ALGARVE INFORMATIVO #88

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ALGARVE INFORMATIVO 17 de dezembro, 2016

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JOANA SCHENKER domina bodyboard europeu e quer ir mais longe no Mundial

Loulé Wine Fest | Albufeira ganha Centro de Bem-Estar Animal ALGARVE INFORMATIVO #88 1 Misericórdia de Vila do Bispo concretiza sonhos| Presépios do Algarve


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8 - Loulé Wine Show 14 - Centro de Bem-Estar Animal de Albufeira 20 - Presépios de Vila Real de Santo António e Castro Marim 46 - Joana Schenker 56 - Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo 66 - Môce dum cabréste

OPINIÃO 6 - Daniel Pina 34 - Paulo Cunha 36 - Paulo Bernardo 38 - José Graça 42 - Bruno Inácio 44 - António Manuel Ribeiro

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Algarve continua a bater recordes… mesmo com algumas pedras no sapato Daniel Pina

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s últimos números do Instituto Nacional de Estatística não me deixam dúvidas: o turismo é o principal motor de desenvolvimento da economia nacional e o Algarve é uma peça-chave para esta realidade. De facto, entre janeiro e outubro, os hotéis da região já tinham batido o recorde de dormidas e proveitos de 2015, que tinha sido, como se sabe, o melhor ano de sempre do turismo algarvio. Para que não haja confusões, são 17 milhões de dormidas até outubro, contra 16,6 milhões do ano transato; 862,8 milhões de euros de proveitos totais até outubro, contra 758 milhões de euros em 2015; 3,76 milhões de hóspedes até outubro, contra 3,66 milhões de hóspedes em todo o ano passado. Junte-se a isso também um número mínimo recorde de pessoas inscritas nos Centros de Emprego da região, portanto, penso que estamos todos esclarecidos de que o Algarve tem sido um dos grandes responsáveis por Portugal ir saindo, calma e gradualmente, da crise em que esteve mergulhado na primeira metade da década. Claro que, para quem está no Algarve, estes resultados não constituem nenhuma surpresa. Os empresários da hotelaria, restauração e serviços sentiram, no dia-a-dia, um maior número de clientes, um negócio acima do esperado mesmo depois de ter terminado o mês de agosto, prolongando-se esta azáfama por setembro e outubro, mesmo em novembro nalguns pontos da região. É o reflexo da aposta em novos produtos, já não vivemos apenas do sol e mar, nem sequer tãosomente do golfe na época baixa. Cresceu o turismo sénior, com visitantes que adoram o Algarve para desfrutar da paisagem, da cultura, da gastronomia, que aqui fazem as suas caminhadas e passeios de bicicleta. Subiu o segmento da observação de aves, das atividades náuticas, vieram mais apaixonados pela arqueologia e geologia, pela história. Visitantes que, na maior parte dos casos, até têm maior poder de compra do que os tradicionais turistas que enchem o Algarve durante julho e agosto e

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que se limitam a andar do hotel para a praia e da praia para o hotel. O turista que chega depois de setembro tem mais dinheiro para gastar, vem vários dias, visita diversos pontos da região, come nos restaurantes locais, frequenta museus e outros equipamentos culturais. E para isso também contribuiu uma agenda cultural mais rica, com atividades a acontecerem praticamente todos os dias e em todos os pontos do sotavento e barlavento, mercê do programa «365 Algarve», mas também das próprias autarquias, que aumentaram a oferta dos seus teatros e auditórios municipais. Por isso, quem está no Algarve todo o ano, não estranhou os dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística. E também não diz que o Algarve só está bem de saúde porque alguns dos seus principais destinos concorrentes atravessam momentos conturbados, nomeadamente por falta de segurança, o que afasta, como é óbvio, milhões de turistas. Quem está no Algarve pensa, sim, como seriam estes resultados se o poder central decidisse ajudar mais os autarcas e empresários locais. É certo que os nossos governantes têm andado numa roda-viva pelo Algarve nos últimos tempos e é rara a semana em que não temos por cá uma mão-cheia de ministros ou secretários de estado. Uns vêm assinar protocolos e programas que já deviam existir há uma série de anos. Outros vêm inaugurar equipamentos que já deviam estar em funcionamento há não sei quanto tempo. Mas o mais importante continua por fazer. A abolição das portagens na Via do Infante, para aliviar o trânsito na EN 125 e para evitar as tristes imagens dos visitantes espanhóis em filas enormes sempre que querem vir ao Algarve no mês de agosto. Mas também a tão prometida requalificação da EN 125, porque há pontos em que a estrada está em condições vergonhosas. Imagine-se, então, como seriam os resultados do turismo algarvio sem estes dois constrangimentos .

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Mercado Municipal de Loulé encheu para o 1.º Loulé Wine Fest O Mercado Municipal de Loulé foi palco, no dia 10 de dezembro, da primeira edição do «Loulé Wine Fest», organizado pelas turmas dos Cursos Vocacionais e pelo Curso de Educação e Formação, na variante de Restaurante-Bar, do Agrupamento de Escolas Eng.º Duarte Pacheco, de Loulé. O evento arrancou, porém, no dia anterior, com a realização de um master class e prova de vinhos para autarcas, empresários e jornalistas. Texto:

Fotografia:

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Em cima: o mestre WSET Gilmar Brito

A Vereadora da Câmara Municipal de Loulé Ana Machado e Carlos Alberto Fernandes, Diretor do Agrupamento de Escolas Eng.º Duarte Pacheco

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Mercado Municipal de Loulé foi o local escolhido pelas turmas dos Cursos Vocacionais e Curso de Educação e Formação, na variante de Restaurante-Bar, do Agrupamento de Escolas Eng.º Duarte Pacheco, de Loulé, para levar a cabo o

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primeiro «Loulé Wine Fest», no dia 10 de dezembro, entre as 16h e as 21h. O evento contou com o apoio da Câmara Municipal de Loulé e da empresa municipal «Loulé Concelho Global» e pretendia dar a conhecer ao grande público as várias empresas do concelho ligadas ao setor dos vinhos.

Outro objetivo da iniciativa é relançar Loulé como uma referência nacional neste tipo de mostras vitivinícolas, algo que aconteceu, num passado não muito longínquo, através da feira «Algarvini». Por se tratar de uma primeira edição, este ano participaram ALGARVE INFORMATIVO #88


de Loulé a receber centenas de visitantes naquele final de tarde.

apenas empresas do concelho de Loulé, mas a ideia, de acordo com a organização, é abrir as portas do certame a empresas nacionais e internacionais. De qualquer modo, no seu ano de estreia, o sucesso foi assinalável, com o Mercado Municipal ALGARVE INFORMATIVO #88

O pontapé de saída do «Loulé Wine Fest» aconteceu, porém, na noite anterior, com a realização de um Master Class com mestre WSET português Gilmar Brito, onde diversos autarcas do concelho, empresários e membros da comunicação social foram convidados para participar numa prova de vinhos e assim ficarem melhor familiarizados com os segredos deste setor que está a conhecer um novo fulgor em terras algarvias . 10


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Carlos Silva e Sousa, presidente da Câmara Municipal de Albufeira, Isabel Machadinho, preponente do projeto, e Ana Pífaro, coordenadora do Orçamento Participativo de Albufeira

Albufeira ganhou Centro de Bem-Estar Animal Foi inaugurado, no dia 14 de dezembro, o Centro de Bem-Estar Animal de Albufeira, o projeto vencedor da edição de 2015 do Orçamento Participativo deste concelho. A capital do turismo algarvio ganha, assim, uma estrutura importante para acolher e tratar de animais, sobretudo gatos e cães, com vista a uma mais fácil e rápida adoção. Texto:

Fotografia:

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asceu, nas Instalações Municipais de Vale Pedras, em Albufeira, o Centro de Bem-Estar Animal, obra orçada em 60 mil euros e que foi a vencedora do Orçamento Participativo de 2015 deste concelho, numa ideia proposta por Isabel Machadinho. Na inauguração do novo equipamento, no dia 14 de dezembro, Ana Pífaro, destacou a visão do edil Carlos Silva e Sousa ao colocar nas mãos dos cidadãos uma ferramenta que lhes permite ter uma participação ativa nas escolhas feitas no município. “O OP tem vindo a subir de ano para ano, não só ao nível de participação da população, mas também da verba disponibilizada pela autarquia e que será, em 2017, de 250 mil euros. Isto possibilitará que se coloquem em prática grandes e bons

