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A Difícil Doutrina do Amor de Deus D. A. Carson

Entender a doutrina do amor de Deus parece simples, especialmente quando a maioria das pessoas que crê em Deus o vê como um ser amoroso. Mas é exatamente isso que torna essa doutrina tão difícil, pois muitos cristãos perderam o entendimento bíblico do amor de Deus e tomam sua santidade, soberania e sua ira como incompatíveis com o perfil de um Deus “amoroso”. Uma obra que não só critica as idéias sentimentais a respeito do amor de Deus, por exemplo, “Deus odeia o pecado, mas ama o pecador”, como também fornece uma perspectiva sobre a sua natureza e por que Ele ama como ama. Restaure a idéia correta de quem é Deus e compreenda melhor o seu infinito amor por você. Cód.: 152280 / Formato: 14x21cm / 96 pág.

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Foto de capa: C. Ringo

SUMÁRIO

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PRIMEIRAS PALAVRAS

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CARTAS E MENSAGENS

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CAPA

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Transformações políticas e sociais abrem espaço para o surgimento de uma nova Igreja urbana na China

REFLEXÃO Ricardo Agreste

16

CH INFORMA

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RELIGIÃO

26 28

36

Benefícios da fé sobre a saúde são defendidos por cada vez mais médicos e pesquisadores

MULHER Esther Carrenho EVANGELISMO Obra de evangelização sofre os efeitos da atuação desastrada de algumas igrejas brasileiras em Portugal na década passada

INTERNACIONAL

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CH DIGITAL

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MISSÕES

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Importantes organizações evangélicas completam décadas de existência sem perder de vista o chamado original

PavaZine#

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CINECULT

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LIVROS E RESENHAS

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ENTREVISTA

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Bastante criticado nos últimos tempos, o pastor Ricardo Gondim abre seu coração, confessa as mágoas e reafirma a fé nos conteúdos do Evangelho

SONS DO CORAÇÃO

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OS OUTROS SEIS DIAS

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ÚLTIMAS PALAVRAS

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INTERNACIONAL Berço de missionários que espalharam o Cristianismo pelo mundo, Reino Unido sofre efeitos da secularização sobre a fé dos britânicos

Perguntas sobre CH Como posso contatar a redação da revista? Envie um e-mail para faleconosco@cristianismohoje.com.br ou escreva para o endereço postal: Caixa Postal 107.006, Niterói (RJ) – CEP 24.360-970. Inclua seu nome e endereço completos

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UM SELO

GRUPO EDITORIAL DANPREWAN


PRIMEIRAS PALAVRAS Revista Cristianismo Hoje A verdade com conteúdo evangélico www.cristianismohoje.com.br

Fé em transformação

O

Os primeiros anos do século 21 – época que se convencionou chamar de pós-modernidade – têm acarretado profundas modificações na fé cristã. O Evangelho de Jesus permanece o mesmo, mas as maneiras de interpretá-lo e de vivê-lo são cada vez mais diversas. E é na Europa, berço da Reforma e da expansão missionária dos séculos 18 e 19, que tais transformações são mais agudas. Nesta edição, CRISTIANISMO HOJE aborda a questão sob diversos aspectos. Nossos repórteres e colaboradores estiveram no Velho Mundo e mostram a situação espiritual de duas nações intimamente ligadas ao Brasil: Portugal, de onde vieram os colonizadores, e Reino Unido, cujos obreiros ajudaram a implantar a fé protestante aqui. Na China, os crentes estão encontrando novas maneiras de professar a sua fé apesar do regime comunista que ainda cerceia, muitas vezes com violência, as manifestações religiosas. As igrejas domésticas, surgidas no contexto da maciça urbanização e do crescimento econômico do gigante asiático, conseguem conviver de maneira mais pacífica com o poder, sem contudo abrir mão dos conteúdos da Palavra de Deus. É o que você vai ler na reportagem especial O grande salto para frente, produzida por Christianity Today no país das Olimpíadas 2008. Conheça também nesta edição algumas entidades evangélicas que atravessam as décadas sem perder o chamado original. São ministérios que servem à Igreja e à sociedade brasileira há muito tempo, provando que integridade, excelência e ética são valores que precisam e podem ser mantidos na caminhada da fé. E um dos mais conhecidos pastores brasileiros, Ricardo Gondim, abre seu coração na Entrevista. Dizendo-se magoado com os que o têm criticado – ele foi muito combatido nos últimos anos, sobretudo em função de alguns artigos que publicou –, Gondim reafirma sua fé e garante que continua pautando sua vida e ação ministerial pela ética e pela doutrina bíblica. CRISTIANISMO HOJE, que chega à sua quinta edição, compartilha com seus leitores um conteúdo que, temos certeza, vai lhes proporcionar edificação, informação e cultura. Obrigado e boa leitura! Carlos Fernandes Diretor de redação

Quem somos Cristianismo Hoje é uma publicação evangélica, nacional e independente, que tem como objetivo informar, encorajar, unir e edificar a Igreja brasileira, comunicando com verdade, isenção e profundidade os fatos ligados ao segmento cristão, bem como o poder transformador do Evangelho a todos os seus leitores

A revista tem uma parceria com o grupo Christianity Today International, um dos mais importantes grupos de mídia cristã do mundo, com 11 revistas e 29 sites de conteúdo Conselho Editorial Carlo Carrenho, Carlos Buczynski, Eleny Vassão, Eude Martins da Silva, Marcelo Augusto Souto, Mário Ikeda, Mark Carpenter, Nelson Bomilcar, Richard Werner, Ronaldo Lidório, Volney Faustini e William Douglas Editor Marcos Simas Diretor de redação e jornalista responsável Carlos Fernandes – MTb 17336 Jornalistas desta edição Marcelo Barros, Marcelo Brasileiro, Sérgio Pavarini, Renata Sturm, Rob Moll, Treici Schwengber e Valter Gonçalves Jr Colunistas Carlo Carrenho, Luciano Vergara, Nataniel Gomes, Nelson Bomilcar, Rubinho Pirola, Sérgio Pavarini e Whaner Endo Tradutor Leandro Marques Revisores Alzeli Simas e Paulo Pancote Colaboradores desta edição Carlos Queiroz, Esther Carrenho e Ricardo Agreste Projeto gráfico oliverartelucas Publicidade publicidade@cristianismohoje.com.br Assinaturas 0800 644 4010 assinaturas@cristianismohoje.com.br Caixa postal 2351 Brasília, DF CEP 70842-970 Informações e permissões para republicação de artigos faleconosco@cristianismohoje.com.br Distribuição MR Werner Distribuidora de livros Ltda. CLN 201 - Bloco C Subsolo - Asa Norte Brasília - DF - CEP 70832-530 CNPJ 06.013.240/0001-07 – IE 07.450.716/001-45 Impressão Gráfica Parma Tiragem - 20.000 exemplares Endereço editorial Caixa Postal 107.006 Niterói - RJ - CEP 24360-970 Cristianismo Hoje é uma publicação da Msimas Editora Ltda. CNPJ 02.120.865/0001-17 ISSN 1982-3614


Cartas e mensagens

Interessante o artigo Formação espiritual – A explosão necessária [publicado na edição nº 4]. A realidade expressa ali é a que vivemos. Não temos um plano que proporcione um crescimento autêntico da espiritualidade – e esquecemos que, além do Espírito Santo, nós também fazemos parte deste processo. Marcos Bittencourt Via internet Foi tremenda a leitura da edição nº 3 da revista CRISTIANISMO HOJE. Tenho sido muito abençoado pelos artigos publicados e sinto-me feliz por ser assinante desta maravilhosa revista. Pastor Sérgio Muller Joinville (SC)

1970 e 80 que surgiram grandes músicos e compositores cujas letras e músicas têm levado muitos a Jesus Cristo, e isso não podemos contestar – muito menos, levantar o número daqueles que foram salvos pelo toque do Espírito Santo através da Palavra pregada e cantada (...) Se essa juventude de hoje não está fazendo as coisas certas, o erro é também nosso. Nós não os ensinamos corretamente, não os doutrinamos corretamente e não nos preocupamos em ensiná-los como Deus quer ser adorado. Vamos valorizar as conquistas do passado. Quem quer criticar os erros, deve fazê-lo, mas apontando soluções. Eliseu da Cunha Via internet

É muito bom ler os artigos da psicóloga Esther Carrenho [autora da coluna Mulher] publicados em CRISTIANISMO HOJE. Fico feliz pelo reconhecimento profissional que tem sido dado ao seu trabalho. Débora Cristina do Prado Via internet

A cada dia, o culto à personalidade é mais intenso [sobre reportagem Lealdade acima de tudo, edição nº 1]. O povo continua a fazer os seus bezerros de ouro. Já não importa o caráter das pessoas – infelizmente, muitas igrejas estão trocando a verdade pela mentira e colocando os líderes em pedestais, esquecendo-se de que seus pés são de barro. Paulo Branco Via internet

Com todo o respeito ao tempo que o colunista Sérgio Pavarini gastou para escrever o artigo intitulado Rebeldes sem calça [edição nº 4], acho que ele deixou de prestar um grande serviço à comunidade cristã e aos leitores de CRISTIANISMO HOJE (...) Foi naquela geração das décadas de

Por necessidade de clareza e em função do espaço disponível, CRISTIANISMO HOJE reserva-se o direito de editar as cartas que recebe, adaptando sua linguagem ou suprimindo texto

Humor

Rubinho Pirola

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CAPA (First published in Christianity Today, copyright © 2008. Used by permission, Christianity Today International)

O grande Transformações políticas e sociais abrem espaço para o surgimento de uma nova Igreja urbana na China, mas caminho rumo à liberdade religiosa ainda será longo

C. Ringo

J Gigante Asiático: com crescimento econômico anual de cerca de dez por cento, China firma-se como locomotiva do século 21 e modernidade traz mudanças no estilo de vida e no panorama espiritual do país

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Job e sua mulher converteram-se da mesma maneira que a maioria dos chineses que hoje conhecem a Cristo: uma amiga que visitava o casal compartilhou o Evangelho com eles. “Ela veio à nossa casa e, durante 20 horas a fio, pregou para nós”, lembra Job, referindo-se a uma noite inesquecível, ocorrida cinco anos atrás. Assim, de pessoa para pessoa, ao melhor estilo da Igreja Primitiva em pleno século 21, o Cristianismo se espalha na mais populosa nação do mundo. A opção não é apenas questão de preferência. Até recentemente, as igrejas não podiam realizar nenhum tipo de atividade evangelística pública, pois temiam que fosse interpretado pelas autoridades comunistas como ações perturbadoras da ordem. Como conseqüência deste cuidado, Job e sua mulher – ambos médicos e professores universitários –, enfrentaram uma curiosa dificuldade após renderem-se ao Senhor. Eles simplesmente não sabiam encontrar uma igreja onde pudessem congregar. Hoje, os dois não têm nenhuma dificuldade para encontrar um dos diversos templos cristãos existentes em sua cidade, mas o panorama era outro há bem pouco tempo. Foi por esta razão que, seguindo o conselho da amiga que os evangelizou, Job decidiu iniciar um grupo de estudo bíblico em sua própria casa. Em apenas quatro meses, cerca de 100 pessoas participavam das reuniões domésticas com regularidade. Não seria hora de começar uma igreja? Para Job, trabalhar com oficiais do governo, agentes de segurança e outros tipos de pessoas influentes perante o regime era algo costumeiro. Como médico, costumava atender lideranças locais do Partido Comunista em sua cidade, onde vivem cerca de 8 mi-


salto para frente lhões de pessoas. Esta convivência o levou a perceber que não seria necessário esconder sua igreja, ao contrário do que acontecia durante os tempos tenebrosos da Revolução Cultural, que massacrou os cristãos entre os anos 1960 e 70. Ao invés disso, Job abraçou a estratégia de encontrar-se mensalmente com autoridades do partido para mantê-los informados acerca das atividades da igreja que mantinha em casa, chegando inclusive a fazer algo inimaginável durante os anos de chumbo – convidá-los para cultos especiais em ocasiões especiais do calendário cristão, como a Páscoa e o Natal. Atualmente, o grupo se reúne numa sala comercial alugada, cujas reuniões são públicas e abertas a quem quiser participar. “A relação do antigo movimento de igrejas domésticas com o governo era de confronto”, diz o médico. “Nós queremos coexistir de maneira pacífica. Se eles nos pedem alguma coisa, nós avaliamos com cuidado, e quando é apropriado, fazemos o máximo possível para colaborar”. E essa parceria não representa nenhum tipo de engajamento político, e sim, ações voltadas para a comunidade. No Natal do ano passado, por exemplo, igrejas domésticas urbanas de diferentes partes do país trabalharam com instituições oficiais para entregar donativos a famílias carentes. “A nossa aceitação por parte do governo depende de nossa contribuição a sociedade”, diz um pastor. Mudança de atitude – A mudança de atitude dos crentes chineses já pode ser chamado de “grande salto para frente”, à semelhança do processo político encabeçado pelo líder Mao Tse Tung, protagonista da revolução comunista de 1949. Só que os objetivos são diametralmente opostos. O sucesso destas novas igrejas, que não se escondem para professar sua fé, está impactando as congregações domésticas tradicionais e clandestinas. “As igrejas estão cansadas de se esconder”, afirma John Davis, presbítero da Comunidade Cristã Internacional de Pequim, a principal igreja da capital do país voltada para estrangeiros que falam inglês. “Elas têm estado escondidas por tanto tempo que agora se sentem prontas para serem vistas, para serem sal e luz na sociedade”.

Gary Gnidovic

Rob Moll

Crentes das igrejas urbanas em oração: movimento cresce e adapta-se ao novo contexto político e social

Em Wenzhou, cidade conhecida como a Jerusalém do Oriente, templos com arquitetura tipicamente urbana estão se multiplicando como brotos de bambu. Um pastor local, conhecido como Tio Daniel, foi transformando sua congregação rural em uma igreja moderna à medida que a região metropolitana se expandia em sua direção. Neste meio tempo, tornou-se um empresário bem-sucedido: agora, dirige um Audi e é proprietário de duas casas. “Estamos nos tornando espirituais e sofisticados de uma só vez”, brinca. Daniel é muito consciente da pobreza e perseguição do passado. Mas está atento às oportunidades criadas pelo espetacular crescimento econômico que o país tem experimentado nos últimos anos. Em virtude desta nova realidade econômica, política e social, cristãos chineses agora têm acesso à prosperidade. Eles estão aproveitando o momento singular para tornar a China

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CAPA

Gary Gnidovic

Mudança de hábitos: proibida durante a Revolução Cultural, circulação de produtos de orientação cristã já movimenta um incipiente mercado

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Uma Igreja com três faces

P

ara se entender o novo panorama religioso na China, é preciso entender que o Cristianismo no país pode ser dividido em três segmentos. O primeiro deles é composto pelas associações oficiais, que são igrejas católicas e protestantes registradas pelo governo, o qual aprova – ou não – as indicações para funções pastorais e de administração eclesiástica. O segundo é o tradicional movimento de igrejas domésticas clandestinas, que recusa submeter-se à ingerência oficial. É o grupo mais forte nas áreas rurais. Ele explodiu quando Página de Bíblia manuscrita: as autoridades comunistas acesso a exemplares reduziram as restrições impressos das Escrituras religiosas e econômicas no ainda é escasso na China fim da década de 1970. O outro grupo é a crescente Igreja urbana, que, embora não esteja formalmente ligado aos órgãos oficiais, não adota a postura de enfrentamento da tradicional Igreja clandestina. Atualmente, o avanço da fé cristã no mais populoso país do planeta está ligado justamente a este segmento nas grandes cidades.

Crente e comunista – Hsu, um ex-jornalista da rede de televisão estatal CCTV, é um bom exemplo de como um membro da elite educada da China se converte ao Cristianismo. Hsu contou sua história para Christianity Today durante almoço num dos restaurantes da rede americana KFC – que, por sinal, estava lotado. Tudo começou com sua busca pessoal e política pela liberdade. Nesta procura, interessou-se pela história da Europa o suficiente para saber que a propalada liberdade do Oeste pode ser relativa. “Os ocidentais não são mais interessados pela liberdade do que os demais”, acusa. Contudo, reconhece que nações como os Estados Unidos e a União Européia têm atingido e sustentado um grau de liberdade maior do que o existente em outros lugares.

Missão Portas Abertas

um lugar mais acolhedor para aqueles que desejam viver e proclamar o Evangelho. A crescente influência de cristãos na sociedade chinesa é resultante da cooperação com o governo outrora – e, às vezes, ainda hoje – repressor e violento. “Deus tem os seus olhos postos sobre a China”, declara Daniel. “Eu percebo esse fato na atual postura do governo, nas mudanças econômicas e políticas. Eu acredito que Deus permitirá que a China se torne poderosa não apenas por razões econômicas, mas, muito além disto, por causa do seu Reino.” O impressionante crescimento do Cristianismo no Gigante Asiático teve seu início no fim da década de 1970, nos estertores da sangrenta Revolução Cultural. Durante aquele período, cerca de 7 milhões de pessoas morreram de fome ou vitimadas pela violência. Estimava-se, à época, que a China tivesse 3 milhões de católicos e protestantes, a maioria vivendo na clandestinidade. Trinta anos mais tarde, as estimativas variam amplamente, indo desde 54 milhões a 130 milhões. Se este último número estiver correto, a fé cristã terá crescido 43 vezes no período – um índice jamais visto em toda a história do Cristianismo.


