E marketing político dos panfletos eletrônicos à ciberdemocracia

E-MARKETING POLÍTICO: DOS PANFLETOS ELETRÔNICOS À CIBERDEMOCRACIA¹

Carla Cristina Nascimento de Souza Cruz²

Resumo Este artigo pretende analisar a relação entre a cibercultura e a construção de estratégias de marketing político a partir da incorporação das novas tecnologias. As possibilidades introduzidas pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e a convergência entre eles, produziram uma nova dinâmica que está sendo incorporada nas campanhas eleitorais. Nesse sentido, o texto busca analisar como o uso das tecnologias de informação e comunicação mudou a maneira de se fazer comunicação política, inserindo atores coletivos, novas possibilidades de atuação e formas inovadoras de se comunicar.

Palavras-chave: Marketing Político. Ciberdemocracia. Web 2.0.

Abstract This article intends to analyze the relationship between the cyber culture and the construction of political marketing strategies from the incorporation of new technologies. The possibilities introduced by the development of means of communication and the convergence between them, produced a new dynamic that is being incorporated at the electoral campaigning. In this sense, the text aims to analyze how the use of information technologies and communication change the manner of making political communication, inserting collective actors, new possibilities of action and innovative ways to communicate.

Keywords: Political Marketing. Cyberdemocracy. Web 2.0.

Introdução Em 1964, Marshall McLuhan já atentava para as mudanças que qualquer meio pode provocar, quer seja de escala, cadência ou padrão nas coisas humanas.

O conceito de aldeia global buscava explicar os efeitos da comunicação de massa sobre a sociedade contemporânea e, de acordo com essa teoria, a abolição das distâncias e do tempo, bem como a velocidade cada vez maior no processo de comunicação nos levaria a um processo de “retribalização”, onde barreiras culturais, étnicas, geográficas, entre outras, seriam relativizadas, nos levando a uma homogeneização sociocultural. ¹ Trabalho apresentado como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Propaganda e Marketing na Gestão de Marcas, Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. ² Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, graduada pela UFRN. E-mail: carla.souzacruz@gmail.com

Apesar de ter nascido para explicar os efeitos dos Meios de Comunicação de Massa (MCM) e da época distante em que surgiu, motivo pelo qual, muitas vezes, recebe mais um caráter profético do que propriamente contemporâneo, essa teoria se mostra cada vez mais útil para explicar a importância das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) na sociedade atual, onde grupos vão se unindo organicamente, construindo uma identidade coletiva, numa esfera pública que encoraja a livre circulação de ideias. É a aldeia global de McLuhan concretizada muito além do que ele havia previsto.

O rápido desenvolvimento dos meios de comunicação e a convergência digital proporcionada pelas TICs estão introduzindo novas dinâmicas nas práticas sociais, possibilitando novas formas de interação e reconfigurando as já existentes. Cenário que pode ser verificado pelo aumento do número de usuários dessas tecnologias em todo o mundo e, especialmente, no Brasil. Segundo dados da Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 (PBM 2015), quase metade dos brasileiros usa a internet regularmente, e o percentual de pessoas que a utilizam todos dos dias cresceu de 26% em 2014 para 37% em 2015.

De acordo com a PBM 2015, a internet também possui um bom índice de atenção exclusiva, já que 32% dos usuários não realizam nenhuma outra tarefa enquanto estão conectados, como comer, conversar ou assistir à televisão. Além disso, as pessoas ficam conectadas, em média, 4h59 por dia durante a semana e 4h24 nos finais de semana, superior ao tempo médio em que os brasileiros ficam expostos à televisão, por exemplo, respectivamente 4h31 e 4h14. E o uso de aparelhos celulares para acessar a internet (66%) já compete com o uso por meio de computadores (71%). Na pesquisa anterior, esses índices eram de 40% e 84%, respectivamente. O uso de redes sociais influencia – e muito - esse resultado.