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projetos”, revelou a coordenadora do Orçamento Participativo de Albufeira. Ana Pífaro endereçou igualmente uma palavra especial a Isabel Machadinho, a preponente do projeto do Centro de Bem-Estar Animal de Albufeira, bem como a todos os técnicos municipais pelas horas que despenderam para tornar realidade um projeto que era novo no concelho. “Foi muito tempo gasto fora do horário de trabalho, indo de freguesia em freguesia, a explicar às pessoas como tudo funcionaria. Ninguém tinha experiência nesta matéria e tenho a certeza que os próximos projetos serão ainda melhores. Os munícipes estão mais ativos e espero que reconheçam o esforço que a Câmara Municipal de Albufeira faz

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para colocar esta verba à sua disposição”. Muito satisfeito mostrou-se Carlos Silva e Sousa, pela concretização da obra em si, mas por verificar, também, que os cidadãos estão a participar mais nas decisões do dia-a-dia das suas terras. “Aquela história do poder político estar distante da população e ‘eles que façam’ não faz sentido nos tempos modernos. O OP tem a virtude da realização decorrente das ideias que chegam das pessoas e mesmo as que não são vencedoras não deixam de ser válidas e podem, inclusive, vir a ser aproveitadas pela autarquia no futuro”, frisou o presidente da Câmara Municipal de Albufeira. O edil destacou igualmente o entusiasmo e entrega dos funcionários da autarquia ao OP e defendeu que esta interligação entre políticos e cidadãos tem que ser cada vez mais forte e constante. “Para as pessoas se sentirem representadas, para perceberem que são objeto de atenção e que as suas palavras são ouvidas e concretizadas, como é o caso deste Centro de Bem-Estar Animal. Começamos o OP com alguma timidez e com fortes limitações financeiras, mas existe uma vontade muito grande da nossa parte em que ele seja uma realidade mais forte no futuro”, afirmou Carlos Silva e Sousa. “As pessoas devem todas remar para o mesmo lado. Não ALGARVE INFORMATIVO #88

podemos esquecer as nossas responsabilidades para as gerações futuras, ou seja, não devemos gastar hoje o que os nossos filhos e netos vão pagar mas, dentro das nossas possibilidades, temos que fazer o melhor possível”. Sobre a obra que estava a ser inaugurada neste dia, o presidente considerou que os animais devem ser olhados e tratados com a dignidade que merecem. “Só assim uma população se pode considerar minimamente justa e evoluída. Os animais domésticos são grandes amigos que temos, são de uma lealdade extraordinária, e não podem ser abandonados só porque estão mais velhos e deixaram de ter tanta graça, ou porque vamos de férias durante o Verão”, criticou Carlos Silva e Sousa. “Fico muito feliz por dizer que, em Albufeira, tratamos bem os nossos animais e é importante motivar as pessoas para a sua adoção. Este é um projeto bonito, de amor, e estamos todos de parabéns” . 16


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Presépio Gigante anima Vila Real de Santo António

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presépio gigante de Vila Real de Santo António regressa aos recordes e, em 2016, fixa a sua fasquia nas quatro mil e 500 figuras, apresentando muitas novidades na sua 14ª edição. Afirmando-se como um dos maiores presépios do país e o maior do Algarve, integra na sua construção mais de 20 toneladas de areia, quatro toneladas de pó de pedra e 2500 quilos de cortiça, numa área com mais de 220 metros quadrados, em pleno Centro Cultural António Aleixo. Somam-se a esta extensa lista 160 metros quadrados de musgo e uma mega base de suporte onde se localiza toda a área técnica da estrutura o que permite, por exemplo, o funcionamento dos lagos, a iluminação das casas e os efeitos cénicos. Para dar vida a este presépio foram necessários mais de 40 dias e duas mil e 500horas de trabalho. Os preparativos começaram há quase um ano, com a construção das centenas de figuras e adereços, tudo feito nas instalações da autarquia. Uma das razões do sucesso do presépio gigante de Vila Real de Santo António está nos relevos, cenários e figuras que lhe dão vida, muitas delas mecanizadas e animadas, fator que o distingue de todos os outros existentes no país. ALGARVE INFORMATIVO #88

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Para surpreender os milhares de visitantes, a configuração volta a apostar na inovação, este ano com muitas peças novas, onde se destacam diversas casas e até um porto de pesca. A recriação de muitos episódios cristãos e pagãos associados à quadra natalícia são outros dos atrativos. Este trabalho tem a assinatura de Augusto Rosa e Teresa Marques, dois funcionários autárquicos que contaram com a colaboração de Joaquim Soares, Telmo Crispim e João Gomes. Ao longo dos anos, o ALGARVE INFORMATIVO #88

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presépio gigante tem também ganho notoriedade dentro e fora do país. Além de ser um dos eventos mais carismáticos da quadra natalícia no Algarve, é já uma referência internacional, a avaliar pela quantidade de visitantes espanhóis e de turistas holandeses, alemães, franceses e britânicos. As entradas no presépio têm o valor simbólico de cinquenta cêntimos, verba que reverte a favor do Centro de Acolhimento Temporário «Gente Pequena» da Santa Casa da Misericórdia de Vila Real de Santo António, instituição que tem por finalidade o acolhimento de

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crianças e jovens, em situação de risco, dos 0 aos 18 anos. O presépio gigante de Vila Real de Santo António está patente ao público no Centro Cultural António Aleixo, até ao dia 8 de janeiro de 2017. Pode ser diariamente visitado das 10h às 13h e das 14h30 às 19h. No dia 1 de janeiro estará aberto das

Texto: Fotografia:

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Castro Marim inova com presépio feito de Sal Texto:

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Fotografia: m Castro Marim, a Casa do Natal pode ser visitada até dia 6 de janeiro, de segunda a sábado, entre as 9h30 e as 12h30 e das 14h às 17h30. Aos domingos e feriados, o horário é das 14h30 às 18h. A novidade este ano é a aposta no sal de Castro Marim como matéria-prima deste presépio gigante.

A iniciativa é da Junta de Freguesia de Castro Marim e promove deste modo o grande motor económico, social e cultural de Castro Marim, salientando a ligação simbiótica de Castro Marim à atividade salineira. Para a construção deste presépio foram necessárias três toneladas do «melhor sal do mundo» e um mês de trabalho para reunir esculturalmente as cerca de três mil e 500 peças que o compõem .

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Quando o choque tecnológico nos choca Paulo Cunha

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u sei que qualquer «choque tecnológico» custa a «engolir» se não for acompanhado por um choque cultural que nos leve a adaptar os nossos usos e costumes a uma constante nova realidade onde, diariamente, a tecnologia dita regras. Mas o que fazer quando, mesmo assim, tais mudanças nos chocam? Ponderei o suficiente antes de escolher este tema como desabafo, pois sei que, podendo parecer o «bota-de-elástico» que um dia, eventualmente, já poderei ter criticado, muitos de vós dirão que não deveremos contrariar os sinais dos tempos. Tomada de posição com a qual concordo, quando a mesma não interfere e influi no bem-estar emocional e no saudável crescimento intelectual dos nossos jovens. Sendo do tempo em que os intervalos escolares serviam para, como o nome indica, intervalar e intercalar as aulas com atividades lúdicas, onde as crianças e os jovens podiam exteriorizar o que as suas hormonas (aos saltos) então lhes pediam, e onde a atividade física fosse o contraponto indicado (e desejado) para o imobilismo da teoria aprendida na sala de aula, confrange-me - hoje - passar por tantos jovens saudáveis e vê-los sentados «agarrados à máquina». Com um utensílio que de telemóvel pouco tem, pois mais parece uma reduzida consola de jogos, são cada vez mais os alunos que trocam o salutar convívio entre si por uma completa alienação digital onde a atração pelo jogo, a comunicação virtual e a partilha efémera de um quotidiano veloz e inconsequente tomou conta dos seus merecidos e necessários momentos de lazer. Facilmente se substituiu as brincadeiras e convívios, que hoje nos fazem recordar com saudade e nostalgia os momentos da infância e da juventude, por momentos onde a satisfação ALGARVE INFORMATIVO #88

imediata e fugaz nada mais acrescenta do que uma mera passagem do tempo. Aliás, são os próprios jovens os primeiros a reconhecer a total falta de propósito e de causa-efeito no tempo em que desbaratam o seu «tempo de qualidade». Já não bastando as solicitações tecnológicas que lhes povoam as suas casas, onde no recato do lar se poderão entregar a todo tipo de devaneios virtuais, assistimos a um isolamento auto-imposto num espaço que, para além da aprendizagem, se pretende que seja também de partilha, de comunicação, de interação e até de diversão. Em nome de um entretenimento inconsequente, presencio - não impávido nem sereno - ao desbaratar de um tempo único, precioso e insubstituível na formação intelectual, social, e principalmente, emocional dos nossos jovens. A quantidade é tanta e tão variada na panóplia tecnológica que é «oferecida» a estes alvos privilegiados (e apetecíveis), que tudo o que hoje é o melhor, amanhã deixa de o ser com a facilidade de uma mudança para a última atualização. Daí a teia em que, sem sabermos nem darmos conta, nos vemos enredados por interpostas pessoas. A novidade toma conta do quotidiano dos que nos seguirão com a velocidade e voracidade dos dias, sem que nada possamos fazer para os devolver ao prazer de viver e contemplar a natureza dos dias feitos de, e com humanidade. Sendo apologista das novas tecnologias, luto diariamente através dos meus parcos recursos para que o choque tecnológico seja algo que nos ajude a «saborear» a vida, e não uma fonte de manipulação por parte de quem a deseja sugar. Por isso e por muito mais: façamos a nossa parte para que o mundo real não nos coloque à parte!. 34


