspectos do tempo. Isto é, existe o tempo cronológico, seguindo a ordem dos acontecimentos de um dia na vida de Ana, mas também existe o tempo subjetivo, no qual nos são mostrados determinados flashbacks e previsões que perpassam pela personagem.
Dessa maneira, é possível separar o conto em três partes principais A primeira é responsável por introduzir a protagonista, Ana, e seu cotidiano como dona de casa e mãe de família. A segunda narra o acontecimento que desencadeia a crise existencial da personagem E a terceira mostra as consequências dessa experiência para a protagonista, que passa a questionar o sentido de sua vida e de seu amor pela família. Em relação ao espaço da narrativa, trata-se de um contexto urbano, mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro, devido à marcação no texto que nomeia o bairro de Humaitá.
Pela presença do bonde na história, podemos afirmar também que provavelmente os acontecimentos se passam no século XX.
O conto é narrado em terceira pessoa, por um narrador onisciente que acompanha os pensamentos e sentimentos de Ana, revelando seu conflito interior entre a ordem e o caos. Dessa maneira, a autora utiliza uma linguagem poética e metafórica, criando imagens e símbolos que expressam o estado da personagem.
Com base nas informações acima citadas, podemos analisar o enredo da história. Assim, nos é apresentada Ana, uma personagem que vive em devoção ao marido e aos filhos. Com isso, vemos que a vida da protagonista se insere em uma realidade rotineira, que pode ser notada como monótona e automatizada.
Essa rotina e automação podem ser vistas através da introdução à vida da personagem. Dessa forma, notamos que ela, por vezes, consegue prever alguns eventos futuros de sua rotina. Como podemos analisar nas seguintes passagens: "Quando voltasse era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na." (LISPECTOR, 2009, p. 21); "De manhã acordaria aureolada pelos calmos deveres." (LISPECTOR, 2009, p. 21).
Ou também no trecho a seguir:
(…) Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. (LISPECTOR, 2009, p. 19).
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No trecho acima, nota-se uma metáfora da vida de Ana, como se ela oferecesse à protagonista frutos os quais ela plantou. Ou seja, apesar de sabermos da monotonia que a envolve em sua realidade, podemos também apontar que ela escolheu conscientemente esse modo de viver, visto que encontramos, ao longo da introdução de sua história, repetitivas passagens em que aparece a seguinte frase: "Assim ela o quisera e escolhera" (LISPECTOR, 2009, p. 20).
Diante dessa perspectiva, o conto nos informa que Ana se conforma, mesmo sabendo que "(...) havia aos poucos emergido para descobrir que também se vivia sem a felicidade: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalhacom persistência, continuidade, alegria" (LISPECTOR, 2009, p. 20)".
Seguindo essa linha de raciocínio, além de conhecermos Ana como uma dona de casa, o conto nos prepara para podermos notá-la, agora, para além de seus afazeres. Em outras palavras, é observável que a casa da protagonista representa o seu conforto e a sua ordem interna, visto que é o lugar em que ocupa a maior parte do tempo realizando tarefas, com o objetivo de preservação (seja do ambiente, de sua realidade ou do amor ao marido e aos filhos).
Dessa forma, o texto nos instiga a olharmos, a partir de agora, por um outro parâmetro, pois após todos os afazeres da protagonista, chega "certa hora da tarde [que] era mais perigosa" (...) quando nada mais precisa de sua força, ela se inquieta ( ) e suplantara a íntima desordem." (LISPECTOR, 2009, p. 19-20).
Ou seja, essa hora se torna perigosa quando nada mais precisa de seus esforços, isto é, quando Ana já cumpriu todos os seus afazeres e agora pode ser somente ela mesma, e dessa maneira, abrem-se caminhos para que seus pensamentos invadam sua própria organização e harmonia.
Sendo assim, o conto se densifica ainda mais ao aprofundar uma camada mais profunda à personagem, que se encontra no bonde voltando para casa com as compras. Este momento se dá a partir do encontro com um outro personagem, distante, descrito apenas como cego, que a faz sentir uma grande inquietação, e posteriormente um despertar, como podemos perceber em:
Foi então que olhou para o homem parado no ponto. (…) Era um cego. (…) o coração batia-lhe violento (…) O cego mascava goma na escuridão (…) O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito." (LISPECTOR, 2009, p. 21-22)
Dessa maneira, a figura do cego se revelava para Ana de uma forma espantosa, pois ao observá-lo, literalmente parado, ela pôde se enxergar nele. Assim, podemos relacionar este outro personagem com a protagonista, levando em consideração a sua cegueira, seu movimento repetitivo de mascar chiclete e a sua posição de estar parado.
Com isso, podemos assimilar a ação de mascar goma como um movimento interminável e automático, assim como toda a rotina de Ana. O fato do homem cego estar parado reflete como a vida da personagem também se encontra estagnada, e a cegueira pode ser posta à frente da protagonista que até o momento não se via desta forma.
Outros personagens que também podemos citar como espelhos à personagem são o bonde em que ela está e o saco de tricô com os ovos. Isto se dá pois, a partir do momento em que Ana consegue enxergar a si própria no homem cego, o bonde inicia o movimento com um forte arranque, assim como o fluxo de consciência de Ana, que também se desenvolve de forma abrupta. E dessa forma, os ovos dentro do saco de tricô se quebram devido à reação do movimento do bonde (consciência), ou seja, esse "quebrar de ovos" pode ser vinculado a uma fragilidade emocional da protagonista, que agora se encontra desnorteada diante deste momento.
