Os zumbis tambem escutam blues e outros poemas

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Os zumbis também escutam blues e outros poemas

UM “não passo de uma xerox não autenticada de mim mesmo”

Fantasmas passos na mente registram mais que o relógio invadem o subconsciente - como o mendigo esfomeado na porta de uma casa pobre.

Vício o cigarro morre entre os dedos e se apaga e se apag e se apa e se ap e se es e


. . a ac ace acen acend acende acendeacende-s acende-se acende-se o acende-se ou acende-se out acende-se outr acende-se outro e a fumaça embriagante atrapalha o ar poluído.

Xerox quero ser diferente, original mas como isso pode acontecer quando não consigo nem ser comum? sou um ser raro fácil de ser encontrado em qualquer esquina em qualquer bar sou mais descartável do que a calça desbotada que uso


quero ser original mas não passo de uma xerox não autenticada de mim mesmo.

Poema narcisista (o espelho é minha alma...) sou narcisista estupidamente narcisista não nazista nem stalinista nem collorista ou qualquer outro “ista” irritante e exibicionista sou apenas narcisista (o espelho é meu guia...) sou narcisista politicamente narcisista não comunista nem monarquista nem capitalista ou qualquer outro “ista” desnecessário e alienista sou apenas narcisista (o espelho me acalma...) sou narcisista ingenuamente narcisista não umbandista nem adventista


nem catolicista ou qualquer outro “ista” religioso e contritista sou apenas narcisista (o espelho me alicia...) sou narcisista literariamente narcisista não concretista nem positivista nem parnasianista ou qualquer outro “ista” complicado e radicalista sou apenas narcisista (o espelho é minha alma o espelho é meu guia o espelho me acalma o espelho me alicia) sou narcisista pretensiosamente narcisista e quem não for atire a primeira pedra... ... no espelho.

Suicídio a lua estava de luto por meus olhos meus olhos


caminhavam putos pelas ruas as ruas não tinham saídas e estavam sujas a sujeira não precisava de vassoura mas de um punhal limpo um punhal para enlutar de sangue os olhos infantis da lua.

As púrpuras do poente (ou colagens para uma canção de setembro) uma frase mecânica atua em um coração cheio de naftalina um cortejo colorido desafia a burguesia com o cheiro fúnebre da noite dois lábios estraçalhados se beijam na antuérpia para não cantarem em joão pessoa trinta e dois dentes estragados sorriem para uma porta fechada num inferno com falsos anjos


um poema sem rosto tira a roupa da província e deixa nus padres televisivos um doente sem cura põe o verbo na cama e as púrpuras do poente em coma.

No meio da vida havia uma cruz havia um cristo sem voz havia um nó na razão havia um soco na ilusão havia uma espada havia um guerreiro sem arma havia uma derrota sem luta havia uma resignação de puta havia um mar havia um peixe com espinha havia um sonho afogado havia um sol apagado


havia um rochedo havia uma viagem sem retorno havia uma pedra sem destino havia um poeta sem caminho havia uma cruz seduzindo o rochedo havia uma espada sangrando o mar.

Os zumbis também escutam blues os zumbis choram em volta da fumaça alheia e querem o cogumelo que já não nasce mais no telhado vizinho os zumbis batem palmas em volta da fogueira e querem o encardido sepulcral das cores noturnas os zumbis apenas se olham e mais nada e já não sabem se ainda querem o fogo ardendo em suas veias juvenis os zumbis são filhos do blues que rasga a noite dourada.


Cárcere ideológico a liberdade repousa num sono secundário entre o lado canhoto da vaidade e o beco sujo de uma rua sem poesia para despertá-la de sua hibernação é preciso (primeiro) limpar a sujeira da vaidade (depois) cantar hinos de louvor numa cela sem grades.

Cotidiano a lua adormece no vento e o tempo enlouquece na rua a virgem suspira um lamento e o pensamento se desfaz na imagem a vida trapaceia o momento e no centro o homem coça a ferida.


Televisão ele se encontrava sozinho cumprindo o ritual primitivo de manipular o controle idiota da televisão ele se enxugava sozinho vendo na tela o seu cansaço indiferente na caminhada de um milhão de degraus ele só queria uma xícara de chá mas ela preferiu desligar o controle remoto.

Lamento meu pai sorriu à sombra da goiabeira nada de rugas na face apenas a névoa de um tempo escondido pela sombra das horas.


Ruptura a avenida corta a mata do buraquinho ... e corta o meu coração ecológico.

DOIS “onde ecoa o assovio do tempo que se arrasta”.

Sanhauá o sanhauá sangra de paixão pela paraíba e a paraíba faz um círculo em torno do sanhauá - onde ecoa o assovio do tempo que se arrasta.


Armagedon queria fazer um poema e o medo me castigava a bomba ameaçava explodir e o céu chorava lágrimas vermelhas queria fazer um poema e a luz já se apagava a bomba ainda estava acesa e os pássaros cantavam sozinhos queria fazer um poema e a lua me estranhava a bomba já havia explodido e as caveiras dormiam sem testemunhas.

A formiga e o gafanhoto a manhã está cercada por gafanhotos todos cansados dos fardos e fardões da cidade adormecida na manhã há uma cerca de arame e um muro fechado com um buraco no meio para os gafanhotos passearem.


