JFD 109

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ANO 9 - Nº 109 OUTUBRO / 2016

www.jornalfalandodedanca.com.br ISSN 2237-468X

Opinião

Dança inclusiva

Para que serve dançar bem?

Quem é deficiente?

Outro dia fiquei pensando numa resposta para esta pergunta. Pensei: a gente investe dinheiro, tempo e muito esforço para aprender a dançar, Milton Saldanha mas não precisa disso para viver. Exceto se for profissional de dança, que não é o meu caso. Nem dos muitos amigos que dividem comigo as mesmas preocupações com passos, técnica, musicalidade, etc. A resposta é simples: dançar bem é fonte de prazer. Comparando, como jogar bem futebol em peladas de campinhos, ou tênis, nadar, correr, saltar. Tudo que está ligado à superação é gostoso, porque nossos corpos estão atrelados a limitações. Ao contrário dos animais, fomos feitos para usar o cérebro e não a força física e o instinto na luta pela sobrevivência. Ir além dos pressupostos dos nossos limites será fonte de orgulho. Baseado nisso, tempos atrás desenvolvi a tese de que só os exibidos dançam bem. Os tímidos e os indiferentes aos efeitos estéticos da sua dança serão sempre medíocres como dançarinos. Porque para eles tanto faz, o olhar alheio não importa. Com o vaidoso é diferente. Ele estará sempre preocupado com o crivo crítico alheio, e assim alguns, não todos, se tornam também autocríticos: sempre acham que precisam e podem melhorar. A vaidade, nesse aspecto, é saudável. Mas como somos também competitivos, isso é da natureza humana e de todos que praticam dança e esportes, ela só se torna perigosa quando exacerbada, a ponto de virar doença. A deslealdade, no esporte, é caso típico. Já na dança encontra sua expressão na desqualificação e não reconhecimento da qualidade dos outros dançarinos.

