Cultura nas mãos

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projetos com mais de uma área artística). Provou-se ainda que estes segmentos apresentam uma grande diversidade em si mesmos e que poderiam diversificar ainda as formas de comunicação entre eles e as mídias regionais e que representavam esta imensurável parcela da produção cultural pouco reconhecida e não identificada.

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Estar à margem dos sistemas de comunicação convencionais não compreende estar inativo. Apenas não é conferida a esta suposta marginalidade a presença na mídia convencional, o reconhecimento da cultura produzida por ela. A cultura de massas, no entanto, sempre se alimentou dos modelos e formas de expressão lá existentes. Quando Microprojetos Mais Cultura disponibilizou recursos dirigidos a estas populações, estabeleceu a conexão entre uma extensa camada social e a instituição pública, passou a identificar e revalorizar as tradições e experiências lá existentes, disponibilizou canais de interrelacionamento, reconheceu seu papel como protagonista na economia da cultura, possibilitou sua reafirmação e alteridade, estimulou seu desempenho como força produtiva e realimentou seu processo criativo. Essas populações estavam à margem dos grandes projetos de financiamento, que envolviam grandes investimentos, que assimilavam apenas produtores profissionalizados, artistas de renome, empresas e grupos com acesso disponível nas instituições e empresas privadas. Não havia, até então, estímulos financeiros para projetos de baixo custo, mas fundamentais para a sobrevivência dessa maior parte de nossa identidade e versatilidade cultural. Foi possível provar que um

documentário pudesse ser realizado, que uma banda de música pudesse adquirir instrumentos, que oficinas de arte-educação pudessem ser implantadas, que era possível editar livros e CDs independentes, resgatar e estimular culturas e manifestações étnicas e tradicionais, resultando em uma infinidade de ações de conteúdo, afirmação e sobrevivência cultural. Ao incluir o semiárido em um programa com esta dimensão confere-se a ele ainda o reconhecimento de ter sido, em toda a nossa história, a região que mais esteve presente em nosso desenvolvimento econômico e social. Sua contribuição para produção cultural brasileira tem sido essencial na construção do país, de suas grandes cidades, de sua produção agrícola e industrial. A mão de obra e a criatividade que migraram de lá para todos os cantos do país se entranharam e foram fundamentais na cultura da argamassa, fertilizante da tradição e da contemporaneidade. As migrações ocorreram por fatores climáticos e de sobrevivência, presentes nesta região mais pobre e discriminada, estigmatizada nas regiões industrializadas ao ser representada pela miséria e a caveira de boi, a caatinga seca e espinhenta, a fisionomia esquálida e mestiça, o sertão rústico, rude e áspero. O que foi traduzido como resistência, tem se revertido em fator de integração, interação, interlocução e potencial transfor mador, presentes na realidade fértil e contraditória de sua natureza multicultural, onde tradição popular e tecnologia virtual coexistem hoje no mesmo território.


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