Uma questão de valores Gary Gnidovic

Para o ex-jornalista, o motivo é claro: “Antes de a liberdade chegar, é preciso ter uma fundação que possa garantir-lhe sustentabilidade. No Ocidente, esta fundação é o Cristianismo”. Hoje, diz Hsu, a Igreja é uma incubadora para avanços semelhantes na China. “Depois de o país ter adotado a ciência e a filosofia ocidental, abriu-se um vazio de valores”, destaca. “O ocorrido na Praça Tiananmen roubou a esperança de muitos intelectuais que passaram a se fazer perguntas sobre o sentido da vida. Os chineses parecem ter perdido a fé na sabedoria humana”, comenta, referindo-se ao massacre de manifestantes pró-liberdade ocorrido em 1989. O episódio acabou sendo decisivo para as mudanças verificadas na China na virada do século. “A Revolução Cultural foi um desastre cujo resultado é este inesperado despertamento espiritual que temos experimentado”, avalia. Por sua vez, Hsu encontrou seu caminho na Palavra de Deus – através da Bíblia, aprendeu que a “fé em Deus é o princípio da liberdade”. Convicto, sugere que a esperança da Igreja chinesa não é a transformação política. “A essência do problema tem a ver com salvação”, sentencia. De acordo com observadores, a China já está mudando sua postura em relação à religião. No último Congresso do Partido Comunista, que acontece a cada cinco anos, as principais autoridades da nação reuniram-se para planejar o futuro. Num discurso que durou aproximadamente duas horas e meia, o presidente Hu Jintao sinalizou que o governo pretende aproveitar o que os cristãos podem oferecer em termos de desenvolvimento econômico e social. Trata-se de um sinal dos tempos, já que, há cinco anos, a intenção dos mandatários chineses era simplesmente “encorajar a adequação das religiões aos moldes da sociedade socialista”. O reconhecimento ao potencial da religião em favor da sociedade pode ser considerado um marco histórico nas conturbadas relações entre o Cristianismo e o comunismo na China. A presença de cristãos no Partido Comunista hoje em dia não é nenhuma novidade. Jesson Tian cresceu como adepto do confucionismo e antes de começar a faculdade filiou-se ao partido, seguindo o conselho do pai. Só que, nos anos de universidade, Tian converteu-se a Cristo. E ele não vê nenhuma contradição entre as duas coisas. “Sempre que compartilho o Evangelho com alguém, deixo claro que sou um membro do Partido Comunista. As pessoas se surpreendem, mas passam a confiar mais em mim”. Jesson Tian freqüenta as reuniões de uma igreja doméstica urbana e participa também da congregação Haidim, em Pequim, igreja ofi-

Líderes do movimento das igrejas domésticas reúnem-se periodicamente para traçar os rumos do ministério

E

m Abril de 2007, líderes do movimento de igrejas domésticas urbanas reuniram-se em Wenzhou para discutir sua identidade e seus desafios. Muitos destes novos dirigentes têm em comum o fato de terem sido formados por David Wang, ex-presidente da agência missionária Socorro para a Ásia, cuja sede está localizada em Hong Kong, ex-protetorado britânico reincorporado à China há dez anos. No encontro do ano passado, sete valores fundamentais foram identificados: • Praticar o princípio da supremacia do Reino de Deus. As igrejas domésticas urbanas reconhecem e cooperam com as outras igrejas espalhadas pelo país, sem distinções confessionais. Como a maioria dos crentes chineses, os adeptos do movimento cristão urbano são intencionalmente nãodenominacionais • Defender a centralidade bíblica. Teologicamente, as igrejas domésticas urbanas são conservadoras e evangelicais • Crer nos chamados cinco ministérios, reconhecendo as funções de apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres como descritas em Efésios 4.11 • Equipar os santos. Ao invés de se apoiarem em lideranças carismáticas, a ênfase é na mentoria cristã e no discipulado • Receber a vida abundante. Embora a teologia da prosperidade seja descartada, as bênçãos materiais podem e devem ser buscadas, inclusive para sua utilização em favor do crescimento do Reino de Deus • Evangelizar. A vocação missionária é alavancada pelas novas oportunidades de preparo e envio de obreiros locais e transculturais • Socorrer o próximo. O compromisso social tem sido levado a sério como vocação da nova Igreja

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CAPA

cial e devidamente registrada perante o governo chinês. Parte da verba para a construção de seu novo templo veio dos cofres oficiais. Para ele, esta proximidade não tem o poder de afetar a fé das pessoas: “O governo controla a Igreja legalizada, mas não para determinar o andamento das coisas”, resume. Limbo – Pode ser, mas apesar dos avanços, a trajetória rumo à liberdade, ao que tudo indica, será longa. Em 2003, o lançamento do livro Jesus in Beijing (“Jesus em Pequim”) e de uma série de vídeos intitulada A cruz expôs demais o movimento da Igreja doméstica aos olhos da opinião pública e das autoridades – segmentos ainda aferrados à tradição atéia do regime comunista. O resultado foi uma série de ações repressivas ao seu livre funcionamento. Enquanto a reportagem de Christianity Today permaneceu no país, vários líderes e membros das igrejas urbanas manifestaram o desejo de falar à reportagem, mas diziam não poder fazêlo por ainda operarem no contexto de uma certa clandestinidade. E mesmo os que atenderam ao repórter pediram que seus nomes fossem suprimidos ou reduzidos, de modo a impedir a identificação.

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Embora um pastor da cidade de Guangzhou tenha dito que “muitos” dos 400 membros de sua igreja pertencem ao Partido Comunista, do ponto de vista da lei, as igrejas domésticas urbanas encontram-se numa espécie de limbo. É que muitas de suas atividades, sobretudo o proselitismo, ainda são consideradas ilegais, se bem que o governo – que parece estar abandonando a rigidez de outrora – esteja ciente das mesmas e pareça não se importar. Ninguém pode garantir, no entanto, se isso irá continuar da mesma maneira e por quanto tempo. O fantasma da perseguição religiosa ainda ronda os servos de Jesus na Terra dos Mandarins. Durante a apuração desta reportagem, um bem-sucedido advogado cristão, militante dos direitos humanos, foi espancado e preso e líderes da igreja que ele freqüentava foram levados para a cadeia. A China Aid Association, entidade não-governamental de orientação cristã, continua veiculando informes de crentes presos, submetidos a trabalhos forçados e mortos devido à sua fé. Pelo que se vê, ainda que muita coisa esteja mudando na China, algumas realidades parecem permanecer do mesmo jeito. Até quando, só o tempo dirá. (Tradução: Leandro Marques; adaptação: Carlos Fernandes)



REFLEXÃO

Rumo ao bom final

U

Ricardo Agreste

Um de meus mentores espirituais é um pastor de idade já bem avançada, homem que considero um verdadeiro servo de Deus. Certa vez, comentei com ele acerca de um jovem pastor que eu ouvira pregar. Disse a ele o quão impressionado fiquei com a paixão que ele demonstrara e com a facilidade com que comunicava suas idéias. Depois de ouvirme pacientemente, aquele experiente ministro pôs uma de suas mãos sobre o meu ombro e declarou: “Meu filho, eu também me impressionava com aqueles que começam bem. Hoje, depois de ter visto muitas coisas, aprendi a simplesmente reverenciar aqueles que terminam bem”. Vivemos envolvidos por uma cultura que celebra o sucesso, principalmente daqueles que o alcançam em idade ainda bem jovem. As revistas voltadas ao mundo corporativo estampam em suas capas fotos de executivos que se tornaram milionários, por exemplo, aos 30 anos de idade. No mundo dos esportes, são muitos os atletas que se destacam ainda na adolescência e tornam-se astros mundiais antes dos vinte. No entanto, quantos destes precoces vencedores alcançarão a terceira idade ainda contando com a admiração e o respeito das pessoas? É claro que não há nada de errado em alcançar sucesso e vitórias nas etapas iniciais da vida. Nas páginas das

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Escrituras, conhecemos a trajetória de muitos homens e mulheres que se tornaram referência para suas gerações ainda jovens. É importante para o Reino de Deus que os cristãos se destaquem em suas áreas de atuação, alcançando assim posição de autoridade e influência na sociedade. Nesta posição, poderão ser grandemente usados por Deus para a promoção dos valores do Evangelho, levando muitas pessoas a conhecer a salvação que há em Cristo. Todavia, é preciso aguçar nossa percepção acerca do perigo que nos espreita quando simplesmente nos deixamos levar por este movimento acelerado na direção do sucesso que caracteriza nossa cultura, sem qualquer atenção para com as bases sobre as quais o mesmo é construído. A busca desenfreada – e a qualquer custo – pelo sucesso tem feito inúmeras vítimas. Cresce a cada dia o número daqueles que começam bem, mas não caminham para um final com o mesmo brilho na esfera pessoal, familiar, profissional e eclesiástica. Com efeito, cada vez mais gente chega ao topo com trinta ou quarenta anos de idade – mas vemos bem poucos homens e mulheres dignos de reverência e admiração em sua idade provecta. Mas qual então seria o caminho para a vida na direção de um bom final? Quando pessoalmente paro para refletir


nesta pergunta, o que me vem à mente são algumas frases que me foram ditas, ao longo de minha jornada, por pessoas que optaram pela sabedoria e a construção da vida na direção de um futuro melhor. Dentre estas frases, três são aquelas que nos convidam a uma avaliação mais profunda de nossa caminhada. A primeira diz que “a vida não é uma corrida de 100 metros rasos, mas uma longa maratona”. Envolvidos pela cultura do sucesso e da celebração da juventude, muitas vezes somos tentados a pensar na vida como algo curto, onde o que mais vale é chegar rápido a algum lugar. Aqueles dois tipos de prova requerem atletas de perfis bem diferentes. Velocistas são ágeis e espertos; maratonistas, perseverantes e sábios. Logo, se concebermos a vida como uma maratona e se nosso alvo é terminá-la bem, precisamos optar pela perseverança diante das adversidades e pela sabedoria constante como a melhor solução diante das variadas circunstâncias.

“Construir uma existência que começa e termina bem passa pela certeza bíblica de que aquele que começou a boa obra em nós vai completá-la”

“Nosso papel é aprofundar nossas vidas. Torná-las relevantes é papel de Deus”. Esta é a segunda frase que trata da vida em perspectiva. Nestes tempos de luta por oportunidades, as pessoas gastam muita energia e recursos promovendo o chamado marketing pessoal. É preciso, afinal de contas, fazer-se necessário e relevante, seja a que preço for, e o mais rapidamente possível. No entanto, na maioria das vezes, este tipo de influência ou relevância mostra-se artificial e sem consistência na própria vida das pessoas, na medida em que o tempo se prolonga. Bem diferente deste modelo é aquela influência e relevância derivada de uma vida construída sobre uma relação profunda com o Senhor através de uma espiritualidade saudável e contagiante. Este deve ser nosso foco primário. Outra frase que nos convida à reflexão é a seguinte: “Integridade é aquilo que somos quando ninguém nos observa.” Em nosso mundo atual, as escolas, universidades, seminários teológicos e organizações têm colocado seus esforços na formação de competências que propiciem o sucesso nas mais variadas áreas de atuação. Pouca ou nenhuma ênfase tem sido dada no fator integridade. Logo, não são poucos aqueles que demonstram grande habilidade e potencial no desempenho das funções que lhes foram confiadas, galgando facilmente posições de destaque. Mas não conseguem permanecer ali porque não foram incentivados a lidar com a mesma seriedade quando o assunto é integridade. Construir uma existência que começa e termina bem é um desafio que passa por duas convicções. A primeira é a certeza bíblica de que aquele que começou a boa obra em nós – o Senhor – vai completá-la até o dia final, de acordo com Filipenses 1.6. Nossa confiança no cuidado de Deus para conosco e nossa rendição sincera aos seus processos em nossas vidas nos conduzirão ao bom final. A segunda é a certeza de que, mesmo quando nossas escolhas não são as melhores e nossos atos sejam equivocados, ele é o Deus que apaga nossas transgressões e faz novas todas as coisas, colocando caminhos no deserto e riachos no ermo, conforme as palavras do profeta Isaías. Ricardo Agreste da Silva é pastor na Comunidade Presbiteriana Chácara Primavera, em Campinas (SP), coordenador da área de Teologia Pastoral no Seminário Presbiteriano do Sul e membro do Projeto Timóteo e do Centro de Treinamento para Plantadores de Igreja

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CH INFORMA

Ajoelhou, não tem que rezar

remédios, que aumentam o abismo entre pobres e ricos. A pesquisa do Ipea mostra que o peso da carga tributária corrói 33% da renda das pessoas com menor poder aquisitivo.

Marcus Borden em oração com seus jogadores: devoção proibida por tribunal

A Corte Federal de Apelações da Filadélfia, nos Estados Unidos, proibiu um técnico de futebol secundarista de ajoelhar para orar em companhia de seus alunos. A inusitada decisão é fruto de um longo processo iniciado em 2005, quando pais de estudantes do colégio público de East Brunswick, em Nova Jersey, reclamaram com a direção contra a atitude do professor de espanhol Marcus Borden, que também treina o time de futebol americano da escola. Borden costumava convidar seus jogadores para orações no vestiário antes das partidas, o que foi visto pela direção da escola como uma afronta à laicidade do Estado. O professor, então, adotou outra estratégia para fazer valer sua liberdade. Em 2006, conseguiu de um juiz de primeira instância a autorização para simplesmente se ajoelhar sozinho, em silêncio, diante dos alunos, sob o argumento de que as regras da escola eram vagas demais. Mas, por unanimidade, a Corte da Filadélfia

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anulou a decisão do magistrado. O acórdão diz que “qualquer observador razoável concluiria que Borden não está apenas manifestando seu respeito quando abaixa a cabeça e se ajoelha no vestiário, mas que está endossando religião”. (Fonte: Rede Adorai)

Terra de desigualdades O Brasil continua sendo um dos países com maior desigualdade social do mundo. De acordo com levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 75% da riqueza nacional está nas mãos de apenas dez por cento da população brasileira. Os dados, apresentados ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, serão utilizados como base para a discussão da reforma tributária. E é justamente o valor cobrado em impostos sobre produtos básicos, como alimentos e

Crentes contra a dengue A epidemia de dengue, que assolou o Rio de Janeiro nos primeiros meses deste ano, deixou um saldo de mais de 150 mil infectados e 110 mortos até meados de maio. A gravidade da situação mobilizou diversos segmentos da sociedade em torno da necessidade urgente de combater os focos do mosquito transmissor da doença – inclusive os crentes. Em março, durante o pior período da epidemia (quando o índice médio de infectados chegou a atingir 2 mil por dia), o projeto Evangélicos Unidos contra a Dengue envolveu integrantes de diversas denominações. Fiéis batistas, metodistas e presbiterianos, além de pentecostais ligados a igrejas como Assembléia de Deus e Nova Vida, participaram de uma série de ações preventivas e de socorro às vítimas. “Entendemos que precisamos pôr em prática nosso amor cristão em atos de misericórdia”, diz Denize Alcaide, líder do movimento. Além de promover palestras em igrejas e Divulgação

Divulgação

Decisão polêmica de Corte americana impede técnico de fazer orações com seus alunos

Centro de atendimento a vítimas da dengue: evangélicos de várias denominações uniram-se em campanhas de prevenção no Rio


Frente a frente

cursos de capelania hospitalar, o projeto organizou brigadas de voluntários que atuaram em clínicas e postos de saúde, auxiliando os pacientes e suas famílias. Houve também quem recorreu à fé contra o temido vírus. Diversas campanhas de oração foram organizadas por igrejas cariocas para rogar a Deus pelo fim da epidemia. (Com reportagem da Agência Latino-americana e Caribenha de Comunicação)

Ações pela paz Igrejas cristãs de 17 países, em parceria com duas organizações ecumênicas internacionais, vão realizar atividades de formação e sensibilização voltadas à paz no Oriente Médio. As atividades integram a Semana Mundial de Ação, organizada pelo Conselho Mundial de Igrejas (CMI) entre os dias 4 a 10 de junho, no marco dos 60 anos de divisão da Palestina e da criação do Estado de Israel. “É alentador ver que tantas igrejas elevam juntas as suas vozes em favor da paz. A mensagem para esta ocasião sublinha que é tempo para que palestinos e israelenses compartilhem uma paz justa”, declarou em maio o secretário-geral do CMI, Samuel Kobia, ao lançar o evento. A oração comum para a semana, enviada aos chefes das igrejas de Jerusalém, pede a Deus para que levante “líderes políticos dispostos a dedicar suas vidas à causa de uma paz justa para seus povos”. (Fonte: ALC)

Irmãos ETs Para o diretor do observatório astronômico Specola Vaticano, padre José Gabriel Funes, há realmente muito mais coisas entre os céus

e a terra que os aviões de carreira. Em entrevista ao jornal oficial da Santa Sé, o L’Osservatore Romano, o religioso admitiu a possibilidade da existência de vida inteligente fora de nosso planeta. “Podem existir outros seres como nós, ou ainda mais evoluídos, igualmente criados por Deus”, disse Funes. O jesuíta argentino, de 45 anos, lembrou que existem mais de 100 bilhões de galáxias no universo, cada uma com centenas de bilhões de estrelas e um número ainda maior de planetas. Na entrevista ao periódico católico, o padre, que também é astrônomo, diz que os possíveis habitantes de outros planetas devem ser considerados como “irmãos” do homem. “Se, como disse São Francisco, as criaturas terrestres devem ser tratadas assim, por que não poderemos também falar em um irmão extraterrestre?”, indaga Funes. “Afinal, eles também fariam parte da Criação.” Segundo o cientista, o estudo do universo aproxima o homem de Deus, porque abre o coração e a mente e ajuda a colocar a vida das pessoas no que chama de “perspectiva certa”.

Mobilização evangelística O projeto Minha Esperança, iniciativa da Associação Evangelística Billy Graham desenvolvida no Brasil agora em 2008, já conta com a participação de nada menos que 13 mil igrejas e comunidades cristãs no país. O projeto, cujo ponto culminante será a exibição de três filmes de caráter evangelístico em rede nacional de TV, no fim do ano, está sendo desenvolvido em várias etapas. A principal delas é o treinamento dos “mateus”, como

Liderança mundial Frank Dietz, ministro emérito da Operação Mobilização (OM), visitou o Brasil e participou de eventos promovidos pela Missão Avante com pastores, seminaristas e integrantes de agências missionárias nacionais. Na ocasião, ele falou com CRISTIANISMO HOJE e destacou o papel de liderança exercido pela Igreja Evangélica do Terceiro Mundo na obra missionária mundial: CRISTIANISMO HOJE – Sua trajetória se confunde com a da OM. Fale sobre ela. FRANK DIETZ – Atuei como missionário durante mais de 40 anos, tendo liderado o navio Doulos, inclusive quando fez sua primeira parada evangelística no Brasil, em 1979. Desde 1995, sou chanceler da OM. Atualmente, vivo no estado americano da Califórnia e dedico-me a palestras e ao treinamento de missionários em todo o mundo. Que papel os países do Terceiro Mundo têm a desempenhar no panorama das missões mundiais? O congresso promovido pela Cooperação Missionária Ibero-americana (Comibam), em 1997, no México, indicou claramente que a liderança missionária mundial passou dos antigos pólos – os Estados Unidos e a Europa – para a Igreja latino-americana e asiática. Hoje, os países do Terceiro Mundo exercem papel destacado na obra evangelística mundial. Qual é a mensagem mais adequada ao mundo de hoje? Moldar o caráter é chave na ação estratégica da Igreja. O desafio do mundo moderno, que resiste à Palavra de Deus e classifica como instrumento de ódio a pregação, enquanto destrói a família e os valores cristãos, deve ser confrontado com a restauração do caráter íntegro e da fidelidade à Bíblia. (Luciano Vergara)

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Mente e coração

CH INFORMA

estão sendo chamados os voluntários que abrirão suas casas para receber vizinhos e amigos para assistir os programas e começar o discipulado dos novos convertidos, que serão encaminhados às igrejas. Já há mais de mil coordenadores e capacitadores em ação. “Minha Esperança Brasil opera sob o principio do efeito, onde o treinamento efetivo gera evangelismo efetivo”, explica o pastor Geremias do Couto, coordenador nacional do projeto, que foi objeto de reportagem na edição nº 3 de CRISTIANISMO HOJE. Quem quiser mais informações ou inscrever sua igreja pode acessar o site www.minhaesperanca.com.br.

