No limiar

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16/09/10 A PONTE O desastre é a matéria-prima das narrativas, porque desastres acontecem e voltam a acontecer na vida das sociedades, dos indivíduos. Ninguém deseja os desastres, mas eles estão sempre no horizonte, prontos para serem narrados. Antes ou depois. Nunca durante, que é o momento insuportável, inominável, e sobre o qual a narrativa lança uma ponte, restituindo o que aconteceu, apelando a um salvamento qualquer, do outro lado. Pois na narrativa há sempre uma necessidade de continuação, ou um ouvinte que pede explicações. Mas a ponte, ela, não fala. Deve ser quase invisível para que a narrativa se sustente e prossiga. A menos que se imagine essa ponte silenciosa caindo, caindo indefinidamente. Só então, amplificada mil vezes nessa queda, é que ela se conheceria e diria a si mesma: entre o lado de mim de cá e o lado de mim de lá, sou a ponte onde passo e onde passam por mim.


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