REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #368

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ALGARVE INFORMATIVO 17 de dezembro, 2022 #368 CONFERÊNCIA ODSLOCAL’22 | DIA DA CIDADE DE PORTIMÃO | «NOVOS VELHOS SONHOS» DO VATe FESTIVAL CONTRAPESO | PRESÉPIOS DE CASTRO MARIM E VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO

ÍNDICE

Cadoiço vai ter nova vida Dia da Cidade de Portimão

Conferência ODSLocal’22 na Quinta do Lago (pág. 42)

Presépio do Sal em Castro Marim

Presépio de Vila Real de Santo António (pág. 64)

«Novos Velhos Sonhos» é a nova produção do VATe

Festival Contrapeso em Loulé

O último grito dos Imune no Bafo de Baco (pág. 100)

OPINIÃO

Paulo Cunha Ana Isabel Soares Adília César

Dora Nunes Gago

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Construção de um coletor alternativo ao instalado na Ribeira da Graça vai dar nova vida ao Cadoiço

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina e Município de Loulé oi assinado, no dia 13 de dezembro, o auto de consignação da obra do coletor alternativo ao instalado na Ribeira da Graça, em Loulé, respeitante a águas e

esgotos. A empreitada recebeu finalmente o visto favorável do Tribunal de Contas, o que permitirá solucionar uma questão estrutural na conduta que atravessa parte da cidade e que se tem agravado nos últimos anos, provocando a ocorrência de «descargas» no Cadoiço,

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sobretudo durante o período de maior pluviosidade.

Os trabalhos consistem na construção de um coletor de grande dimensão, com início na Rua Dra. Laura Ayres (em frente ao Tribunal Administrativo de Loulé), seguindo pela Rua Ventura de Sousa Barbosa, Rua General Humberto Delgado, Rua Ribeiro da Graça e Rua do Cadoiço. Será também executado um troço de coletor doméstico entre a zona de estacionamento que liga a Rua General Humberto Delgado e a Rua Antero de Quental, assim como a

reparação e substituição das infraestruturas existentes ao longo do todo o percurso. Para além disso, esta intervenção irá dar resposta à preocupação da população relativamente a uma situação que tem afetado os residentes e toda a qualidade ambiental desta área, ao contribuir para a valorização deste património natural que tem sido alvo de algumas ações para preservação do seu ecossistema.

A obra, no montante de 1 milhão, 248 mil e 919,76 euros, tem um prazo de execução de 365 dias e a Autarquia de Loulé acredita que, no futuro, o Cadoiço poderá tornar-se num importante ponto turístico da cidade e espaço de lazer e convívio para a população. “Temos a felicidade de ter uma linha de água dentro da cidade, uma parte dela coberta, outra descoberta, um exlibris ambiental de Loulé, mas periodicamente registavam-se ocorrências de alta carga poluente de esgotos que transbordavam de um túnel subterrâneo que atravessa toda a cidade e que resultavam em imagens muito tristes para todos nós. Esta obra destina-se a resolver, de uma vez por todas, esse problema e assim vamos conseguir recuperar toda a Ribeira do Caloiço”, referiu Vítor Aleixo, presidente da Câmara Municipal de Loulé, junto à Ponte dos Alámos.

De facto, há muitos anos que este processo decorre e o edil louletano aproveita para lembrar mais uma vez que, entre o momento em que se

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planeiam as obras e elas arrancam verdadeiramente no terreno, há um longo caminho a percorrer. “A aprovação de projetos, os trâmites processuais, os concursos públicos, os direitos que os concorrentes têm para reclamar, tudo isso torna o processo complexo e lento e as pessoas acabam, em muitos casos, por deixar de acreditar na administração pública. Os autarcas existem para resolver os problemas das pessoas, mas a complexidade da vida não é algo abstrato, é uma realidade para quem governa territórios e comunidades humanas”, admitiu

Vítor Aleixo. “É preciso que os louletanos desfrutem de toda esta riqueza e biodiversidade, de água limpa a circular, da recuperação das plantas autóctones e da eliminação das plantas invasoras que são muito comuns nas galerias ripícolas. É um trabalho que já começou, mas, depois desta obra concluída, teremos condições bastante melhores para intervir na recuperação do valor ambiental das linhas de água, algo que vai exigir um grande investimento dos poderes públicos”, finalizou o presidente da Câmara Municipal de Loulé.

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Portimão festejou 98.º Aniversário de Elevação a Cidade

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina o dia 11 de dezembro, Portimão assinalou o seu 98.º aniversário de elevação a cidade com um programa que teve início com o habitual hastear da bandeira, no Largo 1.º de Maio, com a participação da Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Portimão, da Sociedade Filarmónica Portimonense e da Sociedade Columbófila de Portimão. Seguiu-se a

inauguração oficial do espaço «Alameda Sénior», localizado em frente à entrada para o parque de estacionamento da Praça da República, sob responsabilidade da Cruz Vermelha Portuguesa –Delegação de Portimão. “Esperamos que seja um espaço de encontro, de solidariedade, de proximidade e de afetos. Temos uma percentagem importante de população idosa no nosso concelho e temos que

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José Cardoso, Álvaro Bila, Isilda Gomes, Teresa Mendes e João Gâmboa

proporcionar locais onde essas pessoas se sintam bem, onde possam conversar e fazer amizades, acima de tudo, onde possam quebrar a sua solidão”, referiu Isilda Gomes, presidente da Câmara Municipal de Portimão. “Habituamo-nos à distância com o covid e ficamos mais isolados e encapsulados, barreiras que precisamos quebrar. Os afetos são fundamentais na vida de qualquer pessoa, tenha que idade tiver, pois a nossa felicidade depende muito da forma como lidamos uns com os outros”

A sessão solene teve como palco o TEMPO – Teatro Municipal de Portimão, subordinada ao tema «Sustentabilidade,

recursos e comunidade», contando com as intervenções da presidente da Assembleia Municipal, Isabel Guerreiro, de três especialistas na área da sustentabilidade e ambiente, e da presidente da Câmara Municipal de Portimão, ficando os momentos musicais a cargo da Sociedade Filarmónica Portimonense. O tema que inspirou esta sessão foi tratado por Alice Newton, oceanógrafa e professora de Ciências do Mar no Departamento de Ciências do Mar e do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade do Algarve; Jânio Monteiro, professor do Instituto Superior de Engenharia da UAl; e Jorge Cristino, mestre em Relações Internacionais, pós-graduado em Direito do Ambiente, e especializado em Cooperação para o Desenvolvimento e em Estudos Europeus.