Arquivo

Kaká de bola cheia

O craque Kaká: personalidade de influência positiva, segundo a Time

O craque Kaká, jogador do clube italiano Milan, foi apontado pela revista Time, dos Estados Unidos, como a personalidade brasileira mais influente do momento. Citado em 29º lugar na seção Heróis e pioneiros, o atleta é o único ligado ao futebol que figura na lista, ao lado do tenista André Agassi, da golfista mexicana Lorena Ochoa, do ex-ciclista Lance Armstrong e do velocista paraolímpico Oscar Pistorius, da África do Sul. A lista é encabeçada pelo Dalai Lama, líder religioso que luta

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pela independência do Tibete e voltou à cena mundial por incentivar protestos contra a China durante as cerimônias que marcaram a jornada mundial da tocha olímpica dos Jogos de Pequim-2008. Kaká foi lembrado não apenas por suas conquistas – além da Copa do Mundo de 2002, pela Seleção Brasileira, ele já ganhou a Liga dos Campeões Europeus e o Mundial Interclubes pelo Milan e foi eleito o melhor jogador do mundo pela Fifa, no ano passado –, mas também por suas ações fora do campos. Embaixador da ONU contra a fome, o jogador associa sua imagem a campanhas humanitárias em várias partes do mundo e é conhecido por propagar abertamente sua fé em Cristo. Evangélico, ele é membro da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, em São Paulo, e teve seu comportamento elogiado pela revista: “Em uma era em que muitos atletas profissionais se preocupam mais com carros, mulheres e polêmicas, é interessante ver alguém comprometido em ter um impacto positivo entre os que o cercam”, diz o texto. (Fonte: UOL Esporte)

Socorro na dor Vem aí o Congresso de Capelania em Tragédias, organizado pela Missão AME, SOS Global e Associação de Capelania Hospitalar (ACEH). O objetivo é preparar uma equipe de missionários, pastores, capelães e profissionais da área da saúde para atuação em desastres – como o ocorrido em julho do ano passado, envolvendo um avião da TAM em São Paulo, provocando a morte de 187 pessoas. O evento acontece entre 21 e 24 de agosto, em Guarulhos (SP). Mais informações pelo e-mail elenyvassao@terra.com.br.

C.S.Lewis, (18981963), autor cristão de obras como As crônicas de Nárnia, disse o seguinte: “O amor no sentido cristão não significa uma emoção. Não se trata de um estado de sentimentos, e sim de vontade; esse estado de vontade que nós temos naturalmente sobre nós mesmos e que precisamos aprender a ter em relação aos outros.” Cristianismo puro e simples “Há dois erros idênticos e opostos nos quais nossa espécie pode cair acerca dos demônios. Um é não acreditar em sua existência. Outro é acreditar e nutrir um interesse excessivo e doentio neles. ” Cartas do Diabo ao seu aprendiz “O sofrimento é o megafone de Deus para despertar um mundo surdo.” O problema do sofrimento “Só existem dois tipos de pessoas no fim das contas – as que dizem a Deus: ‘Seja feita a tua vontade’; e aquelas a quem Deus diz: ‘A sua vontade seja feita.” O grande abismo “Quando um acontecimento pelo qual você tenha orado ocorre mesmo, sua oração teve a sua contribuição. Se ocorre o acontecimento contrário, sua oração jamais terá sido ignorada; ela certamente foi levada em conta e recusada para o seu bem último e para o bem do universo.” Milagres “Eu acredito no Cristianismo da mesma forma que acredito que o sol tenha nascido – não apenas porque eu o veja, mas porque ele me permite ver todas as outras coisas.” Peso de glória



RELIGIÃO

A fé que cura Médicos e pesquisadores estão cada vez mais convencidos de que a religiosidade faz bem à saúde

Arquivo

Marcelo Brasileiro

A saúde e a fé: é cada vez maior a quantidade de profissionais de saúde que reconhecem os benefícios da religiosidade sobre recuperação de doentes

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E isso, justamente numa época em que, acreditava-se, o avanço da ciência soterraria a religiosidade. Na prestigiada faculdade de medicina da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, funciona o Centro para Espiritualidade, Teologia e Saúde, dirigido pelo médico psiquiatra Harold G. Koenig. Fundador e dirigente do núcleo de pesquisas da instituição, Koenig começou a investigar a ligação entre espiritualidade e saúde no início dos anos 1980. Desde então, já descobriu, por exemplo, que quem ora todos os dias e freqüenta cerimônias religiosas semanalmente tem um sistema imunológico mais resistente, sofre menos com hipertensão e outras moléstias e, mesmo se hospitalizado, tolera melhor os tratamentos e apresenta respostas mais rápidas às terapias do que as pessoas sem religião. Estudos do gênero têm sido publicados sistematicamente em publicações especializadas internacionais, como as revistas Nature, Science ou Lancet. “Quando você tem pacientes que lhe dizem como sua fé faz diferença em suas vidas ou que estão vivas graças a ela, é difícil argumentar intelectualmente”, diz Koenig. Interesse acadêmico – Cada vez mais, essa intrigante relação entre a espiritualidade e a saúde física tem saído do terreno da especulação para ocupar o centro de um debate acadêmico. No Brasil, o tema também atrai atenção. Nos últimos anos, diversos estudos realizados aqui dão conta dos efeitos profiláticos e terapêuticos desse santo remédio que é a fé. Um deles foi desenvolvido conjunta-

Marcelo Brasileiro

F

Foi no ambiente monocrômico de um ambulatório médico que o comerciante Cleber Claudinei, de 37 anos, recebeu a dura notícia: sua mulher, Sílvia, 33, internada às pressas com suspeita de apendicite tinha, na verdade, um tumor cancerígeno de 10 centímetros de diâmetro alojado no abdômen. Pior – a doença já entrara na fase de metástase, com comprometimento de fígado e intestino. De modo geral, diagnósticos assim equivalem a uma sentença de morte, cujo cumprimento é apenas questão de tempo. Evangélico, Cleber preferiu apegar-se à sua fé. Ele pediu aos irmãos da Igreja Internacional da Graça de Deus da zona leste de São Paulo, que o casal freqüenta, para que começassem a orar pela cura da companheira. Não por acaso, a denominação dá forte ênfase à contemporaneidade de sinais e milagres como os relatados na Bíblia, sobretudo a cura divina. Imediatamente, iniciou-se uma campanha de intercessão. Silvia foi internada, e no dia seguinte, diante de seu leito, um grupo de crentes fez um breve culto, rogando a Deus por sua restauração. Logo em seguida, a paciente passou por um exame mais acurado, através de tomografia computadorizada. Nenhuma lesão foi encontrada. “Eu glorifiquei o nome do Senhor”, exulta Claudinei. No entanto, mesmo diante dos dois exames – o primeiro, revelando a existência do tumor, e o segundo, demonstrando que ele sumira –, o médico preferiu operá-la. “Ele continuou sem acreditar e quis fazer a biópsia de um fragmento do meu fígado”, conta Silvia. “Precisei ficar no hospital por mais de dez dias”. Segundo ela, o médico se convenceu de que não havia nada em seu organismo, e embora não tenha usado a expressão “milagre” em nenhum momento, disse não entender como uma paciente internada com diagnóstico de câncer pode ter ficado sã sem qualquer tipo de tratamento. Histórias como as de Silvia pipocam nas igrejas evangélicas todos os dias. O enredo costuma ser o mesmo: uma doença incurável, médicos céticos e um final feliz, atribuído à ação divina. Mas, se crentes e agnósticos sempre se bateram em torno da questão, de uns tempos para cá tanto profissionais de saúde como os mais empedernidos pesquisadores têm concordado em um aspecto: ainda que, para a ciência, não haja qualquer base científica para dizer que Deus cura doentes, já está comprovado que a crença religiosa – qualquer crença, diga-se – é capaz de promover a melhora da saúde. Para se ter uma idéia, do ano 2000 para cá, nada menos que 2,7 mil estudos relacionando a espiritualidade à saúde já foram realizados, a maioria deles nos Estados Unidos.

Casal feliz: Cleber e Silvia atribuem desaparecimento de tumor à intervenção divina

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Marcos Couto

RELIGIÃO

Capelã hospitalar com 25 anos de experiência, Eleny Vassão enumera os benefícios da fé sobre pacientes internados

mente pela Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp, e a Universidade Católica de Pelotas (RS). A pesquisa investigou a relação entre bem-estar espiritual e distúrbios psiquiátricos e concluiu que, quanto maior a prática religiosa, melhor é a saúde mental do indivíduo. O levantamento abordou os hábitos religiosos e o estado de saúde de 464 pessoas, e, a partir das análises dos resultados, os pesquisadores concluíram que existe estreita relação entre eles. “Indivíduos com bem-estar espiritual baixo apresentaram o dobro de chances de possuir transtornos psiquiátricos”, diz a pesquisa, lembrando que a literatura médica vem destacando as evidências de que a espiritualidade seria um fator de proteção do organismo. “Em pacientes idosos com câncer, esse bem-estar espiritual representou um fator de proteção, estando relacionado a atitudes positivas de combate à enfermidade”, enfatiza a pesquisa. “Nossas pesquisas apontam que esta relação é, em sua maioria, saudável e que a fé faz bem ao paciente”, concorda Alexandre Moreira de Almeida, fundador do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG). Um dos maiores pesquisadores brasileiros da área, Almeida obteve seu doutorado em psiquiatria orientado por outro expert no assunto, o evangélico Francisco Lotufo Neto, psiquiatra e coordenador do Núcleo de Estudos de Problemas Espirituais e Religiosos, o Neper, da Universidade de São Paulo (USP). Moreira explica que, no Nupes, a proposta é estudar a histórica relação da medicina com a espiritualidade. “A comunidade médica está mais interessada neste tipo de

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pesquisa”, garante. Como exemplo, ele cita a publicação de um suplemento na revista Psiquiatria Clínica da USP. “É a primeira publicação, em língua portuguesa, de um material em uma revista cientifica que contemple as questões da espiritualidade e da saúde”, observa. Para ele, outro exemplo deste interesse são os trabalhos de capelanias hospitalares, tipo de serviço em que os evangélicos se destacam. “Os profissionais médicos estão mais receptivos para entender a religião dos pacientes e trabalhar em conjunto com os religiosos no tratamento das doenças”, destaca. Entusiasta das recentes descobertas científicas que comprovam os benefícios na saúde das pessoas que vivenciam uma fé, o médico Franklin Santana Santos, orientador do curso de pósgraduação na Faculdade de Medicina da USP, investiga os efeitos neurobiológicos da fé. Sua especialidade, a geriatria, o coloca em contato constante com pacientes idosos, para quem a morte é uma perspectiva real. E, mesmo nessas condições extremas, o médico tem observado os efeitos terapêuticos da religião. Ele já propôs, por exemplo, terapias de intervenções espirituais. “São reuniões de leituras da Bíblia, de oração. Não podemos medir quanta fé tem a pessoa, mas podemos quantificar seu comportamento, sua freqüência à igreja, a quantidade de orações que faz e coisas nessa linha”. Franklin reclama que sua linha de pesquisa é vista com certo preconceito entre os médicos brasileiros. “Muitos desconhecem as inúmeras associações positivas da espiritualidade e saúde. Outros consideram esse ramo como uma ciência de menor valor”, comenta. “Na verdade, a fé cura, mas é coadjuvante. O que as pesquisas demonstram é que a crença, associada ao tratamento médico, produz bons resultados. Mas eu nunca prescreveria somente o tratamento espiritual”, assegura o professor, que é adepto do espiritismo e ministra curso de tanatologia (educação para a morte) na Faculdade de Medicina da USP. O bemestar geral do indivíduo é um dos resultados da devoção, segundo ele. “Uma pesquisa, realizada por professores de Campinas, demonstrou que os que oram pedindo perdão por seus pecados, por exemplo, conseguem controlar de forma melhor as pressões sofridas”. Soberania de Deus – Presidente da Associação de Capelania Evangélica Hospitalar (ACEH), a capelã Eleny Vassão de Paula Aitken, ligada à Igreja Presbiteriana, tem prestado assistência espiritual a milhares de pacientes internados em seus 25 anos de trabalho. Já presenciou diversos casos de curas divinas – “Inclusive, de pacientes contaminados pelo vírus da Aids”, diz –, mas observa que,


Louis Hall Carlos Fernandes

mesmo quando o milagre não acontece de maneira tão direta, a fé remove montanhas de problemas. “Os doentes que confiam em Deus encaram melhor o tempo de hospitalização, colaboram com os tratamentos prescritos e encontram sentido no sofrimento e na morte”, enumera. Eleny acrescenta que algumas pesquisas mostraram até mesmo que as pessoas religiosas sangram menos durantes cirurgias e recuperam-se em menos tempo em relação a pacientes com patologia semelhante. “A fé melhora o estado clínico dos doentes”, faz coro o pastor Eudóxio Mendes dos Santos, capelão do Hospital Presbiteriano Doutor Gordon, em Rio Verde (GO). Em sua rotina de visitas diárias pelos 120 leitos do hospital, Santos tem confirmado a tese na prática. Crente convicto, ele não abre mão de orar pelos doentes – por isso mesmo, sempre tem um testemunho quentinho para contar, como o caso de uma moça de 14 anos, ocorrido poucos dias antes de o pastor atender a reportagem de CRISTIANISMO HOJE “Devido a um problema cardíaco grave, ela teve que seguir para um centro mais equipado, em Goiânia. Lá, o diagnóstico foi confirmado. Nós reunimos as igrejas e começamos a orar por ela”. De acordo com Santos, os médicos não encontraram no coração da menina, durante a cirurgia, nenhum dos danos revelados pelos exames. O oncologista Célio Galante, presidente da União Nacional Evangélica da Saúde, já teve a satisfação de ver alguns de seus prognósticos mais sombrios caírem por terra. Ele atua no Serviço de Radioterapia da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte (MG), por onde passam muitos pacientes desenganados. O médico conta já ter vivenciado curas que, como profissional, nunca conseguiu explicar. “Eu mesmo fui curado de duas enfermidades, sendo que uma delas vinha comigo Wilson Bonfim, presidente desde infância e perdude Médicos de Cristo: “A rou até meus 48 anos de relação entre religião e idade, obrigando-me ao saúde já foi demonstrada uso constante de medicacientificamente”

Os benefícios de se crer • Nas universidades de Iowa, Stanford e Duke, todas nos EUA, um levantamento incluindo dados de 42 pesquisas, com o total de 126 mil questionários respondidos, concluiu que quem freqüenta cultos e pratica uma religião vive, em média, 29% a mais do que as pessoas que não possuem nenhum tipo de fé • Estudos da Academia Americana de Neurologia associaram “comportamentos religiosos” com uma progressão mais lenta nas doenças • Pacientes portadores de vírus HIV e que mostraram um aumento na espiritualidade após o diagnóstico tiveram diminuição da carga viral – fator determinante no combate às infecções oportunistas – e uma evolução mais lenta dos malefícios associados à Aids • Tratamentos que causam grande desconforto físico, como a quimioterapia e a radioterapia, são melhor tolerados por doentes que professam alguma fé religiosa • Ao contrário do que se poderia imaginar, pacientes que crêem na possibilidade de cura sobrenatural costumam seguir com mais rigor a medicação prescrita • De um modo geral, membros de comunidades religiosas costumam receber muitas visitas quando internados, o que melhora sua auto-estima e produz resultados benéficos à saúde • O nível de estresse dos pacientes terminais é menor naqueles que acreditam na vida após a morte

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mentos”, conta. “Devemos orar pelos enfermos. A doença é uma ótima oportunidade para Deus agir com amor e poder na vida de uma pessoa”, prega. Profissional experiente, com 36 anos de carreira, Galante diz que os piores momentos na vida do médico são quando seus esforços para curar um paciente não dão resultados. Pior ainda quando o profissional é crente em Jesus. “Essa situação nos traz certa frustração, pois sempre queremos que Deus aja conforme nossa vontade. Mas não podemos nos esquecer que o Senhor é soberano sobre todas as coisas”, sentencia.

Marcelo Brasileiro

“Cura plena” – Para o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Cristo, Wilson Bonfim, separar a vida profissional da espiritual é um erro, principalmente no caso dos profissionais da área médica. “A relação entre religião e saúde já foi demonstrada cientificamente”, afirma. Membro da Igreja Metodista na cidade do Rio de Janeiro, o cirurgião já presenciou curas inexplicáveis sob a ótica puramente orgânica. “Creio firmemente que Deus pode curar qualquer enfermidade”, frisa. Ele explica que, nos círculos médicos, episódios desse tipo são referidos como fruto do chamado “efeito placebo” – isto é, atribui-se a melhora do paciente a uma predisposição psicológica favorável, que acaba melhorando seu quadro. “Além disso”, acrescenta, “a legislação que nos rege impede que o médico declare que uma cura foi resultado de uma ação sobrenatural ou divina”, ressalva.

