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Domingo, Dia do Senhor

Já vai longe o tempo em que grande parte dos católicos via no domingo apenas o frio cumprimento da lei do descanso e do culto. Hoje, com o atual materialismo consumista que tomou conta da maioria das pessoas, vemos que o sentido e sabor original desse dia enfraqueceu ainda mais e, até mesmo, se apagou da mente e do coração de uma grande multidão de cristãos em nossos dias.

Frente a esta realidade, é muito atual e oportuno o que diz o Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a Liturgia, a saber, que “o domingo é o principal dia de festa. Como tal deve ser proposto com convicção aos fiéis” (SC, nº 106). Em sintonia com a Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil que nos apresenta a Liturgia como prioridade no Pilar do Pão, e na tentativa de responder a este apelo do Concílio, vamos refletir sobre o sentido do domingo.

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Algumas Dificuldades Em Rela O Ao Domingo

Durante um longo período, em nossa Igreja, uma grande maioria de cristãos guardava o domingo e ia à missa neste dia porque existia uma lei da Igreja que obrigava tal prática. Mas hoje, as coisas mudaram.

Já pela sexta-feira ou sábado, quando as pessoas se despedem uma da outra, é comum dizer: “Bom final de semana”. Salvo algumas exceções não se diz mais “bom domingo”, como antigamente. Para uma grande maioria, o importante não é mais o domingo. O mais importante é o final de semana, do qual faz parte também esse dia. Temos que admitir que, para muita gente, o domingo simplesmente foi substituído pelo final de semana.

O domingo tem como característica a suspensão dos trabalhos. É um dia de folga e de diversão, que já começa na sexta à noite. Dia próprio para o lazer, passear, viajar, fazer turismo, visitar amigos e parentes, brincar, ir à praia ou fazer uma pescaria. Dia próprio para dormir um pouquinho mais, assistir um jogo de futebol, ir ao cinema, ao teatro, à Igreja, comer num restaurante. Tanta coisa se faz no domingo, ou melhor, no final de semana. Existe inclusive toda uma indústria de prestação de serviços à imensa demanda de lazer dos homens e mulheres de hoje. São as chamadas indústrias do lazer. São empresas de turismo, hotéis, restaurantes, voltadas para atender a folga dos finais de semana. Mas, será que o sentido do domingo se limita apenas à folga de final de semana?

“Alguns são obrigados a trabalhar no domingo por imposição de suas profissões. A caridade com que exercem seus deveres é seu sacrifício espiritual, já que estão impedidos de celebrar plenamente o Dia do Senhor. Inaceitável, outrossim, é a sociedade que obriga multidões à luta pela sobrevivência por causa do trabalho mal remunerado, que desfigura o Domingo feito dia de horas-extras. A própria realidade urbana dificulta, muitas vezes, a vivência cristã do Dia do Senhor”.

Para outros, mesmo sendo um dia em que não se trabalha e um dia de lazer, o domingo também não deixa de ser um dia de trabalho. Certas necessidades obrigam pessoas a trabalharem nesse dia nos serviços de transporte, nos hospitais, em grandes indústrias com funcionamento ininterrupto, em indústrias do lazer. Outras pessoas, devido ao sufoco econômico, aproveitam a folga do domingo para fazer algum outro serviço para ajudar no orçamento da família.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) alerta para as dificuldades do domingo: “Sentimos fundo no coração a deturpação do domingo, imposta pelas injustiças e pelo consumismo de nossa época dominada pelo espírito secularista. Alguns são obrigados a trabalhar no domingo por imposição de suas profissões. A caridade com que exercem seus deveres é seu sacrifício espiritual, já que estão impedidos de celebrar plenamente o Dia do Senhor. Inaceitável, outrossim, é a sociedade que obriga multidões à luta pela sobrevivência por causa do trabalho mal remunerado, que desfigura o Domingo feito dia de horas-extras. A própria realidade urbana dificulta, muitas vezes, a vivência cristã do Dia do Senhor. Lamentamos também o consumismo secularista, que leva centenas de pessoas ao mero lazer, viagens e programas, que mais parecem criados para distrair ou dirigir as atenções em direção oposta ao culto e à religião. Corremos também o risco de esvaziar o sentido do Domingo com o excesso e superposição de comemorações, que pretendemos realçar neste dia, sem notar que não sobra espaço para celebrar o mistério pascal”

(Animação da Vida Litúrgica do Brasil, nº 117 a 119).

Diante destas dificuldades nos perguntamos qual valor e sentido tem o domingo para os cristãos. Vamos juntos percorrer este caminho e redescobrir sua importância.

Como Nasceu O Domingo

O povo sofria demais no tempo de Jesus com o autoritarismo dos seus chefes religiosos e do domínio estrangeiro, no caso, os romanos. O povo vivia pressionado pela ameaça de castigo, medo e humilhação. As pessoas eram punidas, até mesmo com a pena de morte, se descumprissem qualquer das inúmeras leis religiosas existentes. De outro lado, o domínio romano obrigava a todos pagarem pesados impostos a César.

Em meio a todo esse sufoco, pode-se entender como o povo esperava ansioso por alguém que viesse socorrê-lo. Era muito grande a expectativa pela vinda de um Messias que viesse devolver a todos a sua dignidade.

