Revista Semana da África na UFRGS v.4

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Comércio transaariano e a persistente mobilidade Kel Tamacheque Timbuctu foi, durante os muitos séculos do comércio transsaariano, o ponto central de ligação de várias regiões africanas. As relações de trocas que se desenvolveram entre os séculos XI e XVI realizaram-se por meio dos principais eixos de rotas dos caravaneiros que percorriam o maciço do Aïr4 (região da confederação tamacheque de Kel Aïr) até Féz; do Mandê a Fezzan, chegando ao Egito, e entre os territórios Hauças e Ahaggar (região da confederação tamacheque Kel Ahaggar), Radamés, chegando a Tripolitânia. Em outras palavras, trocas seculares que ligaram várias sociedades africanas passaram por Timbuctu. Existiam duas grandes rotas que atravessavam internamente o grande deserto da África (o Saara) e que reuniam diferentes populações tamacheque e outras sociedades saelo-saarianas entre si. Uma interligava Touat (região do Adrar), Tanezrouft, a oeste das Montanhas Hoggar/Ahaggar, Gao e Timbuctu. A outra rota ligava Radamés, Uargla, Ghardaia aos oásis de Tuat e Tidikelt, chegando à Agadez - a capital de Aïr. Os Kel tamacheque, antigos habitantes do Saara, conheciam e sabiam como afrontar seus riscos e dificuldades, guiaram e garantiam a segurança de comerciantes que vinham do Norte, de outros territórios amazir (berberes) e árabes. Estas mercadorias eram constituídas de

ouro, pessoas escravizadas, marfim vindo do Sul em direção ao Egito, Marrocos, Síria, Líbano e península arábica. Uma outra rota fazia-se em direção à Andaluzia e de lá, para outros mercados europeus. Os Hauçás, por exemplo, constituíram um grande comércio de couro de boi, penas de avestruz e cobertores de algodão e vendiam nas feiras de Fez e de Marraqueche ou de outras cidades do norte do continente africano. Voltavam com tâmaras, perfumes e vários tipos de tecidos e tapetes. Várias cidades caravaneiras apareceram progressivamente e, paralelamente à formação de redes humanas, constituíram-se pontos de troca ou venda de mercadorias como as grandes cidades portuárias do norte da África (Argel, Tunis, Trípoli) que mantinham laços com a Europa e o Oriente; além delas, as cidades do norte do Saara (Ouargla, Mourzouk, Ghadames) e as do sul do Saara e proximidades das regiões saelo-saarianas como Timbuctu, Djenné, Agadez, Zinder, Kanem, Kanu e Katsina entre outras (BRACHET, 2004). A evolução e a intensificação de atividades das caravanas nas regiões sudanesas (Mali e Níger) são geralmente explicadas devido a um pastoreio nômade praticado em áreas ancestrais destas populações: de Tamasna no Noroeste do atual Niger até Bilma, e de Goram-Goram na região de Udalan até Adrar dos Iforas, ou seja, uma área muito grande de mobilidade. Os pastores, cuja área de nomadismo situava-se em terras do Saara e Sael, mantiveram relações comerciais e alianças entre si. Paulo Farias 4

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IDENTIDADES LOCAIS E INTERAÇÕES CULTURAIS

Ou Ayer.


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