No uso da palavra, Isilda Gomes começou por elogiar o “maior esforço coletivo de que temos memória e que foi responsável por vencer a maior ameaça invisível que alguma vez enfrentámos”. “O covid ainda existe, ainda circula, mas o

extraordinário sucesso do programa de vacinação e o trabalho de todos os profissionais de saúde tornou-o quase inócuo para a maioria de nós. Vencida a pandemia, a vida recuperou o seu ritmo natural e Portimão teve um

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Verão como nunca tinha conhecido”, destacou a autarca portimonense, dando o exemplo de três festivais de música de dimensão mundial e dos muitos eventos culturais e desportivos dinamizados pelo Município de Portimão. “Quando tudo se encaminhava para o regresso à

normalidade, a Europa e o Mundo foram abalados pelo deflagrar da guerra criminosa da Rússia contra a Ucrânia, que lançou ondas de choque nas nossas economias. Depois de muitos anos controlada, a inflação voltou a surgir como um imposto silencioso que devora os nossos salários, orçamentos e poupanças”, evidenciou a edil.

Face ao exposto, 2022 foi um ano bastante exigente “e cada vez mais as nossas vidas são modeladas por eventos que não conseguimos controlar” “Cada vez mais precisamos de fazer ouvir a nossa voz em palcos diferentes, onde muito do que influencia e decide as nossas vidas é discutido”, frisou Isilda Gomes, que em janeiro foi nomeada Coordenadora da Delegação Portuguesa no Comité das Regiões e, em junho, foi eleita Presidente da Comissão de Recursos Naturais (NAT), que é responsável, entre outros assuntos, pela saúde, turismo, agricultura e proteção civil. “Temos que preparar os nossos cidadãos para serem capazes de responder às crises. Numa Europa integrada no seio de um planeta globalizado, muitos dos problemas que nos afetam a

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todos exigem soluções locais que passam por duas palavras-chaves: sustentabilidade e resiliência. A nossa sustentabilidade económica e financeira é fundamental para que a autarquia tenha meios para investir, mantendo e melhorando o espaço público. A nossa sustentabilidade permite-nos acorrer aos mais necessitados, através dos nossos programas sociais, mas também melhorar a qualidade da educação dos nossos jovens e dos cuidados de saúde prestados à população”, defendeu.

Isilda Gomes recordou, entretanto, que o Município de Portimão conseguiu, em seis anos, baixar o IMI de 0,45% para

0,40%, o que se traduz na diminuição de receitas camarárias na ordem dos 2,5 milhões de euros todos os anos, “dinheiro esse que fica nos bolsos dos portimonenses, assim ajudando as suas economias familiares” “Esta sustentabilidade financeira permite-nos igualmente abater 10 milhões de euros na dívida ao FAM – Fundo de Apoio Municipal, tal como nos permite olhar com otimismo para o futuro próximo, porque é possível que saiamos da situação de défice excessivo já no final de 2024, o que nos garantirá uma muito maior autonomia orçamental”, revelou a autarca.

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A sustentabilidade e a resiliência não passam apenas pelas questões financeiras, alertou Isilda Gomes, “pois vivemos num tempo de alerta climático que se manifesta através de fenómenos meteorológicos extremos”. “Vou continuar a defender a dessalinização, porque temos que ser sustentáveis. Não podemos ficar à espera da boavontade do São Pedro”, declarou. “Temos que evitar que o nosso planeta se vire contra nós, mas sabemos que as mudanças são dolorosas e criam resistências. Em Portimão, fazemos o que está ao nosso alcance e somos já um exemplo regional e nacional,

tendo um dos maiores rácios de transportes públicos urbanos ecologicamente sustentáveis. O Plano de Mobilidade Sustentável de Portimão vai ser implementado em breve e vamos lançar o tão desejado concurso para a construção da V10 que ligará a Penina aos Montes de Alvor, bem como a nova via que ligará o hospital ao Portimão Arena. Com impacto igualmente assinalável, o trânsito na baixa de Portimão sofrerá uma profunda alteração com a construção de uma nova rua que ligará ao Largo do Dique”, anunciou.

A presidente da Câmara Municipal de Portimão não esqueceu, claro, um dos

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maiores problemas que aflige o país, a habitação, pelo que vão ser construídos 227 fogos a custos controlados no Vale do Lagar, 25 apartamentos na Avenida 25 de Abril e 250 fogos na Coca Maravilhas, em regime de renda acessível. “É também graças a esta sustentabilidade que continuamos a melhorar os equipamentos urbanos. Abrimos novo concurso para a reabilitação do Parque da Juventude, assim como para a construção do Jardim do Mercado, uma vez que os anteriores concursos ficaram

desertos, ninguém concorreu. O tão ambicionado novo canil já se encontra em construção e, depois de termos adquirido a Lota de Portimão, vamos tentar recuperar mais um edifício histórico portimonense, o Auditório Municipal”, adiantou Isilda Gomes. “Estamos também em negociação para adquirir o edifício Alfagar para instalarmos no centro da cidade os serviços dos registos e notariado, que atualmente se encontram na Avenida Miguel Bombarda”

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O executivo portimonense está ciente também de que o futuro será mais resiliente e sustentável se o concelho não depender apenas de um sector de atividade, daí que tenha sido disponibilizado um terreno para a Universidade do Algarve construir um campus em Portimão para três mil alunos. “O nosso objetivo é reforçar Portimão como destino universitário, atraindo jovens e professores que viverão aqui as suas vidas, participarão na nossa economia local e aqui ficarão a cumprir os seus destinos”, justificou Isilda Gomes. “Sabemos que é nos momentos de crise que ganhamos a resiliência necessária para vencer

as contrariedades e que é na união de todos os esforços que ultrapassamos as nossas dificuldades. Juntos vencemos uma pandemia que ameaçou os fundamentos da nossa vida em sociedade e juntos venceremos uma crise económica que resulta de uma guerra deflagrada pela ambição de apenas um. Juntos, como comunidade, como cidade e como concelho, continuaremos a honrar o nosso passado, vivendo o presente e projetando o futuro, para deixarmos um mundo melhor aos nossos filhos e netos”, concluiu a presidente da Câmara Municipal de Portimão .