Sete de setembro dia da pátria dia de exorcizar os políticos e reconstruir o futuro do brasil dia da pátria dia de cantar o hino nacional e dormir em berço esplêndido (como macunaíma).

Brasil os pivetes arrotam a miséria nas esquinas marginais pedem esmolas e fingem suplicar nossos olhares enquanto brincam de independência os pivetes são atores que encenam sua comédia num país dramático.

Flagelo os olhos da seca


não perdoam nem derramam lágrimas em vão no solo do sertão os olhos do sertanejo não choram mais apenas escutam o assovio da fome enquanto mastigam sua tristeza.

Je vous salue evangélicos ciscam em torno da ceia alheia não há pratos só a fome de uma gente acostumada a dizer amém!

TRÊS “meu sorriso perdeu a noção do tempo existente na bíblia”


Paixão quando estive perto de beber um poema seu olhar tocou meu rosto e meu sorriso perdeu a noção do tempo existente na bíblia.

A maçã a brisa leve a da manhã traz-lhe o cheiro da chuva e do sexo de sua irmã com medo do que possa acontecer amanhã ele fecha os olhos e deita-se num imaginário divã mastigando sua infância corroída.

Tara o desejo sexual é o pecado real do corpo humano enquanto está possuído por ele o homem se esquece que é gente e age como um rude animal


isso é mal? talvez não! é melhor ter cinco minutos de pecado e tentação do que uma hora de angústia e oração.

Retórica sexual numa forrada de espinhos dois corpos se caçam mutuamente (a lua sorri excitada) na caça, sem bala nem fala os corpos se queimam em gozo eterno (a chuva cai embriagada) o gozo explode e com ele dois gritos de corpos cansados e tristes (o sol invade a madrugada).

Crença se deus transasse comigo talvez eu transasse melhor deus se deus tocasse em mim talvez eu sentisse melhor deus


se deus estivesse em mim talvez eu acreditasse melhor em deus e se deus existisse de fato eu não existiria

ou então eu seria uma deus anônimo?

O anjo e o sax na madrugada melancólica um anjo distraído absorve a vida no toque beat de seu sax do outro lado da noite alguém bebe aflito o singelo sonho de sangrar com prazer os seios satânicos do anjo saxsolitário.


Sete desejos sete olhos vermelhos invadem minha neblina querem transformar meu sonho em carnificina sete olhos vermelhos desfazem-se na retina da noite em vídeo-tape.

Angústia estou só e isso dói em deus que também é tão solitário estou só e isso dói em mim que finjo chorar à toa estou só e isso dói no tempo que parou sem minha dor.


QUATRO

“incomoda apenas não ter asas para voar”

Hipótese e se eu te amasse como um pássaro ama a gaiola que o prende?

Ritual solitário despindo a fantasia voyeur ele descobre o ponto culminante da pele e mira no alvo melódico ao som de b.b. king (no mesmo instante o céu tecia metáforas silenciosas e protegia a lingerie solitária nas mãos vazias de um homem).


Gênesis deus criou a família no sétimo dia e descansou - estava cansado dos gritos da mãe e do choro dos irmãos.

Pós-moderno lord byron incorporou em minha noite todos os seus pesadelos abstratos e você continua sonhando com o último modelo exposto na vitrine da mesbla.

Lírica naquela noturna manhã você estava tão romântica quanto o sol no deserto seu sexo murmurava canções religiosos e anulava meu instinto adolescente


(que repousava do orgasmo desbotado).

Cenas de uma madrugada explícita a lua fingia sorrir para mim e eu fingia sorrir para as estrelas o sol em seu grito rebelde pedia licença para brilhar nos ombros dos passarinhos.

Fuga os olhos da menina me fitam e eu fito o sol com medo do lirismo que aquele sorriso infantil esconde os olhos da menina me xingam e eu colho uma flor e canto uma canção mas a menina me atira uma pedra.


Resgate (a Sérgio de Castro Pinto) durante muitos séculos cerquei minha memória de poemas abstratos -esperava romper o tédio da vida com o verbo de meus versos hoje minha memória está cercada por lembranças concretas que não se acomodam mais numa estrofe romântica.

Liberdade a poesia está presa em teus lábios cor de sangue liberte ela e teus olhos desprezarão os limites da paixão.

Incômodo ser o anjo torto da família não tira meu sono incomoda apenas não ter asas para voar.


Equívoco um lápis e um papel em branco resumem o segredo de minha vida: uma palmeira imperial que cresceu no século errado.

FICHA TÉCNICA Os zumbis também escutam blues Copyright Linaldo Guedes, 1998 Projeto gráfico-editorial Textoarte Editora Capa Textoarte Foto de Capa: Domingos Sávio Fotografias João Lobo Arte final de fotos e montagem Nivaldo Araújo João Lobo


Fotolitos (capa) Megaimagem Prefácio William Costa Apresentação Fábio Albuquerque Impressão e acabamento A União Superintendência de Imprensa e Editora O livro “Os zumbis também escutam blues” pode ser adquirido na internet pelo site estante virtual: http://www.estantevirtual.com.br/qau/Linaldo%20Guedes


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