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António Guterres Paulo Bernardo

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embro-me da última vez que apertei a mão a António Guterres, foi uma experiência muito enriquecedora como pessoa para mim. Tinha vivido os anos eufóricos do Guterrismo em que arrastava multidões e entrava em comícios ao som da música do grego Vangelis «Conquest of Paradise», tema-chave do filme «1492». Naquele dia em Faro recordo um Guterres frágil e desacompanhado, numa ação de campanha para o presidente Luís Coelho. Vinha inaugurar uma exposição com as obras feitas no concelho. Tudo estava feito à medida do Guterres das entradas triunfantes mas, naquele dia, o povo não compareceu e Guterres, com um ar frágil e cansado, apertou a mão de uma forma frágil. Naquele dia aprendi que o povo esquece facilmente quem aclamava anos antes. Naquele dia, se tivesse que escolher uma banda sonora, seria o tema do filme o «Gladiador», «Now We Are Free», de Hans Zimmer & Lisa Gerrard. Poucos dias depois Guterres, num ato inesperado, demitiu-se para evitar que o país caísse num «pântano político». Contudo, é nas derrotas que os grandes carácteres se reconhecem e foi nessa fase, que também não foi fácil familiarmente, que o homem se reencontrou e se preparou para uma missão também bastante nobre de fazer aquilo que ele sabe melhor: a política para as pessoas e para melhorar o mundo que tem à sua volta. Foi criando uma carreira de mérito fora do seu país de origem, sina para a qual este povo português está talhado, pois somos muitas vezes bem mais reconhecidos fora de que dentro de portas. Este homem começou por ser Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, onde, numa fase tão difícil do ALGARVE INFORMATIVO #88

mundo, não se lamentou e usou todas as suas forças para amparar quem mais necessita neste mundo estranho. Fazendo o seu trabalho com amor e honestidade, foi escolhido, apesar de todas as pressões, 9.º Secretário-Geral das Nações Unidas. Teve o bom senso de não se candidatar a Presidente da República, a sua visão era outra, não entrou na guerra da politiquices e conseguiu fazer a quadratura do círculo. Hoje, temos um país unido à volta de Guterres, mas também à volta de Marcelo, de quem é amigo de longa data. No meio deste mundo estranho e sem coração, vão surgindo algumas pessoas que, pelo seu perfil, mudam toda a lógica do estado instituído, o Papa Francisco, António Guterres e localmente Marcelo. Razões que me fazem acreditar que o mundo pode ser melhor, apesar de tudo o que se vive. Parabéns António Guterres, obrigado pelo exemplo. Parabéns também Papa Francisco, pelos seus oitenta anos e pela forma doce com que se aproxima do verdadeiro cristianismo, pensando nas pessoas e não nos corredores bafientos da cúria romana. Como eu digo, o mundo são as pessoas, não existe mais nada para além disso. Se conduzirmos as políticas em função das pessoas, o mundo será diferente. Hoje, e como estamos próximos do Natal, quero-vos desejar a todos um Natal com as pessoas de quem gostam, com a sensação de paz e que a mesma se prolongue por muito tempo .

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Prendas de Natal José Graça

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sta semana foi pródiga em boas notícias relativas ao Algarve desde as grandes lutas da região aos dados mais recentes sobre a evolução da atividade económica, demonstrando o acerto do rumo escolhido pelos Algarvios nas legislativas de 2015… Apesar de alguns procurarem apagar a memória os seus insucessos e omissões, por uma questão de rigor e transparência da atividade política, o Algarve e os Algarvios merecem saber sempre aquilo que corre menos bem ou vai evoluindo como desejado. Mais, os cidadãos devem ser envolvidos na ação governativa, chamados a participar na gestão e nas grandes decisões da rés pública e os seus representantes nos órgãos políticos devem prestar contas com regularidade e seriedade, tanto a nível nacional, com a nível regional e local. Só assim se recupera a credibilidade da mais nobre das missões: servir os outros! Apesar dessa fuga para a frente que alguns fizeram valer na última sessão da Assembleia Intermunicipal, procurando apagar cinco anos de total abandono da região e desprezo pelos Algarvios no setor da saúde, foi possível aprovar a moção apresentada pelo PS em defesa do Novo Hospital Central do Algarve, mesmo que mutilada da cronologia que recordava um longo processo de trabalho e conquistas. Não foi por unanimidade, como se justificaria, perante a relevância estratégica deste projeto, mas foi remetida ao Governo demonstrando a nossa capacidade para estarmos juntos pelo Algarve! E foi esta capacidade de nos unirmos e lutarmos pelos nossos interesses que permitiu alcançarmos uma primeira vitória no combate contra a pesquisa e exploração de gás e petróleo no Algarve, com o anúncio da intenção do Governo de rescindir os contratos com a Portfuel (onshore) e com a Repsol/Partex (offshore), coroando de sucesso os esforços conjuntos de autarcas (de todos os autarcas!), dos agentes económicos e da sociedade civil, cuja mobilização foi excecional! Como se tudo isto não bastasse, o Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou dois conjuntos de estudos com particular incidência na economia

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regional. Por um lado, anunciou o aumento da atividade turística potenciado essencialmente pelo dinamismo do mercado interno, cifrando-se em mais 14,2% no Algarve, tendo a região sido o destino com maior procura (34,3% do total de dormidas). Segundo a Região de Turismo do Algarve, entre janeiro e outubro deste ano, registaram-se já mais dormidas e proveitos do que em todo o ano de 2015, que tinham sido os melhores resultados de sempre na região, totalizando 17 milhões de dormidas até 31 de outubro. Contudo, as melhores notícias estavam reservadas pela sexta-feira, quando o INE revelou que o Algarve foi a região do País com maior crescimento. De acordo com os resultados preliminares de 2015, o Algarve (2,7%) registou um acréscimo real do PIB superior à média nacional (1,6%), para o que contribuiu decisivamente o aumento do VAB dos ramos do comércio, transportes, alojamento e restauração, cujos volumes variaram, respetivamente, 4,6%, 3,5% e 3,9%. Por seu lado, nas contas regionais finais de 2014, verifica-se que o PIB nacional registou um acréscimo nominal de 1,7%, apresentando variações positivas em todas as regiões, mas destacando-se novamente o Algarve (4,3%), o que demonstra uma dinâmica de crescimento sustentado que devemos preservar e valorizar, envolvendo todos os agentes económicos e mobilizando a sociedade civil. Para fechar a semana, assistimos à apresentação pública da estratégia regional de especialização inteligente do Algarve assente no turismo e no mar, matérias consolidadas na economia regional, numa perspetiva de variedade relacionada em articulação com outros setores de elevado potencial (agroalimentar, energias renováveis, ciências da saúde e da vida ou TIC e atividades culturais, por exemplo), que permita o desenvolvimento económico sustentado, a redução das consequências nefastas da sazonalidade e o reforço da coesão social. Porque, como diz o povo, não há duas sem três… prendas de Natal! . (Membro do Secretariado Regional do PS-Algarve e da Assembleia Intermunicipal do Algarve)

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O médico do guarda-chuva/20/ Passagem de ano/Algarve Central Bruno Inácio

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médico do guarda-chuva

Foi larga a indignação que se viu nas redes sociais e na imprensa com a foto do médico que segurava numa mão um guarda-chuva enquanto aparentemente atendia um paciente. O episódio foi registado esta semana na Unidade de Saúde Familiar situada num conjunto de contentores junto ao Centro de Saúde de Loulé. Mais do que esgrimir argumentos políticos sobre quem tem a culpa passada e presente sobre o sucedido, este é acima de tudo um triste episódio para a região que nos últimos 20 anos não teve a consideração e o respeito que se lhe exige. É mais um episódio a somar a tantos outros de uma longa e penosa agonia vivida perante um estado central que não entende a necessidade de um investimento sério na região. Perdemos todos com isso, inclusive aqueles que por ação ou omissão nada fizeram para alterar o estado das coisas.