Conferência

ODSLocal’22

reforçou urgência em cumprir metas de sustentabilidade da Agenda 2030 da ONU

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina e Jorge Gomes na Abrunhosa, Ministra da Coesão Territorial, marcou presença na Conferência

ODSLocal’22 que teve lugar, no dia 30 de novembro, no Wyndham Grand Hotel, na Quinta do Lago, e foi uma das vozes de alerta para a emergência em dar resposta aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável traçados na Agenda 2030 da ONU. “Aquilo que parecia algo que era distante e que

nos foi colocado como um desafio pelas Nações Unidas em 2015, sentimos agora como uma emergência. Hoje já não é uma opção, é um caminho que temos que fazer”, disse a governante em relação ao cumprimento das metas propostas em áreas como erradicação da pobreza, melhoria da qualidade da saúde, combate às alterações climáticas, igualdade de género, defesa da biodiversidade, redução das desigualdades ou produção e consumos sustentáveis.

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A Ministra lembrou que o último relatório da ONU que avaliou o desempenho de 193 países no desenvolvimento sustentável coloca Portugal nos 30 países mais sustentáveis do mundo, ocupando o 20.º lugar no ranking, com uma subida de seis posições face a 2019. E o fator principal deste sucesso, de acordo com Ana Abrunhosa, reside precisamente num dos ODS, o 17, que aponta para a importância das parcerias para o desenvolvimento. “Não tenho a mínima das dúvidas que este é um trabalho conjunto, da sociedade civil, desta plataforma, mas também dos nossos autarcas”, sublinhou.

Iniciativa pioneira a nível mundial, o projeto ODSLocal nasceu há mais de dois anos, coordenado pelo Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, em colaboração com o OBSERVA do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, do MARE da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, e ainda com o envolvimento da empresa start-up 2ADAPT. Os fundos que têm suportado, em grande parte, este projeto advêm de outro parceiro, a Fundação La Caixa do BPI. E, nesta que foi a terceira conferência do projeto, Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento

Sustentável, fez um balanço “bastante positivo” do trabalho realizado até agora. “É uma iniciativa que ajuda o nosso país a cumprir os ODS”, assumiu, enumerando ainda as maisvalias da plataforma: acompanhar ao nível do poder local em que medida é que as várias metas estão a ser alcançadas, dar visibilidade a esse esforço, permitir que as pessoas tenham conhecimento dos vários projetos que estão em curso e que envolvem não só os municípios, mas também empresas e organizações nãogovernamentais e sociedade civil.

Neste momento são 88 municípios que fazem parte da rede, “uma adesão satisfatória” para Filipe Duarte Santos, mas o Presidente da República, numa mensagem de vídeo enviada, elevou a fasquia para o próximo ano. “Em 2021

lancei-vos o desafio de continuarem a crescer e cresceram, de darem visibilidade e deram, de estimularem a prática de iniciativas a nível local e estimularam. Apesar de um ano muito difícil, da vossa parte houve cumprimento e superação. Este ano o meu desafio é mais ambicioso, irem mais longe: 120 municípios e duplicar os projetos”, apelou Marcelo Rebelo de Sousa. Já João Ferrão, coordenador do ODSlocal, salientou duas matérias em que é fundamental o papel das autarquias e da sociedade civil para atingir as metas traçadas: cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11) e ação climática (ODS 13).

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Quanto ao anfitrião da conferência, o autarca Vítor Aleixo, também ele há muito comprometido com as questões da sustentabilidade, falou da “força pedagógica” deste momento para mobilização dos atores políticos de primeira linha para a importância da Agenda 2030 das Nações Unidas. E não foi por acaso a escolha de Loulé para receber o primeiro encontro ODSlocal fora da capital. “Loulé tem uma posição de liderança, ao lado de outros municípios portugueses, na gestão destes dossiers. Lançaramnos o desafio e nós acolhemos com todo o gosto. Partilhámos experiência pois acreditamos que é ao nível local, municipal, onde as

decisões têm mais capacidade de transformar o nosso mundo”, disse, garantindo que Loulé vai continuar a dar o seu contributo para que o país consiga alcançar os objetivos desta agenda.

A sessão teve importantes momentos de debate de ideias e contou com a participação de peritos convidados que partilharam um pouco da sua experiência. Lorenz Gross, economista e analista da OCDE, fez uma abordagem à implementação dos ODS na revisão das políticas locais; Helena Roseta, coordenadora nacional do Programa Bairros Saudáveis, falou sobre este programa público, de natureza participativa, para a melhoria das condições de saúde, bem-estar e qualidade de vida em territórios

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vulneráveis. Um projeto que, assegurou Ana Abrunhosa, “irá continuar”

A conferência culminou com a entrega de Prémios ODSlocal que distinguiram as boas práticas dos municípios e sociedade civil, nas variadas dimensões da sustentabilidade que os ODS abordam. Assim, na categoria Projetos Locais para os ODS, desenvolvidos pela sociedade civil, houve três vencedores. Na dimensão Planeta, a associação «Business as Nature» conquistou o prémio com o projeto «#fishing the plastic», no Município de Ovar. Na dimensão Pessoas, «Conservar Afetos Femininos», um projeto da associação «Agir Pelo Planeta» no Município de Matosinhos, recebeu um segundo

prémio. O prémio na dimensão Prosperidade coube à Rede Europeia Anti-Pobreza, com o projeto «Da Terra à Mesa – Um sal(to) que nos tempera», no Município de Aveiro.