Franklin Santos, da Faculdade de Medicina da USP, investiga os efeitos neurobiológicos da fé

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Ciente de suas responsabilidades, Bonfim diz que não aborda aspectos religiosos na sua relação com os clientes – a menos, é claro, que estes se mostrem dispostos a ouvir sua palavra. “Quando se dá espaço para a fé, mas sem se abrir mão do profissionalismo e da ética médica, os pacientes não ficam incomodados. Ao contrário, sentem-se melhor e mais confiantes”, afirma. Para ele, é preciso reencontrar o verdadeiro lugar da religiosidade na busca pela saúde. “A gran- A pedagoga Sheila, com a de efervescência mundial família: “Meus filhos são pós-moderna que contra- prova do milagre” atacou o cientificismo moderno iluminista pode ajudar nesse processo”, prevê. “Em especial, resgatar o papel da nossa fé cristã na cura plena”. Bem mais prática é a abordagem com que a pedagoga Sheila Nunes, 41 anos, refere-se à cura pela fé. “Meus filhos estão aqui, como prova do milagre”, diz, apontando para Marcos Henrique, de 10 anos, Giovanni Lucca, 7, e o pequeno Guilherme Matheus, de apenas um ano de vida. Até os 30 anos de idade, ela era portadora de uma enfermidade ginecológica denominada ovário policístico, que a impedia de engravidar. Segundo os médicos, seria necessário submeter-se a um longo tratamento ou a uma operação. Nos dois casos, o sucesso era incerto. Sheila virou habitué nos consultórios. Mas, ao mesmo tempo, iniciou uma batalha em oração. “Um dia, na igreja, meu pastor revelou que Deus estava curando mulheres com problemas nos ovários”, lembra comovida. Na consulta seguinte, ela viu o resultado de sua fé. “O ginecologista, surpreso, me perguntou sobre a operação que eu tinha feito. Expliquei que não tinha realizado nenhuma cirurgia, mas ele afirmou que havia uma cicatriz no meu útero e que os cistos não estavam mais lá”, conta Sheila, ao lado do marido Marcos de Palma Nunes e da prole. Para eles, assim como para outros milhões de crentes, não resta a menor dúvida de que a fé faz bem à saúde. (Colaborou Carlos Fernandes)

Marcelo Brasileiro

RELIGIÃO



C. T. Ralard

MULHER | Esther Carrenho

As muitas formas de violência

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Violência não é um assunto moderno. Órgãos governamentais, educacionais e religiosos estão cada vez mais focando o interesse nesta área, e usando muitos recursos na busca de novos comportamentos, na esperança de que a violência familiar diminua. O mais lamentável é a constatação de que nem sempre a prática religiosa ameniza a agressividade. E em alguns casos, até há um aumento de agressão e violência motivada pelo zelo em relação ao cumprimento das regras e ou dos princípios da fé abraçada. Há várias formas de se manifestar um comportamento violento: violência física, sexual, emocional, espiritual e outras. Fato é que qualquer violência é danosa e os males por ela causados podem ser desastrosos. A violência física, a mais fácil de ser identificada, é também a que mais chama a atenção. E contra esta podemos contar com a interferência policial, denunciando os abusos físicos que sofremos ou de que tomamos conhecimento. Mas é preciso ficar atento a outra forma de violência, bem mais sutil – mas nem por isso menos destrutiva: aquela praticada contra a alma do ser humano, a violência psicológica. É alarmante o número de pessoas que chegam aos consultórios de psicólogos e terapeutas em busca de ajuda em relação a traumas adquiridos em conseqüência de violên-

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cias sofridas na infância, na adolescência e na juventude. E os que se dão conta do mal sofrido e procuram atendimento especializado são os que apresentam ainda uma boa dose de saúde psíquica. Mas quantas pessoas estão hoje aniquiladas e destruídas a tal ponto que perderam qualquer motivação para serem elas mesmas e não encontram recursos para buscarem a restauração? E o mais desastroso é que muitas vezes quem pratica este tipo de violência é uma pessoa integrada na sociedade ou na comunidade religiosa – e daquelas que aparentam autocontrole, bondade e mansidão. Vale citar o caso de Henrique, um jovem introspectivo, de pouca fala e com um talento artístico admirável. Enquanto criança, era distraído e demorava um pouco mais para apresentar resultados no aprendizado em comparação com a maioria dos colegas da mesma idade – só que sua mãe preferiria que o filho fosse uma dessas crianças falantes, desinibidas e que se destacassem pelo bom rendimento escolar. Como isso não acontecia, ela o criticava constantemente com frases duras, sempre desmerecendo o potencial do menino. Desapontada, aquela mãe resolveu levar Henrique a um médico, na certeza de que o filho tinha alguma deficiência séria. Foi o suficiente para


que o menino entrasse numa espécie de congelamento emocional, acreditando que tinha menos potencial do que realmente possuía. Hoje, já adulto e em processo de resgate de sua própria auto-estima, ele já consegue se expressar, inclusive artisticamente, com muito talento. A crítica, a comparação e a ameaça são as armas mais perigosas na violência emocional. A crítica, porque além de não construir uma auto-estima adequada, pode ainda aniquilar a confiança necessária a todo ser humano. A comparação, porque leva o indivíduo, sobretudo a criança, a duvidar dos próprios valores – mesmo que chegue à vida adulta e conquiste suas próprias realizações, sempre terá que lidar com aquela sensação negativa de que os outros são melhores. E a ameaça, porque pode criar fantasmas a povoar a mente, como se fossem monstros que se apresentam sugerindo frases ameaçadoras do tipo “você nunca vai ser ninguém na vida”.

Como pais, precisamos de coragem para olhar as projeções e idealizações que jogamos em cima dos nossos filhos. Não faz sentido exigir deles um desempenho incompatível com o jeito próprio de cada um ser. É preciso quebrar a imagem idealizada de perfeição a fim de abrir espaço para acolher as diferenças e peculiaridades dos filhos, sem temer a rejeição de outros – muitas vezes, aquela perpetrada pela própria comunidade religiosa. É preciso também uma capacidade de escuta amorosa, para ouvir de verdade quem é cada um dos filhos que estão sob nosso cuidado e responsabilidade. Deus é nosso parâmetro de amor. Precisamos conhecer e experimentar profundamente a sua graça amorosa, a graça de um Pai que nos ama e nos acolhe indistintamente. Com a percepção do amor divino inundando nosso coração, seremos mais capazes de amorosamente acolher cada filho, ajudando-o a desenvolver o potencial nato e especial que cada ser humano tem. Sem críticas, sem comparação e sem ameaças.

“A crítica, a comparação e a ameaça são as armas mais perigosas na violência emocional”

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EVANGELISMO

Efeito colateral Obra de evangelização em Portugal sofre os efeitos da atuação desastrada de algumas igrejas brasileiras na década passada Marcelo Barros, de Portugal

Arquivo

A Torre de Belém, cartão postal de Lisboa: evangelismo em Portugal tem sido prejudicado por reflexos negativos da atuação de missionários brasileiros

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para os padrões do Cristianismo português, tratou de colocar a Iurd no centro de um debate sobre a invasão das chamadas “seitas protestantes” e seus supostos malefícios. Mais tarde, a imprensa portuguesa reproduziu notícias sobre os interesses empresariais da Universal no Brasil. Os jornais também noticiaram que a igreja estava sendo investigada pela Justiça brasileira. Mas foi em 1995 que o caldo entornou de vez. Numa manobra ousada, a igreja tentou comprar o Coliseu do Porto, a mais tradicional casa de espetáculos daquela cidade, para transformá-lo em templo. Ao mesmo tempo, a denominação articulou a formação de uma legenda política, que já tinha até nome escolhido, o Partido da Gente. Imediatamente, artistas, intelectuais, políticos e grande parte da população expressaram publicamente seu repúdio à iniciativa. Um ruidoso ato público de protesto em frente ao Coliseu foi transmitido ao vivo pela televisão. A confusão foi tão grande que até o então presidente de Portugal, Mário Soares, precisou intervir. “A partir daquele episódio, as autoridades portuguesas passaram a vigiar muito os grupos evangélicos brasileiros. Há várias igrejas sendo investigadas hoje. Para se ter uma idéia, hoje é quase impossível para elas alugar um prédio e montar um templo”, diz o pastor português Luíz Reis, presidente da Assembléia de Deus de Queluz, cidade a 100 quilômetros da capital. “Mesmo quem aluga andares ou simples salas fica à mercê dos outros condôminos. Se eles decidem retirar a igreja de

O pastor Antônio Pires: “O imediatismo levou aos excessos”

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Marcelo Barros

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Lá se vão quase 20 anos desde que, pela primeira vez, evangélicos brasileiros entraram em massa em Portugal. Naquela época, 1989, igrejas de todos os segmentos teológicos começaram a enviar para a “terrinha” batalhões de pastores e missionários, impelidos pela motivação de pregar a Palavra de Deus num dos países de maior tradição católica no mundo. Eles juntaramse a outros obreiros oriundos do Brasil, sobretudo de denominações tradicionais, que já estavam lá havia tempos. Mas o boom foi alavancado principalmente por grupos avivados e neopentecostais, que levaram consigo o calor da pregação avivada a fim de ganhar para Cristo almas portuguesas. A missão era bem mais ampla: abrir uma larga porta de entrada para os missionários brasileiros no Velho Mundo. A partir de Portugal, sonhavam eles, a secularizada Europa poderia experimentar um avivamento semelhante àquele que ocorreu por aqui por volta dos anos 1960 e 70, graças à atuação dos pregadores americanos. A princípio, a estratégia deu certo. Dezenas de igrejas foram abertas, cruzadas evangelísticas foram realizadas, várias agências missionárias se estabeleceram e, nas ruas das principais cidades lusas, como Lisboa e Porto, era possível ver grupos evangelizando os portugueses. Paralelamente, milhares de brasileiros de ascendência lusitana – muitos dos quais, evangélicos – iam tentar a vida em Portugal, movidos pelo sonho da prosperidade na União Européia. Contudo, ao mesmo tempo em que pregadores carismáticos atraíam multidões, uma onda de polêmicas e mesmo escândalos protagonizados por evangélicos brasileiros espantaram os portugueses. As agressivas formas de evangelização e o ímpeto expansionista de algumas denominações brasileiras em solo lusitano foram decisivos para uma mudança no panorama – e a boa vontade inicial logo cedeu espaço à desconfiança. Processo que atingiu em cheio a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), que fez de Portugal uma espécie de “cabeça de ponte” fundamental para seu crescimento ao redor do mundo. A implantação da Universal em Portugal ocorreu no início dos anos 1990, nos arredores de Lisboa, e constituiu-se numa etapa importante no avanço em direção aos países africanos de fala portuguesa. Em pouco tempo, a igreja cresceu em popularidade. Contudo, sua pregação, heterodoxa demais


Jorge Humberto aponta a secularização como fator decisivo para o esvaziamento das igrejas

lá, é só comunicar a prefeitura e ponto final.” Ênfase exagerada nos pedidos de dízimos e oferta, acusações de prática de charlatanismo e denúncias acerca de desvio de verbas das igrejas botaram ainda mais lenha na fogueira. Barreiras legais – “Não posso ser hipócrita: a presença de certas igrejas brasileiras não ajudou em nada a propagação do Evangelho em nosso país, considerando alguns excessos que foram cometidos em nome do imediatismo”, faz coro o pastor Antônio Pires, presidente da Convenção das Igrejas Batistas de Portugal e um dos diretores da Aliança Evangélica Portuguesa. Segundo o líder, os desmandos praticados por diversos pastores brasileiros criaram má vontade contra todo o segmento evangélico em Portugal. “Abrir uma igreja ficou mais difícil, pois é preciso contornar uma série de barreiras

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legais”, continua. A própria Universal precisou mudar de nome para conseguir se manter em solo ibérico. Em Portugal, a igreja se chama Centro de Ajuda Espiritual Pare de Sofrer, embora tenha mantido a tradicional pomba branca no centro de um coração vermelho como seu logotipo. O paulista José Machado, presidente da Igreja Internacional da Graça de Deus em Portugal, diz que atualmente os portugueses são tão desconfiados dos pregadores brasileiros que censuram até a transmissão dos programas radiofônicos: “Certa vez, uma emissora me pediu para não falar em milagres no ar. Eles tinham medo de que estivéssemos inventando coisas e que a rádio sofresse algum tipo de sanção”, lembra. Machado explica ainda que, hoje em dia, o pastor brasileiro deve estar preparado para a confrontação bíblica: “Os portugueses não acreditam em qualquer coisa. São muito desconfiados e exigem que o pastor esteja teologicamente bem preparado. Outra coisa – eles rejeitam pregadores muito espalhafatosos. Hoje, os discretos são mais respeitados”, avisa.

Culto da Assembléia de Deus em sala alugada: igrejas brasileiras ainda se ressentem dos equívocos do passado recente

Marcelo Barros

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EVANGELISMO



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Arquivo

O Coliseu, tradicional casa de espetáculos do Porto: pivô de intensa polêmica entre a sociedade portuguesa e a Igreja Universal, que hoje adota outro nome em solo lusitano (acima)

Na opinião do pastor assembleiano Jorge Humberto, vice-presidente da Aliança Evangélica Portuguesa, a atuação desastrada de organizações evangélicas brasileiras, no passado recente, não pode ser responsabilizada, sozinha, pelo atual quadro de indiferença em relação à fé. “Há vários segmentos protestantes em Portugal, e cada um deles sofre os efeitos da pós-modernidade”, aponta. “Algumas igrejas acabam tendo dificuldade para manter seus valores intactos diante do desafio da relativização de princípios. Agora, não há mais branco ou preto, certo ou errado; tudo pode ser relativizado, até o pecado. Lutamos contra isso e as igrejas de brasileiros aqui têm sido chamadas a participar desses debates.” O ingresso do país na União Européia, em 1986 – após as décadas de estagnação da ditadura do ex-presidente Antônio de Oliveira Salazar –, trouxe a prosperidade econômica que tem colaborado decisivamente para o esfriamento espiritual da população portuguesa, tradicionalmente católica. Crescimento tímido – Lá, como cá, não existem números precisos, mas a quantidade de crentes no país fica em torno de um a dois por cento numa população de 11 milhões – o que daria, no cenário mais otimista, algo como 200 mil protestantes. Os dados são da Aliança, que congrega cerca de 1,2 mil congregações portuguesas. “Mas o número de igrejas, apesar das dificuldades, está crescendo”, informa o pastor Vítor Baía, responsável pelo setor de estatísticas da entidade. Um crescimento lento, é claro, sobretudo se comparado com o do Brasil. Ele mesmo sente

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na pele o preconceito que atinge os pastores em solo português – fruto, segundo Baía, dos problemas ocorridos na década passada. “Muitas vezes, identifico-me apenas por minha outra ocupação, que é a de técnico em computadores, para não ser rejeitado em determinados círculos.” De acordo com Lauro Mandira, gerente da Junta de Missões Mundiais (JMM) da Convenção Batista Brasileira, o chamado “evangelismo explosivo” de alguns anos atrás afetou todos os obreiros brasileiros que atuam em Portugal. “Durante mais de cem anos, a JMM tem enviado missionários para trabalhar entre os portugueses, e sempre fomos alvo de grande consideração. Mas com a invasão desordenada para lá, a Igreja brasileira ficou com um conceito negativo”, avalia. Ele sabe que os problemas ocorridos não serão esquecidos tão cedo pelo povo português. “A única forma de reverter isso e ganhá-los para Cristo será mostrar com nossa vida que somos diferentes”, resume. Embora o trabalho, agora, seja dobrado, as igrejas brasileiras não desistiram de enviar seus missionários. Estima-se que cerca de 300 pastores ligados à Assembléia de Deus no Brasil atuem em Portugal. A maioria prega a Palavra em pequenas salas, atraindo pouca gente. De acordo com o pastor Jorge Humberto, a Aliança Evangélica Portuguesa tem se reunido constantemente, na tentativa de encontrar maneiras de semear a fé evangélica sem repetir os equívocos cometidos por muitos pregadores brasileiros. “Lutamos contra isso e as igrejas de brasileiros aqui têm sido chamadas a participar desses debates”, encerra o religioso.





INTERNACIONAL

“Quem nos

Terra de grandes evangelistas do passado, Reino Unido descobre q

A

Renata Sturm, de Londres e Luton

Ao longo dos séculos 18 e 19, a Inglaterra era a grande protagonista da obra missionária mundial. Foi das Ilhas Britânicas que levas de evangelistas saíram a ganhar almas para Cristo nos quatro cantos da Terra. Coração de um vasto império colonial que se estendia da América do Norte à Oceania, do extremo Oriente às selvas africanas, a Grã-Bretanha foi o berço de gente como os irmãos Wesley, John e Charles, cuja experiência de avivamento haveria de mudar a face do Cristianismo moderno. A eles se seguiram notáveis missionários, como Willian Wilberforce, David Livingstone, Hudson Taylor e tantos outros súditos da Coroa inglesa que dedicaram suas vidas à missão de tornar o Evangelho conhecido mundo afora. Contudo, o mesmo John Wesley, morto em 1791 e autor da célebre frase “O mundo é minha paróquia”, sentiria calafrios diante da situação espiritual de sua pátria três séculos depois de seu frutífero ministério. Secularizada, permissiva e materialista, a sociedade britânica deste início de milênio parece clamar a mesma indagação feita por ele ao regressar de uma de suas viagens missionárias: “Saímos a converter o mundo, mas quem nos converterá?” Integrante do seleto grupo das mais poderosas nações do mundo, o Reino Unido, formado por Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales, viu sua temperatura espiritual esfriar ao longo de todo o século 20. Já no PósGuerra, sua influência mundial era muito mais política e econômica do que religiosa, embora ali tenham surgido duas das mais importantes denominações da cristandade, o Metodismo e a Igreja Anglicana. A pós-modernidade se encarregou de jogar uma pá de cal na devoção dos ingleses a Deus. Hoje, segundo pesquisa realizada pelo Centro Nacional de Pesquisa Social do Reino Unido, 52% da população nacional dizem não pertencer a nenhuma religião. O número revela uma queda de quarenta por cento desde 1983, quando levantamento semelhante foi feito no

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país. Já outra pesquisa, esta levada a cabo pelo próprio governo britânico em 2001, revela que metade dos adultos com idade acima de 18 anos nunca participou de um culto. Mais – este mesmo contingente admite que conhece muito pouco do Cristianismo ou que não concorda com suas bases teológicas. Instituições cristãs genuinamente inglesas, como o Exército de Salvação, têm sentido na pele essas mudanças e reconhecem que perderam ao longo dos anos a essência da prática do evangelismo. Criado em 1865 pelo general William Booth, o movimento salvacionista expressa em seu lema – “Sopa, sabão e salvação” – a preocupação em socorrer o homem na plenitude de suas necessidades do corpo e da alma. Com o passar do tempo, no entanto, a visão de ajuda social ficou mais forte que o caráter espiritual. Hoje, o Exército de Salvação é reconhecido pela ajuda humanitária que presta aos carentes e às vítimas de tragédias. Mas seus cultos atraem pouca gente. Major é pastor de uma igreja salvacionista na cidade de Luton, a 50 quilôme-


converterá?”

ue seu maior desafio missionário agora são os próprios britânicos

Esfriamento – A queixa é compartilhada por igrejas tradicionais do país, que estão cada vez mais vazias. E para perceber isso não é preciso nenhuma pesquisa. O último grande momento em que os ingleses se sentiram abalados espiritualmente foi com a morte da princesa Diana, em 1997. Diante da morte trágica da popularíssima exmulher do príncipe herdeiro Charles, os templos ficaram lotados – talvez, muito mais numa expressão de comoção nacional do que de verdadeira devoção. Nada, contudo, que abalasse o atual status quo da sociedade britânica. A união de fatores como estabilidade econômica, alta taxa de educação e segurança social têm se mostrado ingredientes que afastam os cidadãos comuns da fé. “Existe uma conexão automática entre a riqueza e um aumento dos sem-religião. Geralmente, países mais desenvolvidos são menos religiosos. A única exceção são os Estados Unidos”, aponta David Voas, professor de Estudos da População na Universidade de Manchester. Segundo o pesquisador, a tendência natural é que a sucessão das atuais gerações não tenham ligação com a religião. “As igrejas continuarão como uma instituição importante por um tempo ainda, mas acredito que a prática de cultos logo será tida como algo peculiar e estranho diante dos olhos da sociedade.”