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Ao longo dessas observações, é possível notar um determinado contraste entre a casa e o homem cego, visto que a casa é posta como algo confortável e organizado (como vimos anteriormente). Já o homem, a partir dos comentários anteriores e também da leitura da passagem: "Um cego mascando chicles mergulhara o mundo em escura sofreguidão." (LISPECTOR, 2009, p 23), vemos que este flerta com a escuridão (desconhecido) e a ansiedade.
Por isso, ao se deparar com o desconhecido, Ana abre um espaço para a crise existencial, já que ela teve contato com aquilo que fugia da sua normalidade, ou do padrão de sua rotina familiar.
Contudo, a narrativa do conto também coloca a protagonista em uma relação com o sombrio, como um ser pertencente, como podemos observar em: "Quanto ela mesma, fazia obscuramente parte das raízes negras e suaves do mundo" (LISPECTOR, 2009, p. 21).
Consequentemente, a personagem, após perder o seu ponto, desce próximo ao Jardim Botânico, lugar que além de haver muita vivacidade (como um novo mundo para a personagem), também introduz Ana a novas reflexões e sensações: "(...) era um mundo de se comer com os dentes, um mundo de dálias e tulipas. (...) As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia." (LISPECTOR, 2009, p. 25).
É notável que esse novo universo em que a dona de casa se mergulhava pode ser aproximado a uma narrativa criacionista (cristã), em que a figura do Jardim se torna celestialmente distante e mais encantadora do que a realidade casual e rotineira em que a personagem antes se encontrava. Podemos observar tal aproximação com o seguinte trecho: "A brisa se insinuava entre as flores Ana mais adivinhava que sentia o seu cheiro adocicado... O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno."
(LISPECTOR, 2009, p. 25).
Diante desse novo lugar, vemos a personagem voltando à essência de devoção à sua escolha de vida no momento em que se lembra de sua família, fazendo uma previsão de que "havia crianças e homens grandes com fome"
(CLARICE, 2009, p. 25), e por esse motivo, sentiu-se nauseada e culpada por todo esse desvio ao seu amor dedicado à sua família
Seguindo, portanto, para o encerramento do conto, após a personagem voltar para casa e jantar com seus familiares, ela possui um último momento com seu marido, este a estende a mão para que a protagonista adormeça com ele para que cessasse "a pequena chama do dia"
(CLARICE, p. 2009, p. 25). Apesar de ter amado o homem cego, por tê-la feito enxergar sua condição atual, ela aceita o pai de seus filhos, afinal "assim ela o quisera e escolhera".
Com isso, podemos concluir que o conto propõe uma reflexão acerca do amor, mais especificamente, do amor de uma mulher que se dedica à sua família. E dessa forma, tende a apresentar poeticamente a forma como o amor pode ser uma forma de aprisionamento e de renúncia de si mesma, mas que além disso, também pode ser uma forma de libertação, a partir do momento em que se compreende e ainda sim, aceita-o, da forma como lhe é conduzido e cultivado.
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C l a r i c e L i s p e c t o r
C a p a d o l v r o " L a ç o s d e f a m p i l i a " -
C l a r i c e L i s p e c t o r p a r a o c o r r e i o b r a z i l i e n s e p u b l i c a d o e m d e z e m b r o d e 2 0 1 1k e b e r s a l e s
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E N T R E V I S T A C O M A D É L I A P R A D O
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ADÉLIA PRADO Quem é A
...........delia Prado nasceu em Minas ..........Gerais, no dia 13 de dezembro de ..........1935, filha de João do Prado Filho, ferroviário, e Ana Clotilde Correa, dona de casa. Após a morte de sua mãe, em 1950, ela escreveu seu primeiro verso. Os primeiros poemas de Adélia foram publicados em jornais das cidades mineiras de Divinópolis e Belo Horizonte. No ano de 1975, sua estreia individual ocorreu quando ela enviou os originais de seus poemas para o crítico literário Affonso Romano de Sant'Anna, que os entregou a Carlos Drummond. Impressionado com sua escrita, Drummond encaminhou-os para a editora Imago, resultando na publicação de seus poemas no livro "Bagagem" no mesmo ano. Em 1979, após vinte e quatro anos de dedicação ao magistério, Adélia Prado deixou a profissão para se dedicar completamente à carreira de escritora.
A obra da escritora é caracterizada por um vocabulário simples e uma linguagem coloquial. Completamente influenciada pelo cotidiano, ela retrata a vida através de uma ótica feminina, ressaltando que sua perspectiva não é necessariamente feminista. Adélia realiza uma ressignificação dos acontecimentos que vivencia por meio das palavras organizadas em versos poéticos. Seus temas frequentes incluem o luto, a memória da infância, o afeto pela terra natal, a religiosidade, o feminino, a sexualidade e os papéis sociais, históricos e culturais da mulher.
Adélia Prado é reconhecida como uma das maiores personalidades da literatura nacional. Sua abordagem poética vivifica as coisas mais simples da vida, transmitindo profundidade nas entrelinhas de seus versos. É uma grande honra e alegria para nós conduzirmos esta entrevista com ela, considerando sua consolidação como uma referência literária no Brasil
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Entrevistadores
Geovana de Fátima
Kamille Dannielle
Leonardo Pinto Cunha
Liliana Lisboa
Mariana Santos.
P: A sua poesia é uma das que tem no cotidiano uma fonte fecunda de inspiração. Como a senhora, na condição de uma poetisa profundamente afetada pelo corriqueiro, enxerga nos acontecimentos da atualidade um solo possível para o despontar poético?
R: A única coisa que temos é o cotidiano. O poeta lida inevitavelmente com os acontecimentos de seu tempo.