Na categoria Práticas Municipais para os ODS distinguiram-se cinco vencedores. Na subcategoria Melhor Prática Individual, os prémios foram para os Municípios de Mértola, com a iniciativa «À Noite no Mercado», e do Seixal, com a boa prática «Seixal ON». A Plataforma ODSLocal atribuiu ainda duas menções honrosas ao Município de Loulé, pelo projeto «Comunidade Energética Escolar», e ao Município de Fornos de Algodres, com a iniciativa de «Monitorização da Qualidade da Água

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nos Fontanários Públicos do Concelho de Fornos de Algodres». Os três vencedores da subcategoria Melhor Conjunto de Boas Práticas foram os Municípios de Torres Vedras, Loulé e Oeiras.

Foram ainda entregues os Selos ODSlocal, certificação que distingue os

municípios signatários da versão avançada da Plataforma ODSlocal que evidenciam um elevado grau de compromisso com a sustentabilidade local, em duas categorias: Na categoria de Desempenhos Municipais foram atribuídos 10 selos, aos Municípios de Alter do Chão, Arcos de Valdevez,

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Arronches, Campo Maior, Cascais, Guimarães, Oeiras, Seia, Sousel e Torres Vedras, que revelaram desempenhos de topo nos indicadores do Portal ODSlocal, apresentando as melhores pontuações globais. Na categoria de Dinâmicas Municipais houve 10 vencedores, designadamente, os Municípios de Arcos

de Valdevez, Campo Maior, Castelo de Vide, Guimarães, Matosinhos, Oeiras, Seia, Sousel, Torres Vedras e Viana do Castelo, que se distinguiram pela apresentação das dinâmicas mais positivas de evolução nos indicadores do Portal ODSlocal .

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Presépio de Sal volta a encantar Castro Marim

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina arte e cultura voltam a estar presentes no Presépio de Sal de Castro Marim, instalado na Casa do Sal até dia 8 de janeiro. O repto foi lançado ao colecionador Ernesto Pires e a dois artistas locais, Nuno Rufino e Abel Viegas, para juntarem as suas interpretações criativas ao tradicional presépio de sal, que, sem perderem de vista o rigor histórico e religioso, deram novas formas e cores a uma narrativa que a todos nos é familiar – o nascimento de Jesus

Dando continuidade ao desígnio de

promover e reforçar o grande motor económico, social e cultural de Castro Marim que é o sal, na construção deste presépio foram utilizadas cerca de cinco toneladas de «ouro branco». Deste modo, para além de enriquecer a ligação simbiótica de Castro Marim à atividade salineira, o «Presépio de Sal» de 2022 pretende apresentar inovação e singularidade, numa procura constante pelo enriquecimento cultural de Castro Marim e pelo incremento qualitativo das suas iniciativas.

Sendo já uma referência das festividades de Natal e mobilizando cada vez mais visitantes, o Presépio de Sal pode ser visitado todos os dias, entre as 9h e as 13h e das 14h30 às 17h30 .

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Maior presépio do país está em Vila Real de Santo António

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina maior presépio do país regressa a Vila Real de Santo António e volta a bater recordes com os números e quantidade de materiais utilizados, atingindo, em 2022, a marca das 5 mil e 700 peças. No ano em que completa a sua 20.ª edição, o Presépio Gigante chega à fasquia dos 240 metros quadrados, ocupando toda a área expositiva do Centro Cultural António Aleixo, com milhares de figuras, muitas feitas de raiz pelos seus autores e outras que podem atingir as várias centenas de

euros. Para dar vida a esta iniciativa, foram necessários mais de 40 dias e 2 mil e 500 horas de trabalho, embora os preparativos já tenham começado há vários meses.

Como vem sendo habitual, a lista de materiais utilizados na sua construção é extensa e incorpora mais de 20 toneladas de areia, 4 toneladas de pó de pedra, 3 mil quilos de cortiça e centenas de adereços. As quase cem peças animadas e motorizadas, os lagos e a iluminação constituem «o segredo» do evento e são, simultaneamente, alguns dos pontos mais atrativos. Tudo isto assenta numa

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complexa base de suporte onde estão instalados os vários quilómetros de cabos que permitem dar vida a esta obra de arte e garantem, por exemplo, a circulação da água, a iluminação das casas e os efeitos cénicos.

Em 2022, a estrutura volta a ter elementos evocativos da região, nomeadamente a Praça Marquês de Pombal, as antigas cabanas da praia de Monte Gordo, as salinas, as tradicionais noras algarvias, assim como outros monumentos locais. Estes pormenores juntam-se à reconstituição de muitos episódios cristãos e pagãos associados à quadra natalícia – patentes no presépio –fatores que o distinguem de todos os outros existentes no país e são uma das razões do seu sucesso.

O Presépio Gigante já faz parte das tradições natalícias do Algarve e é um dos

eventos âncora do Município, reunindo visitantes de todas as idades e de todos os pontos do país, sendo também procurado por milhares de visitantes estrangeiros, particularmente espanhóis, dada a sua popularidade na vizinha Andaluzia. A vertente ecológica também não foi esquecida, já que a maior parte dos materiais são naturais ou foram reaproveitados, com destaque para a cortiça e o musgo. Por outro lado, foram implementados sistemas de iluminação led e é feito o reaproveitamento da água utilizada nos lagos ornamentais.

O Presépio Gigante de Vila Real de Santo António tem a assinatura de Augusto Rosa, Teresa Marques, Joaquim Soares e António Bartolomeu, funcionários do Município. Pode ser visitado no Centro Cultural António Aleixo até dia 8 de janeiro de 2023, das 10h às 13h e das 14h30 às 19h .