20 Faro é uma das vinte cidades do país com itinerário acessível para pessoas com mobilidade reduzida no site do turismo de Portugal. Para o conseguir, foi necessário investir em alterações tão básicas como passeios que permitam a circulação de cadeiras de rodas sem qualquer obstáculo. Este investimento é constante no tempo e obriga a cuidados redobrados na manutenção do espaço público. São boas notícias não só para Faro mas para o país que começa a acordar para questões que tanto têm de respeito para quem menos capacidade de locomoção tem, como de atrativo para quem escolhe o seu destino de férias ou para viver. O caminho faz-se caminhando, e neste caso com condições de acessibilidade para todos.

litorais, que procuram atrair turistas e residentes para a noite mais festejada do ano. O investimento realizado pelas autarquias é grande e deve ser acompanhado por uma lógica de divulgação em rede por forma a potenciar a atratividade da região. Nem sempre é fácil colocar todos a trabalhar em conjunto, mas o caminho realizado nos últimos anos tem sido esse. Uma mentalidade de cooperação pró-ativa dos dirigentes dos organismos regionais e dos autarcas tem contribuído para esta lógica de trabalho que sendo consistente no tempo continuará a nos trazer resultados positivos. Algarve Central É onde a Associação In-loco vai lançar um plano para qualificar os agricultores. O INFOAGRI – Informação Agrícola no Algarve Central irá ser formado por um conjunto de iniciativas de sensibilização e informação com vista a qualificar a potenciar a prática agrícola nesta área do território. Esta ação carrega em si um simbolismo que me parece importante sublinhar. A diversificação das nossas atividades económicas é uma aposta que devemos continuamento fazer. Certo que o turismo continuará a ser a principal atividade da região e que devemos ser capazes de o qualificar, no entanto é igualmente importante diversificar a economia regional. O sector primário, a agricultura e o mar são áreas que a ação de muitos empreendedores provou serem áreas de futuro .

Passagem de Ano no Algarve A região prepara-se para apresentar um conjunto de espetáculos, um pouco por todas as cidades

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A dança das folhas caídas António Manuel Ribeiro

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oram vistosas desde a Primavera, alimentaram bichinhos e esconderam pardais, deram sombra e cor às alamedas, perderam há semanas o verde da clorofila, acastanharam com manchas figadais, desprenderam-se das hastes mais finas à porta do Inverno, ninguém na pressa do atraso as viu cair, hoje rolam pelo chão da cidade. Os plátanos da minha cidade. Folhas secas rodopiam, dançam com a valsa do vento matinal a meus pés, deitam-se ao Sol no capot do carro e seguem por alguns metros na preguiça quente até que a deslocação do ar as coloca de novo a pairar, fogem para lá da minha vista. O Outono do primeiro sono vai chegar ao frio molhado da invernia e a natureza irá despertar por botões de fulgor o renascimento, esse natal ancestral pagão que as religiões adoptaram para dar vida aos filhos de deuses: Krishna, Hórus, Mitra, Jesus entre outros e todos com os mesmos milagres no currículo. Nos homens há dificuldade em evoluir, mudar, percepcionar os erros de análise do tempo, as trincheiras do medo a que chamam convicção. Depois do tubo de ensaio da I República, Salazar, por 36 anos chefe do governo do rectângulo, impediu pela força e usurpação do direito que os cidadãos se agrupassem em partidos e com a sua diversidade contribuíssem para o florescimento da nação – ele sabia como se fazia, Hitler foi assim, Franco ou Estaline seguiram o exemplo, e tantos outros até aos nossos dias a tratar sociedades como servos da gleba medieval. Quando Hitler chegou ao poder em 1933 perseguiu, deportou e chacinou em campos de concentração comunistas, social-democratas, ciganos e minorias que punham em causa o seu ideal de raça ariana pura e a ideologia nacionalista unificada. É ténue a linha entre nacionalismo e patriotismo, e um ditador, qualquer ditador, é um usurpador que, apoiado pela propaganda que gera o medo, a conspiração interna e os inimigos externos, utiliza uma nação segundo a sua esquizofrenia. Em 1974, em Portugal, a social-democracia, construtora do modelo (querido por todos) do estado social europeu, não era de direita; hoje dizem

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que é. E talvez seja na prática, Sá Carneiro já lá vai e ainda hoje se aguarda que um estado de direito aponte os culpados do atentado de Camarate. Tenho amigos que se proclamam de esquerda, uns até dançariam (ainda) sobre a campa desse primeiroministro vergonhosamente assinado, já não saberão muito bem porquê, mas o folclore da tradição é assim mesmo – seguimos em frente. Quando a conversa com um desses amigos, que fazem a proclamação da esquerda por tudo pedirem, descamba (é um estado de espírito que não abandonam), são ágeis a apontar neo-liberais em cada esquina e desvios de direita por atacado. Esqueceram a génese do liberalismo e o que trouxe à evolução da civilização ocidental sob a pata absolutista. Vão contentes, o refrão é repetido, ninguém questiona e as coisas têm de ter nomes. Alguns soam bem. Por vezes, no discurso que se ouve nos telejornais, que os assessores dos líderes anotam ao segundo para a tirada bombástica a horas certas, fico com a impressão que há portugueses, às vezes em minoria mas com muito ruído – os tambores na guerra tinham o mesmo efeito – que gostariam, se pudessem, de varrer outros portugueses para o oceano e deixá-los partir numa jangada inspirada em Saramago – de pedra não voga, vai ao fundo. Dividir é gostoso, anima o circo dos fiéis e esconde o que aí vem. Enquanto não respirarmos como um todo, com diferenças mas pontos comuns, estaremos entregues às intempéries que atingem os mais frágeis – a isso chama-se desgraça por tradição. Dentro do país há sempre o espectáculo de um cavalo de Tróia. Ser de esquerda e não evoluir é ficar um conservador envelhecido, o contrário do que a revolução promete. O tempo só volta para trás na canção. Os desabafos vão no vento como as folhas secas espalhadas pela cidade. Um disco: Miles Davis «In Concert», um duplo CD com uma capa de grande beleza. Pertence à melhor época – para mim – do Miles, curiosamente aquela que o afundava nas drogas. Como Jimi Hendrix na guitarra, um trompete à solta sem limites .

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JOANA SCHENKER DOMINA BODYBOARD EUROPEU E QUER IR MAIS LONGE NO MUNDIAL Terminou há duas semanas a temporada desportiva para Joana Schenker e 2016 foi, de facto, um ano de ouro para esta atleta alemã nascida e criada em Sagres, pois revalidou o título de campeã nacional e de campeã europeia de bodyboard. Mais do que isso, no primeiro ano em que disputou todas as provas do Mundial da modalidade, alcançou um prestigiante quarto lugar. Contudo, não há muito tempo para festejos e já começaram os preparativos para a próxima época, pois a feroz concorrência quer contrariar a hegemonia de Joana Schenker no bodyboard do velho continente. Texto:

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Algarve é assim: meados de dezembro, o sol brilha no céu limpo de nuvens, as temperaturas estão excelentes para a época do ano que se atravessa. Claro que, dois dias depois, a chuva chegou finalmente, mas nesta manhã de segunda-feira o tempo estava, de facto, fantástico e não nos admiramos por encontrar Joana Schenker bem cedo na Praia do Tonel, em Sagres, de fato vestido, prancha debaixo dos braços, a entrar pelo mar adentro para treinar, ou desfrutar, das ondas da costa vicentina. É dentro de água que melhor se sente esta alemã de 29 anos nascida em Vila do Bispo, tendo começado a praticar bodyboard logo aos 13 anos.