P: Em sua entrevista concedida ao canal oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em 2018, dentre os destaques feitos acerca do poder da poesia, a senhora realçou a capacidade que ela traz consigo de colaborar na significação da passagem humana pela vida. Como a senhora enxerga a presença dessa capacidade nos poetas mais jovens? E como o ofício de escritora colaborou para você redimensionar a “passagem humana pela vida?
R: O poeta não tem idade. O homem é por natureza um animal simbólico. Redimensionar a passagem humana pela vida é exatamente enxergá-la através de valores e significados que ultrapassam a brutalidade das coisas.
P: Na mesma entrevista citada anteriormente, a senhora disse que Clarice Lispector, sendo parte do que nomeia “a Santíssima Trindade”, compõe a tríplice dos autores que mais influenciaram a sua carreira, juntamente de Drummond e Guimarães Rosa Pensando em Clarice, de que modo ela exerceu esse papel em sua vida?
R: A escritura de Clarice me abriu inúmeras perspectivas do que se pode fazer com a língua em que se escreve.
P: Depois do lançamento de suas obras você nutre algum tipo de expectativa quanto ao modo como seus escritos seriam recebidos, lidos e interpretados pelos seus leitores?
R: Se o autor alimentar expectativas, ele rouba de si mesmo a capacidade de se expressar.
ENTREVISTA
REALIZADA EM: 05/06/2023
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P: Vários de seus poemas trazem cenas poéticas que são vistas como manifestações muito sensíveis do ser feminino. Nas leituras que tem feito de produções poéticas contemporâneas, como você enxerga a presença de aspectos relacionados ao feminino? Como você vê essa discussão do feminino hoje na poesia e fora dela?
R: A poesia não é masculina nem feminina: é hermafrodita.
P: Como é seu contato com seus leitores? O que você diria para alguém que está lendo Adélia Prado hoje?
R: Tenho um contato muito feliz com meus leitores. Tenho uma boa resposta ao meu texto. Me comove e me põe agradecida saber que estou sendo lida.
C O N S I D E R A Ç Õ E S D O S E N T R E V I S T A D O R E S
A entrevista com Adélia Prado revelou sua visão sobre a poesia, destacando a importância do cotidiano como fonte de inspiração e a capacidade da poesia de dar significado à passagem humana pela vida. Ela mencionou Clarice Lispector como uma influência importante em sua carreira, ressaltando o impacto da escrita de Lispector em sua visão sobre o uso da linguagem. Adélia também enfatizou que a poesia não tem gênero e compartilhou sua gratidão pelo contato e resposta positiva de seus leitores. No geral, a entrevista revelou a essência poética de Adélia Prado e sua importância como uma das principais vozes da literatura brasileira.
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Como a neve
MIGUEL APOLLOS
Na esquina da noite, a pequena princesa sentia o ardor dos cabelos negros se esvaindo a cada curva que passava. Esbranquiçavam-se de pouco em pouco caindo ao chão a vida. Assustada, olhava para todos os cantos em soluços de respiração arfante, ardente. Correu pela escadaria de um prédio abandonado; se estava escuro, não a veria ali, tão diminuta em suas tristezas, pensou. Tentava em meio aos soluços sibilar palavras que um dia lhe moveram o gênio infantil. Saudades, dores, vontades a reviravam o estômago sugando o ar do corpo e se retraindo como uma banana seca embalada a vácuo. Lembrou-se de dizer, mas não das palavras, precisava dizê-las. O agudo timbre a ressoar pelas estreitas cavidades faciais sibilaria o mover das ondas a se libertarem mundo afora. Se baixinho disser, a cantarolar sussurrantes os desejos, com palavras sinceras, pensava, talvez as ondas se expandissem até o coração das pessoas que mais amava. Sibilou também aos deuses, chorou às deusas às ninfas às fadas, a todas as divindades uma súplica ergueu sincera, nenhum vento movia as folhas. Estava invisível perante o mundo: ela, a faca cravada no peito e uma bolinha de gude que cabia todo o universo.
Num lapso instante, seu pássaro fiel entrou pela janela, sussurrou as palavras mágicas para a bolinha já posta no chão. Uma última vez pôde ver o sorriso da mãe.
Com passos pesados, entrou brutalmente no prédio o caçador. Retirou-lhe a faca e a vida. Num prato, carregou o coração à rainha.
Assim acabara o outono.