Entre os internautas, 92% estão conectados por meio de redes sociais, o que corresponde a aproximadamente 90 milhões de brasileiros se relacionando por meio desses canais. Entre as redes mais utilizadas, o Facebook (83%) e o Whatsapp (58%) ocupam as primeiras posições, com ampla maioria, seguidos do Youtube (17%). Já o Twitter, popular entre as elites políticas e formadores de opinião, foi mencionado por apenas 5% dos entrevistados, ficando atrás do Instagram (12%) e Google+ (8%).

Figura 1 - Redes sociais mais utilizadas

Fonte: Pesquisa Brasileira de Mídia 2015.

Essa é a geração digital. A geração que dirige ao mesmo tempo em que envia mensagens por Whatsapp e tira selfies para postar no Instagram. A geração que se relaciona pelo Facebook, opina nos blogs, conversa em chats e trabalha por e-mail.

A esse comportamento Pierre Lévy atribuiu a denominação de cibercultura, que é um termo utilizado na definição dos agenciamentos sociais das comunidades no espaço eletrônico virtual. Essas comunidades estão ampliando e popularizando a utilização da internet e outras tecnologias de comunicação, possibilitando assim maior aproximação entre as pessoas de todo o mundo.

Pierre Lévy, ao justificar a necessidade de pensar sobre a cibercultura, aponta dois fatos: Em primeiro lugar, o crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas nos propõem. Em segundo lugar, que estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político, cultural e humano. (LÉVY, 1999, p. 11)

No campo da política, o uso das TICs e a consequente popularização da cibercultura criaram novos mecanismos de atuação política para além dos canais institucionais, assim como possibilitou a entrada de novos atores, inserindo uma dinâmica inovadora dentro do jogo político contemporâneo, introduzindo práticas e adaptando as antigas ao contexto digital. Nesse sentido, podemos destacar três importantes eventos políticos, a níveis mundiais e nacional, marcados pela expressiva utilização das novas tecnologias. O primeiro foi a vitoriosa campanha de

Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos em 2008, que utilizou a internet para arrecadar fundos e mobilizar os eleitores.

O segundo, em janeiro de 2011, foi o uso das TICs, em especial da internet e, mais especificamente, das redes sociais para a mobilização popular contra o presidente egípcio Hosni Mubarak, que, após dias de protestos populares articulados pela web, acabou deixando o poder. O terceiro evento político, este a nível nacional, mas não menos expressivo, foram as mobilizações brasileiras de junho de 2013, quando milhões de pessoas foram as ruas em mais 400 cidades pela redução das passagens do transporte público, contra os gastos com as obras da Copa do Mundo, pelo aumento dos recursos para a saúde e educação e contra a corrupção e a impunidade.

E esses são apenas alguns exemplos das transformações que as novas tecnologias estão produzindo nas práticas políticas. Sabemos que muitos dos acontecimentos políticos ocorridos neste início de século estão diretamente relacionados ao desenvolvimento de novas tecnologias. A apropriação de TICs pelos movimentos sociais, por exemplo, tem favorecido o surgimento de novas formas de ativismo, perpassadas por infraestruturas tecnológicas. No presente trabalho, procurei analisar a relação entre a cibercultura e a constituição de estratégias de marketing político a partir de uma dupla abordagem: das ações de comunicação e da possibilidade de participação cidadã no debate eleitoral.

Participação Política na Era Digital As TICs criaram novos mecanismos de atuação política para além dos canais institucionais, oferecendo vias alternativas de participação na vida pública e abrindo a possibilidade de construção de uma cidadania horizontal, mais independente, proporcionando a entrada de novos atores e inserindo uma dinâmica inovadora dentro do jogo político contemporâneo. Tudo isso permeado por um contexto de enfraquecimento da representatividade dos partidos políticos e questionamento da imparcialidade dos veículos tradicionais de comunicação.