Com a vinda de Jesus cresce a esperança do povo. Prega como um profeta, fala de Deus, mostra de que jeito Deus é, fala do Reino de Deus, de perdão, misericórdia, de amor até mesmo aos inimigos, faz milagres, cura as pessoas, delas expulsa os males que as atormentam, restitui-lhes a vida, acolhe com bondade pecadores e crianças.

O povo se entusiasma por este Jesus que tudo faz para mostrar, em sua própria pessoa, o que Deus quer, a saber, que o ser humano passe da escravidão para a liberdade, da doença e da morte para a vida plena. Multidões acorrem a ele e se admiram vendo os milagres que ele faz (cf. Mt 15,30-31).

Alguns até resolvem acompanhar Jesus, segui-lo de perto, passo a passo. Outros chegam até a abandonar a profissão para segui-lo.

Os evangelhos nos mostram como Jesus ganhou muitos discípulos e discípulas, a ponto de causar ciúmes, inveja e medo por parte das autoridades religiosas que o acusavam de se considerar igual a Deus, ser Filho de Deus e descumprir as leis religiosas. Acabaram convencendo o próprio povo a pedir a morte de Jesus que acabou sendo preso, condenado à morte, torturado e supliciado na cruz até morrer.

Jesus morreu e foi sepultado. A sensação é que tudo acabaria ali, na sepultura. Imagine o medo dos discípulos e discípulas de Jesus. Eles que acreditaram e apostaram n’Ele, que largaram tudo para segui-lo, que viram em Jesus o esperado Messias poderoso e imortal, Filho de Deus capaz de garantir vida eterna. Agora tudo acabou. Aquele futuro feliz que todos sonhavam, parece que não existe mais. Jesus foi para a sepultura e, junto com seu corpo, lá se foram todos os sonhos de liberdade e de vida. O jeito agora é voltar para casa, como é o caso dos dois discípulos de Emaús. Estes voltam frustrados, com ares de quem sofreu um tremendo engano. “Nós esperávamos que fosse Ele quem iria libertar Israel, e já faz três dias que Ele morreu”, lamentam os discípulos (cf. Lc 24,21). Assim estavam os discípulos íntimos de Jesus logo depois que ele morreu. O clima era de tristeza, frustração, insegurança e medo. Pois lá se foram as esperanças de dias melhores.

Geralmente, quando morre uma pessoa muito querida, principalmente quando é da família, dois ou três dias depois, bate uma profunda saudade. E dá vontade de visitar a sepultura daquela pessoa. E a gente vai, leva flores, faz orações, chora.

Foi o que aconteceu quando Jesus morreu. Três dias depois – era o primeiro dia da semana –, Maria Madalena e outras mulheres foram bem cedinho fazer uma visita à sepultura de Jesus. Levaram perfumes, como era costume na região. Ao chegarem lá encontraram a sepultura aberta e vazia (cf. Mt 28,1-7; Mc 16,1-7; Lc 24,1-8; Jo 20,1-2.11-13). Ali mesmo, têm uma visão, avisando que Jesus ressuscitou. E Jesus mesmo logo aparece, e fala com Maria Madalena e as outras mulheres (cf. Jo 20,14-17; Mt 28,8-10; Mc 16,8; Lc 24,9-11).

Elas, então, saem correndo a avisar: “Vimos o Senhor! Ele está vivo! Ele falou com a gente”! João e Pedro vão correndo ver a sepultura, e constatam: realmente, aconteceu como as mulheres disseram. Jesus também aparece e conversa com dois discípulos a caminho de Emaús (cf. Lc 24,13-35), aparece e conversa com os apóstolos escondidos numa sala de jantar, falando-lhes de paz, dando-lhes o Espírito Santo e ordenando-lhes a anunciar a notícia por todos os cantos da terra (cf. At 1,4-8; Mc 16,14-18; Lc 24,36-48; Jo 20,19-25).

O luto e a tristeza pela morte do Senhor são substituídos por uma imensa alegria, um intenso júbilo, um saboroso gosto de vitória por esta inesquecível surpresa que Deus preparou. Jesus ressuscitou!

FOI NO PRIMEIRO DIA DA SEMANA

Tudo isso aconteceu no “primeiro dia da semana” (Mt 28,1; Mc 16,2; Lc 24,1.13; Jo 20,1.19). No tempo de Jesus, entre os judeus, os dias da semana eram contados assim: primeiro dia, segundo dia, terceiro dia, quarto dia, quinto dia, sexto dia, sábado. Só o sétimo dia é que tinha um nome. Chamavam de sábado. Jesus morreu no sexto dia, para nós sexta-feira, e passou o sábado, sétimo e último dia, na sepultura.

E foi precisamente no primeiro dia da semana, logo depois do sábado, que os discípulos e discípulas de Jesus tiveram esta surpresa. Foi neste dia que encontraram a sepultura de Jesus aberta e vazia. E foi neste dia que Jesus, ressuscitado, lhes apareceu pela primeira vez. Neste dia descobriram que Jesus não estava morto, mas vivo. A partir desse dia, sentiram que tudo se renovou. Foi a partir deste dia que os discípulos e discípulas de Jesus perceberam que a vida é mais forte do que a morte.

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