Contosautorais
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MIGUEL APOLLOS
Obsessão
São 15:18 de um sábado quente e abafado. O suor não desce, ao contrário: se firma e evapora, cria uma crosta em minha pele e aumenta ainda mais o calor Queria não estar pensando nela, assim talvez o coração estivesse frio e contaminasse todo o corpo. Queria não estar pensando nas lágrimas acumuladas na represa de minhas pálpebras, insistindo em criar forças para cair, mas nem isso. Nem as lágrimas acham força. O lancinante ardor da falta e saudade da impossibilidade tira até mesmo a força das lágrimas, ignora a gravidade a física e as gramáticas da vida e estabelece que a distância entre nós é de apenas um pensamento um gatilho de uma rememoração doce da companhia feliz em um banco de madeira num jardim. Ainda assim, não há contato; ainda assim, a distância marca presença. Ainda assim, o pensamento não quase lhe alcança, não quase está pensando em mim, meu amor? Sois tão bela com seus próprios sentimentos e tristezas que não precisas de mim, mas de um outro, de uma outra, sim, sei que os quer e lamento por não tê-los, também te quero, e também não te tenho. E neste momento não imagino minha vida com outra pessoa; ainda que não seja minha, ainda que não saiba; e penso e quero cada vez mais sentir o cheiro fresco daquela pele doce e macia a presença e o ar de jovialidade desse meu amor. Erigir a extrema fragrância de suas vontades desejos, suor falho e o gosto molhado e úmido do amor. Nada existe, e pelos aindas me guio. E pelos desejos emociono-me, patético como sou, nem a frieza da ardósia em que me largo esfria-me a espinha do cárdio, que pulsa e pulsa as vontades daquela existência translúcida. Interprete como quiser: este amor meu que me é voraz ao ser, desbanca minha postura, a qualquer efeito borboleta da imensidão existencial de Juliene. Deixo de falar de mim, pois, talvez deva olhar para fora, para a perceptiva realidade humana. Discordam-me os sentidos pois comovo o olhar às voracidades do amor. Os jovens e pequenos homens, que coração e dádivas a mais possuem, são assim. Desguiam-se do real externo para a internalidade inventada. É, pois, esta a maior maldição que lhe cabem, também a mim, de não olhar o umbigo de outros autores e apreciar a distinta desconfiguração daquela existência tão real. Olham para o próprio umbigo sem pudor ou controle, e é isso que faço, de leve para não machucar, olho para meu umbigo supondo que um dia cresça em qualidades a existência. São as dúvidas que irão sanar o futuro. Ora pois, voltemos para os meus sentimentos tão egoístas — doces? Bleh. — e centrados — emoções, emoções! Ficarei gripado — no calor? — ou ataca a rinite logo caso não saia deste chão, tão imundo quanto os meus desejos, ou talvez tenha apenas uma parada cardíaca, uma síncope, um soluço desordenado, um choque na espinha vertebral, um choque de amor! Vou virar geleia doce ou um vegetal. Você era vegetariana, né? Mas não sabia cozinhar! Ora, cozinho eu! Patético, ah, patético e infantil os meus pensamentos. D’onde estaria ela? Aos estudos numa sala pouco iluminada? Aos ventos a sentir a brisa arborífica dos jardins que dão cor aos olhos? A planejar eventos com as amigas queridas que lhe envolvem de amores de gentilidades, dos doces prazeres da refrescante convivência com as cuidadosas ninfas que lhe tangem as mechas ou trocam as mais caprichosas fofocas sem algum julgamento além das quatro paredes? Dançando, ah, dançando! Está dançando! Vou dançar! Ah, se vou! Vamos! vamos? Dancei.
Contosautorais
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Clarice e Lygia
Por: Kamille Dannielle Moreira Silva
Lygia mentia sobre sua idade, diminuindo-a em cinco anos, assim como Clarice, que a mentia de modos variados ao longo de sua vida. Elas eram próximas uma da outra em uma amizade boa, será que combinaram isso da idade? Algumas coincidências nos deixam com uma pulguinha atrás da orelha em relação a essas duas mulheres escritoras deslumbrantes. Ambas emergiram mais ou menos na mesma época, cursaram direito e estavam envoltas em um cenário predominantemente masculino, onde as mulheres eram frequentemente tratadas de forma paternalista, às vezes até com desprezo e anulação.
Em uma de suas entrevistas, Lygia mencionou que ficou extremamente feliz quando alguém disse que ela escrevia "como um homem", pois isso significava que estava sendo respeitada no universo masculino literário. Na introdução da entrevista que Clarice fez com Lygia no Rio de Janeiro, Clarice disse (lembremos de sua voz anasalada): "As nossas conversas são francas e as mais variadas. Ora se fala em livros, ora se fala sobre maquilagem e moda, não temos preconceitos. Às vezes se fala em homens.".
Lygia ria quando era lembrada dessa afirmação em uma entrevista posterior, mas dizia séria sobre o lugar onde ela, Clarice e tantas outras escritoras se encontravam ao explorarem os caminhos da escrita literária. Na mesma introdução, Clarice nos diz, à sua maneira, sobre a forma como falavam de Lygia: "Com Lygia, há o hábito de se escrever que ela é uma das melhores contistas do Brasil Mas do jeitinho como escrevem parece que é só entre as mulheres escritoras que ela é boa. Erro. Lygia é também entre os homens escritores um dos escritores maiores " . Que acerto, Clarice! Não é à toa que chamamos Lygia de "A Dama da Literatura", ela poderia ser o cavaleiro também, até mesmo o exército inteiro.
É interessante pensar que Clarice deixou um bilhete ao final da página onde a entrevista concedida por Lygia foi datilografada, prevendo como seria o futuro das mulheres escritoras na Academia Brasileira de Letras. Ela afirmou que a primeira vaga seria de Rachel de Queiroz, a segunda seria de Dinah Silveira de Queiroz e, embora não desejando a morte de ninguém, a terceira seria de Lygia Fagundes Telles. E não é que Clarice sabia das coisas? Aconteceu exatamente como ela previu! Nélida Piflon, que ela sonhava em ver na ABL pois exerceria uma modificação revolucionária na instituição, tornou-se, em 1989, a primeira mulher a assumir a presidência da Academia Brasileira de Letras.
Assim, os desejos de Clarice se realizaram. Que possamos ler Clarice, que possamos ler todas essas escritoras mulheres que escrevem e escreveram como mulheres, apreciá-las! Que possamos ler Lygia, que, como Clarice nos diz, além de ter uma escrita encantadora, era bonita.
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Lygia, o poeta uruguaiano Antonio di Benedetti e Clarice Lispector em Cali (1976) Ângelo Rigon
Desigualdades Sociais Reveladas: OLegado de Carolina Maria de Jesus
Nas páginas gastas de um caderno encontrado no lixo, Carolina Maria de Jesus escreveu sua história e deixou um legado inspirador para as futuras gerações. Nascida em 1914, numa pequena cidade do interior de Minas Gerais chamada Sacramento, Carolina trilhou um caminho repleto de desafios, enfrentando cada obstáculo com uma determinação inabalável.