Crendo contra os próprios olhos, a jovem pastora batista Dawn Brown tem procurado estratégias para mudar essa realidade. Depois de trabalhar em uma grande igreja batista – lembrando que grande, no padrão britânico, é uma comunidade com, por exemplo, 300 membros –, em setembro de 2000 ela encontrou o desafio de aumentar a freqüência de uma pequena comunidade em Markyate, na periferia de Londres. Na época, a Igreja Batista de Mar­k­ yate possuía apenas oito membros e, nos melhores dias,

Às margens do Tâmisa, o Big Ben. O mais famoso cartão postal da Inglaterra: religiosidade no Reino Unido sofre efeitos do secularismo

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Divulgação

tros da capital inglesa, Londres, David G. Ryder conta que é difícil alcançar as pessoas para Cristo. “Temos tentado adaptar nosso trabalho à realidade das novas gerações, mas é tarefa de formiguinha”, resigna-se.


“Precisamos de evangelismo” – Mas, sucessos pontuais como o da congregação de Markyate não são suficientes para vislumbrar a forma pela qual o Cristianismo irá sobreviver nas Ilhas Britânicas. Uma coisa parece certa: seja qual for o futuro da Igreja Cristã, ela terá que aprender a conviver com novas realidades. Uma delas é o avanço de outras crenças. O aumento do número de imigrantes em solo inglês, por exemplo, tem feito aumentar de maneira perceptível a quantidade de práticas religiosas nãocristãs. Dos grupos religiosos, os muçulmanos são os que mais crescem em números percentuais. Eles já são quase

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Avivamento segmentado

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a contramão de declínio das confissões cristãs históricas no Reino Unido, o segmento pentecostal tem experimentado crescimento. Nada que se compare ao avanço estatístico verificado, por exemplo, na América Latina – mas, ainda assim, o fenômeno é digno de nota na Grã-Bretanha. Igrejas de linha teológica avivada, freqüentadas por estrangeiros que vivem no país – tanto os legais quanto os clandestinos – têm se multiplicado no país, tanto na quantidade de locais de culto como de membros. O governo britânico calcula que existam cerca de 250 mil estrangeiros em situação ilegal. Mas, segundo a Associação Brasileira no Reino Unido (Abras), o número é bem maior. A entidade calcula O templo da que haja mais de 130 mil brasileiros só Calvary Church: em Londres. Oficialmente, o número não passa de 8 mil na cidade e 15 mil diversidade em todo o país. cultural e É justamente com uma freguesia espontaneidade estrangeira, latinos e africanos princitêm atraído palmente, que as igrejas pentecostais freqüentadores, e neopentecostais têm se fortalecido. sobretudo latinos Bem conhecida no Brasil, a Igreja Universal do Reino de Deus segue na Inglaterra os mesmos moldes – seis cultos diários, campanhas de libertação e milagres e os chamados desafios de fé. O pastor da Universal na cidade de Luton, o paulista Miguel (ele não revela o sobrenome), diz que a maioria dos freqüentadores são, além dos brasileiros, portugueses e angolanos. “Mas os ingleses também têm vindo, pois gostam do jeito da igreja”, garante. Bem mais expressiva, tanto pelo tamanho como pelo estilo dos cultos – algo entre os batistas do Brooklin, nos Estados Unidos, e a Assembléia de Deus no Brasil –, é a primeira igreja afro-caribenha da cidade, Calvary Church of God in Christ. (algo como Igreja da Convocação de Deus em Cristo). Com capacidade para receber 2 mil pessoas, a congregação, surgida em 1960, é liderada pelo bispo Alvin Blake. Além de muitos membros de origem caribenha e africana, chama a atenção a maciça presença de jovens e crianças. “Recebemos visitantes de toda parte do mundo que moram na Inglaterra. Entretanto, sendo um líder afro, as pessoas com a mesma origem se sentem mais à vontade entre nós”, conta o bispo. A maneira entusiasmada e exuberante do louvor também acaba assustando muitos ingleses, acostumados com as celebrações litúrgicas da tradição anglicana. “A cultura tem muita influência na fé das pessoas”, completa Blake. Renata Sturm

Renata Sturm

apareciam no máximo 12 pessoas. O futuro do atraente e centenário prédio, construído com pedras, parecia o mesmo de dezenas de outros templos espalhados pela Inglaterra: a venda para utilização no comércio ou como residências. “Quando cheguei, encontrei pessoas idosas, mas perseverantes na idéia de que Deus tinha um plano para a comunidade”. A primeira ação da ministra foi prática, bem ao estilo inglês. As reuniões foram transferidas do templo para uma sala menor, mais quente – nos dois sentidos, o físico e o espiritual. “A mudança nos deu a sensação de A Igreja Batista de Markyate que éramos mais próximos e é um raro exemplo de acolhedores”, conta a pastora. congregação que aumentou A segunda decisão foi mais de tamanho, passando de oito drástica. Dawn, seu marido para 70 fiéis por culto (que não é pastor) e dois filhos adolescentes se mudaram para a pequena comunidade em Markyate, a menos de duas quadras do prédio da igreja. Foi a primeira vez, em 30 anos, que um pastor morava na localidade. O resultado das duas ações é visto a olho nu. Hoje, a Igreja Batista de Markyate recebe em média 70 pessoas por culto. Além disso, a jovem evangelista tem investido em programação para as crianças, adolescentes e jovens. Está até organizando a primeira viagem missionária para a Romênia, só com os jovens da congregação, para agosto deste ano. “Reconheço que, estatisticamente, a Igreja na Inglaterra esteja diminuindo”, diz ela. “Eu acredito que Deus é quem a constrói.”


Renata Sturm

três por cento da população, ou seja, o segundo maior segmentos depois dos cristãos – com a diferença de que são muito mais aguerridos na defesa de sua fé e muito mais envolvidos em práticas devocionais rotineiras. Em seguida, vêm os hindus, com 1% da população britânica, de pouco mais de 60 milhões. “Há um bom tempo o Reino Unido é uma sociedade formada por vários credos e isso tem um impacto na sociedade e na maneira como ela vê a fé”, comenta o reverendo Nick Baines, bispo de Croydon, ligado à Igreja Anglicana. Diante desse desafio, a Igreja Metodista e a Igreja Oficial da Inglaterra criaram um site batizado de Fresh Expressions, ou, em bom português, “expressões novas”(www.freshexpressions.org.uk). Nele, é possível visualizar mais de 5 mil novas expressões da igrejas, ou, em outras palavras, formas de culto. Além disso, segundo o religioso, muitas igrejas que participam do movimento possuem um mix de cultos para receber pessoas de culturas diferentes. Defensor de carteirinha desse novo movimento, que está se formando no Reino Unido desde 2004, Baines sabe que seu país carece de conhecer o nome de Deus. “Precisamos de evangelismo”, afirma.

O salvacionista David Ryder diz que é difícil alcançar as pessoas para Cristo

Mas mantém-se otimista em relação ao futuro da Igreja na Inglaterra. “Ainda existe um grande número de cristãos fiéis que fazem trabalhos significativos em prol da sociedade”, destaca. “Situações difíceis fazem os cristãos se tornarem mais criativos sobre sua fé e a maneira como comunicá-la.”

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INTERNACIONAL

Igreja fora d

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Pentecost Festival une crentes britânicos e leva l

Treici Schwengber e Valter Gonçalves Jr, de Londres

O jovem Huw Tyler, de 23 anos, ia apressado de metrô para Camden Town, bairro de Londres, na Inglaterra, vestindo a camisa azul do Pentecost Festival e o crachá que o identificava como designer gráfico. Durante dez meses, ele trabalhou voluntariamente num imenso prospecto com o mapa dos acontecimentos pela cidade. E agora estava tudo acontecendo, em apenas um fim de semana. Depois de quase dois anos de planejamento envolvendo mais de duzentas igrejas, a capital britânica presenciou, entre os dias 10 e 12 de maio, mais de 100 eventos com um só objetivo: mostrar que a Igreja de Jesus está viva e é culturalmente relevante. No espírito de Pentecostes, o festival Mostra de arte ao ar livre: diversidade cultural foi a marca do Pentecost Festival

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procurou usar todas as linguagens possíveis – música ao vivo, exposição de artes plásticas, danças, competições de esportes radicais, peças teatrais, debates e palestras, além de muita oração e adoração pelas ruas. De show de hip-hop a palestra do teólogo e cientista Alister McGrath, que participou da seqüência de eventos com uma aula na University College London para refutar as teorias ateístas de Richard Dawkins. “A igreja deixou seus edifícios”, dizia o slogan do festival, continuamente repetido por Andy Frost, de 29 anos. Dirigente da Share Jesus International (SJI), uma entidade paraeclesiástica com cara de agência evange-


Margarett Ralev Terri Resele

os templos ouvor, cultura e evangelismo às ruas de Londres lística, Frost herdou de seu pai, Rob, pastor metodista falecido em novembro do ano passado, o projeto de promover eventos fora dos espaços a que a Igreja Evangélica parece ter ficado confinada na Inglaterra. Quem olha para sua cara de surfista descolado – há seis anos ele esteve no Brasil e surfou no Rio de Janeiro e na Bahia – não imagina de pronto que ele seja crente. “Queremos mudar a percepção que as pessoas têm da Igreja, quebrar os estereótipos e representar Jesus”, enumera. Ele comanda um time em que quase todos são voluntários, de várias profissões, com média de idade abaixo dos 30 anos. A ordem é exercitar a criativida-

de ao máximo, quebrando resistências tanto das igrejas quando da cultura secular. Frost bateu nas portas de praticamente todo mundo. E viu a Abadia de Westminster, sede da Igreja Anglicana, dizer sim, para sua surpresa. Eles cederam espaço para uma apresentação teatral. E muitas outras denominações toparam se integrar às ações. Aos oficiais responsáveis pela segurança da cidade, de sete milhões de habitantes, o evangelista levou os planos de eventos em parques, praças e ruas importantes. Outra surpresa: a reação foi a melhor possível, e ele conseguiu quase tudo que pediu. “Em Londres temos festival hindu, festival muçulmano, festival

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Alison Whitlock/Divulgação

budista; por que não um festival cristão?”, concordou um dos policiais. O rapaz conseguiu também envolver no projeto diversas instituições de ação social, como Compassion e Christian Aid. O dinheiro recolhido nos eventos pagos foi revertido a obras beneficentes. A Bible Society comprou a idéia e participou ativamente, organizando, entre outras atividades, um debate com políticos cristãos.

Treici Schwengber

Oração na praça – Na sacada de um restaurante em frente à Leicester Square, palco de apresentações musicais do evento, Frost e parte de sua equipe receberam, em clima descontraído, vários jornalistas para contar o que ia acontecer. Dias depois, ele não escondia uma ponta de decepção quanto à cobertura. “Há um preconceito contra os cristãos. A mídia gosta de contar histórias ruins sobre a Igreja. Não as boas”, lamenta, lembrando dos muitos trabalhos sociais realizados pelos evangélicos britânicos que costumam ser ignorados pelos meios de comunicação. Uma entrevista sua para a BBC acabou não indo ao ar no jornal noturno. A matéria saiu para dar mais tempo a um caso de homicídio. A resposta pode ser mesmo deixar os templos e ir para as ruas. Na saída do metrô de Leicester Square, área coalhada de teatros e turistas, o estudante de medicina David Scheepers, de 28 anos, membro de uma comunidade anglicana, distribuía panfletos e convidava o povo a assistir às apresentações de música no palco montado na praça. Andando uma quadra, já era possível ouvir músicas de louvor executadas por vários grupos evangélicos. Ama-

O evento atraiu a atenção da população londrina

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A cruz multicolorida, símbolo do Pentecost Festival: festa de louvor, cultura e evangelismo na capital britânica

zing grace ecoava enquanto as pessoas sentavam na grama da praça para ouvir, no sábado ensolarado. Os crentes oravam e aconselhavam ali mesmo. De acordo com os relatórios obtidos depois dos eventos, sete em cada dez pessoas abordadas aceitaram receber orações. “Fomos bem acolhidos. Nossa intenção inicial era interceder, mas as pessoas se aproximavam, perguntavam sobre a fé e recebiam ministração”, disse, ofegante, a seminarista batista Vicki Patman, de 30 anos, ao retornar de uma longa caminhada de evangélicos em pontos-chave da cidade. As expressões de fé foram muitas. David Landrum, que atua oficialmente no Parlamento inglês pela Bible Society, conduziu um grupo de intercessão ao redor dos prédios da Câmara dos Lordes e da Câmara dos Comuns. “A oração pelo Parlamento acontece há cinco anos e desta vez programamos para que acontecesse junto com o Pentecost Festival”, explicou. Em meio aos turistas que miravam com suas câmeras o imponente Big Ben, Landrum pedia a Deus, com seu grupo, um reavivamento na Inglaterra. Parou também junto a um monumento em memória da Sociedade Antiescravista, fundada em 1787 por William Wilberforce, e dali clamou a Deus por leis justas. Sua preocupação mais imediata era a discussão de uma lei, aprovada alguns dias depois, que permite experiências com embriões híbridos usando DNA humano e animal. Uma tentativa de eliminar o projeto, capitaneada por parlamentares cristãos, foi derrotada por 336 votos contra 176. Adoração artística – Enquanto alguns se manifestavam por meio da oração, outros o faziam pela arte. A escultora Sue-Jane Mott, 40, foi uma das artistas a expor suas obras


Valter Gonçalves Jr

O jovem James Elton: “A oração tem poder”

Alison Whitlock/Divulgação

na Igreja Metodista Central Hall. O cenário tem história – foi ali, em 1946, logo após a Segunda Guerra Mundial, que aconteceu a primeira reunião da Organização das Nações Unidas. Entre as obras mais marcantes, os criativos e delicados potes de cerâmica que representam as lágrimas dos justos, em referência ao texto de Apocalipse. “Minha arte é parte do que sou e da relação que tenho com Deus. Também é adoração. Algumas vezes me inspiro nas Escrituras; outras na natureza”, explicou Sue. Longe dali, em um pub de Camden Town, o artista gráfico Ajinbayo Akinsiku, o Siku, de 43 anos, britânico de origem nigeriana, ensinava suas técnicas de quadrinhos, que seguem o estilo japonês mangá. Deixando de lado o medo de errar, ele publicou com sucesso a Bíblia mangá, uma versão em quadrinhos para as Escrituras. Siku distribuía autógrafos e incentivava os crentes a criarem livremente sua própria arte. ”Representar é bom, e se for para Deus, é dez vezes melhor”, disse, por sua vez, a atriz iniciante Emma Frank, de 18 anos. Ela participa do musical Luv Esther, uma versão teatral, com roupagem pop, para o livro bíblico de Ester. Ao seu lado, o brasileiro Ricardo Castro, 20, que também participa da peça, mostrava entusiasmo: “A apresentação causa impacto. Falamos na língua do mundo para sermos compreendidos”. O espetáculo, montado pela missão NGM, que também faz as vezes de companhia teatral, teve apresentação vinculada ao Pentecost Festival, com arrecadação destinada ao combate à Aids na África do Sul. A maratona com os mais de 100 eventos culminou com o encontro do Dia Global de Oração, que teve a maior concentração no pequeno estádio de futebol do Millwall, ao sul

A festa, que uniu crentes e igrejas de várias denominações, contou com mais de 100 atrações

da cidade. Cerca de 11 mil pessoas foram para lá, animadas pelo domingo ensolarado. Famílias inteiras curtiram muita música cristã e oraram por motivos diversos, entre palavras de incentivo de vários pastores. O recém-eleito prefeito de Londres, Boris Johnson, apareceu de surpresa e pediu intercessão pela sua administração e pelo combate à violência em Londres. Ao mesmo tempo, um telão mostrava os rostos de adolescentes ingleses mortos em decorrência da ação de gangues, traficantes de drogas e assaltantes. Em meio à multidão, James Elton, de 24 anos, vestia uma camisa da seleção brasileira. “Presente de um amigo que resolveu ser missionário no Brasil”, explicou. “É muito bom estar aqui com toda essa gente, clamando por todas as nações”, continuou, lembrando que a campanha de intercessão acontecia simultaneamente no mundo inteiro. Cheio de esperança de um novo vigor para a Igreja inglesa, o jovem britânico não titubeou: “A oração tem poder!” É com isso que contam os organizadores do Pentecost Festival. Na sede do SJI, em meio ao time de colaboradores, Frost fazia um balanço dos acontecimentos, já de olho no ano que vem. “Contaremos com o apoio de mil igrejas e vamos fazer muito mais eventos”, antecipa. O objetivo, garante, é manter a Igreja de Cristo atuando fora dos templos. “Precisamos parar de erigir impérios e construir o Reino de Deus”, sentencia.