«NOVOS VELHOS SONHOS» É A NOVA PRODUÇÃO DO VATe

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e 14 a 19 de dezembro, o VATe – Serviço Educativo da ACTA levou a cena, no Jardim Manuel Bívar, em Faro, a sua 22.ª produção, «Novos Velhos Sonhos», criado e encenado por Rui Sousa a partir de um conceito original de Jeannine Trévidic.

Interpretado por Luís Manhita e Raquel Ançã, esta é a história de um velho homem que vivia sozinho, o que o fazia falar sozinho, ou com as paredes, após as suas rotinas diárias. “Mas, na verdade,

tudo isso era apenas vontade de visitar o futuro e saudades do passado... ou seria... vontade de visitar o passado e saudades do futuro? A vida continuava, até aquele momento quando tudo fez sentido. Terá sido um sonho ou realidade o que o velho homem «viu»? Estará na hora de levar a sério todos aqueles sonhos?”, questionam os criadores de mais este espetáculo de marionetas, construídas por Rui Sousa, Luís Manhita, Raquel Ançã e Adriana Pereira, e com direção de produção de Luís Vicente, que agora se vai fazer à estrada a bordo do autocarro do VATe transformado em sala de teatro.

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«MANBO» E «STRICKLY BARKING» FIZERAM AS DELÍCIAS DO PÚBLICO DO FESTIVAL CONTRAPESO
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Texto: Daniel Pina| Fotografia: João Catarino

e 1 a 4 de dezembro, o Festival Contrapeso trouxe a Loulé uma programação internacional com foco no teatro e no jazz, concretizada por 25 artistas de 12 nacionalidades distintas (desde França até à Austrália, da Suécia e Noruega até ao Chile ou à Coreia do Sul), que para além dos espetáculos propriamente ditos proporcionaram workshops de comédia física, ensaios abertos e uma exposição multimédia. «From Paris With Love» foi o tema desta segunda edição do Festival

dinamizado por Carolina Santos e Marco Martins, apresentando espetáculos e artistas com quem se cruzaram quando viviam em Paris, e que, de algum modo, os influenciaram ou inspiraram.

No dia 2, a Casa da Mákina foi palco de «Manbo», em que Sam Dugmore assume o papel de maior herói de ação de todos os tempos, desenterrando as suas capacidades de «homemimplacável» para o derradeiro confronto com o seu pior inimigo…ele próprio. Uma missão mortalmente sexy, com muita loucura à mistura, canções dos anos 80, dança, explosões, maldade

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infinita, russos, emoções masculinas reprimidas e um cachorrinho chamado Fluffy. «Manbo» é uma colaboração entre o australiano Sam Dugmore, da companhia The Latebloomers, e da britânica Jess Clough-MacRae, fundadora da companhia Clownfish Theatre. Conheceram-se na École International de Théâtre Jacques Lecoq, em Paris, e o seu trabalho desenvolve-se em torno do teatro físico, mimo e clown, usando a comédia para examinar questões pertinentes e desafiantes do mundo em que hoje vivemos.

No dia 3, também na Casa da Mákina, foi

a vez do público se divertir com «Strictly Barking», uma fabulosa comédia física sobre um velho solitário e um cão «semabrigo» que se tornam amigos e decidem entrar no enérgico mundo das danças de salão. «Strictly Barking» é o novo espetáculo dos comediantes Jonathan Tilley e Oliver Nilsson (que se conheceram na École International de Théâtre Jacques Lecoq, em Paris), em que o uso de ferramentas de clowning, de comunicação não verbal e de teatro participativo resulta numa performance hilariante e cativante para crianças e adultos de todas as idades .

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O ÚLTIMO GRITO NO BAFO DE BACO

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GRITO DOS IMUNE BACO

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nserido nos festejos dos 30 anos de atividade do Bafo de Baco, o carismático bar de Loulé de Horário Costa foi palco, no dia 9 de dezembro, de um momento épico, memorável, um delicioso «deja vu» protagonizado por uma das bandas icónicas do rock algarvio do virar do século. Duas décadas depois do seu fim, os elementos dos Imune, que antes disso foram Nostrodamus, decidiram juntar-se para um último concerto e à chamada não faltaram muitas dezenas de fãs que os acompanharam nesta caminhada, a maioria deles agora já quarentões e até cinquentões, numa verdadeira viagem ao passado que meteu toda a gente aos pulos e a gritar bem alto as letras de músicas como «Nostrodomos», «Quarto Escuro», «Estás errado», «Antes que», «Princípio do fim», «Somos Original», «Efémero Acústico»,

«Trémulo», «Pedra de Gelo», «Ver o que não se vê», «Eu sou Teu», «Direção Errada» e «Como é que conseguem» e outras mais.

Como sucedeu na vida de tantas bandas, tudo começou com um grupo de miúdos que tinham uma coisa em comum, a paixão pela música. O primeiro concerto aconteceu na Tasca do Estudante, em Faro, “que foi tão bom como podem imaginar, para uma banda que só sabia tocar música de quatro acordes e que tinha três ou quatro meses de existência”, recorda Paulo Duarte. A partir daí, atuaram em todo o lado, em festas de liceu, bares, semanas académicas, até tocaram juntos com nomes como «Xutos & Pontapés», «Ramp», «Braindead» e «Da Weasel».

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“Fizemos concertos para 20 mil pessoas e fizemos concertos para cinco pessoas. Gravámos demos em cassete que enviávamos pelo correio para arranjar concertos fora do Algarve, participámos em concursos de bandas, ganhámos um, perdemos todos os outros”, conta «Piky».

Neste trajeto, os Imune compraram uma carrinha própria onde passaram muito frio em viagens intermináveis, antes de a vender. “Zangámo-nos uns com os outros, ficámos bem, fizemos asneiras juntos, rimos muito, bebemos umas, às vezes demais, éramos a família que escolhemos. Esta estória, possivelmente banal,

será, atrevo-me a dizer, a nossa «glórinha», como referiam os antigos. Não conta para nada no grande esquema das coisas, mas é algo que nos enche de orgulho”, afirma o guitarrista.