Em busca de oportunidades que a vida rural não lhe oferecia, em 1940, ela decide mudar-se para São Paulo, estabelecendo-se na favela do Canindé. No entanto, a realidade que encontrou ali seria uma dura prova para suas esperanças, pois teve que lidar com a extrema miséria e a falta de condições básicas para sobreviver.
Durante esses dias difíceis e momentos de adversidade, Carolina encontrou na escrita a sua voz. Utilizando um caderno que encontrou no lixo, ela começou a registrar seu cotidiano e seus pensamentos mais profundos. Esse diário se transformou em uma obra de profunda representatividade, culminando no que conhecemos hoje como Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, lançado na década de 1960.
O livro ganhou vida após uma visita do jornalista Adélio Dantas à favela do Canindé, onde ele foi para realizar uma reportagem. Durante sua visita, ele teve a oportunidade de conhecer Carolina e seu diário, ficando impactado com sua história. Movido pela importância e força das palavras de Carolina, Adélio decidiu ajudá-la a publicar seu livro.
O livro trouxe à tona a realidade das favelas brasileiras de uma maneira nunca antes vista. Não se tratava de alguém de fora escrevendo sobre a favela, mas, sim, de uma "favelada" descrevendo as condições desumanas desse local e as desigualdades sociais que ainda afligem tantas pessoas nos dias de hoje.
Entretanto, a obra de Carolina vai além da tristeza e da miséria, revelando sua luta constante em busca de dignidade e justiça. Evidencia-se a força interior que a impulsiona a encarar cada dia com coragem, esperança e uma determinação incansável. O diário de Carolina não é apenas um grito de denúncia, mas também uma forma de afirmar a humanidade e a voz daqueles que, muitas vezes, são esquecidos pela sociedade.
Traduzida para várias línguas, Carolina Maria de Jesus alcançou reconhecimento internacional. No entanto, apesar desse sucesso inicial, a escritora enfrentou dificuldades financeiras e suas obras posteriores não receberam a mesma visibilidade Carolina Maria de Jesus faleceu em 1977, mas seu legado permanece vivo. Sua trajetória é um poderoso testemunho da resistência e da força humana diante das adversidades.
O diário de Maria Carolina de Jesus cativa seus leitores ao dar voz a uma mulher que é e representa um lugar constantemente marginalizado: a favela. A autora retrata, em sua escrita, um cotidiano repleto de dificuldades e extrema pobreza, revelando um profundo entendimento da realidade e dos diversos fatores que influenciam sua vida, desafiando estereótipos socialmente associados à mulher "favelada". Seu diário é marcado pela oralidade, coloquialismo e "erros" gramaticais, o que gerou amplas discussões nos meios acadêmicos e editoriais.
Ao ler os breves relatos diários de O Quarto de Despejo, o leitor se depara com uma escrita simples, porém repleta de emoção. Essa obra instiga, diverte, emociona, incomoda e revela tanto esperança quanto profunda indignação. Através de sua linguagem, Maria Carolina apresenta sua identidade ao leitor, reconhecendo-se como uma mulher favelada.
Devo incluir-me, porque eu também sou favelada. Sou rebotalho. Estou no quarto de despejo, e o que está no quarto de despejo ou queima-se ou joga-se no lixo.p.32.
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Mas não apenas isso, ela se manifesta como autora, indigna-se, alegra-se, levanta questionamentos e faz constatações. Demonstra ser uma leitora apaixonada que deseja mudar de vida, orgulhando-se de sua negritude e de quem ela é.
"Esquecendo eles que eu adoro a minha pele negra, e o meu cabelo rústico. Eu até acho o cabelo de negro mais educado do que o cabelo de branco." p.55
Sua forma de escrever diz muito sobre ela, afinal, sendo uma mulher com pouca educação formal, ela utiliza o "i" em várias ocasiões em que, gramaticalmente, deveria usar "e". Além disso, ela substitui "c" ou "z" por "s". Ela escreve como fala, do jeito que julga correto, o que caracteriza seu campo discursivo. Contudo, embora contenha muitos erros gramaticais, ela ainda demonstra ser uma leitora interessada, pois utiliza palavras que normalmente não fariam parte do repertório social esperado, como "manusear" p 21, "atribulada" p 21, "propalado" p.35 e "funestas" p.119.
Assim, a publicação do livro gerou discussões, pois lidava com uma escrita ligada a uma condição social que normalmente não se manifesta por meio da escrita. Alguns argumentaram que o texto deveria ser completamente editado, preservando a história, mas seguindo a gramática normativa. Por outro lado, houve aqueles preocupados com a representatividade e o respeito à forma de expressão de Maria Carolina de Jesus, argumentando contra a edição de seus textos. O livro publicado passou por uma edição, acompanhada de uma extensa explicação dos motivos que levaram a essa decisão. Alegava-se que a edição não corrigiu todos os erros, mas buscou tornar a linguagem mais compreensível para os leitores.
No contexto geral, a linguagem é mais do que um simples meio de comunicação. Ela é uma expressão viva da cultura das pessoas, comunidades e países No entanto, mesmo possuindo uma riqueza e diversidade tão vastas, as variações sociais da linguagem muitas vezes são alvos de preconceito e discriminação.
O preconceito linguístico vai além de um mero preciosismo em relação à gramática e ao que foi padronizado como correto. A linguagem é um dos fatores mais importantes na formação da identidade de um indivíduo ou grupo. Por isso, expressar na literatura as diferentes formas de expressão é importante, pois destaca o outro, traz à tona o que é diferente e demonstra que reconhecer o valor dessa diversidade é o que importa. O padrão serve a diversos propósitos, mas não deve ser a base para julgar a qualidade das pessoas.