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Para trás estavam os festejos de mais um título de campeã nacional e de campeã europeia, bem como a euforia de ter concluído o exigente campeonato do mundo na quarta posição, num ano em que praticamente tudo lhe correu bem. “No Nacional e no Europeu, o objetivo era voltar a ganhar, mas todos os anos a tarefa está mais difícil, a concorrência anda a treinar bastante. No Mundial, as expetativas eram mais baixas, pretendia apenas ficar no Top 10. A primeira parte da temporada nem foi muito positiva mas, quando as provas vieram para a Europa, consegui recuperar os pontos e até fiquei em terceiro lugar. Depois, no desempate, terminei na quarta posição”, conta Joana

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Schenker, supercontente pelos resultados alcançados. Recuando ao passado, percebemos que a entrada da jovem para este desporto foi previsível, depois dos pais terem escolhido o Algarve para criar a família num ambiente mais natural e tranquilo. Isto porque, no concelho de Vila do Bispo, o bodyboard é rei e senhor e nem se colocou a hipótese de experimentar o surf, modalidade que atrai tantos estrangeiros ao longo de todo o ano. “Estamos num sítio onde o mar está mesmo ao alcance da mão e qualquer miúdo que queira praticar desporto vai para o bodyboard. Claro que, naquele tempo, havia menos mulheres na água, mas desfizeram-se alguns preconceitos que existiam e Vila do Bispo tem uma grande tradição nesta modalidade. Mesmo hoje os líderes de opinião, os miúdos mais fixes da escola, fazem bodyboard, há pouca gente no surf”, observa a entrevistada, sempre de sorriso nos lábios. Todos praticarem não é o mesmo, claro, que todos tornarem-se atletas profissionais, mas o sonho foi ganhando força e alicerces em Joana Schenker à medida que ia dando passos sólidos nas camadas jovens. “Mais tarde, na primeira vez que competi no Open, fiquei logo em segundo lugar, as coisas foram crescendo gradualmente e, de repente, estava praticamente toda focada no bodyboard. Mas 2016 foi o primeiro ano em que posso dizer que vivi apenas da modalidade”, explica, acrescentando que a vertente desportiva nunca prejudicou o percurso 49

académico. “Só quando concluí o ensino secundário é que tive que fazer uma opção – ir para a universidade ou seguir no bodyboard – porque era impossível conciliar um curso superior com o calendário das provas”, reconhece. Um percurso onde contou com o total apoio dos pais, aliás, a mãe ia sempre levá-la e buscá-la à praia, pelo que não foi nenhuma surpresa quando a filha fez a sua escolha. Opção da qual nunca se arrependeu, mesmo consciente das dificuldades que é arranjar apoios financeiros para participar nas provas. “Ninguém faz bodyboard a pensar no dinheiro que vai ganhar, temos os pés bem assentes no chão, mas, quando gostamos a acreditamos realmente de algo, damos o nosso melhor. Não somos o típico atleta que fica alojado num hotel durante as competições ou que viaja de avião em primeira classe, tentamos fazer as coisas sempre da maneira mais barata e, no meio disto tudo, fazemos muitos amigos e vivemos experiências incríveis”, destaca Joana Schenker.

A técnica é fundamental, mas a estratégia também Finalizada uma época de sonho, começa a árdua tarefa de reunir os apoios necessários para participar nas provas do Nacional, Europeu e Mundial durante 2017, ao mesmo tempo que treina dia sim, dia sim, desde que as condições o permitam. ALGARVE INFORMATIVO #88


“Convém saber logo o orçamento que tenho disponível para o ano todo para decidir as provas em que participo. Depois, é o mar que manda. Se estiver bom, vou surfar logo de manhã, se estiver muito bom, passo o dia todo na praia. Quando não há ondas, treino fora de água”, descreve, garantindo que nunca se cansa de estar dentro de água. “Mesmo quando o tempo está pior temos que praticar, porque nem ALGARVE INFORMATIVO #88

sempre as ondas estão como gostaríamos quando vamos para alguma prova. Aliás, muitas vezes estão exatamente o contrário do que queremos e temos que nos adaptar, se as ondas estão grandes ou pequenas, se está frio ou a chover. Mas não trocava isto por nenhum outro emprego”, assegura. Condições naturais para treinar não 50


nós e outras em que sentimos mais dificuldades, e treinamos em função disso. Este ano fui ao Chile e as ondas de lá são das mais perigosas do mundo, em fundo de rocha, não se assemelham a nada do que temos na Europa, o que aumentou o desafio. Nessas situações, se o orçamento permitir, é aconselhável fazer algumas viagens para treinar em ondas diferentes e mais difíceis”, refere a campeã nacional e europeia.

Foto: Francisco Pinheiro

faltam a Joana Schenker mas, lá está, cada prova é diferente, cada local tem as suas características, que podem variar de uma semana para a outra, ou seja, um atleta nunca sabe bem o que vai encontrar até chegar ao seu destino. “É por causa dessa incógnita constante que temos que estar preparados para tudo. Sabemos quais são os nossos pontos fortes e fracos, que há ondas que são melhores para 51

Depois, no calor da competição, cada atleta tem 20 minutos para surfar duas ondas, o que obriga a ter a estratégia bem definida, a esperar pelo momento certo, pela onda mais indicada, para atacar os pontos. “Sem técnica não se faz nada, mas é preciso inteligência e calma para gerir bem o hit, ver como vêm as ondas, qual o espaço em que entram. São muitos fatores a dominar para se conseguir ganhar campeonatos e penso que isso tem feito a diferença nos últimos três ou quatro anos”, analisa Joana, pensativa. “Sempre tive uma boa técnica, mas não sabia estar na competição. Faltava a estratégia, aquela garra para se acreditar até ao último momento que ainda conseguimos dar a volta ao hit. Não é só o físico que interessa, a experiência conta bastante”. O que conta também é a equipa de apoio, de suporte, mas são raros os atletas de bodyboard que se podem dar a esse luxo, face aos ALGARVE INFORMATIVO #88


constrangimentos financeiros. Prova disso é que Joana Schenker é a sua própria nutricionista e preparadora física, mas não esquece o importante papel desempenhado pelo companheiro, Francisco Pinheiro, também ele praticante e treinador. “Mas nem sempre ele pode acompanhar-me nas provas e este ano fui sozinha para as etapas do Brasil e do Chile, precisamente aquelas onde tive piores resultados. Há alguns atletas que levam um treinador e um cameraman, porque este desporto vive bastante das imagens, sobretudo em locais com ondas boas, mas muitos vão completamente sozinhos”, indica. Independentemente de todos estes constrangimentos, Joana Schenker conta que existem muitos atletas, e de qualidade, de bodyboard no nosso país e Portugal até já teve duas campeãs do mundo desta modalidade. “Ninguém nos despreza a nível internacional e eu também não era uma desconhecida no circuito mundial, porque participava normalmente nas provas que tinham lugar na Europa. Somos atletas bastante respeitados no meio”, salienta, antes de abordar as expetativas para 2017. “Claro que quero revalidar os títulos do Nacional e do Europeu, mas seria um disparate da minha parte pensar que está tudo ganho à partida. E gostava de ir mais a sério para o Mundial, mesmo que não fique melhor posicionada no ranking final. Ainda não sei onde vão ser todas as etapas, mas quero surfar melhor do que este ano. Depois, tudo depende da prestação das adversárias e da sorte que temos em cada prova, porque há ALGARVE INFORMATIVO #88

algumas que valem mais pontos para o ranking do que outras”, afirma a entrevistada. As expetativas são, assim, altas, a confiança também, porque Joana Schenker está no seu pico de forma. Agora, tudo depende daquilo que ela não controla diretamente, os apoios financeiros, mas também da própria calendarização do Nacional, Europeu 52


Foto: Ricardo Alves

e Mundial. “São muitas provas, a agenda é apertada e pode haver sobreposições de etapas. Se isso acontecer, tenho que ver em qual circuito estou melhor colocada e fazer as minhas escolhas, porque não podemos estar em dois sítios ao mesmo tempo. Soma-se a isso os estágios da seleção nacional e as aulas que dou na Associação de Bodyboard de Sagres, é bodyboard de manhã à 53

noite. Por isso é que os patrocínios são imprescindíveis”, sublinha, dai que deixe uma palavra especial de apreço à Câmara Municipal de Vila do Bispo. “Acreditaram em mim quando ainda não alcançava estes resultados, tiveram uma influência direta no meu percurso e agora sou tricampeã da Europa”, finaliza, antes de pegar na prancha e entrar nas ondas da Praia do Tonel . ALGARVE INFORMATIVO #88


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Misericórdia de Vila do Bispo concretiza sonhos dos seus utentes A «Árvore dos Sonhos» era apenas mais uma atividade da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo para animar o quotidiano dos seus utentes, por ocasião do Dia Mundial dos Sonhos, mas tornou-se numa bola de neve mediática e, desde então, muitos têm sido os idosos que viram os seus sonhos tornados realidade. E sonhos para concretizar tem também esta Misericórdia, conforme ficamos a saber depois de uma conversa com o Provedor Armindo Vicente, no Lar de Sagres. Texto:

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onge vai o tempo em que as Misericórdias eram geridas pelo padre da paróquia e viviam do voluntariado das gentes locais. Hoje, na maioria dos casos, são verdadeiras empresas, com uma forte estrutura administrativa e orçamentos anuais avultados e disso é exemplo a Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo, a segunda entidade com mais peso no concelho, apenas atrás da Câmara Municipal. De facto, fruto de acordos celebrados com o Instituto da Segurança Social, possui diversas valências, designadamente os Lares de Sagres e Budens, o Centro de Dia e de Convívio da Raposeira, o Centro de Convívio de Vila do Bispo e a Creche de Budens. O coração da instituição é o Lar

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de Sagres, onde se localizam os serviços administrativos, mas também a cozinha de onde partem as refeições para os restantes polos. No quotidiano, a Misericórdia de Vila do Bispo apoia diretamente quase 200 idosos, mas muitos mais são auxiliados através da Cantina Social, do Banco Alimentar e da Loja Social, chegando o número de utentes, deste modo, às quatro centenas. “Na Cantina Social, temos um acordo com o governo para 30 refeições diárias, mas esgotamos normalmente a nossa capacidade de 60. A nível do Banco Alimentar, estamos a ajudar 42 famílias, e à Loja Social recorre quem necessitar de roupa, calçado, móveis,

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Os animadores Miguel Oliveira e Cláudia Carrilho com o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo, Armindo Vicente

brinquedos, cortinados, lençóis e cobertores, tudo donativo de pessoas, de empresas ou de outras instituições similares à nossa”, explica o Provedor Armindo Vicente, lembrando que as Misericórdias do Algarve empregam três mil pessoas e dão uma abrangência direta a mais de 10 mil pessoas por dia. “Se as contas não me falham, gerem entre 60 a 70 milhões de euros de orçamento e nós chegaremos brevemente aos dois milhões”. Este orçamento é fruto das prestações das famílias dos utentes e de apoios concedidos pela Segurança Social e pela Câmara Municipal de Vila do Bispo e o entrevistado confirma que as Misericórdias cada vez são entidades mais complexas e com mais valências. “Presentemente, se estas IPSS falhassem, ALGARVE INFORMATIVO #88

seria um problema muito complicado para a sociedade, mesmo que as pessoas nem sempre tenham a perceção dessa realidade”, avisa Armindo Vicente. “Temos, neste momento, 92 pessoas nos Lares de Sagres e Budens e a lista de espera ultrapassa os 200 pedidos. Os Centros de Dia têm uma tendência para decair porque os portugueses só recorrem às instituições quando estão mesmo no limite, e normalmente solicitam logo a valência de Lar. Os Serviços de Apoio Domiciliário estão estáveis e, no que toca à Creche, temos um acordo para 66 crianças e provavelmente vamos ultrapassar rapidamente a meia centena. O Berçário tem menos procura pois as mães adiam a entrada dos filhos nestes serviços”, descreve o antigo professor. 58


Como a realidade atual é bem diferente daquela de há algumas décadas, houve uma necessidade de modificar o modo como os utentes das Misericórdias ocupam o tempo que passam nos Centros de Dia ou nos Lares, chegando a ter agendas mais preenchidas que os filhos e netos. “Eles continuam à mesma a jogar às cartas, a ver televisão e a fazer crochet, porque são coisas de que gostam, mas o nosso objetivo é procurar novas atividades que quebrem a rotinas das pessoas. Assim apareceram a «Árvore dos Sonhos» e os Jogos Olímpicos para Seniores, mas também as idas ao cinema, à praia e parques temáticos ou os passeios a monumentos”, aponta a animadora Cláudia Carrilho. “Ainda há quem pense que o lar é a antecâmara da morte, nós queremos contrariar essa

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ideia e penso que temos sido bemsucedidos nesse objetivo”. No que toca aos idosos, a maioria adere prontamente a novas experiências, outros oferecem maior resistência enquanto não percebem os benefícios advindos para a parte física e cognitiva. “Veem os colegas a participar, querem experimentar e compreendem que aquilo é para o bem deles, que estamos cá a trabalhar para os ajudar a ter um diaa-dia com maior qualidade”, indica Cláudia Carrilho. Armindo Vicente lembra, entretanto, que os utentes mais idosos, na casa dos 80 ou 90 anos, nasceram, cresceram e viveram num país bastante pobre, rural, com imensas dificuldades. “Isso vai, tendencialmente, mudar com o passar dos anos e já temos idosos com outros interesses, que gostam

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de navegar na internet, de ir ver um espetáculo, de participar num programa da televisão. E esta evolução vai ter que acontecer nos próprios lares, diversificando os serviços prestados”, entende o Provedor. Reflexo disso é que a vertente da animação cresceu a olhos vistos no último ano na Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo, mas também noutras áreas. “Antigamente, não havia enfermeira a tempo inteiro, agora temos duas e não têm mãos a medir. Tínhamos Fisioterapia, acrescentou-se agora a Psicomotricidade e a Nutrição. É um melhoramento das condições com vista a prestar um melhor serviço, até ALGARVE INFORMATIVO #88

porque somos certificados, a nível da qualidade, como um hotel ou uma empresa”, esclarece Armindo Vicente. “Queremos que esta casa seja um prolongamento de uma vida inteira ou até melhor do que tiveram no passado, com novas experiências e vivências”.

Uma árvore que sensibilizou a todos À medida que as atividades de ocupação dos idosos se foram diversificando, mais tempo foram eles passando no exterior destas instituições e isso contribuiu, 60


igualmente, para a que sociedade em geral perceba que estes homens e mulheres ainda têm algo para oferecer, que não são pesos-mortos, dores de cabeça para os filhos e netos. “Alguns têm as suas limitações e dificuldades, mas estamos aqui para os auxiliar a lidar com elas e a mostrar-lhe que ainda são úteis. Ficam com mais autoestima e procuramos sempre aproximá-los da realidade atual, porque não podem ficar presos ao passado. Desenvolvemos várias iniciativas intergeracionais para transmitirem as suas histórias e experiências aos mais novos e temos um ateliê de novas tecnologias para que percebam como funciona o mundo moderno”, revela Cláudia Carrilho.

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Claro que isto só funciona se os funcionários da IPSS abraçarem esta causa de corpo e alma e Armindo Vicente não poupa elogios à sua equipa, por abdicarem de muito do seu tempo livre para dedicar aos utentes da Misericórdia de Vila do Bispo. “Da parte da Direção também existe uma grande abertura às ideias que eles apresentam e, dentro das nossas possibilidades financeiras e de meios logísticos, tentamos sempre dar condições para que elas se concretizem”, garante o Provedor. Uma dessas iniciativas é, precisamente, a «Árvore dos Sonhos», criada a propósito do Dia Mundial dos Sonhos, celebrado a 25

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de setembro, através da qual se tentou perceber quais os sonhos que acalentavam os utentes da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo. “Ver uma pessoa de 94 anos dizer que o seu sonho é dar a volta ao mundo é qualquer coisa de extraordinário. Trabalhamos no dia-a-dia para os utentes e não estávamos à espera que se gerasse tanto mediatismo em torno ALGARVE INFORMATIVO #88

deste projeto”, admite Cláudia Carrilho. “Fizemos a árvore e tirámos fotografias onde eles escreviam numa ardósia qual o seu sonho, para que as famílias compreendessem que, às vezes, até é bastante simples concretizar algumas dessas ambições. Partilhamos a atividade na nossa página do Facebook, da mesma forma que fazemos com 62


associar-se à iniciativa e alguns idosos foram ver um jogo da seleção ao Estádio do Algarve. O Grupo Martinhal quer realizar um protocolo connosco para ajudar neste e noutros projetos, devido ao seu programa de responsabilidade social. A Câmara Municipal de Vila do Bispo apoia com todos os meios logísticos que possa disponibilizar. É um mar de pessoas e entidades que se sentiram tocadas por esta realidade”, reconhece Armindo Vicente.

todas as outras, mas essa despertou uma atenção especial”, conta a animadora. Ora, desde que a «Árvore dos Sonhos» se tornou pública que os utentes desta instituição têm andado numa roda-viva, com diversos sonhos a tornarem-se realidade pela boa vontade manifestada por empresas e cidadãos particulares. “A Sagres mostrou interesse em 63