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CH DIGITAL | Whaner Endo

Q

Sal e luz na internet

Quem nunca ouviu a afirmação de que a Igreja, infelizmente, “abriu mão” do seu chamado para ser sal e luz? Quantas vezes você já se decepcionou com atitudes de pastores, líderes, apóstolos e “apostilas” ao perceber que suas ações ou palavras nada tinham a ver com a luta contra a podridão, insipidez ou cegueira, mas sim com algo, digamos, humano demais – na acepção mais rasa do termo? É, o problema é que a maioria das igrejas deixou de fazer qualquer diferença no meio e na sociedade na qual estão inseridas. E quem diz isso não sou eu... Segundo os mais otimistas, os evangélicos no Brasil são mais de 40 milhões. Pois quais as mudanças esse exército conseguiu imprimir no Brasil? A pasteurização da forma de ser igreja é sinal da sua quase irrelevância. E é natural que essa característica migre para a internet. Milhares de sites, blogs, portais não demonstram significado a não ser reunir páginas com informações inúteis para a missão da Igreja, um verdadeiro altar ao hedonismo pós-moderno. É claro que no chamado “mundo secular” também é assim, mas nosso chamado não foi para fazermos diferença? Parafraseando o teólogo Karl Barth, a Igreja deveria ter a Bíblia em uma janela e o portal G1, a CNN ou a ALC (http:// www.alcnoticias.org) na outra. Temos de estar ligados no que está acontecendo em nossa volta, no cotidiano das pessoas, no clamor da sociedade. No seu livro The Cult of the Amateur: How Today’s Internet Is Killing Our Culture, o polêmico historiador britânico Andrew Keen afirma que a internet está matando a cultura, exatamente pela abundância de autores e opiniões, já que ela acaba gerando “menos cultura, menos notícias confiáveis e um caos de informações inúteis”. Talvez não devamos ser extremistas ao dizer que a abundância de opiniões é prejudicial – afinal, toda unanimidade é burra, já dizia o Nelson –, mas, com certeza, informação que não se transforma em conhecimento pode mesmo ser prejudicial.

Muitos de vocês já devem ter blogs ou sites. Outros tantos estão prestes a começar e, a grande maioria nem sabe o que é isso... Talvez seja hora de pararmos para avaliar se a Igreja utiliza bem essa ferramenta que é a internet. Para não se dizer que só vejo o lado ruim da presença evangélica na grande rede, eis aqui dois exemplos que demonstram como, com um pouco de criatividade e muita motivação, é possível espalhar sal e luz pelo ciberespaço: • O site pornô-cristão SexxxChurch (http://sexxxchurch.com) é uma das belas surpresas da internet brasileira. Baseado no projeto da americana XXXChurch, ele foi desenvolvido pela moçada do Projeto 242 e já atingiu a incrível marca de 600 mil visitas únicas por mês. Segundo os criadores, o SexxxChurch nasceu para trazer consciência, abertura, responsabilidade e recuperação para a Igreja. Ali, o que se busca é ajudar pessoas que tenham problemas com a pornografia, além de começar a dar – ou pelo menos, buscar – soluções. A base de tudo é mostrar os perigos da pornografia e do sexo fora do casamento. O SexxxChurch tem repercutido em espaços praticamente sem qualquer presença evangélica, como a MTV e a revista Rolling Stone Brasil. • Relatos do Irmão Xexéu (http://irmaoxexeu.wordpress.com/) é um blog que conta as andanças desse escrachado personagem e de seu companheiro, o Irmão Crecréu. Com muito humor, os dois trazem à luz um pouco mais da matriz evangélica tupiniquim, inclusive com áudios de alguns cultos. Algumas denominações já visitadas pelos irmãos: Metodista, Batista, Congregação Cristã do Brasil, Igreja Apostólica Renascer em Cristo, Comunidade Evangélica Paz e Vida... Nunca se sabe onde e quando Xexéu e Crecréu podem aparecer!

“Milhares de blogs, sites e portais evangélicos são um amontoado de páginas com informações inúteis para a missão da Igreja”

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Whaner Endo é Publisher da W4 Editora e mestrando em Comunicação Social pela Univ. Metodista de São Paulo.


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MISSÕES

Importantes organizações evangélicas nacionais atravessam décadas servindo à Igreja e ao Reino de Deus sem perder de vista a vocação

Não se sabe exatamente por que algumas instituições evangélicas são bem sucedidas, alcançam grandes resultados e permanecem em funcionamento por muito tempo, enquanto que outras – a maioria – amargam o fracasso e o ostracismo. No segmento evangélico, centenas de organizações e ministérios têm sido criados com o objetivo de prestar serviços ao povo de Deus e anunciar o Evangelho de Jesus. Poucas, contudo, conseguem vencer os primeiros anos de existência. Por isso mesmo, falar de iniciativas que conseguem permanecer décadas a fio servindo ao Reino de Deus é motivo não apenas de alegria, mas de gratidão a Deus. Nesta edição, CRISTIANISMO HOJE presta tributo a algumas dessas entidades que têm atravessado gerações. Coincidentemente, elas estão completando aniversários importantes agora em 2008. Caso da Sociedade Bíblica do Brasil, que chega aos 60 anos distribuindo a Palavra de Deus ao povo brasileiro. Já o ministério Vencedores por Cristo, que revolucionou a música evangélica nacional, está completando 40 anos. Outro grupo, este de caráter eminentemente missionário – a missão Portas Abertas Brasil, fundada pelo célebre Irmão André – chega às três décadas de atuação em defesa da liberdade religiosa. Já a Sepal (Servindo Pastores e Líderes) faz 45 anos – e, como o nome já diz, continua treinando e equipando os obreiros cristãos deste país. Conhecer um pouco de cada uma destas organizações não é apenas uma questão de informação. Tratase, acima de tudo, de fazer justiça a grupos que, em meio às dificuldades materiais inerentes à realidade brasileira e às próprias tribulações que cercam os trabalhos movidos pela fé, permanecem fiéis ao seu chamado – e fazem questão de cumpri-lo com o máximo de eficiência.

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Música, evangelização e compromisso com Deus Divulgação

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Carlos Fernandes

Os Vencedores por Cristo: 40 anos depois, o compromisso com os conteúdos do Evangelho permanecem na base do ministério

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uando eles começaram, há exatos 40 anos, o panorama musical evangélico no Brasil era totalmente diferente do de hoje. Aliás, nem se pode dizer que havia uma música evangélica por aqui – as igrejas entoavam apenas os cânticos dos hinários, quase todos traduzidos de peças estrangeiras compostas nos séculos anteriores. Nos cultos, os únicos instrumentos permitidos eram o piano e o órgão de tubos. Mas 1968, um ano marcado por tantas mudanças ao redor do mundo, seria decisivo também para os rumos da expressão musical cristã brasileira. Foi naquele ano que o pastor americano Jaime Kemp iniciou o ministério Vencedores por Cristo, uma das mais bem sucedidas iniciativas missionárias já levadas a cabo no país. Hoje, quatro décadas depois, os Vencedores por Cristo (VPC) ainda são referência em boa música, evangelismo e treinamento de liderança. Introduzir uma musicalidade mais espontânea, baseada nos ritmos e na cultura nacional, foi apenas uma


das contribuições de VPC à Igreja brasileira. A mais consistente, sem dúvida, foi a evangelização e o discipulado de gerações de jovens atraídos para o Evangelho graças à consistência teológica e à seriedade do ministério. A base do trabalho era a formação de equipes que saíam pelo Brasil afora levando a Palavra de Deus através do testemunho de vida e da linguagem musical. Ao todo, foram cerca de 60 equipes e mais de 500 pessoas envolvidas diretamente com o trabalho. E um legado que envolve 40 trabalhos gravados, dos extintos compactos aos DVDs, canções que viraram clássicos do louvor – como Se eu fosse contar, Você pode ter, De vento em popa e Cantai ao Senhor – e artistas como Sérgio Pimenta, Guilherme Kerr, Gerson Ortega e Nelson Bomilcar. “Não abrimos mão dos princípios que marcaram o surgimento dos Vencedores por Cristo e que se mantêm até hoje na base do ministério – valores bíblicos, vida devocional e compromisso com a igreja”, define o diretor Uassyr Verotti. Ao contrário do que se poderia imaginar, a agenda do grupo permanece cheia como nos velhos tempos. Além de apresentações musicais, VPC realiza viagens missionárias – agora em junho, estarão na Itália – e ações evangelísticas em pequenas localidades e até entre tribos indígenas. “Temos trabalhado todos os meses do ano, cumprindo nossa missão de colaborar com a Igreja e apresentar o amor do Senhor”, comenta Verotti. Sediado em São Paulo, a missão conta com gravadora, distribuidora e uma banda fixa, além da base aberta em 2006 em Recife (PE). E engana-se quem pensa que, com a explosão da chamada música gospel, os Vencedores por Cristo perderam seu espaço. “Temos atingido um segmento que não é maioria, mas trata-se de um público fiel, interessado no conteúdo bíblico e na excelência”, frisa o diretor.

Em nome dos perseguidos

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rmão André, o famoso Contrabandista de Deus, costuma dizer que, no começo, Portas Abertas era apenas “um holandês maluco e um fusquinha cheio de bíblias”. Hoje, contudo, o ministério é uma verdadeira multinacional da fé cristã, presente em 60 países e cuja atuação permanece fiel à missão de socorrer a Igreja Perseguida. É verdade que a opressão aos cristãos já não é movida pelos comunistas da extinta Cortina de Ferro, principal objetivo de Portas Abertas nos primeiros anos – contudo, a face cruel da perseguição àqueles que professam o Evangelho de Cristo adquiriu contornos novos e ainda mais assustadores, perpetrada pe-

Afegãs caminhas cobertas pelas burcas: a luta pela liberdade religiosa é a bandeira de Portas Abertas

los regimes islâmicos e por Estados que consideram a religião uma adversária de suas políticas. Em pleno século 21, milhões de cristãos ainda pagam um alto preço por sua fé. No Brasil, Portas Abertas está completando 30 anos agora em 2008. Em um país de plena democracia religiosa, nem sempre é fácil entender a atuação da missão. “Somos o elo entre os crentes que gozam de liberdade religiosa e a Igreja sofredora”, define Douglas Mônaco, diretor-executivo da entidade no Brasil. Ele explica que as atividades do escritório brasileiro de Portas Abertas envolvem disseminação de informações, conscientização, edificação e engajamento dos crentes na causa da liberdade religiosa. “Temos 13 mil parceiros ativos, envolvendo pessoas físicas, entidades e aproximadamente duzentas igrejas”, contabiliza. “Nossas ações consistem em quatro pontos: pesquisa, programação, administração e desenvolvimento. Tudo é feito sob avaliação do Conselho Mundial, que avalia os projetos, define orçamentos e estabelece prioridades.” Em um tempo no qual a administração de instituições evangélicas tem sido constantemente questionada, a filial brasileira de Portas Abertas ostenta um invejável padrão de gestão. As contas sofrem rigorosa auditoria externa e quase todos os recursos arrecadados junto aos mantenedores são investidos nas atividades-fim: aquisição de bíblias, produção de literatura, apoio a cristãos perseguidos, mobilização e campanhas, entre outras. Mas para Douglas Mônaco, a cultura da prosperidade e a rejeição ao custo inerente à fé cristã prejudicam a conscientização dos crentes brasileiros acerca da realidade da perseguição. “A Igreja perseguida nos ensina a maior de todas as lições, a de que seguir a Cristo implica perseverar até o fim”, sentencia.

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intercessoras do povo de Deus, que ama a causa da Bíblia e se empenha pela divulgação da mensagem do Evangelho. Nossa história atesta que Deus tem ouvido estes clamores e guiado a Sociedade Bíblica no cumprimento de sua missão.”

A serviço da Igreja DivulgaçãoArquivo

Divulgação

Sessenta anos levando a Bíblia ao Brasil

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ma respeitável sexagenária que não abre mão da tradição e da modernidade. Assim é a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), uma das mais respeitadas entidades cristãs do país. Fundada em 1948 com a missão de distribuir a Palavra de Deus à nação brasileira, a SBB chega aos 60 anos como referência mundial na produção da Bíblia Sagrada. Durante todo este tempo, nada menos que 62 milhões de exemplares completos das Escrituras já saíram de suas gráficas – isso sem falar na quantidade incalculável de produtos de conteúdo bíblico, como porções e seleções, edições temáticas e diversificado material audiovisual. Atenta aos novos tempos, a Sociedade Bíblica também disponibiliza ao público brasileiro versões digitais da Palavra e um mix de produtos virtuais. Na SBB, o caráter empresarial caminha lado a lado com a vocação missionária. “Temos procurado estar sempre atentos às necessidades da Igreja, buscando supri-la da melhor forma possível, com os recursos disponíveis”, define o diretor executivo da instituição, Rudi Zimmer. Há quase 20 anos na SBB, ele é testemunha do comprometimento profundo entre a empresa e as igrejas. “Os evangélicos, reconhecendo quão especializado, sério e fundamental é o trabalho de manter atualizadas as traduções da Bíblia, têm confiado esta missão à nossa entidade.” Além disso, continua o dirigente, “a Sociedade Bíblica tem sido parceira constante das igrejas, apoiando campanhas em favor da disseminação da leitura e da cultura bíblica no Brasil”. Dispondo de um moderníssimo parque gráfico na Região Metropolitana de São Paulo, a Gráfica da Bíblia – maior do gênero na América Latina –, a SBB marca presença em diversos empreendimentos sociais e evangelísticos, como o programa Luz na Amazônia, que atende comunidades carentes da Região Norte do Brasil. “A SBB tem respondido da melhor forma possível às novas demandas da sociedade”, continua Zimmer. “Para isso, ela tem contado com as orações

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Os congressos para a liderança evangélica promovidos pela Sepal já são parte do calendário da Igreja brasileira

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olaborar na construção de uma Igreja saudável, que possa levar o Evangelho de Jesus Cristo ao Brasil e ao mundo todo. Este é o objetivo do ministério Servindo Pastores e Líderes (Sepal), organização de caráter evangélico estabelecida no Brasil há exatos 45 anos. Ela surgiu numa época de forte ação missionária estrangeira no Brasil – mas os tempos mudaram, e de pólo receptor a Igreja brasileira passou a fornecedora de missionários para o mundo. Ao mesmo tempo, o aumento da demanda nacional por líderes bem preparados crescia. “O foco inicial foi evangelização, mas depois de alguns anos a missão percebeu que ninguém apoiava a liderança e nem capacitava os líderes”, confirma o atual diretor da entidade, pastor Josué Campanhã. Assim, a Sepal assumiu papel de protagonista na busca pela excelência ministerial no país. O trabalho da Sepal baseia-se na atuação de seus 57 missionários. “Até sete anos atrás, eram 80% de americanos. Hoje, esta conta se inverteu – temos 80% de brasileiros”, diz Campanhã. Eles dedicam-se a ministérios como aconselhamento, pesquisa, missões, discipulado e evangelização, entre outros. Cada obreiro é responsável pelo levantamento do próprio sustento e, segundo o diretor, de cada 100 reais doados à entidade, apenas R$ 7 são destinados aos custos operacionais e administrativos. O Congresso Sepal para Pastores e Lideres, realizado todos os anos, é referência no calendário da Igreja Evangélica brasileira. O evento, assim como os encontros regionais e seminários, promove a reciclagem de pastores e estimula a cooperação interdenominacional em busca da edificação do Corpo de Cristo.

Divulgação

As instalações da Gráfica da Bíblia: há 60 anos, SBB dissemina a Palavra de Deus pela nação brasileira



PavaZine# | Sérgio Pavarini

Hora do strip-tease

“Tive que fazer quebra de maldições porque estava presa às pessoas que beijei antes de me converter. Assim como o sexo ilícito traz doenças, o beijo passa espíritos de uma pessoa para outra.” Tal testemunho está na comunidade do Orkut intitulada Beijo só no dia do casamento!. O grupo reúne mais de 2,5 mil jovens. Para essa galera cristã, beijar é proibido. A decisão radical e voluntária remete à rigidez com que o tema já era tratado nos anos 70. Alguns acampamentos inspiraram piadas em profusão ao vetar que casais de namorados cometessem o ato devasso de caminhar de mãos dadas. Nas piscinas, os guardiões da moral emulavam Jânio Quadros ao proibir biquínis. Só pensavam naquilo... Como todos os jovens! Após o diagnóstico dos primeiros casos de Aids no início da década seguinte, o discurso endureceu ainda mais. “O meu prazer agora é risco de vida”, cantava Cazuza. Católicos e evangélicos adotaram o discurso ecumênico da falibilidade da camisinha. Enquanto isso, crianças eram abusadas por padres e zilhares de moças solteiras engravidavam e precisavam “reparar o mal” por meio de casamentos marcados pela efemeridade. Alguns clérigos radicalizavam o jogo. Muitos só oficiavam casamentos de moças grávidas se usassem uma tarja negra no vestido de noiva. Os rapazes também não foram esquecidos – lembro-me até de um pastor que recomendou a um seminarista a ingestão de hormônios para aplacar os desejos sexuais.