Como

parte

dessa

revolução

informacional,

tornou-se

possível

o

desenvolvimento de uma nova visão da comunicação política, que privilegia a maior participação social. O paradigma do pensamento linear (emissor – meio – mensagem – receptor) está sendo superado por um novo paradigma: o pensamento

hipertextual, que se organiza sob a forma de associações complexas. As TICs diminuíram a distância entre os políticos e os cidadãos – e entre eles próprios – e criaram novos e complexos fluxos comunicacionais que não acontecem em um único sentido, mas em todos. (...) os dispositivos de rede permitem, numa visão otimista, uma oportunidade única para renovação da democracia, criando espaços para a participação mais ativa e engajada dos eleitores no processo eleitoral, seja pela distribuição on-line de material de campanha, seja pela arrecadação de fundos, ou mesmo uma participação mais direta, com propostas a serem incluídas na plataforma dos candidatos, diminuindo a distância entre o representante e o representado, criando um espaço para a deliberação e troca de experiências. (Penteado, 2011, p. 19)

Observa-se, assim, que a participação em massa vem sendo substituída por uma participação individual e ativa, onde o cidadão deixa de ser um espectador e assume um papel ativo nas campanhas eleitorais, inclusive debatendo propostas e programas de governo, em um espaço imaterial de discussão formado pelo ambiente virtual: o ciberespaço. Surge, portanto, uma esfera pública ainda pouco explorada, que encoraja a livre circulação de ideias, e em que os papeis de emissor e receptor não são mais unilaterais, mas multilaterais.

A visão otimista desse processo sinaliza que a internet pode ser utilizada para revigorar a esfera pública, reduzindo o custo de participação na vida pública, com potencial de rearticular o ativismo da política de base, e rompendo com o monopólio dos MCM. E não faltam cases para justificar essa visão. Um deles, talvez ainda o mais significativo até hoje, é a campanha vitoriosa de Barack Obama para presidência dos Estados Unidos, em 2008, que utilizou a internet para arrecadar fundos e mobilizar os eleitores e elegeu o primeiro presidente negro dos EUA, com 53% dos votos populares.

Por outro lado, dentro de uma perspectiva pessimista, “o incremento do uso das ferramentas de comunicação virtuais leva ao ‘esvaziamento do espaço público’ e, consequentemente, a uma maior alienação política dos cidadãos” (Penteado, 2011, p. 10). Nesse sentido, a nova sociabilidade virtual desfaz as bases da interação cara a cara, destruindo a formação da Ágora³ e, numa visão mais extremista, incentivando o solipsismo4 nas pessoas, que passam a acessar apenas ³ A Ágora era o nome que se dava às praças públicas na Grécia Antiga. Nestas praças ocorriam reuniões onde os gregos discutiam assuntos ligados à vida da cidade (pólis). (Fonte: SuaPesquisa.com) 4 Teoria segundo a qual a consciência à qual se reduz todo o existente é a consciência própria, meu 'eu só' (solos ipse). (Fonte: Dicionário de Filosofia, José Ferrater Mora: Loyola)

conteúdos com os quais possuem afinidade, evitando o debate de ideias característico do espaço público. (Sunstein, 2001) No entanto, não é minha intenção, aqui, proferir os “apocalípticos” ou entusiasmados sobre o uso das novas tecnologias e seu poder de mobilização política. Este artigo limita-se a fazer uma leitura das mudanças introduzidas pelas TICs, em especial no espaço virtual da internet, nas práticas do marketing político.

Minha argumentação, aqui é, portanto, no sentido de fazer compreender que, sim, há algo de novo na relação entre espaço público, política e as TICs e isso precisa ser investigado, compreendido e praticado pelos profissionais de marketing.

Marketing Político Segundo Adolpho Queiroz (2006), a expressão “marketing político” começou a ser utilizada por profissionais dos Estados Unidos para definir ações estratégicas de comunicação aplicadas às eleições democráticas. Scotto (2004, p.27) define essa vertente do marketing como sendo determinadas atividades associadas ao trabalho para um candidato ou partido durante uma campanha, onde se executa um vasto conjunto de serviços, que vão desde consultoria e assessoria até elaboração de estratégias e coordenação de campanha.

Contudo, apesar de muitos autores considerarem no marketing político apenas os esforços empenhados durante as campanhas eleitorais, vale destacar a diferenciação proposta por Barbosa e Saisi (2007, p.292). Segundo os autores, o marketing político é voltado para a construção de uma imagem em longo prazo e, para tanto, utiliza as mesmas técnicas do marketing eleitoral, só que com uma visão mais ampla. Já o marketing eleitoral tem o objetivo de angariar o maior número de votos para ganhar uma eleição, com data marcada. A diferença fundamental seria, portanto, uma questão de tempo.