E já que estão a ser concretizados sonhos dos utentes, quisemos saber que sonhos tem, também, a Misericórdia de Vila do Bispo. “O grande objetivo é sermos uma instituição estável e que consiga responder da melhor forma possível aos utentes, aos funcionários e à comunidade que nos rodeia, e termos mais serviços e equipamentos para apoiar a população. Neste ano crescemos bastante, temos praticamente o dobro dos funcionários e inauguramos o Lar e a Creche de Budens, mas vamos tentar crescer sempre mais um bocadinho, sem nunca colocar em causa a nossa sustentabilidade e sem perder o foco nos utentes”, responde Armindo Vicente, acrescentando ainda o anseio de ter mais voluntários a colaborar com a instituição. “Há pessoas que querem genuinamente ajudar os outros e vamos tentar incluí-las no quotidiano da instituição, assim como aos jovens do concelho” . ALGARVE INFORMATIVO #88


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DÁRIO GUERREIRO É MESMO UM MÔCE DUM CABRÉSTE Começou na brincadeira a gravar uns sketches com os amigos de infância, à laia dos «Gato Fedorento», foi para a faculdade tirar um curso ligado às letras, passou a escrever textos humorísticos e, de repente, as suas crónicas semanais no You Tube eram um sucesso. Era o pontapé de saída do fenómeno do «Môce dum Cabréste», uma persona que assenta como uma luva ao portimonense Dário Guerreiro, sempre de língua afiada para dar opiniões politicamente muito incorretas e com um forte sotaque algarvio, daqueles que já pouco estamos habituados a ouvir. Crónicas para a imprensa já escreveu, programas de rádio também, mas desistiu porque é um moço que gosta pouco de acordar cedo. Por isso, é aos espetáculos ao vivo e às crónicas do You Tube que se dedica de corpo e alma e a ambição agora é apurar-se para a Liga dos Campeões da stand-up comedy. E talento não falta para isso a Dário Guerreiro, mais conhecido como «Môce dum Cabréste». Texto:

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omo dizem os «bifes» do Reino Unido, «Back to Portimão», desta vez com conversa marcada com Dário Guerreiro, mais conhecido como «Môce dum Cabréste», um portimonense de gema de 26 anos que fez de tudo um pouco antes de aterrar no mundo da stand-up comedy. Depois de concluir o secundário, ingressou no curso de Cozinha da Escola de Hotelaria e Turismo do Algarve, mas depressa percebeu que aquela não era a sua cena. A paixão pela escrita, mais concretamente pela poesia, levou-o a frequentar a licenciatura de Ciências Documentais e Editoriais na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve, que terminou em 2010. Contudo, não conseguiu arranjar colocação nessa área profissional, onde o principal ALGARVE INFORMATIVO #88

empregador é o Estado, através das bibliotecas e arquivos municipais. “Quando não se conhece alguém que nos abre as portas, é complicado entrar nesse universo, mas confesso que não tirei o curso com o objetivo de ter essa profissão específica. O plano curricular cativou-me bastante, tinha cadeiras que incidiam sobre literacia e literatura, estudos literários, correção, ortografia, gramática. Posso dizer que dei-me ao luxo de tirar um curso superior apenas pelo prazer de aprender e também não queria ser o único desempregado no país sem um canudo”, refere, em pleno chá das 5 na Casa Inglesa. Ora, como Dário não nasceu em berço de ouro, teve que fazer-se à vida, trabalhou numa loja de roupa num centro comercial, esteve numa 68


imobiliária, agarrou o que ia aparecendo, mesmo que não tivesse nada a ver com a sua verdadeira vocação. Vocação que deu frutos logo aos 17 anos, altura em que a Câmara Municipal de Lagoa publicou um livro com os seus poemas, e com uma tiragem razoável. “Não era uma poesia muito profunda, mas já com algumas características em comum com aquilo que escrevo atualmente, com um certo cuidado ao nível da métrica e da rima”, recorda, explicando que a comédia foi surgindo com o tempo. “Não acordei um dia com vontade de ser humorista. Sempre fui uma pessoa bastante alegre, animada e feliz e a comédia foi uma consequência natural dessa boa-disposição”. Para atestar isso, em 2006, Dário Guerreiro, Márcio Nuno, Tiago Prata e Dino, quatro amigos com pouca coisa para fazer, começaram a gravar pequenos sketches sob influência do fenómeno dos «Gato Fedorento», projeto que durou até 2010 e que os tornou bastante conhecidos no You Tube. “Os Gato estavam na moda, mas o objetivo de fazermos os vídeos era para nos divertirmos aos quatro e não propriamente para mostrarmos a alguém o quão talentosos eramos, porque tínhamos consciência que não o eramos”, conta. “Nessa tenra idade, consumíamos aquilo que dava nas televisões públicas, o Herman José, Maria Rueff, Ana Bola e por aí fora, dificilmente tínhamos contato, por exemplo, com os Monty Python”. Na época ainda não existia o «Môce dum Cabréste», poucos ou nenhuns cuidados havia com os guiões, os jovens limitavam-se a ligar a máquina e começar a gravar, em jeito de improviso. 69

“Eram ideias tão estúpidas como o comprador ambulante, uma personagem que batia à porta das pessoas para lhes comprar a mobília que tinham em casa. Outra personagem só conseguia falar de boca cheia. O conceito existia, depois, inventávamos a partir das ideias, pouco preocupados com recursos metafóricos, estilísticos, humorísticos”, lembra, acrescentando que o quarteto acabou por separar-se quando entraram para as respetivas universidades. “O Márcio ficou em Portimão, eu fui para Faro, o Prata para Lisboa e o Dino para Vila Real, tornou-se difícil conciliar as nossas agendas e o projeto foi morrendo pouco a pouco até ao verão de 2010”.

O primeiro algarvio com tempo de antena A separação dos amigos não esmoreceu, contudo, a veia humorística de Dário Guerreiro, que em Fevereiro de 2010 criou o canal do You Tube «Môce dum Cabréste» para não estar dependente dos três compinchas sempre que quisesse partilhar algo da sua autoria e ao seu próprio ritmo. Um pouco à semelhança do que faziam os youtubers norte-americanos, arranca com um programa semanal aos domingos à noite e a persona ganha cada vez mais popularidade. “Os ancestrais chamavam «môce dum cabréste» às crianças traquinas e reguilas, mas eu não me tento esconder por debaixo de uma maquilhagem ou peruca. É uma ALGARVE INFORMATIVO #88


persona que, se calhar, tem capacidade para fazer chegar a sua voz mais além do que o Dário Guerreiro, e que é reconhecida pelo seu sotaque e pelas parvoíces todas que diz”, descreve, confessando que recuperar expressões algarvias em desuso não era um objetivo pré-definido. “Não foi um processo consciente, quando dei por mim já estava a desempenhar esse papel de tentar preservar o património oral algarvio e recuperar expressões que tinham caído no esquecimento. Foi um bónus, porque o principal fio condutor do meu trabalho é o humor”. Em atividade permaneciam, entretanto, os melhores humoristas que ficaram famosos por ocasião do «Levanta-te e Ri» da SIC, mas aparecer em programas televisivos também nunca passara pela cabeça do jovem portimonense, ia andando ao sabor do vento, para onde o dia-a-dia o levava. “Foi um boom relativo, deu a conhecer a Portugal cerca de 10 ou 15 comediantes, mas só os realmente bons e consistentes é que continuam a fazer espetáculos, como o João Seabra, Serafim, Fernando Rocha, Nilton ou Bruno Nogueira, que já não faz tanto stand-up comedy mas continua a ser uma mente brilhante do humor português”, observa, confessando que, na primeira vez em que subiu a um palco, nem sabia bem o que estava ali a fazer. “Dois anos depois de ter o canal no You Tube recebi um convite do Teatro Municipal de Portimão para fazer stand-up comedy e eu, estupidamente, de forma muito ingénua, disse que sim, pensava que não tinha nada a perder, mas fiquei em palco a cantar umas músicas e a contar umas piadas que estavam na moda”, recorda. ALGARVE INFORMATIVO #88