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A preocupação em manter a juventude afastada do sexo continua na agenda da maioria das igrejas. Nos Estados Unidos, atingiu maior grau de sofisticação sob o belicismo tresloucado do governo Bush. Não importa se são soldados iraquianos ou adolescentes com os hormônios açulados; guerra é guerra. E Deus salve a América! Em 2007, o Estado americano investiu US$ 191 milhões em mais de

“Manter-se afastado dos prazeres sexuais não garante por si só a presença divina em quaisquer faixas etárias” 700 programas que preconizam a abstinência sexual. Calcula-se que, no ano passado, foram realizados mais de 1.500 “Bailes da Pureza” em todo o país. No evento, adolescentes e seus pais assumem o compromisso de zelar pela castidade. Segundo a mídia, cerca de 16% das garotas americanas já assinaram compromissos de virgindade. Ao que parece, Deus estranhamente não está na lista de convidados do rega-bofe das imaculadas. Perdidos em meio ao tiroteio entre os que têm vida sexual regular e

os xerifes da castidade, muitos jovens cristãos são confusos a respeito da virgindade, por exemplo. Não é raro que alguns casais tenham total liberdade no namoro, desde que o hímen permaneça zero quilômetro. A consumação do casamento infelizmente não resolve os problemas na área. Ao contrário – aí é que se manifestam os efeitos retardados decorrentes dos discursos policialescos e castradores ouvidos durante anos. Muitos casais nunca estão sozinhos na cama. Culpa, vergonha e medo são presenças freqüentes, destruindo a beleza desse presente sublime do Criador. Igrejas frias e camas mornas (ou o contrário) não são recomendáveis para nenhum lar cristão. Manter-se afastado dos prazeres sexuais não garante por si só a presença divina em quaisquer faixas etárias. Melhor seria investir tempo e energia na busca de intimidade com Deus. Para começar, é necessário limar toda a aura de hipocrisia em torno do assunto, como fez o pessoal do Sexxx Church. O escritor irlandês Oscar Wilde afirmou que “a maioria das pessoas apenas existe”. Passou a hora de o rebanho se despir do discurso moralista de fachada e, com os braços livres, abraçar a vida em abundância que nos foi prometida. Prazer igual não há! Sérgio Pavarini é jornalista, marqueteiro e editor da newsletter semanal Pavazine. Blog: pavablog.blogspot.com E-mail: pavarini@uol.com.br


“... a todos aqueles que estão buscando desesperadamente algo autêntico e verdadeiro... Este livro é o produto vivo de dois mestres que juntos se dispuseram a ensinar sobre espiritualidade cristã...” (Eugene Peterson)

“O meu mandamento é este: Amem-se uns aos outros como eu vos amei” (Jesus Cristo)

“O amor é fogo que arde sem se v e r, é f e r i d a q u e d ó i e n ã o s e senti” (Camões)

ESPIRITUALIDADE BÍBLICA

O AMOR QUE DESPERTA A VIDA Redescobrindo a Alegria de Viver

A Bíblia Como Fonte da Verdadeira Espiritualidade Para seu dia-a-dia R. Paul Stevens e Michael Green 14x21cm - 296 págs ISBN: 978-85-60387-18-2 | Categoria: Espiritualidade/Doutrina bíblica

Tito Oscar 14x21cm - 168 págs ISBN: 978-85-60387-28-1 | Categoria: Vida Cristã/Aconselhamento

Espiritualidade Bíblica é um livro prático e instrutivo. Explora o sentido de uma espiritualidade que tem suas raízes nas Escrituas, na grandiosa história de Deus. É baseada em princípios simples e tem por objetivo estimular uma vida de retidão - em casa, no trabalho, ou em qualquer lugar.

Este livro é para quem busca conhecer melhor a Deus e aos preceitos bíblicos sobre o que é amar. É para quem deseja um mundo mais humano, mais amigo, mais compreensível e aberto, mais disposto a trocar e não apenas receber; um mundo mais amoroso, altruísta, e menos efêmero.

CONHEÇA OS CLÁSSICOS DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ

CRISTIANISMO VERDADEIRO Discernindo a Fé Verdadeira e a Falsa William Wilberforce 14x21cm | 192 págs ISBN: 85-60387-04-8

MENTE EM CHAMAS Fé Para o Cético e Indiferente Blaise Pascal 14x21cm | 368 págs ISBN: 978-85-60387-12-0

VIDA DE ORAÇÃO Para quem Busca Conhecer Deus na Intimidade Teresa de Ávila 14x21cm | 304 págs ISBN: 978-85-60387-29-8

Editora Palavra (61) 3213-6975 atendimento@editorapalavra.com.br www.editorapalavra.com.br

UMA FÉ MAIS FORTE QUE AS EMOÇÕES Discernindo a Essência da Verdadeira Espiritualidade Jonathan Edwards 14x21cm | 264 págs ISBN: 978-85-60387-19-9


CINECULT | Nataniel Gomes

Legado de fé e liberdade

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Jornada pela liberdade narra a trajetória de um importante líder cristão britânico do século 18

William Wilberforce é um nome que os cristãos protestantes deveriam conhecer. A oportunidade para quem ainda não conhece sua vida e trajetória acaba de chegar com o lançamento, no Brasil, do DVD Jornada pela liberdade (Amazing Grace, Inglaterra, 2006). Wilberforce chegou ao Parlamento inglês no século 18, com pouco mais de 20 anos de idade. Sua agenda de trabalho estava tomada pelo desejo de acabar com o tráfico de escravos, comércio no qual a Inglaterra se destacava como líder mundial na época. Diferentemente de vários de seus colegas parlamentares, Wilberforce, não tirava proveito do cargo público para enriquecer. Ao contrário – ele passou à posteridade um sólido exemplo de integridade e luta pela igualdade, a ponto de influenciar vultos

históricos do porte do presidente americano Abraham Lincoln e do jurista brasileiro Rui Barbosa. Ao invés de refestelarse com jantares de gala, preferia convidar os pobres para comer em sua casa. Quase 200 anos antes do surgimento da noção de missão integral da Igreja, Willian Wilberforce fez de sua fé um instrumento de socorro ao próximo. O título original do filme é baseado no hino cristão Maravilhosa Graça, escrito pelo comandante de um navio negreiro convertido ao Evangelho e que foi a grande inspiração de Wilberforce na luta pelos direitos daqueles cuja voz sequer era ouvida. O papel principal é vivido pelo ator Ioan Gruffudd, de Quarteto Fantástico, e quem assina a direção do drama é Michael Apted.

Filmes que edificam A Missão Portas Abertas é uma entidade mundialmente respeitada por sua atuação em favor da liberdade religiosa. O que nem todos sabem é que a agência missionária fundada pelo célebre Irmão André, autor do best-seller O contrabandista de Deus, também já produziu filmes, e muito bons, acerca do tema da perseguição à Igreja, todos já disponíveis em DVD. Um deles é o instigante Atrás do sol, que conta a história de um jovem muçulmano que foi estudar nos Estados Unidos e acabou se convertendo ao Evangelho. Quando volta ao seu país e conta a experiência espiritual que teve à família, passa a sofrer toda sorte de perseguições. O filme tem um desfecho surpreendente, depois que o protagonista encontra socorro em uma igreja cristã.

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Bambus no inverno, dirigido por Bill Myers, é um filme emocionante que conquistou diversos prêmios. Passado na China comunista, mostra como uma jovem idealista muda o rumo de sua vida após ouvir as pregações de um evangelista itinerante. Já A noiva do Oriente narra quatro histórias que se entrecruzam: um rapaz que trabalha como analista de sistemas que viaja para o Oriente Médio, um mulçumano convertido ao cristianismo que vive todas as dificuldades de fé em um contexto radical, uma jornalista que não acredita nos discursos de perseguição aos cristãos na China e um missionário chinês que coloca sua vida em risco para anunciar o Reino de Deus àqueles que estão sedentos. Cada filme tem duração aproximada de 60 minutos. Mais informações: www.portasabertas.org.br. Nataniel dos Santos Gomes é doutor em lingüística, professor universitário e editor da Thomas Nelson Brasil



LIVROS E RESENHAS | Luciano Vergara

O sucesso do fracasso A chance de recomeçar Anselm Grün e Ramona Robben 116 páginas Verus, 2007

Eles acreditam que o fracasso abre portas para a renovação. Para o padre Anselm Grün e Ramona Robben, as derrotas da vida podem ser a oportunidade de encaminhar expectativas e energias por uma via diferente. Falando em termos de cura e recuperação, os autores apostam que o desafio é superar a tentação de desistir. Como não ceder ao trauma e à suspeita provocada por um casamento mal sucedido? De que maneira se pode reagir se a sensação de incompetência ou inabilidade na esfera profissional força a desistência diante do insucesso? Desistir, afinal, significa criar novas alternativas ou, ao contrário, apenas limita as oportunidades de prosseguir? Dentre as causas do fracasso, o livro aponta também para o assédio espiritual, que se configura numa forma de abuso – e, como tal, pode provocar exaustão e apatia. Saber como lidar com as derrotas e tentar recomeçar pode nos mudar para melhor. Grün e Robben têm uma receita que inclui aceitar o fracasso como um ponto de partida, em vez de enxergá-lo como linha de chegada.

Parâmetros discutíveis Construindo um ministério feminino eficaz Sharon Jaynes 409 páginas CPAD, 2007

Na história do Cristianismo, as mulheres têm desempenhado um importantíssimo papel no serviço religioso e comunitário. Apesar disso, quem geralmente recebe o reconhecimento pelos serviços prestados ao Reino de Deus são eles, os

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homens, enquanto às mulheres são reservados, historicamente, papéis subalternos. Só que o ministério feminino merece atenção cuidadosa da Igreja como um todo. Sharon Jaynes é uma destacada referência no movimento de mulheres cristãs norte-americanas, através dos Ministérios Provérbios 31. Construindo um ministério feminino eficaz, seu livro lançado pela CPAD no Brasil, pode ser um parâmetro inspirador para sociedades e ministérios de mulheres por aqui. Mas vale lembrar que o ambiente da autora é outro, algo que ela mesma insinua no prefácio. Por isso, a obra reproduz o conceito norte-americano de elaborar manuais de sucesso – e lá, quem tem sucesso faz palestra, vira estrela de seminários e dá consultoria. Lights on! A produção editorial reforça, desde a capa, a impressão de vender um nome.

Manual de obviedades O DNA dos relacionamentos Gary Smalley 254 páginas Hagnos, 2007

“Projetado para relacionamentos satisfatórios” é o modelo de pessoa bem-sucedida que o livro O DNA dos relacionamentos oferece a seus leitores. A equipe liderada por um festejado consultor relacional co-assina um manual tão estruturado que, além da recorrente fórmula “passos para o sucesso” tão comum na literatura made in USA, sugere que trata-se mesmo de mais um curso de relações humanas – que, de tão óbvio, foi para o prelo porque já não emplaca como palestra. Ainda mais com a estampa de autor campeão de vendas, com mais de 14 milhões de produtos vendidos. Mas alguém compra mesmo por causa de cifras de vendagem? Talvez sim, talvez não. Em todo caso, esse número magnífico atesta, ao menos, que há muita gente sofrendo de relações complicadas, inclusive dentro da Igreja. Luciano Vergara é jornalista, professor do Seminário Teológico Betel, no Rio de Janeiro, e pastor metodista



Mônica Rodrigues

ENTREVISTA

Sérgio Pavarini

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“Tenho mágoa”

Ricardo Gondim revela-se ferido por quem o acusa de heresia, mas reafirma fé bíblica e diz que continua encantado pelo Evangelho

Fim de culto na Betesda. A igreja ocupa um imenso galpão na zona sul de São Paulo. Ricardo Gondim chama um dos pastores para fazer a oração final e deixa a plataforma a passos rápidos enquanto a congregação está de olhos fechados. No entanto, em vez da saída à francesa, ele opta pela “versão Ceará”, postando-se à porta do templo para cumprimentar as pessoas. Tudo como manda o mais autêntico figurino presbiteriano. Posa para fotos, autografa livros e distribui sorrisos e abraços para aos que se comprimem à sua volta. Para desapontamento de inúmeros desafetos, o escritor e pastor parece revestido de uma espécie de couraça contra os rótulos que lhe são atirados com freqüência. “Arrogante”, “herege”, “polêmico” e “mundano” são apenas alguns, digamos, publicáveis. Após receber muitos protestos sobre as supostas heresias defendidas por seu articulista, a revista evangélica Ultimato se pronunciou no ano passado (edição 308) usando dois adjetivos sobre os textos de Gondim: “Apreciados” e “saudáveis”. Um rápido exame nas dezenas de textos de seu visitadíssimo site já é suficiente para identificar algumas preferências pouco (ou nada) ortodoxas para um líder pen-

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tecostal. De Vinicius de Moraes a Lenine, a lista para lá de eclética inclui nomes como Almodóvar, Rubem Alves e Simone Weil. Com o fôlego de quem correu onze maratonas e dezesseis vezes a São Silvestre, Gondim revela que a corrida funciona como espécie de exorcismo para ele e para os amigos que o acompanham. “Após vários quilômetros percorridos, costumamos dizer que suamos vários demônios”, graceja. Ao receber CRISTIANISMO HOJE, cercado de livros numa filial da Livraria Cultura – templo-mor das letras na capital paulista –, Ricardo Gondim olhou na janela para o prédio da TV Globo e perguntou se Kixapágua (entidade que atua por trás da Vênus Platinada, segundo o apóstolo da Igreja Renascer, Estevam Hernandes) não iria atrapalhar o papo. Das risadas iniciais à emoção ao tocar em dores ainda sensíveis, o pastor falou sobre muitas coisas, inclusive de suas mágoas. CRISTIANISMO HOJE – Agora em maio, duas grandes catástrofes – o ciclone em Mianmar e o terremoto na China – assustaram o mundo e novamente levaram os crentes a pensar sobre as razões do sofrimento hu-


mano. Como o senhor, que na época do tsunami ocorrido na mesma Ásia em 2004 causou polêmica com um artigo sobre as tragédias, analisa a questão do sofrimento humano diante da existência de um Deus que se apresenta ao homem como pleno de amor? RICARDO GONDIM – Discordo da explicação fundamentalista de que “todas as tragédias são provocadas pelo pecado original”. É um simplismo cruel e inútil. Como escrevi inúmeras vezes, não consigo acreditar numa divindade que tudo ordena e orquestra. Em Os irmãos Karamazov, de Dostoievski, Ivan diz num certo momento: “Há uma coisa no Universo que clama: o choro de uma criança”. O Deus da Bíblia não é sádico de provocar a morte de milhares de vidas. Exatamente pelo fato de Deus ser amor, ele possibilita a felicidade e a infelicidade. Nossas escolhas, decisões e articulações sociais interferem nos resultados. Ao mesmo tempo, a vida é trágica e feliz. Deus é sempre parceiro do homem nessa busca de tornar a vida mais intensa e prazerosa. Como afirma André Comte-Sponville, “somos os únicos seres do Universo que podem humanizar ou desumanizar”. Na época do tsunami, teólogos se insurgiram contra alguns de seus textos, desfiando uma série de argumentos. Hoje, o senhor é mestrando em ciências da religião na Universidade Metodista. É importante estudar teologia? Depende de como você entende a teologia. Deus não pode ser dissecado. Como disse Paul Tillich, “Deus está além de Deus”. Entendo teologia como o estudo e a maneira como organizamos nossa vida a partir da compreensão que temos de Deus, ou, lembrando Rudolf Otto, do nosso “encontro com o sagrado”. Mesmo entre as pessoas que não professam nenhuma religião, a sucessão de fatos trágicos e de episódios de crueldade humana explícita, como o assassinato da menina Isabella Nardoni, sugerem que algo muito grave e de contornos ainda indefinidos esteja acontecendo. O atual recrudescimento da brutalidade humana aponta a proximidade dos eventos escatológicos bíblicos ou são apenas novas expressões de um quadro que sempre houve? Todos esses fatos recentes são apenas expressões de algo que sempre aconteceu. Repare que, ao longo da história, foram comuns perseguições contra judeus, hereges, escravos... A própria Reforma Protestante foi um episódio violento. Em Casa grande & senzala, Gilberto Freyre discorre sobre o que algumas senhoras faziam por ciúme da

“A explicação fundamentalista de que todas as tragédias são provocadas pelo pecado original é de um simplismo cruel e inútil” beleza das escravas. Quebravam-lhe os dentes com chutes ou mandavam-lhes cortar os peitos. De certa maneira, creio que o que aumentou foi o nível de intolerância social à brutalidade – por isso a comoção e a revolta provocadas por esses episódios. Quando foi a última vez que o senhor chorou? Na semana passada, durante reportagem na TV sobre o terremoto da China. Depois de quatro dias, conseguiram resgatar uma criança com vida. Um pai tentou invadir a ambulância ao imaginar que era seu filho. Chorei ao ver o desespero daquele homem. Quais são as principais diferenças entre o Ricardo Gondim de hoje e aquele que começou o ministério há três décadas? Eu era um homem com um idealismo ingênuo. Não sabia diferenciar ilusão e encantamento. Ilusão é baseada em fantasias; já o encantamento nasce da observação da realidade. Continuo encantado com o Evangelho, com “E” maiúsculo. Então, quem é Ricardo Gondim? Um homem introspectivo e nostálgico. Gosto de ambientes intimistas e tenho profunda necessidade de estabelecer relacionamentos significativos, sem trocas ou quaisquer tipos de interesses. Nos últimos cinco anos, o senhor tem se notabilizado como um crítico do segmento evangélico. Iniciativas como o blog Outro Deus e a maciça produção de textos nesta linha têm marcado seu ministério. Até que ponto isto se confronta ou complementa sua atuação pastoral? Comecei a escrever pelo fascínio da própria literatura, cuja excelência intrínseca é maior que a da oralidade. Esse exercício adensa pensamentos e complementa idéias que surgiram nas mensagens. Todas as semanas posto textos

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ENTREVISTA

inéditos e meu site recebe cerca de 1.400 visitantes por dia e mais de 1,5 mil e-mails por mês. Em seus pronunciamentos recentes, o senhor revela a vontade de afastar-se de tudo e chega a sugerir que as pessoas não compareçam sequer aos eventos que promove. No entanto, o senhor continua participando e promovendo eventos destinados ao público evangélico e permanece na direção da Betesda – uma igreja com corte social de classe média urbana, presença na mídia e atuação institucionalizada, como tantas outras denominações cuja existência legitimam suas críticas. Não é um paradoxo? É preciso definir os acampamentos. Há um movimento evangélico que mostra ter exaurido as forças. Alguns sinais dessa exaustão são a falência ética e as campanhas constantes para trazer pessoas à igreja. Para mim, agenda cheia demonstra fraqueza. Para fidelizar o público, há gente buscando atrações cada vez mais fantásticas. No caso da Betesda, é explícita a posição de não repetir modelos falidos e teologias engessadas da década de quarenta. O que faço hoje são eventos voltados para a própria igreja. Recentemente, decidi suspender o Congresso de Reflexão e Espiritualidade, voltado basicamente para pastores, que acontece há vários anos. E não compactuo com nenhum messianismo do tipo “impactar a nação por meio de eventos”. Falar de gigantismo e inchaço da Igreja brasileira tornou-se atitude recorrente nos últimos 20 anos, período no qual a população evangélica do país quase triplicou. Quais são, na sua opinião, os efeitos de tal avanço? Existem premissas equivocadas na tradição evangélica e na práxis desta Igreja? Alguns efeitos são perigosíssimos. A Igreja passou a ser vista como outra força, entrando na disputa de poder. O crescimento acentuado enfraqueceu o zelo pelo conteúdo da mensagem. Isso promoveu sentimentos de ufanismo e triunfalismo desmedidos. Mas não ocorreu avivamento. O que aconteceu foi uma confluência de fatores sociológicos que explicam o crescimento do rebanho. Não é necessário enfatizar princípios espirituais para explicar o aumento do número de evangélicos. O movimento da Igreja emergente, que tem ganhado força nos EUA, começa a influenciar lide-

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ranças no Brasil. Qual é o seu posicionamento acerca dele? Depois de muitos anos de crescimento do fundamentalismo, nomes como Brian McLaren, Rob Bell e o próprio Phillip Yancey representam um certo ar fresco na ambiência evangélica dos Estados Unidos. Ainda assim, vejo o movimento como algo norte-americano, sem diálogo com outras tradições cristãs ao redor do mundo. A dinâmica dos grupos pequenos cresce no contexto do Evangelho urbano. Eles vão representar necessariamente a extinção das grandes igrejas? O futuro mais lúcido da Igreja Evangélica está nos pequenos grupos. As instituições não vão acabar; porém, não serão solo fértil para as grandes inovações. Enquanto as grandes igrejas repetem clichês, pessoas reunidas em grupos menores vão experimentar o enriquecimento da alma. Quais foram os motivos da recente divisão ocorrida na Igreja Betesda, cujo núcleo em Fortaleza, no Ceará, desligou-se da sede em São Paulo? Não houve desligamento de São Paulo. O que aconteceu foi uma divisão dentro da Betesda de Fortaleza. Um grupo alegou que minhas propostas teológicas eram “incompatíveis”. No entanto, na realidade tratava-se apenas de disputa interna de poder. Na época, a igreja perdeu alguns líderes e cerca de 40% dos membros. Igrejas pentecostais como a Assembléia de Deus, à qual o senhor foi ligado, foram durante muito tempo estigmatizadas devido ao perfil de sua membresia, prioritariamente formada por pessoas dos estratos sociais mais populares. De acordo com sua observação, essa visão ainda persiste?