Uma família daquelas verdadeiras, formada por Luís «Trinchas» Trincheiras (vocalista), Paulo «Piky» Duarte (guitarrista), António Duarte (guitarrista), Nuno Bastos (baterista), Pedro Batista (baixista), Paulo Franco (baterista), Daniel Lopes (baixista), Marco Martins (baixista), Ricardo Viegas (vocalista) e Renato Santos (baterista) que se voltou a juntar, uma última vez, numa daquelas noites – mais uma – do Bafo de Baco do «Major» que ficará para a história .

Saber sair de cena Paulo

Cunha (Professor)

atribuída à estilista e empresária francesa Coco Chanel a frase “A mulher tem de saber a hora exata de sair de cena. Mesmo que essa hora seja muito dolorosa”. Naturalmente, tal desígnio não tem género, aplicandose a qualquer ser humano que tenha o privilégio de «chegar a velho e com dois dedos de testa». Não se aprendendo nos bancos das escolas, a apelidada «escola da vida» ensina-nos que saber quando sair de cena é sinónimo de coragem, bom senso, amor-próprio, independência e autonomia.

Habituados a um tempo em que a vida proporciona ganho, poder, estatuto, protagonismo, responsabilidade, atenção, deferência e até bajulação, nem sempre é obvio nem fácil perceber que esse tempo, obviamente, chegará ao fim. É o que temos de mais certo: o nosso progressivo envelhecimento e a inevitável finitude. Por isso mesmo, para a habitual ordem usada num qualquer ensaio teatral “Sai de cena quem não é de cena!”, ajusta-se na perfeição a frase do psicólogo Rafael Pavani “O mais importante do espetáculo da vida é saber a hora de sair de cena”.

Devido a muitos e variados motivos, quem lida com a fama e com o poder acaba por padecer de um mal que dificilmente reconhecerá, assumirá e,

como tal, debelará: a excessiva habituação/adição. A constante exposição às palmas, vénias e atos adulatórios aliado às imensas e apetecíveis teias de poder que se tecem nos altos cargos administrativos e diretivos inebriam e viciam.

A história está repleta de exemplos em que «estrelas» do firmamento artístico, desportivo e social lidaram mal com a reforma/aposentação, comum aos comuns dos mortais, mas tão difícil de assumir face à previsível e progressiva perda das suas capacidades e competências. Da mesma forma, tornouse um lugar-comum assistir às manigâncias e truques de ilusionismo que determinados políticos usam e abusam para se perpetuar no poder, não tendo pejo em recorrer às suas famílias (partidárias e de sangue) para perpetuarem a autocracia e assim nunca saírem de cena. Enfim… cenas de uma cena só.

Não se encontra ao alcance de todos a capacidade de reconhecer que já atingimos o apogeu das nossas faculdades e potencialidades, permitindo assim preparar a nossa inevitável substituição. Porque, quer queiramos ou não, ninguém é insubstituível! Prepararmo-nos, paulatinamente, para dar o lugar aos mais novos, acompanhando-os, tutorando-os e partilhando com eles o que a passagem

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dos anos nos ensinou é uma boa forma de ir saindo progressiva e dignamente de cena.

É importante passar o testemunho sem o deixar cair, mas para que isso aconteça é necessário não nos agarrarmos a lugares que só nos fazem ficar parados no tempo e no espaço. Precisamos que o

ritmo da corrida seja coincidente e a direção a mesma, para que a transação se faça sem atropelos, delongas nem sofrimentos. E, só assim, na retaguarda poderemos aplaudir quem, na altura certa, compreenderá a razão por que será preciso saber sair de cena. Sem cenas! .

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Sexagésima oitava tabuinha - Joelho (XX) Ana

Isabel Soares (Professora)

m dos livros de poesia que mais gostei de ler recentemente chama-se Um nome inteiro disposto à montaria. O autor, o brasileiro Caetano Romão, descreve-se como “poeta sanfoneiro viado / mestrando em teoria literária” e, com esse livro de versos, foi semifinalista do premio Oceanos (feito nada despiciendo para um jovem de 25 anos). De cada poema se percebe um fôlego soprado sobre o desejo, a marca verbalizada de um corpo movido a vontade e toque: quando sobrevém, entre uma e outro, a sexualidade e o erotismo na literatura? Que pulsão, de vida e escrita, passa entre as palavras? Quaisquer que sejam as respostas às perguntas (ou nenhumas), os versos foram inscritos e desenham imagens. Desde logo, a primeira, o poema que abre o livro, sucessão confessional e bruta: “tinha eu a idade de dezenove anos / quando o amor me apanhou / feito uma surra”. Os gestos do amor, nos versos de Romão, são gestos de luta e gestos da surpresa da emoção surgida entre a banalidade de existir (o mesmo poema, «Sapatos de arame», termina assim: “quando o amor me infernizou de azul / a paisagem / e dirão que nem era manhã / tinha as cuecas estendidas pra secar na janela”). Há uma generosidade nas palavras deste poeta, um descerrar de si mesmo que não se

condói de existências ocultas – tudo vem para fora, os dias, as noites, as hesitações, os apelos, o sublime e o abjeto a par no relato do conhecimento do corpo, do próprio e do de outros. A montaria de que fala o título do livro significará o ato de montar e aquilo que se monta, o sexo em ação e alguém com quem se tem sexo: mas é o nome, é a palavra que se dispõe ao ato, “um nome inteiro” (“meu nome é mais comprido que o teu”, encerra o poema «Rua nacional», como se um rapaz, em competição com outros, referindo o nome, referisse o membro) – a poesia permite a transformação de corpo em verbo. Em «Estribo», o terceiro poema da segunda parte, constrói-se a dramaturgia de um encontro: “há um homem que quando senta / me garante que está deitado”, começa, para prosseguir seguindo o homem (“há um homem que se põe de pé / na parte mais erma da cama”), montada e montaria: “toma para si as rédeas / encaixa melhor o freio”. Quem assim o descreve, curioso, cioso do que vê e em versos relata, no jeito seco que parece apenas notar uma existência (“há”), vai denunciando, à medida que avançam as linhas, uma maneira de agir e de se ajustar à presença daquele «homem»: “convém conhecer seus joelhos / a estatura que eles toleram / [...] convém conhecer / o que ele possui entre os joelhos / o que promete de estadia / e pressa / entre os meus”. É no lugar a meio das coxas que deve ser medido o tempo

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da união, a extensão do ato – é ali, entre os joelhos, que se confundem os seres, “julgando distinguir / o que é cinta o que é lençol / o que sou eu o que é madeira”.

