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Porto Alegre, março/abril 2010

Novo espaço de lazer em Porto Alegre Studio Clio é sinônimo de inteligência e sensibilidade na boêmia da Cidade Baixa Nicole Pandolfo/ Hiper

Por Bolivar Abascal e Natália Otto HÁ UM NOVO MODO de produzir e absorver cultura em Porto Alegre. Eventos dinâmicos, informais, que promovem a interação do público com palestrantes e artistas estão lentamente substituindo as palestras distantes, as conferências engravatadas, as exposições silenciosas. Aquela cultura fechada e introspectiva se torna cada dia mais espontânea e aconchegante. Três locais especificamente integram este novo modelo cultural em Porto Alegre: o StudioClio, o Sarau Elétrico e o Instituto NT de Cinema e Cultura. “O StudioClio é numa esquina. Alguém conhece alguma casa de esquina que não seja secretamente sobrenatural? Esquina entre a inteligência e a sensibilidade, entre a José do Patrocínio e os becos de minha alma”, versa Fabrício Carpinejar, em depoimento no site da instituição. Como diz o escritor, o StudioClio – Instituto de Arte e Humanismo, localizado no coração boêmio da cidade (Rua José do Patrocínio, 698), é uma junção de cultura e lazer. Instalado em um belo prédio histórico, o StudioClio é um “centro cultural inteligente”, como define o professor da UFRGS e colaborador Luís Augusto Fischer. A programação diferenciada é a marca do local. Há banquetes culturais – nos quais há relação entre palestra, música e gastronomia –, oficinas e concursos literários, shows e palestras. “Este lugar é

um agente de cultura. Tem uma visão transversal, transdisciplinar. Aqui, juntamos coisas que não precisam ficar separadas, como comida, lazer, música, diversão e alta cultura”, explica Fischer. Para o geólogo Mário Wrege, a qualidade da programação é o grande atrativo. Assíduo do Studio desde que os filhos mudaramse para São Paulo, Wrege vai duas ou três vezes por semana ao lugar. Conhece toda a equipe do instituto. “A gente acaba se conhecendo, todos aqui são muito informais”, elogia. A dona-de-casa Rosana Pedrin considera o local um espaço especial. “As pessoas se sentem em casa”, diz Rosana. Segundo o historiador, arqueólogo, professor da UFRGS e idealizador do StudioClio, Francisco Marshall, o frequentador do espaço é um membro de uma comunidade. A política da informalidade e o lazer permitem ao público sentir-se próximo da cultura. “As pessoas acham que alta cultura precisa ser sisuda, fria. Mas não é bem assim”, afirma Fischer. A poucos quilômetros do StudioClio, outro sobrado oferece arte e cultura a porto-alegrenses e turistas: o Ocidente, na esquina da João Telles com a Oswaldo Aranha. Point alternativo clássico de Porto Alegre, o bar é conhecido pelo público fiel, pelo rock’n roll e pelas festas animadas. Nas terças à noite, porém, o Ocidente silencia. As luzes se apagam, garrafas de cerveja tornam-se candelabros sobre as mesas. Desde 1999, as

Política da informalidade e do lazer permite a aproximação entre o público e a cultura terças pertencem à literatura. É noite de Sarau Elétrico. Há mais de 10 anos, toda a semana os professores Luís Augusto Fischer e Cláudio Moreno, a radialista e apresentadora Katia Suman e a publicitária Cláudia Tajes sentam-se nos banquinhos do pequeno palco do Ocidente e compartilham literatura com o público. A cada terça, um tema diferente. Pode ser sexo, televisão, literatura francesa, Drummond. Qualquer coisa que gere um bom papo. Em clima descontraído, os quatro leem trechos literários. Moreno, especialista em mitologia

Mídia brasileira é golpista, diz Mino Carta Por Marcelo Scherer PARTE DA HISTÓRIA do jornalismo político brasileiro foi revisitada na terça-feira, 15 de março, em Porto Alegre, no Studio Clio. No projeto “Conversas com o Professor”, idealizado pelo jornalista Ruy Carlos Ostermann, a entrevista franca e direta foi com Mino Carta, jornalista de entendimento como poucos da política do país. Ele foi idealizador de diversos projetos editoriais, como das revistas Veja, Isto É, Quatro Rodas, e dos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. Hoje, coordena a sua revista Carta Capital. Ao apresentá-lo, Ostermann disse: “Este é um homem cuja leitura é obrigatória, poucos ouviram e raríssimos o viram, mas faz parte de uma rica história do jornalismo neste país”. Mino Carta adentrou ao

pequeno auditório sorridente e bem alinhado. Abraçou Rui enquanto uma salva de palmas era ouvida com grande eloquência. A conversa começou pelos seus primeiros anos de profissão, quando Carta escrevia para os jornais Il Messaggero, de Roma, e La Gazzetta Del Popolo, de Turim. Ostermann indagou sobre a Carta Capital, revista há 15 anos no mercado. O entrevistado assim definiu-a: “A Carta é uma revista independente, parcial e alinhada com o meu pensamento”. Aos poucos, Carta foi se soltando e disparando frases como “a editoria do Estadão hoje é uma obra-prima do humorismo” ou “a mídia brasileira é golpista, FHC comprou votos de deputados e senadores para sua segunda eleição e a imprensa desse país abafou”. Com o desenrolar do bate-papo,

falou de sua experiência malsucedida em tevê nos anos 1980, na Record, e de algumas tentativas de programas pela extinta TV Tupi, elencando casos curiosos de tentativa de tirá-lo do ar por parte dos políticos de então. Sobre a política contemporânea, ele se disse contente com o presidente Lula, definindo-o como divisor de águas: um ex-metalúrgico que se tornou presidente da República tendo uma forte identificação com seu povo. Carta revelou que seus descontentamentos com esse governo se devem à falta de maiores avanços na distribuição de renda. Completou seu pensamento criticando o Bolsa Família que, apesar de necessário, tem gosto de esmola. Depenando as asas tucanas, Carta foi incisivo diversas vezes: “O PSDB está conseguindo reerguer a velha UDN”.

greco-romana, tem sempre uma história dos tempos de Homero para relacionar com o assunto, seja ele qual for. Às vezes, um convidado especial reforça o time – Martha Medeiros e Luis Fernando Veríssimo já subiram no palco. Um pocket show de uma banda local fecha a noite. Gente de outras partes do país também aparece para prestigiar o evento. O paulista Alfredo Aquino, morador de Porto Alegre há 10 anos, frequenta o Sarau religiosamente. “Só não venho quando tem gente chata”, brinca. Escritor, pintor e editor literário, Aquino

conhece bem os círculos culturais tanto da capital quanto de São Paulo. “É só em Porto Alegre que existe algo como o Sarau. Em São Paulo, no Rio, não existe esse público tão fiel”, conta ele. “Os apresentadores são gente de muito nível, mas com grande empatia pelo público. Em São Paulo, acadêmicos desse porte são arrogantes. Aqui a dinâmica é muito boa, eles se entrosam contigo”. Talvez o segredo do Sarau Elétrico esteja justamente na intimidade com o público, no caráter de conversa de bar e em fazer da literatura algo próximo de todos. Pedro Belo Garcia/Hiper

Jornalista Mino Carta ataca a imprensa nacional


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