“Há um movimento evangélico cuja exaustão é mostrada pela falência ética e pelas campanhas constantes para trazer pessoas à igreja”


Um dos fenômenos comprovados em relação aos pentecostais foi a ascensão social do segmento. Obviamente, isso trouxe benefícios e problemas. A produção teológica e literária é um fator positivo. Por outro lado, muitas pessoas passaram a se comportar como os demais estratos da população, supervalorizando o status e outros sinais de riqueza. Daí para a teologia da prosperidade pregada pelos neopentecostais a distância foi curta. “Ao tentar transformar-se em ciência, a teologia só conseguiu produzir uma caricatura do discurso racional, porque essas verdades não se prestam à demonstração científica.” As palavras são de Karen Armstrong, autora do livro Em nome de Deus – O fundamentalismo no Judaísmo, no Cristianismo e no Islamismo. Qual a face mais aguda do fundamentalismo no Cristianismo de hoje? O fundamentalismo confunde fé com aceitação de conceitos doutrinários. Seus defensores acreditam numa verdade que pode ser totalmente abraçada a partir de certas lógicas. Crêem chegar a uma verdade plena, fechando-se ao diálogo. Quem são, hoje, as lideranças e pensadores que influenciam sua atuação ministerial? Além da ala “emergente” (Bell, McLaren), tenho lido autores católicos latino-americanos, como Juan Luis Segundo. Gosto bastante também das obras do espanhol Andrés Torres Queiruga, além de teólogos judeus como Jonathan Sacks e Abraham Heschel. Ideologicamente, como o senhor se define? Sou um pensador independente, de esquerda. Não acredito no neoliberalismo capitalista. Ele produz os excluídos. O Evangelho defende os pobres e os marginalizados. O senhor é um autor bastante apreciado pelos crentes brasileiros. Qual sua opinião sobre a literatura evangélica em nosso país? A produção literária evangélica é deficiente. A razão é o freio dogmático que gera pessoas mais preocupadas com a defesa da fé do que em produzir literatura. Quais os autores que mais o influenciam? Entre vários escritores que fazem parte da minha vida, posso citar José Lins do Rego, Machado de Assis, Thomas Mann e Victor Hugo. O clássico Os miseráveis é uma das minhas obras favoritas.

“O crescimento acentuado da Igreja Evangélica promoveu ufanismo e triunfalismo desmedidos. Mas não ocorreu avivamento”

Lançado em 1998, É proibido (Mundo Cristão) é um de seus livros mais vendidos. Dez anos depois dele, o que a Bíblia permite e a Igreja ainda proíbe? A Igreja brasileira ainda não soube, por exemplo, lidar com a questão do álcool. Os conceitos lembrados remetem à Lei Seca dos Estados Unidos. Portugal já resolveu essa questão de forma equilibrada há muito tempo e ninguém fica escandalizado ao ver um cristão tomar vinho. E a relação do povo evangélico com a arte, por exemplo? É esquizofrênica e mal-resolvida. Dicotomizaram as manifestações artísticas em “sacra” e “profana” – mas não fazemos essa mesma distinção na hora de ler um texto. Em resultado disso, os cristãos sofrem empobrecimento generalizado na hora de saborear e desfrutar da vida. As expressões mais belas de uma geração estão em sua produção artística. No ano passado, a Editora Ultimato publicou Eu creio, mas tenho dúvidas, obra que traz vários de seus artigos. Quais são suas principais dúvidas e inquietações? Reflito com freqüência sobre a banalidade da vida. Basicamente, essas reflexões são ressonâncias do livro de Eclesiastes: nem sempre o justo prevalece, nem sempre o forte vence, nem sempre a vida faz sentido... Em mensagem pregada recentemente, o senhor afirmou que às vezes lhe vêm à mente pessoas que o machucaram, e confessou ter mágoa de algumas delas. Como é esse sentimento? Tenho mágoa de pessoas que lidaram comigo a partir de rótulos e preconceitos. Tenho mágoa de pessoas que foram intelectualmente desonestas comigo, tentando desconstruir meus textos sem sequer ler as referências. Tenho mágoa de pessoas que me chamaram de “herege” e “apóstata”, uma verdadeira perversidade de gente que não conhecia toda a extensão das questões em debate. (Colaborou: Carlos Fernandes)

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SONS DO CORAÇÃO | Nelson Bomilcar

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Pela estrada

Expresso Luz comemora os 20 anos de seu primeiro álbum com lançamento de CD e DVD

Quando surgiu, nos anos 1980, o Expresso Luz era apenas mais uma experimentação característica de um tempo de grandes transformações no segmento musical evangélico. Criado por iniciativa de Carlinhos Veiga, o grupo nasceu no contexto da Mocidade para Cristo (MPC) com a proposta de anunciar o Evangelho com talento e criatividade, trazendo para a juventude e a Igreja a cultura brasileira e latina como marcas de seu trabalho, sempre atual e contextualizado. Pois bem, o tempo passou, os integrantes foram mudando, mas o Expresso manteve a qualidade, baseada nas harmonizações vocais com influências da música popular brasileira – particularmente, de grupos

E o Crombie chegou Paulo Nazareth (voz e violão), Felipe Vellozo (baixo e voz), Felipe Costa (guitarra), Gabriel Luz (voz e violão) e Leonardo Pinto e Lucas Magno (percussão) juntaram-se para dar vida ao Crombie, grupo que tem feito um som inusitado e criativo. Sua poesia, performance e música inteligente já chamam a atenção da crítica, que enxerga no trabalho dos rapazes a boa herança de Los Hermanos, Marisa Monte e o som manso de Ben Harper. Ligado á Igreja Presbiteriana Betânia, de Niterói (RJ), o Crombie acaba de lançar Por enquanto, través da musica e letras com linguagem simples sobre cotidiano e natureza, experiência com Jesus e amizade (Contatos: oscrombie@gmail.com).

Vida, fé e mística O que têm em comum pais da Igreja e patriarcas como Agostinho, Irineu de Lião, Francisco de Assis, Anselmo, Teresa de Ávila ou Thomas Merton? Muito, por certo – e também a presença no livro-CD Somos um, publicado pela Editora Grapho. Jorge Camargo, músico e poeta cristão, mais uma vez surpreende e convida o leitor e ouvinte a passear na obra de personagens da história da espiritualidade humana, relacionando tudo com sua experiência pessoal recente.

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seculares contemporâneos, como Boca Livre e 14 BIS. Agora, eles comemoram as duas décadas do lançamento do primeiro de seus sete álbuns, Expresso Luz, de 1988. E o fazem em grande estilo, com o lançamento de Expresso Luz ao vivo – 20 anos. Gravado em Goiânia, o CD e DVD é um documentário-memória que precisa ser conhecido pela nova geração. É bom ver que a amizade e a fé em Jesus tem sido um elo forte de contínua inspiração para o pessoal do Expresso Luz (Informações: www.vpc.com.br). Jorge tem percepções e reflexões que poucos artistas fazem, enfatizando a importância de se reencontrar fragilidades e virtudes, o valor do próximo e a realidade do Deus que se revela. Profundo e inspirador, Somos um tem produção musical e arranjos assinados por César Elbert (www.jorgecamargo.com.br).

Som do cerrado Carlinhos Veiga, músico, compositor e pastor, é um dos protagonistas do Som do Céu, evento realizado em Belo Horizonte (MG). Ele trabalhou muitos anos com o Expresso Luz, atuando na evangelização da juventude brasileira através do ministério da MPC. Sua trajetória musical é das mais relevantes e coerentes na história da música cristã nacional. Carlinhos não se restringe ao eixo das grandes capitais e marca presença, também, nos espaços culturais da região centro-oeste do Brasil – principalmente, em Brasília e Goiânia. Flor do cerrado, seu novo e belo CD, traz a sonoridade marcante de sua viola, emprestando às composições um clima de muita sensibilidade e convidando o ouvinte à admiração de toda a Criação do Senhor (www.carlinhosveiga.com.br). Nelson Bomilcar é músico, compositor, produtor, escritor e pastor. Trabalha com o Instituto Ser Adorador (www.seradorador.com.br) e apresenta o programa de música cristã Sons do coração, pela rádio Transmundial. Toca com a Confraria das Artes pelo Brasil. E-mail: nmbomilcar@uol.com.br



John Evans

OS OUTROS SEIS DIAS | Carlo Carrenho

A caridade segundo João Batista e Nelson Cavaquinho

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Certa vez, li o relato de uma norte-americana em visita a um país africano. Ela foi recebida no aeroporto por uma conterrânea, mulher de alto diplomata do governo dos Estados Unidos ali. No trajeto para casa, várias pessoas se aproximavam do carro, nos semáforos, pedindo dinheiro. Em determinado momento, a turista não resistiu – abaixou o vidro e entregou alguns trocados aos pedintes. Sua amiga a reprimiu: “Assim você só aumenta o problema, incentivando que peçam mais esmolas.” A visitante, perspicaz, despachou: “Se não consigo ser parte da solução, prefiro fazer parte do problema”. Lembrei disto quando, no fim de abril, Claudio Ricci, prefeito da cidade italiana de Assis, proibiu a mendicância nos arredores das igrejas, praças e prédios públicos sob o pretexto de “preservar o caráter sagrado do local”. O que torna a história surreal é o fato de a cidade ser berço de São Francisco de Assis, devoto aos pobres e fundador da Ordem dos Franciscanos. Ou seja, parece que nem na “cidade dos pobres”, os pobres podem ser pobres ou, no limite, existir. Mas e nós cristãos, como devemos encarar os mendigos e as pessoas que nos pedem esmolas diariamente nas ruas e semáforos do Brasil? É certo dar dinheiro, nem que seja apenas para aliviar a culpa? Ou devemos apelar ao racionalismo de nossas mentes para aplacar nossos sentimentos mais naturais e justificar uma atitude aparentemente egoísta? Quando João Batista disse que o que tem duas túnicas

“É certo dar esmolas, ainda que para aliviar a culpa, ou devemos apelar ao racionalismo para justificar atitudes aparentemente egoístas?” 62 | CRISTIANISMO HOJE

deveria reparti-las com quem não tem nenhuma, conforme o texto de Lucas 3.11, não discutiu se o favorecido deve merecer ou não a ajuda. No caso, o simples fato de alguém ter mais que outro já é determinante para ajudá-lo. Dentro desta linha, nada me irrita tanto quanto o argumento de que os pedintes são vagabundos que não querem trabalhar. Ou alguém realmente acha que ficar o dia inteiro numa esquina, sob sol e chuva, é mais agradável que passar oito horas em um escritório com ar condicionado e cafezinho? E não foi só João Batista que defendeu os pobres. Dois mil anos depois, já no século 20, o músico carioca Nelson Cavaquinho comporia, em parceria com Hermínio do Vale, o samba Caridade, cuja letra dispensa explicações: Não sei negar esmola a quem implora a caridade Me compadeço sempre de quem tem necessidade Embora algum dia eu receba ingratidão não deixarei de socorrer a quem pedir o pão Eu nunca soube evitar de praticar o bem porque eu posso precisar também Sei que a maior herança que eu tenho na vida é meu coração, amigo dos aflitos Sei que não perco nada em pensar assim porque amanhã não sei o que será de mim... Nelson Cavaquinho era pobre. Aos 16 anos, trabalhava como pedreiro e só pôde aprender a tocar porque um amigo lhe emprestava o instrumento que o consagraria. E se este amigo lhe tivesse negado a segunda túnica? Carlo Carrenho nem sempre ajuda a quem precisa. Até hoje. A partir da publicação deste artigo, compromete-se publicamente a ter sempre um ou dois reais na carteira para ajudar quem pede – sem restrições


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Delas é o Reino

A morte brutal da menina Isabella Nardoni, crime que adquiriu contornos de comoção nacional, foi apenas mais um episódio de uma chaga quase cultural no Brasil: a violência contra crianças e adolescentes. Dos maus-tratos à tortura, da negligência ao assassinato, cada vez mais meninos e meninas são vitimadas – e isso independe de origem social, étnica ou religiosa. Entre as diversas formas de violência praticadas contra menores, o abuso sexual é, tristemente, uma das mais comuns. Ela pode ocorrer nas ruas contra crianças abandonadas; dentro das próprias famílias; ou no crime organizado, para fins comerciais. Seja qual for a forma, as crianças e adolescentes submetidas a este tipo de violência sofrem danos irreparáveis para o seu desenvolvimento físico, psíquico, social e moral. As vítimas são garotos e garotas que tiveram suas infâncias roubadas, viram seus sonhos perdidos e passam a enxergar o futuro sem perspectivas. Lembro da frase que ouvi de uma criança de 11 anos: “Transei com um gringo, recebi o dinheiro e fui comprar brinquedos”. Uma criança com atividade de adulto, mas com corpo e cabeça ainda infantis. Qual será o futuro dessa menina? E de tantas outras vitimadas pelo abuso e exploração sexual no Brasil? O relato da menina F. G., de sete anos, contando o que o padrasto fazia com ela, traduz essa perversidade: “Ele dizia que eu não podia falar nada, senão iria apanhar. Todos os dias ele namorava comigo, quando minha tia ia trabalhar”. Tão grave quanto a violência é o muro de silêncio que cerca situações como essa, erigido pela indiferença da sociedade e pela cultura da impunidade dos agressores. Tais constatações nos trazem profundo pesar e indignação; mas, ao mesmo tempo, o desejo de despertar e mobilizar sentinelas comprometidas a combater toda forma de violência contra a vida de adolescentes e crianças inocentes. Precisamos, como seguidores de Jesus Cristo, amar as crianças e protegê-las. Elas devem ter acesso e direito aos símbolos religiosos, que intencionam comunicar à

sociedade o livre direito de cidadania celestial. Acolher e respeitar a criança nos ambientes religiosos constitui-se num belo testemunho e exemplo para a sociedade. Precisamos propiciar às nossas crianças espaços coletivos de lazer e educação, ambientes comunitários onde, sob os olhares de muitos, nossas crianças sejam mais percebidas como atores da revelação de Deus e não como objetos dos desejos desumanos e interesses comerciais. A Igreja, principalmente, não pode manter-se indiferente a um problema tão grave. A infância violentada afronta a vida e encobre a possibilidade de acolhermos a revelação de Deus através dos pequenos. Jesus disse: “Quem recebe uma criança a mim me recebe; e quem me recebe, recebe o Pai que me enviou”. As crianças são prioritárias no Reino de Deus, conforme o próprio Cristo afirmou: “Delas é o Reino dos céus.” Além de agir diretamente em seu socorro, a Igreja e seus agentes precisam acionar os mecanismos legais de responsabilização – a família, a escola e o Estado. A atitude de proteção e cuidado com as nossas crianças é muito mais do que emitir significativos gestos de amor e justiça pelos pequenos filhos do Reino. Trata-se, antes de tudo, de uma questão de compromisso com o Deus eterno, o Pai criador e protetor de todas as crianças. Faça da sua igreja uma comunidade em que o bem suplanta e vence toda forma de mal e violência. Quantas Isabellas estão sendo vítimas, neste exato momento, de atrocidades no Brasil? E quantas não serão sequer mencionadas, por pertencerem às classes baixas, condenadas ao esquecimento e à indiferença? Se somos filhos e filhas do Reino de Deus, proteger e servir a toda e qualquer criança é servir aos filhos e filhas deste mesmo Reino. Se fizermos isso, estaremos resgatando parte importante do todo, dessa criança-humanidade amada pelo Senhor.

“Precisamos, como seguidores de Jesus Cristo, amar as crianças e protegê-las”

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Carlos Queiroz é professor, escritor e diretor-executivo da Visão Mundial Brasil. Pastoreia a Igreja de Cristo em Fortaleza (CE)




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