Considero essa uma diferenciação pertinente, visto que, apesar de ambos – marketing político e marketing eleitoral - visarem à promoção de uma figura política, suas estratégias são diferentes. No entanto, para fins de simplificação e em consonância com o referencial teórico consultado, vou considerar neste trabalho apenas a expressão “marketing político”, englobando tanto as ações puramente eleitoreiras quanto as estratégias de médio e longo prazos para promoção e consolidação de um candidato ou um detentor de mandato.

No marketing político são trabalhados os mesmos conceitos do marketing tradicional, no que diz respeito a agregar valor a um produto ou serviço e torná-lo atraente para o cliente. Barbosa e Saisi (2007, p. 292) fazem essa associação considerando as quatro variáveis do chamado composto de marketing: produto, preço, praça e promoção. No caso do marketing político, o produto corresponde ao candidato (ou detentor de mandato), o preço ao voto (ou fidelização do eleitorado), a praça à conveniência e a promoção à comunicação.

Figura 2 - Comparação entre o Marketing Empresarial e o Marketing Político

Fonte: Kotler (1988)

O marketing político pode ser entendido, portanto, como um conjunto de técnicas e procedimentos que têm como objetivo adequar uma figura política ao seu público potencial, procurando fazê-lo, num primeiro momento, conhecido do maior número de pessoas possível e, em seguida, mostrando seu diferencial frente aos seus adversários. E isso só é possível adequando as estratégias de comunicação ao que pensam, querem e necessitam os eleitores/cidadãos em determinado momento.

Nesse contexto, e considerando os meios de comunicação como um dos principais fatores responsáveis pela expansão do marketing político, Penteado (2011, p. 12) identifica três fases que representam a evolução e profissionalização dessa atividade, conforme sistematizado na Figura 3: Fase Pré-moderna, Fase Moderna e uma terceira fase, que se divide em dois momentos - Pós-moderna e Colaborativa, que possuem características próprias e diferem-se em relação aos tipos e meios de comunicação empregados nas campanhas eleitorais.

Figura 3 - Fases do marketing político

Fonte: Adaptado de Penteado(2011)

A primeira fase (1945-1984) representa o estágio de pré-criação do marketing político,

dominada

pelos

chamados

“cabos

eleitorais”,

pessoas

sem

profissionalização, que conduziam as campanhas na estratégia do corpo a corpo, tendo o rádio como principal veículo de comunicação. Chaia (1996) aponta Jânio Quadros como um bom exemplo dessa fase. Segundo a autora, o político, com sua habilidade de comunicação apoiada no discurso moralizador e de saneamento da máquina pública, conseguiu desenvolver sua estratégia de autopromoção, que o levou à presidência da República em 1962.

A fase Moderna (1985-2002) foi marcada pela profissionalização da atividade do marketing político, com a entrada de profissionais da comunicação nos núcleos das campanhas, o que aconteceu, principalmente, graças à consolidação dos meios

de comunicação de massa, em especial a televisão. Para Albuquerque (1998), esse é o período da “americanização das campanhas”, já que grande parte das técnicas utilizadas reproduziam o padrão estadunidense de comunicação. Foi nessa fase que o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) se tornou o centro das ações.

Os meios de comunicação substituíram partidos, sindicatos, intelectuais. A aparição súbita desses meios põe em evidência uma reestruturação geral das articulações entre o público e o privado que pode ser percebida também no novo ordenamento da vida urbana, no declínio das nações como entidades que comportam o social e na reorganização das funções dos atores políticos tradicionais (Canckini, 1999, p. 50).

A terceira fase pode ser dividida em dois momentos e traz a incorporação das TICs na comunicação política, primeiramente de maneira tímida (Fase Pós-Moderna) e depois de forma mais intensa, com o surgimento da Web 2.0 (Fase Colaborativa).