Benditas palavras que amam.

Caetano Romão, Um nome inteiro disposto à montaria. São Paulo: Editora 7letras, 2021 .

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Foto: Vasco Célio

A Arte que se respira Adília

César (Escritora)

“Não se pode fazer arte ao gosto das pessoas. Mas podemos levar em consideração o dilema, a perplexidade que existe num público despreparado a apreciar arte contemporânea, a não ser que lhe seja dado um anzol para saber o que identificar. O que há para identificar está limitado, mas há a primeira [apreciação] que se pode transformar numa experiência para elas”. Beverly Pepper (1922-2020), transcrição de excerto entrevista incluída no documentário sobre a artista, «Uma Passagem no Tempo», 04/10/2022, RTP2

im de tarde, quase crepúsculo. A palavra nua parou no meu olhar obscuro, analisou a cegueira desse negrume passo a passo, de onde se opôs à espessura e à profundidade num processo de purificação mental. Respiro com dificuldade enquanto a expectativa perdura no abismo do vazio. Também as pequenas dobras da respiração esqueceram o odor das palavras porque o outono não cumpriu ainda a paz da chegada. Está demasiado calor para esta época do ano, digo, em tom de aforismo a toda a prova. Sinto o movimento insinuante dessa presença e nunca o cheiro da expectativa foi tão místico. A brisa e o vagar de todos os crepúsculos. O ar. Sente-se o ténue movimento do outono na trama dos perfumes e o mistério da sua ausência perdura no nada como uma expressão silenciosa de flores cegas a dançar no apelo da brisa.

Contudo, este momento antecipatório é preenchido com dúvidas. Caminho lentamente sobre as pedras lisas da calçada, que denunciam um mundo raro e carregam figurações das imagens provisórias que guardo na minha cabeça. Outras artes, outras intenções, outros modos de delegar no produto artístico os riscos da nossa própria existência. Os pensamentos acumulam-se e a eventual narrativa começa a deformar-se. Este ar que agora respiro nunca mais será o mesmo. Há um antes e um depois. No meio, a narrativa crítica que eu escolher corre o risco de não fazer justiça à subjectividade da apreciação artística e de não conseguir ultrapassar o papel complementar da arte na vida social das pessoas, no sentido de se considerar a arte apenas como um acompanhamento agradável e facultativo.

Ainda assim, estou atenta e gosto de visitar exposições de arte. O que vejo, o que sinto, o que interpreto, o que efabulo.

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(Texto interpretativo sobre a exposição «O ar que se respira…», Galeria Trem/Faro, organização ARTADENTRO, 1 OUT. 2022 – 7 JAN. 2023)

Pensar em arte é pensar em interpretação do objecto artístico. O observador possui um olhar apreciativo, avaliativo, interpretativo, crítico. Na verdade, o sujeito-intérprete lida com problemas estéticos complexos, quando, diante de uma obra de arte, desenvolve uma experiência estética relativa à apreciação da mesma. Uma qualquer fruição. Insisto na qualidade estética do objecto-obra, pois só assim entendo que possa ser desenvolvida uma apreciação: a obra de arte é um objecto estético e exige uma compreensão muito diferente da exigida em relação a objectos de outro tipo.

Respiro fundo, em modo de preparação para o que se segue. Sem máscara, a inspiração que recolhe o ar recorda-me a epidemia, agora camuflada com uma falsa alegria de exibirmos os rostos desnudos. É aqui. O cartaz da exposição não deixa margem para dúvidas: «O ar que se respira…». As reticências do título comovem-me e procuro de imediato a obra que anuncia o conceito criativo da experiência que me aguarda. A ampla porta verde esconde o interior da Galeria Trem, onde um grupo de artistas se propõe reunir metaforicamente algumas propostas que incluem diversas disciplinas visuais: pintura, desenho, escultura, fotografia, projecção. Ana André, Christine Henry, Miguel Cheta, Paulo Serra, Vasco Célio e Vasco Vidigal são os seus criadores. A filosofia do acto de respirar, a perplexidade do profundamente humano, a certeza do primeiro passo a dar. A segunda porta começa a desvendar o mistério.

«O nariz e o odor», primeiro como imagem de cartaz e depois como obra de

origem, parece dominar o cenário. O odor tem cor e forma? Vasco Vidigal responde com uma espécie de sinestesia impressiva que, por ser tão quente e poderosa, é preciso aprisionar-se a pintura numa caixa de vidro emoldurada, sem possibilidade de fuga; as cores que se repetem na superfície pintada têm o ritmo do bafo do dragão. O odor perpetua-se na nossa fatalidade presente. Já «A Batalha» é uma pintura que se liberta nos movimentos das duas figuras, uma mulher e um homem que se cansaram da atracção fatal revivida continuamente na guerra da reconciliação. Eles querem e não querem. Por isso, as fronteiras são flexíveis e permissivas.

Do outro lado, Ana André exibe um grande desenho de traços minuciosos a carvão e grafite que evoca a cidade engolida pela decadência da civilização; túneis, recantos escuros, árvores

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contorcidas pela sede, a titularidade da inquietação. Apetece-me entrar ali para descobrir um sítio onde deitar a minha própria melancolia e esperar serenamente um fim que talvez esteja mais próximo do que imaginamos. O dia nocturno que a todos aguarda.