Ao escrever seu diário, Carolina Maria de Jesus utilizou uma linguagem que refletia as características do ambiente em que vivia: a favela do Canindé. Podemos dizer que sua escrita captura a autenticidade e as nuances da linguagem marginalizada e informal presente nas periferias. Ela usa a linguagem marginalizada como uma ferramenta de empoderamento, uma arma poderosa contra a opressão e a invisibilidade.
Ao resistir a todas as imposições de padrões linguísticos hegemônicos, ela prova que até mesmo um livro escrito gramaticalmente "errado" pode carregar as reflexões mais profundas e nos fazer refletir sobre uma realidade que muitas vezes desconhecemos
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O debate em torno do livro O Quarto de Despejo revela que o preconceito está mais relacionado à posição social do que à gramática em si. Se um escritor que faz parte das camadas mais altas da sociedade e da academia utiliza coloquialismos, regionalismos e até mesmo incorre em erros gramaticais de propósito, é considerado inteligente, um verdadeiro artista que sabe lidar com a diversidade existente nas diferentes formas de expressão. Todavia, publicar um livro com a forma de expressão de uma pessoa que vive em uma favela se torna um campo de batalha, e essa batalha é social, não apenas uma questão de linguagem. Não se trata apenas de como algo é dito, mas de quem o diz, do sujeito que se enuncia ali. Quando alguém culto utiliza uma expressão incorreta gramaticalmente, o valor é um; quando uma pessoa menos instruída utiliza a mesma expressão, o valor é outro.
O combate a esse tipo de preconceito, que ainda está enraizado em nossa sociedade, deve ser cada vez mais intenso, justamente porque é mais profundo do que meras divergências teóricas. Ele está relacionado à pobreza, à cor da pele e aos preconceitos que socialmente levam à morte de inocentes.
Quarto de Despejo nos lembra que a linguagem, ao mesmo tempo que não nos define por completo, torna-se uma parte essencial e intrínseca da identidade de cada pessoa. Podemos dizer que a obra nos coloca em contato com uma forma diferente de se comunicar e nos faz questionar nossos próprios preconceitos, criando espaços de respeito e valorização em diversos aspectos, inclusive das diferentes formas de falar e escrever.
Dentro da literatura, existem livros que vão além de suas páginas e se tornam verdadeiros marcos dentro da própria literatura e na sociedade. Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada é um claro exemplo disso. Essa obra autobiográfica teve e continua tendo um profundo impacto na literatura brasileira e na conscientização social, denunciando as desigualdades e abrindo caminhos para a expressão de vozes marginalizadas.
O livro em questão vai muito além de um relato pessoal; é uma obra que mergulha nas profundezas dos problemas sociais daqueles que são expressivos, mas permanecem invisíveis. Com uma escrita visceral e autêntica, Carolina nos desafia a encarar a dura realidade das desigualdades sociais e a refletir sobre a necessidade de transformação.
Carolina Maria de Jesus, uma mulher negra e pobre, emergiu com uma voz poderosa e corajosa, rompendo barreiras e padrões literários da época, ao mesmo tempo que trouxe perspectivas até então invisibilizadas. O impacto desse livro na literatura brasileira é inegável. Sua escrita deu ignição a uma consciência coletiva, levando seus leitores a se confrontarem com uma realidade viva e presente, porém poucas vezes perceptível dentro de uma sociedade profundamente desigual
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Quer Quer Eu Desenhe: Carolina de Jesus (Foto: Bernardo França)
Carolina pavimentou o caminho, fornecendo força e coragem para outras vozes marginalizadas emergirem posteriormente, e explorando os mais diversos temas, que variam entre classe, raça e até mesmo gênero. Ela ajudou a criar um terreno fértil para uma literatura mais inclusiva, representativa e engajada em questões sociais.
Diante de tantas ponderações, podemos concluir que Quarto de Despejo não se limita apenas ao campo literário Ele é uma denúncia, pois colocou a pobreza da vida nas favelas no centro do debate, provocando questionamentos sobre o papel do Estado e suas políticas sociais na garantia de direitos fundamentais para todos os cidadãos.
Através de sua escrita, ora chocante e ora comovente, Carolina nos evidenciou a urgência de uma sociedade mais justa e igualitária. Por meio de seu diário, ela nos lembra que as desigualdades sociais não são meras estatísticas, mas afetam a vida de pessoas reais, com sonhos e esperanças igualmente reais.
Quarto de Despejo: Diário de uma favelada de Carolina Maria de Jesus é um farol constante que ilumina o caminho da literatura brasileira e da sociedade, inspirando-nos a buscar um futuro mais inclusivo, igualitário e humano.
A e s c r i t o r a C a r o i n a M a r i a d e J e s u s d u r a n t e u m a s e s s ã o d e a u t ó g r a f o s n o l a n ç a m e n t o d e “ Q u a r t o d e D e s p e j o ” n u m a l i v r a r i a d e S ã o P a u l o , e m a g o s t o d e 1 9 6 0 . A r q u i v o N a c i o n a l . F u n d o C o r r e o d a M a n h ã . B R R J A N R I O P H 0 F O T 2 6 8 7 8 0 0 0 1 29
Por: Geovani Frois e Sara Izabela
SEÇÃO
AUTORAIS
Contos e poemas produzidos por alunos da PUC MINAS
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Valor
TAÍS FERNANDA
Quanto custa a maquiagem?
Quanto vale a minha coragem?
Quanto custa o vestido?
Quanto vale esse marido?
Quanto vale o mesmo trabalho?
Com o mesmo curso no mesmo horário?
Quanto valia o seu brilho?
Que foi furtado por um filho?