O baixo número de pessoas com acesso à web não despertava muito a atenção dos marqueteiros. Contudo, a rápida expansão do número de usuários, ainda que restrinja a maior parte da população brasileira, começou a chamar a atenção das campanhas, que passaram a utilizar o espaço digital como um novo canal de comunicação para circulação das mensagens de propaganda eleitoral. (Penteado, 2011, p. 13)

Ainda assim, as possibilidades da internet ainda eram desconhecidas e/ou subestimados e os profissionais de marketing limitavam-se a criar websites oficiais das campanhas, onde os usuários encontravam basicamente uma reprodução do material impresso do candidato, ou uma espécie de “panfleto eletrônico”. Com o desenvolvimento da atividade, e sob influência do modelo norte-americano, criou-se um mercado de informações sobre o eleitorado que permitia a elaboração e envio de mensagens personalizadas via e-mail.

O desdobramento dessa fase veio com a Web 2.0, que, com seus aspectos interativos e colaborativos, introduziu formas inovadoras de utilização das novas tecnologias. As campanhas on-line ganharam novas funcionalidades, principalmente no processo de mobilização dos eleitores via redes sociais e blogs e os profissionais da área se viram diante de novos desafios, com o surgimento de um tipo de ativismo que se articula pela internet e que, já deu provas, é capaz de ultrapassar os limites virtuais e “ir pra rua”.

E-marketing Político As campanhas on-line se tornaram objeto de relevância no campo da política e da pesquisa em comunicação em um processo que vem se desenvolvendo há quase vinte anos. Desde as primeiras experiências, que remontam às campanhas norte-americanas de 1992, um conjunto de questões é levantado e discutido na comunicação política. Frente à série de transformações pelas quais as campanhas digitais passaram, bem como as grandes expectativas e concretizações da comunicação digital política no Brasil, nas últimas e nas próximas eleições, se faz necessário traçar um histórico de evolução.

No início dos anos 90, a primeira geração da web, ou Web 1.0, era parecida com os meios de comunicação tradicionais – rádio, TV, jornal impresso – no tocante à disponibilização de conteúdo, uma vez que não havia interação entre o usuário e o conteúdo por ele recebido e, tampouco, se tinha a visão comercial da rede que temos hoje.

A primeira geração da Internet teve como principal atributo a enorme quantidade de informação disponível e a que todos podíamos acender.

No entanto, o papel do utilizador nesses cenários era o de mero espectador da ação que se passava na página que visitava, não tendo autorização para alterar ou reeditar o seu conteúdo. (Coutinho; Bottentuir Jr.; 2007, p. 199)

Nesse contexto, surgiram as primeiras experiências de campanhas eleitorais empreendidas com auxílio de ferramentas on-line. Foi em 1992, na disputa entre Bill Clinton e George Bush para a presidência dos EUA. A quantidade de estudos dedicados a esse momento é bastante escassa e isso se deve, principalmente,à pouca diferença entre a comunicação digital realizada pelos candidatos e aquelas feitas nas plataformas off-line. Naquele momento, a internet ainda convivia com muitas restrições de velocidade e volume do tráfego de dados, limitando os recursos comunicacionais nos sites dos candidatos a textos, sem maiores recursos gráficos.

Tais limitações restringiam a aplicação de ferramentas mais sofisticadas, o que fez com que os estudiosos definissem os sites de campanha desse período como meros “panfletos eletrônicos”. No entanto, Myers (1993), ao analisar a experiência da campanha on-line do então candidato Bill Clinton, já identificava uma das vantagens diferenciais dos websites de campanha em comparação com outros meios de comunicação: a possibilidade de fornecer informações não afetadas por

nenhum filtro noticioso, de modo a estabelecer uma comunicação direta entre o candidato e os cidadãos.

Pode-se argumentar que, substancialmente, pouco há de novo nesse tipo de funcionamento, uma vez que tais informações poderiam estar incluídas em materiais de campanha impresso, por exemplo. No entanto, se deslocarmos a atenção da natureza para a escala de funcionamento dos websites, percebemos que, ao contrário dos panfletos impressos, os web sites possibilitam uma acúmulo maior desse tipo de informação e possibilita o arquivamento desses insumos informativos que permanecem disponíveis ao cidadãos continuadamente, ao contrário dos panfletos impressos. (Aggio, 2010, p. 430)

Observa-se, portanto, que nesse primeiro momento as campanhas on-line foram tratadas, basicamente, como um novo meio de comunicação eleitoral em face de um conjunto de outros meios pelos quais as campanhas midiáticas foram construídas. No entanto, com o surgimento e aperfeiçoamento das novas tecnologias, surgiu a Web 2.0., que potencializou as formas de publicação, compartilhamento e organização de informações, ampliando os espaços para interação entre os participantes do processo. Aliás, a palavra chave dessa nova forma de pensar a web é interatividade.