A experiência serviu, de qualquer forma, para despertar o bichinho do palco, mas com a consciência de que tinha que escrever textos específicos e ter um alinhamento diferente do que fazia habitualmente nas crónicas semanais no You Tube. “O humor tem o mesmo valor, porque envolve a mesma capacidade de escrita, mas são formas de trabalhar completamente distintas. Adoro a reação imediata das pessoas numa atuação ao vivo, mas também não me imagino a deixar as crónicas do You Tube, onde demora mais tempo a saber qual o impacto junto da população”, compara, sem esconder a vontade de realizar espetáculos ao vivo fora da região. “Mas tenho que respeitar os timings porque, mesmo aqui no Algarve, onde as pessoas me conhecem bem, não há garantias de que estejam dispostas a pagar um bilhete para me ver em cima dum palco. Há coisas que gostava de fazer, como é óbvio, e sei que, para ser financeiramente autónomo, tenho que sair das fronteiras, mas já dei espetáculos em Lisboa e no norte do país. Lá em cima, o meu sotaque acaba por ser exótico e, como falo muito rápido, as pessoas têm que estar bastante atentas”. Um sucesso além-fronteiras, ainda que regionais, para já, que acontece pela primeira vez a um comediante algarvio, pelo que a reação quando se escuta o sotaque e as expressões tipicamente algarvias tem sido sempre positiva, enaltece o entrevistado. “O alentejano, por exemplo, sempre foi alvo de sátiras, seja em anedotas ou em programas de televisão como «Os Malucos do Riso»”, indica, 70


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acrescentando que os espetáculos têm uma espinha dorsal idêntica, sejam dados no Algarve ou noutros pontos de Portugal. “Os vídeos funcionam muito na base do atual, do que acontece no quotidiano, mas também abordam coisas mais subjetivas como as pessoas que são azelhas na estrada, porque pode haver uma semana onde não acontece nada de especial. Os espetáculos ao vivo são mais estruturados e, neste momento, estou a escrever um novo para estrear no final de 2015, início de 2016”, desvenda.

Um país pimba e sensacionalista Com opiniões muito fortes sobre o que acontece no dia-a-dia, Dário Guerreiro não é daqueles comediantes que conta piadas escritas por outros, porque também tem capacidade para transformar o que pensa em textos humorísticos, fruto das ferramentas adquiridas no curso superior. Um pormenor a que, na hora da verdade, o público está completamente indiferente, garante o portimonense. “As pessoas consomem aquilo que lhes metem à frente e a prova disso são as audiências das televisões generalistas e dos jornais com maior tiragem. Infelizmente, os portugueses cada vez perdem mais a capacidade de pensar por eles próprios, mas ainda há aqueles poucos que não estão interessados em conteúdos pimba e é esses que quero alcançar. Contudo, Portugal, regra geral, sempre gostou muito do que é sensacionalista, do sexo, sangue e violência”, desabafa, com um encolher de ombros e num registo mais ALGARVE INFORMATIVO #88

sério do que estaríamos à espera. “Enquanto as pessoas não exigiram um tipo diferente de jornalismo e de conteúdos nas televisões, jornais e revistas, as coisas não vão mudar, é a lei da oferta e da procura”. Uma realidade que, engane-se, não torna mais fácil a tarefa de escrever piadas, porque Dário Guerreiro não é propriamente um comediante de estilo brejeiro, mas também não pode adotar uma linha mais intelectual. “Não podemos esquecer que o objetivo é fazer rir as pessoas que estão à nossa frente e, neste braço de ferro, temos que ceder um pouco. Há que tentar passar a nossa mensagem, mas não com um discurso absolutista que deixe toda a gente de cara séria a olhar para nós”, aconselha, não negando que tem muito material “estúpido” e inúmeros “inuendos sexuais” no seu repertório. “Eu conto a minha história com uma roupagem humorística em cima. Falo da minha família, das minhas relações amorosas e do que me acontece e isso acaba por ser mais engraçado do que o humor político, onde os protagonistas mudam, mas as piadas são sempre as mesmas. Vão continuar a ser uns sacanas e uns corruptos, só as caras é que são diferentes”, explica. Diferentes são, como já frisou anteriormente, os temas abordados nos vídeos do You Tube e nos espetáculos ao vivo, mais uma tragédia que atormenta a vida dos comediantes, na opinião de Dário Guerreiro. “Nas bandas, queremos ouvir sempre os mesmos êxitos, nos humoristas, queremos ouvir sempre coisas novas”, sustenta. Quanto ao maior stress do agosto algarvio, não é 72


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nada que modifique as rotinas do Môço dum Cabréste, pois tem sempre uma crónica semanal para colocar no ar e espetáculos ao vivo para planificar. “O chato é quando saio de casa, não tenho muita paciência para este trânsito todo e para as pessoas que entopem os supermercados, embora isso se repita todos os anos. Mas, como sou um bom observador, estou atento às figuras tristes que algumas pessoas fazem e utilizo isso depois para sketches ou piadas”. E outros formatos que não os vídeos e as atuações no palco, estão nos planos de Dário, perguntamos, ao que descarta de imediato os programas de televisão. “A televisão é cada vez menos importante, os patrocinadores estão todos a emigrar para a internet e eu, como rapaz da nova geração que sou, acredito que o futuro da televisão é deixar de existir ou sobreviver apenas junto da população mais envelhecida. Basta ver os programas da manhã e da tarde, sobretudo direcionados para idosos, malta da minha idade não se revê nesses conteúdos”, destaca o entrevistado, avisando que as pessoas de idade mais avançada vão deixar, mais cedo ou mais tarde, de caminhar neste planeta e as televisões poderão seguir o mesmo caminho. “A minha geração está habituada a procurar o que quer, quando quer e ao ritmo que quer, na internet, portanto, não vai voltar para a televisão”. Outro motivo para não sonhar com um programa de humor na televisão é estar mal habituado a não ser censurado e a dizer aquilo que pensa. “Não me ia dar bem com os «pis» e a bolinha no cantinho do ecrã. Os palavrões e o ALGARVE INFORMATIVO #88

material obsceno são uma falsa questão, impedem que haja programas de humor em canal aberto, mas depois vemos filmes onde espirra sangue por todo o lado e desenhos animados que só incitam à violência”, critica Dário Guerreiro, já para não falar do que se ouve quando se fazem diretos à porta dos estádios de futebol. Programas de rádio também já teve às segundas-feiras, mas terminou o projeto em janeiro deste ano, com uma justificação bastante simples: “Quando há muita gente a ouvir rádio é na altura em que eu não estou disposto a estar acordado, a menos que me compense financeiramente. Confesso que sou muito inimigo das manhãs, porque também só começo a trabalhar quando a malta lá em casa já foi toda dormir”. E como está na moda os humoristas também escreverem crónicas, umas mais a sério do que outras, Dário Guerreiro garante que não teria dificuldades em fazê-lo, mas isso obrigaria a assumir compromissos que, depois, poderia não conseguir cumprir. Ou seja, com apenas 26 anos, o portimonense já tem a certeza dos formatos nos quais sente mais prazer a trabalhar, portanto, a meta agora é atingir um patamar financeiramente mais gratificante, o que ainda não conseguiu. “Em Portugal, infelizmente, não existe uma classe média de comediantes. Há aqueles em início de carreira, onde me incluo, apesar de já estar numa fase transitória, e esses têm que mostrar o seu trabalho ao vivo a que preço for, muitas vezes à borla e em locais sem 74


quaisquer condições, com som deficiente e público que não está minimamente virado para a comédia”, lamenta. “Para sermos bons em palco, temos primeiro que ser maus e os portugueses não tem paciência para isso. Depois, há aqueles que ganham num espetáculo aquilo que os outros recebem em três meses, porque têm uma enorme projeção na televisão e na internet. Ganho o suficiente para não depender financeiramente da minha mãe, mas não o suficiente para ter casa própria e essas coisas todas, estou neste limbo”. Por este motivo, Dário Guerreiro aconselha prudência aos jovens que querem ser comediantes e, se calhar, o melhor é terem outra atividade profissional nos primeiros tempos e encararem o humor como um hobby. “Será o caminho mais seguro para não 75

comprometerem a saúde financeira do agregado familiar. Eu, felizmente, tive a sorte de, a dada altura, soltar o paraquedas e mergulhar e só faço isto na vida, mas, enquanto não se consegue largar as rodinhas da bicicleta, o ideal é conciliar o humor com algo que lhes dê maior segurança e estabilidade”, defende, adiantando que viver no Algarve tem vantagens e desvantagens. “Não tenho quase concorrência nenhuma na região, o mais perto será o Serafim, de Beja, mas esse está noutro patamar e não trabalha pelos mesmos valores que eu. Se estivesse num meio urbano como Lisboa, seria mais um igual aos outros”, finaliza . A caminho do centenário: Entrevista publicada no número 20 da Revista Algarve Informativo, a 20 de agosto de 2015

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