Neste mês de setembro nã, nenhuma das adjacentes teve rampa tivemos, em prossegui- colocada. Conclusão: fazer algo só para mento às Olimpíadas, “inglês ver” não dá. Se você tem uma os Jogos Paralímpicos academia, invista pra valer em projetos Rio 2016. Antes mesmo de inclusão, não faça nada pela metade. dos preços dos ingresSe você já inclui, ótimo, continue asMarco Antonio Perna* sos baixarem, garanti sim. Se não inclui, este é o momento, não os meus, um para o rugby sobre rodas e importa a modalidade da dança, o que outro para o atletismo. Levei minha filha importa é incluir. Quem sabe daqui a uns para despertar novos interesses. anos você possa sentir orgulho de algum Nas Olímpiadas nós tínhamos assisti- aluno seu se apresentar em algum evendo ao rugby normal. Nem preciso dizer to majestoso? Foi o que deve ter sentido que a experiência de assistir a uma par- quem trabalhou com a dançarina nortetida sobre rodas é bem interessante. Mas americana Amy Purdy, que, com as duas nesses dias de Jogos Paralímpicos a in- pernas amputadas e próteses daquelas clusão começa a pipocar na mente da parecidas com as de corrida do atletismo, gente. Lembrei da profª Solange Gueiros, foi a estrela da abertura das paralimpíque em São Paulo dava aulas de dança de adas, dançado um dueto com um robô salão para cegos. Lembrei do Carlinhos industrial. Amy participou também da de Jesus e a apresentação de dança por 18ª edição da versão norte-americana do cadeirantes em seu aniversário de 2001, “Dançando com as Estrelas”. no Asa Branca. Lembrei do filme “Baila Mas, tanto na abertura como no enComigo”, onde a personagem de Marisa cerramento das paralimpíadas, eu não vi Tomei fazia dança de salão e tinha uma dança de salão de cadeirantes. Embora eu perna amputada (usava uma mecânica). tenha perdido o início de ambas, fiquei Lembrei do artigo que escrevi em 2015 com sensação de que não tivemos exibisobre João Paulo, portaReprodução Facebook Amy Purdy dor de paralisia cerebral, cuja mãe não media esforços para deixá-lo feliz e está ensinando dança de salão para ele. Lembrei de dezenas (espero que existam centenas ou milhares), de profissionais de dança que de alguma maneira dedicam parte Amy Purdy dançando com robô na Paralimpíada Rio 2016 de seu tempo a projetos como esses. Muitos de nós às vezes podem pensar ção de dança de salão. Se alguém tiver que alguns desses profissionais, dentre visto, mande uma carta para este jornal essas “dezenas” que não nomeei, possi- relatando. velmente fazem esse trabalho esperando E posso estar com a memória ruim, mas retorno em divulgação. Bem, não im- não lembro de nenhum portador de defiporta o porquê fulano ou beltrano possa ciência em edições anteriores do “Dança realizar esse trabalho de inclusão, o que dos Famosos” do Faustão. Fausto Silva importa é o benefício gerado por essas perdeu a excelente oportunidade de coatitudes. Ver cadeirantes felizes jogando locar algum deficiente na edição atual. E nas paralimpíadas, ou amputados nadan- olha que ele tinha o exemplo da própria do, nos faz pensar no pouco que ainda se Amy, anos atrás, na versão americana. faz por esses indivíduos. E não basta boa Não adianta nenhuma desculpa de que vontade: tem que estudar como incluir, talvez não existam amputados ou mescomo lecionar, como dançar. Se todas as mo cegos que dancem (sabemos que academias de dança tivessem projetos de existem). Mesmo porque a premissa da inclusão, teríamos um mundo melhor. “Dança dos Famosos” é de que um famoComo falei, não importa a motivação, so pode aprender do zero a dançar. Vadesde que se faça algo. Mas tem que ser mos levantar essa ideia e cobrar da Globo bem feito. Outro dia, caminhando em vol- que coloque portadores de deficiência na ta do Maracanã, vi a construção de uma edição de 2017. rampa em uma calçada do outro lado da ________________ rua, às vésperas as Paralimpíadas. Fiquei Marco Antonio Perna é pesquisador, surpreso, na verdade, em não ter me toca- editor de site de dança e autor de livros de dança. Esta crônica faz parte de sua do antes que não existia rampa de facili- coletânea “Causos da Dansa”, ainda tação ao acesso de cadeirantes. Passados inédita. uns dias, vi a obra pronta e reparei que, Site: www.marcoantonioperna.com.br/ das várias ruas no entorno do Maraca- Blog: www.dancadesalao.com/agenda

Observe, por exemplo, quem não aplaude após um show ou mesmo uma simples apresentação de salão. O aplauso é o reconhecimento de algo que nos agradou. Sua intensidade só tem lógica quando modulada pelo sentimento que nos proporcionou. Mas existe o chamado “aplauso social”. Aquele decorrente apenas da boa educação. É contido. Até uma dança muito ruim merece um suave bater de palmas, ainda que seja por generosidade. O competitivo doente nem isso leva em conta. E se a dança foi muito boa, ele não apenas ignora, sem aplaudir, como sofre de inveja. Pessoas assim deveriam buscar tratamento. O invejoso sofre muito, é triste, causa pena. Sem exalar energias positivas, torna-se também refratário a elas. Sua alma é gelada. Nada disso tem a ver com ser exigente. No meu caso, como jornalista de dança, ser exigente é obrigação profissional. Se me deixar contaminar meramente por simpatias, perco a objetividade e, por decorrência, a credibilidade. Mas sempre tomei o cuidado de não ser um demolidor de sonhos e reputações. Minha opção, diante da ruindade, foi sempre calar-me. Já passei por momentos constrangedores de gente que dança muito mal e me pede opinião e até divulgação. Não raro, sugeriam a si próprios para capa do jornal. A evasiva, sem me comprometer, é dizer que “está bem, mas pode melhorar”. Nenhuma crueldade é maior do que ferir a autoestima de alguém. Já vi pessoas, fracas, largarem da dança por causa dessa maldade. E quando eu próprio sou vítima disso, como já aconteceu, inoculo o veneno adotando-o como desafio para evoluir. É o que todos devem fazer. _________________________ Milton Saldanha, fundador do Jornal Dance (São Paulo)

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