Sob esse enfoque, uma onda de positivismo tomou conta dos estrategistas políticos, que passaram a depositar novas expectativas nas potencialidades da internet, enxergando nela uma nova maneira de produção de comunicação de campanha, mudando estratégias de persuasão típicas da televisão ou do rádio, deixando de lado a produção de campanha negativa e dedicando mais tempo para discussões sobre questões de políticas públicas e, o mais fundamental, estabelecendo o fim da unidirecionalidade da comunicação típica dos meios tradicionais, aproximando cidadãos com as campanhas através de ferramentas de comunicação dialógica.

E isso se dá tanto entre o usuário e a tecnologia, quanto entre os elementos que compõem a tecnologia em si. Várias ferramentas só passaram a existir por causa da Web 2.0, como é o caso dos softwares que originaram as redes sociais.

Daí o fundamento do e-marketing político ter como referência básica os trabalhos sobre marketing viral, termo utilizado para definir as técnicas de marketing que tentam explorar as redes sociais para produzir aumentos exponenciais de

conhecimento de marca, com processos similares a uma epidemia, por isso a denominação “viral”.

Exemplo disso, e o caso mais emblemático do uso eleitoral da internet, continua sendo a campanha de Obama, na qual os meios digitais foram uma das principais estratégias de contato com os eleitores por meio da criação de uma rede social própria, My.Barack.Obama (MyBo), que possibilitou o engajamento político dos simpatizantes do candidato. A mudança, portanto, não foi apenas social, mas também tecnológica, uma vez que a mídia e a tecnologia permitiram a formação de um espaço imaterial compartilhado de discussão no próprio meio.

O primeiro presidente negro dos EUA inovou ainda ao explorar os recursos interativos e colaborativos da internet para arrecadação de fundos eleitorais, a partir de pequenas doações que podiam ser feitas diretamente em seu site. Toda a potencialidade da Web 2.0 foi aproveitada por Barack Obama e o resultado disso pode ser visto nas urnas após o resultado das eleições.

Sem internet não haveria Obama. A diferença de compreensão, entre as campanhas de Obama e Clinton, sobre o que se pode realizar por meio da política on-line tem sido um fator decisivo nessa que é a maior reviravolta na história das primárias presidenciais. Há, naturalmente, outras diferenças importantes: a estratégia empregada no “caucus”, o glamour, a oratória, os discursos enfocando diretamente o preconceito.

Mas nenhuma delas teria sido decisiva sem o dinheiro que Obama arrecadou on-line, os vídeos que Obama postou on-line e, acima de tudo, os milhões de pessoas que aderiram on-line à campanha de Obama, em seus tempos e termos próprios. (Cornfield, 2008, apud GOMES et al, 2008)

Foram 6,5 milhões de doações que somaram mais de US$ 500 milhões. E nesse montante de 6,5 milhões de doações, vale destacar que 6 milhões estavam em incrementos de $100 ou menos, o que fez a doação média ficar em $80. Ou seja, a estratégia foi engajar o maior número de pessoas possível e não necessariamente convencê-las a doar mais. Aliás, Obama não pediu diretamente para que as pessoas entrassem em seu site e fizessem doações. Ele preferiu motivar seus eleitores e utilizar ferramentas (widgets) que facilitassem as doações.