A «Engrenagem», de Christine Henry, mostra-se delicadamente sobre o chão da Galeria. Procuro palavras para definir a sucessão de curvas que protagonizam a suave e sólida escultura de contraplacado de pinho. Chamo-lhe cenário de redenção. Ali, podemos assistir ao espectáculo da nossa derrota perante o infortúnio. A máquina pára e avança até que todos caiam no vazio. Mergulhar no poço central da existência talvez seja o último reduto da salvação humana, perante a inexplicável ausência de espectadores.

Ao canto, a luz projectada pelo vidro de catedral chama por mim: aí, Miguel Cheta assume que «Hoje não tenho cabeça para…»; a preocupação do que é inerente ao humano não nos deixa vacilar. O pensamento é luz de dimensões variáveis e divaga na nossa mente, alimentado pelo mistério. De repente, aquela instalação invoca a possibilidade de um planeta mais respirável. A alguns metros de distância, fixo-me na transparência simétrica de outra obra de Miguel Cheta. Aqui, o artista trabalha o vidro float termoformado e o ferro, sem necessidade de lhe dar um título, mas a minha obsessão pelas palavras encontra a pureza, a virgindade do ar nunca antes respirável. É fresco e reconfortante.

Vasco Célio propõe a obra «O Javali», uma fotografia (impressão de jacto de

tinta sobre têxtil). A besta, a vegetação, o edifício por trás. Numa primeira interpretação assumo que uma qualquer fotografia pode ser enganadora, por denunciar um momento ficcionado, ou seja, a pose. Contudo, a impressão desta imagem tem inerente uma verdade sem filtros: a construção psicológica dos seres humanos deveria privilegiar a podestade do javali numa cidade-selva.

E, por fim, observo as seis obras (técnica mista sobre papel) de Paulo Serra. Vejo o conforto das cores que posso dar à minha melancolia, onde o negro predomina, e a inquietação de não conseguir integrar-me num mundo que parece já não me pertencer. O «não» repete-se na minha narrativa interior, mas a afirmação de um juízo estético pessoal predomina para lá da visão. O que os meus olhos vêem são cenas imersivas de um quotidiano poético assolado pelo ruído das outras imagens que não são arte, as que me acompanharam antes da entrada na Galeria e que me seguirão furiosamente depois de passar a grande porta verde por onde entrei.

Cheguei ao fim da visita e concretizei a primeira apreciação: ver, sentir, interpretar. Eu sou o olho interpretativo do espectador inexperiente. Através do ar que respiro retomo o início da pessoa que agora sou, mais experiente, menos camuflada. Sedimento, lacre, sombra, totalidade infinita: eis a cerimónia da eternidade. E, todavia, o ar que respiramos já não existe no próprio ar. E, todavia, as reticências abrangem todas as nossas súplicas de compreensão artística. Voltarei .

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Dora Nunes Gago (Professora)

ecebi, enviado por um colega, um vídeo que tem circulado pelas redes sociais: adapta uma canção natalícia, substituindo «noite de paz, noite de amor» por «Noche de iPad, noche de iPhone» – a mensagem é clara, não podia ser mais actual: que as redes sociais não impeçam a partilha com a família. Com efeito, o cenário parodiado no vídeo em torno de uma mesa de consoada, cada um exilado no seu iPad ou telemóvel ilustra, sem dúvida, o momento mais intenso da pura ausência – não se trata de uma presença compartilhada, mas sim de uma «não presença» a impedir qualquer partilha. Este é um quadro repetido cada vez com mais frequência: gente fisicamente reunida e espiritualmente ausente, distante. Aliás, um estado de alienação individual a extravasar para o colectivo –e não, não se diga que são apenas os jovens, pois vejo-o transversal a várias faixas etárias – que, de tão banal já se converteu numa insólita normalidade. Se, há alguns anos, ver num restaurante de Macau um casal sem trocar uma palavra, sem se olhar, sem qualquer lastro de interacção, a comer mecanicamente, cada um mergulhado no seu exílio «wébico», me parecia estranho, hoje, acredito que essa atitude seja cada vez

mais frequente nos mais diversos locais do mundo e contextos. E não consigo deixar de me questionar: como chegámos a este ponto? Que linha da convivência humana se terá quebrado? Com quem estão estas pessoas que não querem (ou não conseguem) estar umas com as outras? Trocarão mensagens com amigos, conhecidos ou familiares distantes, também eles alienados de quem está ao seu lado, à sua frente? Postam talvez fotografias para validar os efémeros actos do quotidiano, como se isso lhes garantisse a existência. Como se a casca do dia-a-dia, a aparência de uma felicidade tantas vezes fingida, mil vezes aprovada por likes, se convertesse na mera essência. Como se o que nos humaniza fosse cada vez mais relegado para um espaço virtual longínquo, longe dos olhos e do coração. Como se ..? E, contudo, sim, é verdade, o mundo continua subjugado por uma pandemia que converteu o virtual em rei e senhor. Também não podemos negar as vantagens desse novo reino nos mais diversos contextos – senti-as na pele, confinada num território longínquo do sul da China, durante os últimos dois anos, podendo apesar disso, comunicar com a família e amigos distantes, participar em reuniões, conferências, ouvir palestras, enfim, ter acesso aos mais diversos eventos distantes da minha esfera, aos quais não acederia presencialmente. Por

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isso, sem dúvida, o nosso mundo redimensionou-se. Mas... e o resto? Esse «resto» que é, no fundo, o essencial, a pedra de toque? O que nos humaniza, o que nos converte em seres de afectos? Talvez seja, no âmago desse «resto», que o Natal possa adquirir algum sentido –como tempo de partilha,

independentemente das crenças religiosas, da febre consumista – tempo de interagir com quem está ao nosso lado, à nossa frente, de tirar os olhos do ecrã. Tempo de reencontrar os gestos, os ritos puros, essenciais: o olhar, o riso, a conversa, que precisamos de resgatar além de todos os abraços adiados .

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