Quanto vale uma mulher?
Bonita, cheirosa, salto 15 no pé?
Quanto valia sua vida?
Que foi tirada, degustada, e comida
Taís Fernanda, nasceu no dia 16/06/2002 em Contagem. A maioria do seus poemas são privados, não sendo disponibilizados para o público, o objetivo é montar uma antologia diversificada. Seus poemas abordam os mais diversos temas como feminismo, preconceitos, amores, sentimentos e outros mais. A autora escreve o que sente no momento da criação, sentimentos como ódio e medo são frequentemente abordados.
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A chuva
FERNANDA DE QUADROS CARVALHO MENDONÇA
Bom seria banho de chuva deixar molhar o corpo, encharcar a alma. Tanto tempo faz, memória escapa
A tempestade, o temporal, matar vontades, reviver lembranças.
No interior
De chuvas doces,
A roupa pesa e o corpo flutua.
Ensopados, entre risos
Calafrios, procuraremos abrigo. Casinha de portão de madeira, Corredor comprido.
Entraríamos molhados deixando marcas dos pés no assoalho velho
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Sem licença poética
THESSA FILIPA
"Seja lá o que você fizer, seja alguém que faça bem."
Faço o que posso moço. Faço como posso.
Pinto, Desenho, Pego a caneta escrevo!
Pego um lápis, logo rubro!
Rubros de Rosa, rosas. minhas paixões, aflições, Angústias, Frustração
Definição, sou eu ali!
Eu escrevo, me escrevo, me descrevo
Um eu aqui, Um eu ali, Um eu homem
Um eu mulher
Um eu menina
Um eu aquilo ou isto, não importa...
São meus eus, quantidos nos paços, Rostos, cores e desejos
Meus eus
naqueles que dou a vida, meus personagens
A escrita
Só queria meu nome nelas.
"Não importa mulher o quanto escreva, o seu pseudônimo sempre terá valor masculino."
-Então...como eu assino moço?
-Não assine, não é mais seu.
Thessa Filipa, pseudônimo de Sarah Bastos, nascida em 2002. Autora brasileira desconhecida, atualmente, estudante de Letras na PUC Minas e escritora independente, sua referência pela tragédia e terror são evidentes em suas obras, principalmente na sua coletânea de histórias "Contos Fantástico" publicado no clube de autores.
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Esta é uma carta de amor
Eu achava
Que não podia escrever poemas
Por não saber amar
Meu medo de pessoas e contatos me fazia acreditar que poemas eram armas que eu não carregava dentro de mim
Quando compreendi que escrever meu primeiro sim Era sobre tudo que se é inclusive sobre o não sentir
Pude me encontrar
E para a caneta e o papel
Pude dizer
Meu primeiro sim
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SHEILA EMILIA DA SILVA
Dentrodelemora umanjo
MIGUEL APOLLOS
Ladrilhada em cores foscas até certo tempo, o sol a fazia brilhar por cada grão de areia que a cobria. Rua simples, de muros parcos e cercas de madeira e arame. Até que virou o que chamaram de ‘ponto turístico’; — causa disso foi o bosque ralo que se iniciava ao final da rua. Seus poucos morros eram tidos como motéis, prometiam levar os que ali se deleitavam ao cosmo poeiral. Mas para outros a vida após o morro era como inferno; um encontro errado naquelas curvas e se cabulavam gritos de dor de gotas que caiam e caiam e caiam e acabavam. São assim, ordinários momentos que sejam. Mas acontece que essa história que aqui conto não seria mais interessante — E é? Ora o dito, nem jacaré!— que a do homem que andava por aqueles ladrilhos antigos, toda a dita hora, ao meiodia;enfrentando o sol em seu ápice, de arma apenas uma tarola portátil e a coragem — de pernas tremidas, finas —; com passos breves e cantigas sobre a lua e sobre saudade, era uma anarquia as reações, nem os tomates que lhe atacavam, o paravam. Assim dita um ditante local: —...como um coveiro alto de dentes amarelados e grande força, nem o sol que batia o fazia tomar cor, só os tomates;aviltado em uma maldição pelo leite da vaca amarela, ficava cada vez mais branco, quase até sumir andando ao lado das paredoquinhas da rua. — Talvez surpreenda saber o dia que o tamborilante chegou à cidade Certo do sucesso através da curiosidade local, tamborilou pela tarde invocando à hipnose os viventes. Nas graças da surpresa e animação, jogaram-se à felicidade todo o dia toda a noite lambuzados pela salgada carne e azedas cervejas, como ratos embriagados. Pela manhã, o tamborilante sentiu sede. Às vistas de um cercado local; ali na rua dos ladrilhos, pulou a cerca, caminhou: lá estava a tal vaca amarela, que o fitou em profundo olhar. Ele parou e fitou-a de volta. Ela desviou a cabeça provocativa e continuou a capinar as gramas com os dentes. Prosseguiu, ousado.