Penteado (2011) estuda Web 2.0 e essa nova dinâmica do uso dos recursos comunicacionais da internet, como o processo colaborativo da produção de conteúdos, o compartilhamento de arquivos ou uso das redes sociais. Para ele, a nova geração da web pode ser caracterizada pelo crescimento da importância do usuário e, nesse sentido, muitas são as discussões acerca da revitalização da

democracia. São teses mais realistas, como a de um Estado transparente e próximo ao cidadão, até as mais utópicas, como a teoria da democracia do plug and play, “onde a esfera política profissional se extinguiria porque o público mesmo controlaria a decisão política válida e legítima no interior do Estado” (GOMES, 2005, p. 219).

De um jeito ou de outro, fato é que hoje os recursos da Web 2.0 não podem responder sozinhos pela democratização da informação, que depende de um conjunto sistemático contemporâneo, formado inclusive por veículos tradicionais como a televisão e o rádio - este em menor grau -, que juntos criam, segundo Pierre Levy (2003, p. 135), uma espécie de “caixa de ressonância planetária” geradora de opinião pública. A revitalização da democracia deve ser entendida, portanto, com um processo de flexibilização e facilitação dos atos organizacionais, uma passagem de um modelo de governança burocrático e organizacional para um comunicacional, facilitador do processo de inclusão e participação cidadã.

A ciberdemocracia encontra-se, portanto, no maior acesso à informação governamental e a interação entre o Estado e sociedade civil, através dos meios eletrônicos. (...) espantosa disponibilidade das informações, de toda a espécie, respeitantes à vida política, assim como o frequentar de fóruns de discussão civilizados e bem organizados, tornam o debate político cada vez mais ‘transparente’ e preparam uma nova era do diálogo político que conduz a democracia a um estágio superior: a ciberdemocracia (LEVY, 2003, p. 123-124).

O fenômeno mais notável dessa nova geraçãoda democracia se dá na produção descentralizada de informações e movimentos sociais, traduzidos nos milhares de blogs, smartmobs, sistemas de gerenciamento de conteúdos e, claro, as redes sociais, que unem características de todas essas plataformas juntas e têm sido as grandes molas propulsoras da ciberdemocracia. Um exemplo próximo e bastante significativo disso foi a organização dos movimentos populares que tomaram conta do Brasil em junho de 2013, a partir de ações articuladas pelas redes sociais e que, contrariando aqueles pessimistas que previam o esvaziamento do espaço público, chegaram até as ruas em forma de protestos.

Utilizando o mote do aumento dos preços dos transportes públicos, milhões de brasileiros foram às ruas reivindicar melhores condições para o sistema público de saúde, educação de qualidade, além de mudanças no sistema político-eleitoral. E ao analisar essas mobilizações populares, dois pontos chamam atenção: o primeiro

é que, apesar da presença de bandeiras de vários partidos políticos, elas se posicionavam como apartidárias, chegando a ostentar o lema “ninguém me representa”; o segundo é que, embora inegável o papel decisivo das redes sociais para articulação dos discursos e divulgação dos horários e locais dos protestos, a viralização do movimento só aconteceu, de fato, após tomar conta do noticiário das grandes redes de televisão.

Tais constatações nos levam a refletir sobre o grau de penetração das mídias digitais nos meios de comunicação tradicionais e a participação da ciberdemocracia na construção da opinião pública. A televisão, devido ao seu alcance, ainda se constitui como a principal ferramenta de comunicação, o que nos leva a crer que, pelo menos nesse primeiro estágio, as novas práticas comunicacionais não vão vir em substituição às antigas, mas, pelo contrário, tendem a ser coordenadas e alinhadas para atuar em sinergia com as técnicas tradicionais. Por outro lado, a passagem de uma democracia representativa para uma democracia mais participativa, por parte do cidadão a partir dos meios digitais, não significa o fim do Estado. (...) ao contrário, com o surgimento da ciberdemocracia, o Estado torna a administração pública mais democrática e transparente para o cidadão. De fato, a criação de espaços virtuais, em escala planetária, como as cidades digitais, que renovam as formas de deliberação e do debate público, só fazem aperfeiçoar a democracia local. (Lopes; Freire; 2009, p. 4)

