Pensar além das aparências: uma introdução à Economia Ecológica Daniel Jorge Habib
Nem tudo o que reluz é ouro. Muitos ditados populares, e talvez todos, contém uma sabedoria intrínseca da tradição em que foram construídos e alimentados. Esse ditado em particular fala sobre um olhar além das aparências, além do que alguém quer que acreditem, como comprar um terreno na lua, ou como utilizar sacolas de algodão para irmos ao supermercado, ou proteína de soja, papel reciclado, água mineral de garrafa, e tantos outros objetos de consumo de nosso tempo. A Economia Ecológica pode ser descrita como um conjunto de ferramentas muito bem fundamentadas teoricamente, e que possui enorme vitalidade prática. Essas ferramentas, porém, possuem um requisito fundamental: elas exigem que você pense. Não é meramente uma aplicação de fórmulas, ou uma medição e projeção de resultados. Você precisa compreender como utilizá-las. Exemplos de usos da Economia Ecológica podem ser vistos no conceito de Pegada Ecológica, e no conceito de Água Virtual. A Pegada Ecológica é uma avaliação de impacto territorial, na qual se calcula o tamanho necessário de terra ou espaço geográfico, geralmente medido em hectares, para suportar um empreendimento, uma comunidade ou uma nação. Essas contas são feitas com base nos padrões de consumo daquela empresa, comunidade ou nação em questão. O conceito de Água Virtual é uma avaliação sobre a quantidade de água utilizada para produzir um determinado produto, como 1kg de milho, carne ou tecido de algodão; ou um carro, um computador; ou uma casa, um edifício, um shopping. Dois comentários podemos extrair a partir daqui. O primeiro, é que os fabricantes utilizam o apelo ecológico para venderem seus produtos, como no caso do algodão e da soja, que transformaram a vegetação do cerrado brasileiro em carvão para siderúrgicas e expulsaram mais de um milhão de famílias camponesas de suas terras, que agora são convertidas em regiões praticamente estéreis para a agricultura. Esta soja, além de ser usada como ração para animais de corte e domésticos, também é usada como alternativa protéica para vegetarianos do mundo inteiro; o algodão, que serve para abastecer o mercado chamado “ecológico” de sacolas retornáveis na Europa, e mais recentemente em outros países, como o Brasil. Um exemplo para ilustrar: uma sacola de algodão cru em gramatura 300g/m2, com 40cm de largura por 50cm de altura, mais as bainhas e alças, pesa cerca de 150g. Para se produzir 1kg de tecido de algodão, são consumidos algo mais que 2,1 litros de óleo diesel, ou 1,75 litros de petróleo bruto. Isso é suficiente para se fabricar cerca de 3.000 sacolinhas de supermercado, ou seja, 1 sacola de algodão consome o equivalente a 450 sacolinhas de supermercado apenas para ser fabricada. Mas veja bem: 1kg de algodão cru joga na atmosfera o equivalente a 3.000 sacolinhas de supermercado. Utilizar uma sacola de algodão, além de ser altamente poluente, significa ser um parceiro inconsciente do agronegócio, que expulsa as famílias do campo, desertifica imensas áreas de floresta, concentra renda, esgota rios e lagos, polui a terra, a água e o ar que respiramos, tudo isso para abastecer o desejo de consumo consciente da população urbana. Pensar sobre as aparências também é pensar além das aparências. E um dos hábitos que não devemos reciclar, por ser obsoleto, é o de não pensar sobre os produtos com etiqueta ecológica, e que tem sua cadeia produtiva convencional. Somos todos produtos do meio, e também seus produtores. Assim como temos rins, fígado, cérebro e coração, fomos dotados de pensamentos. Podemos usá-los para o nosso bem viver.
Fonte: EMBRAPA – Balanço Energético de Sistemas de Produção de Algodão no Cerrado do Mato Grosso do Sul http://www.cnpa.embrapa.br/produtos/algodao/publicacoes/cba6/trabalhos/Sistemas_de_Producao/Trabalh o%20SP15.pdf Arquivo da internet, consultado em 10 de abril de 2010 – às 17:55
* Educador, publicitário, filósofo, agroecólogo. Téc. Publicidade ETEC-RJ, Bsc. Filosofia UFPR, Msc. Agroecossistemas UFSC, Msc. Agroecologia UCO-Espanha, Drndo. Agroecologia UCO-Espanha.