Sustentação 26 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

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Ilustração> Telma Patricia Abreu Machado (Portugal) . telma_machado1@hotmail.com

Saúde Ambiental exige lucidez e ousadia A decisão do COSSEMS do Ceará de colocar no centro dos debates de seu X Congresso a Saúde Ambiental, certamente será saldada como um direcionamento lúcido e ousado, especialmente pelos que nos envolvemos no processo da I Conferência Nacional de Saúde Ambiental – I CNSA, ao longo de 2009. Lucidez porque reconhece a relevância da questão ambiental hoje: para além dos “ecochatos”, ou de cientistas minoritários que desde o século passado levantavam estas bandeiras, agora, os problemas estão fervilhando nas agendas de governança mundial, ocupam lugar central em campanhas eleitorais e os meios de comunicação evidenciam sua presença em nosso cotidiano. Lucidez porque vai abrir espaço para se desocultar o enorme impacto das transformações ambientais na saúde-doença humana (e dos ecossistemas dos quais dependemos) e, conseqüentemente, seu impacto também sobre as demandas de saúde da população, sobre os custos das ações no SUS... Para dar chão ao debate, vamos poder ver aquilo que a OPAS (2000) chama de “perigos tradicionais”, como a falta de acesso à água potável, saneamento básico deficiente nas moradias e na comunidade, contaminação dos alimentos por organismos patógenos, sistemas insuficientes de eliminação de resíduos sólidos, riscos de acidentes de trabalho na agricultura e indústria domésticas; vetores de doenças, especialmente insetos e roedores. E também os “perigos modernos, que têm relação com um desenvolvimento rápido, que não leva em conta as salvaguardas para a saúde e o meio ambiente e com um consumo insustentável dos recursos naturais” (p.7-8), como: contaminação da água pela indústria e agricultura intensiva; contaminação do ar urbano pelas emissões de motores de veículos, centrais energéticas e indústria; riscos químicos e por radiação devidos à introdução de tecnologias industriais, agrícolas e de comunicação; mudanças climáticas se expressando como inundações, terremotos, secas, e perda da produção de alimentos. Como estes riscos impactam na morbidade dos cidadãos e cidadãs, na demanda aos serviços de saúde? E é também ousadia do COSSEMS pautar a Saúde Ambiental em seu Congresso anual. Porque, de fato, não temos uma Política Nacional de Saúde Ambiental elaborada e definida no Brasil – o que pode ser também uma “política”... a I CNSA se propôs a dar início ao debate, apontando diretrizes. Os gestores municipais da Saúde são, sem dúvida, atores-chave no processo de construção desta exigente Política: não há como avançar nela sem superar os nós da intersetorialidade, sem repensar a Vigilância em Saúde e sua estrutura, sem um olhar ampliado sobre o território, sem encarar com coragem os desafios da atenção básica no SUS. E não sejamos ingênuos: neste campo são ainda mais evidentes os conflitos com projetos desenvolvimentistas, grupos econômicos poderosos, movimentos sociais em luta pela igualdade no acesso aos bens naturais... E me permitam um momento de“bairrismo”, já que não nasci nesta terra: uma vez mais, com lucidez e ousadia, o Ceará sai na frente, instigando inclusive a instância nacional a também abrir os olhos a estas questões, para além dos modismos. Que, na Terra da Luz, possamos iluminar o debate e o processo concreto de construção de uma Política que, apesar de exigente, nos oferece um terreno muito propício a avivar a Reforma Sanitária, a inverter o modelo de atenção, a avançar no paradigma da promoção da saúde. E, sobretudo, nos re-ligar à Mãe Terra, ouvir seus cantos e clamores, palpar o cordão que dela nos traz a água, o ar, os alimentos, a beleza, os sonhos... e a saúde! Raquel Maria Rigotto Professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da UFC Coordenadora do Núcleo Tramas – Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade - UFC raquelrigotto@gmail.com

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Revista Sustentação . 2010 . edição 26


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