Dentro desse contexto, a possibilidade de construir uma nova hegemonia5 modifica a dinâmica da atuação política porque se admite que outros interesses, que não os do Estado (em sentido restrito) e da classe dominante, se movimentem na sociedade civil atrás de ressonância e aceitação (Gramsci, 1999). Entre esses interesses, estão os das classes menos favorecidas e frações dissidentes da burguesia (classe média) que com aquelas se solidarizam e se aliam no enfrentamento das classes dominantes e dirigentes. Gramsci nos faz ver que a hegemonia não é uma construção monolítica, e sim o resultado das medições de forças entre blocos de classes em dado contexto histórico. O marketing político contra-hegemônico virtual surge, portanto, como uma força capaz de intervir no cenário de representação política montado pela mídia tradicional. E a internet se 5

Na concepção de Gramsci, hegemonia é uma dominação consentida, especialmente de uma classe social ou nação sobre seus pares. A noção de hegemonia propõe uma nova relação entre estrutura e superestrutura e, nesse contexto, a sociedade civil adquire um papel central, bem como a ideologia, que aparece como constitutiva das relações sociais.

insere nesse cenário como uma opção social e política para a democracia tornar-se mais participativa, condição preponderante de sua existência, manutenção e aperfeiçoamento. Por isso, hoje não se pode conceber estratégias de comunicação, sejam elas políticas ou de qualquer outro tipo, em curto ou médio prazos, que não considerem as redes sociais parte ativa do processo de construção da opinião pública.

Conclusões Itinerantes

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante seu discurso no 19º Encontro do Foro de São Paulo (FSP), engrossou a lista das lideranças políticas que consideraram as manifestações brasileiras de junho de 2013 completamente inesperadas. Para ele, “esses movimentos que aconteceram no Brasil pegaram de surpresa todos os partidos de esquerda, pegaram de surpresa todos os partidos de direita, todo o movimento sindical. O movimento sindical, com todos os recursos que tem, nem sequer tem uma comunicação pela internet. Nós, na verdade, estamos ficando velhos", disse Lula. Juntam-se à longa lista dos surpreendidos, intelectuais, parlamentares, lideranças setoriais, empresários e jornalistas.

O mito do inesperado6 ronda os movimentos sociais em rede, assim como compôs as narrativas de poder e contrapoder da Primavera Árabe (Di Fátima, 2013).

A fala de Lula apenas ilustra o que muitos de nós, profissionais e estudiosos da área, sabemos ou suspeitamos: a Política ainda não está preparada para lidar com a ciberdemocracia e todas as possibilidades interativas e colaborativas que se apresentam com a Web 2.0. O e-marketing político só poderá se desenvolver quando aprender a utilizar os mecanismos de comunicação da internet de forma criativa, transformando quantidade em qualidade no que se refere ao número de cidadãos com acesso às TICs e inseridos no debate político.

Como define Cornelius Castoriadis (2010, p. 16), uma sociedade autônoma é uma sociedade que sabe que as suas instituições, as suas leis, são produto do seu trabalho e que, portanto, podem ser postas por si próprio em causa e mudadas.

Nesse sentido, mais do que um processo inevitável de evolução da democracia, a ciberdemocracia precisa ser vista como o produto de uma construção coletiva, num processo colaborativo e experimental do qual o Estado, os partidos políticos e a 6

Expressão utilizada por Gustavo Cardoso e Branco Di Fátima para desconstruir a ideia de que os protestos constituem fator surpresa no atual contexto social, econômico, cultural e político.

sociedade não podem se furtar. Pensar o espaço em rede da web somente como mais um canal de comunicação representa uma visão redutora do seu potencial.

Com a Lei 12.034 de 29 de setembro de 2009, também conhecida como minirreforma eleitoral, as possibilidades de uso da internet em campanhas eleitorais foi ampliada. Por isso, faz-se urgente descontruir o discurso do inesperado, considerando que, sob o meu ponto de vista, não há surpresas nos protestos. Há, sim, uma cegueira por parte do Estado e dos partidos políticos, que conduzem sua atuação no ciberespaço de maneira descoordenada e sem planejamento. Do ponto de vista histórico, sabemos que a insatisfação generalizada não se origina em pequenos incidentes, mas num longo processo acumulativo de descontentamento, para o qual, inclusive, existem hoje inúmeras ferramentas de monitoramento on-line.

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