Segurou-lhe aquela única teta rosada — e deleitou-se Levantou-se rapidamente, todo saciado e em conforto aviltante, correu. O sino da igreja estava para bater a hora média. Sem ver, a teta, que antes rosada, passou a mutare de pouco em pouco em tom amarronzado e esbranquiçado e escurecido e por fim fúngico Fez-se ali um arco-íris de cores acinzentadas. A vaca capinou a última rama do chão e sua dona de passos trocados logo chegou, passageira, subiu na mamífera e cavalgaram partindo para a mata. — pobre tem fome, e quando felicidade chega há de beber como rei; mas logo se fartam, busca o diferente. A hipnose musical não mais funcionava, derradeiro destino tornar-se comum. Poderia abandonar aqueles ladrilhos e tentar a sorte em outra cidade, era desejo. Não podia, — que era doce tão doce o leite tomado que vício era certo. — foi dito. Perdurou assim longo tempo, marcando a existência tamborilante naquelas ruas, com passos lentos que afundavam os ladrilhos e faziam-se memória perdida e achada nas bocas do tempo. Mórbido se figurava cada vez mais, esbranquiçando a maldição o seguia pelo corpo, tamborilava, tamborilava, tamborilava…… ao meio-dia. — teve dia enfim que Dona Luzia com nojo jogou manto por cima do homem, nem reagiu, mas deve ter tapado o olho fundo, errou caminho, seguiu mata adentro tamborilando ainda gente ouvia Até que a figura sumiu — suspirou. — o som inda foi-se ecoando ecoando e gente ouvia de pena guardando no coração. Pela fogueira inda se conta, todo nascido desses ladrilhos no findar dos tempos havia de ouvir do fundo da mata o chamado hipnotizante da tarola. — Uma vez que assim acontecia ninguém ali queria nascer. Mas morrer? Isso que era bom, virou ponto turístico, no fim da rua abriu um bar onde iam brincar nos morro beber os morto e ouvir um som — E é mesmo? — É
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ANA
SANTOS
Deixe como está
Eu adormeci. Adormeci o que sentia, os planos, a saudade… Simplesmente adormeci. Mas ainda tenho medo. Na verdade, o medo é de que tudo isso possa ser acordado.
Não tenho capacidade para matá-lo definitivamente, por isso eu o adormeci. Não, por favor, eu lhe peço: não me pergunte se me importo.
Tudo pode ser acordado com apenas uma pergunta.
Publicado originalmente no livro "Filigranas", da Andross Editora. Ana Santos é aluna da PUC minas, participou das coletâneas literárias Pensamentos, sentimentos e momentos, volume II, da editora Quimera; Antologia Poesias, volume I e III, da editora Vila Rica e da coletânia Filigranas, da Andross Editora. 37
Iridescência ou Cerrado mágico de desejos
Qual não era a iridescência dos meus olhos ao ver que nem o céu auroral conseguiria tomar o brilho e beleza da sua presença. Qual não era a dilatação da minha pupila diante da presença floral do teu sorriso a desabrochar ao me ver.
Eram, em uma dança eterna, os nossos peitos ressoantes quando o coração tocava o samba do amor. Eram os nossos encontros de abalar terras e mares pela simples criação da felicidade. E o mundo oscilava ao ouvir os nossos suspiros.
Num piscar, os pássaros que bem-nos-viu entoaram o eco de dizeres, que simulava sua voz, em meus ouvidos:
“Em teus olhos estou, à tua alma pertenço
Se queres ir como fui, acenda logo meu incenso. Virei te buscar ao esvair das nuvens;
e no tocar a mão no peito:
‘durma, meu sol’. Deixe a janela aberta e veja o luar te atrair.
Assim, nos reuniremos outra vez num reencontrar de ternuras.
A lua cairá, o sol levantará:
‘nosso mundo apenas um no outro será.’”
Ao entardecer, Joaquim Bezerra dos Campos fechou o diário, sentou à beira de uma mangueira; observou o luar detrás da folhagem, acendeu outro cigarro; e abraçou o cachorro do vizinho. Fazia silêncio.
MIGUEL APOLLOS 38
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REFERÊNCIAS
ARRIGUCCI JR., Davi (org.). Clarice Lispector: Entrevistas e Ensaios. São Paulo: Editora Ática, 1988.
ARRIGUCCI JR., Davi (org.). Inventário das Sombras: Uma Leitura de Clarice Lispector. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2002.
CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. Tradução Ivo Barroso. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
FUKElMAN, Clarisse (org ) Correspondências Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2002
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo: diário de uma favelada. 10. ed. São Paulo: Editora Ática, 1992.
LEITE, Tatiany. Amor (Laços de Família) - Clarice Lispector. Youtube, set. 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GWYzrlKozh8. Acesso em: 15 jun. 2023.
LISPECTOR, Clarice. Amor. In: Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p 19-29
LISPECTOR, Clarice A hora da estrela Rio de janeiro: Rocco, 1998
NOLASCO, Edgar César. Clarice Lispector: nas entrelinhas da escritura / Uma leitura (dês)construtora dos processos de criação das escrituras de Uma aprendizagem ou o livro dos.
PALHARES, Leonardo Tadeu Nogueira; REBELLO, Ivana Ferrante. Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus: alteridade, linguagem e insubmissão. Revista Crioula, n. 21, p. 529-545, 2018.
AMARO, Marcos Reflexão sobre o conto "amor" Youtube, dez 2016 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GbZ5ZCHw4qY. Acesso em 15 jun. 2023.
ANSIA NA FALA. Conto Amor, Clarice Lispector | Análise | UNICAMP 2017. Youtube. abr. 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch? v=8iGYkBzqE-8&pp=ygUWYW1vciBjbGFyaWNlIGxpc3BlY3Rvcg%3D%3D.
Acesso em: 15 jun. 2023.
AMORIM, Dhara 6 reflexões de Carolina Maria de Jesus sobre a vida, arte e fome 2023 Site Negrê Disponível em: https://negre com br/6-reflexoes-decarolina-maria-de-jesus-sobre-a-vida-arte-e-fome/. Acesso em: 10 jun. 2023.
LITERAFRO. Carolina Maria de Jesus: dados biográficos. Dados Biográficos. 2021. Site LiterAfro. Disponível em: <http://www.letras.ufmg//literafro/autoras/58carolina-maria-de-jesus. Acesso em: 10 jun. 2023.
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LITERATAS
Vol.01
FACES DE LISPECTOR