Revista do Administrador Profissional

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Estilo

por Luiz Gallo

Não saia de casa sem ele A dependência do celular é tanta que chega a criar laços afetivos

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ompletamente integrado ao cotidiano das pessoas, o celular nem de longe lembra o aparelho robusto, pesado e cinza-claro que existia há pouco mais de uma década. Hoje, ao bater a marca de 191,4 milhões de unidades e de constituir-se no utensílio mais vendido no País – número próximo da população, estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 192 milhões de habitantes–, tornou-se um objeto atraente, acessível, com cores e modelos variados. E, ao abrigar uma infinidade de recursos, ficou mais parecido com um computador de bolso do que com uma “máquina que fala”, sua função básica. Mesmo assim, a maioria ainda o utiliza apenas como telefone. “É uma massa muito grande, que tem necessidade de marca, de consumo e de determinadas fun-

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cionalidades, mas não sabe como tirar proveito disso. Ainda não o descobriu como ferramenta de inclusão social”, explica a administradora e ex-conselheira do CRA-SP Valéria Guerra, sócia da M2U Solutions, consultoria para desenvolvimento de soluções móveis, ao classificar esses usuários de offline (desconectado). “Existe também uma ala mais jovem, que já nasceu online. Tem como característica ficar o tempo todo “ligado”, usam e abusam das redes sociais e movimentam com mais ação os e-mails e o SMS (torpedo)”, esclareceu. Pioneiro no trabalho com Internet no Brasil e fundador da Hipermedia, uma das principais agências de comunicação digital do País, Luli Radfahrer afirma que as pessoas precisam se despir do preconceito de que o celular é uma ferramenta difícil de

ser manipulada. “É uma realidade típica das pessoas resistentes à tecnologia e, nesse caso, a idade e a profissão quase não fazem diferença. Um dentista, por exemplo, teoricamente tem a necessidade de acessar poucos recursos tecnológicos, mas se souber tirar proveito de um banco com dados de seus pacientes poderá tornar sua atividade profissional mais proveitosa”, ressalta. Mesmo tendo ciência de que a tecnologia é um caminho sem volta, há ainda os que questionam se a renovação constante é necessária, baseada no argumento de que incentiva o consumo “desnecessário”. Indagações à

parte, a verdade é que “conta-se nos dedos” os que querem ficar de fora das inovações, quase que diárias. “Hoje é praticamente impossível sair de casa sem o celular. A dependência é tanta que acabamos criando um laço de vínculo afetivo. Além de tornar as pessoas acessíveis a qualquer hora e local, faz pagamentos, diz quais são os compromissos, lembra dos aniversários dos amigos, monitora as pessoas nas redes sociais”, enfatiza Valéria. Essa incorporação ao cotidiano, explica o antropólogo Jonatas Dornelles, analista chefe da eCMetrics, consultoria em pesquisa e mídia social, funciona como

uma “prótese” que potencializa a capacidade humana de comunicação. “Somos como ciborgues, dos filmes de ficção. Não vejo muita diferença entre carregar o celular no bolso ou tê-lo instalado no organismo”, justifica. No entanto, ressalta que fisiologicamente o homem não precisa dele para viver, mas por ser dotado também de cultura, crenças e valores, fica difícil dizer o contrário. Para reforçar a afirmação, cita uma pesquisa com 882 internautas participantes da comunidade Meu eCGlobal, voltada para o debate e a troca de informações entre consumidores sobre produtos e serviços, que apontou que o percentual dos que não viveriam sem o aparelho chega a 60%. “Esse número pode variar de acordo com o perfil sócio-econômico e cultural dos envolvidos, bem como entre os jovens que o utilizam essencialmente com a finalidade societária”, acrescenta. Um fato, no entanto, é incontesti. Os aplicativos inseridos nos celulares nem sempre são utilizados em sua totalidade. Pior: a maioria dos usuários não sabe para que servem. Mesmo assim, não hesita em adquirir os novos modelos. O que explica o fenômeno, de acordo com Dornelles, é que as pessoas são levadas a

trocar de aparelho por motivações práticas ou simbólicas. Ele diz que ter uma função no celular, mesmo sem saber como funciona, representa em alguns casos a ostentação de um produto de última geração e atual, que identifica seu proprietário da mesma forma perante sua rede de relacionamentos, que está apta a reconhecer esse novo produto. “Não podemos esquecer que esse fator societário e de status de um produto passa, necessariamente, pelo reconhecimento do grupo. Não adianta, por exemplo, ostentar um Rolex se meus amigos não reconhecem esse relógio”, enfatiza Dornelles.

Elemento simbólico

“Desprezar” parte das maravilhas oferecidas pelos celulares não significa a formação de uma “cultura de desperdício”. Radfaher cita que, ao contrário de um jornal diário, no qual as informações se perdem caso não sejam lidas, no celular, todo o conteúdo é digital, continua ali para ser consultado a qualquer momento. Nessa mesma linha, Dornelles compara as funcionalidades “adormecidas” a um automóvel projetado para andar a 200 km por hora, apesar de as estradas brasileiras não comportarem essa velocidade e de fazer limitações bem abaixo.

“A maioria ainda não o descobriu como ferramenta de inclusão social” Adm. Valéria Guerra, sócia da consultoria M2U Solutions 29


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