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Aquele que tem menos, sofre mais

Entenda como o estilo de vida dos ricos têm afetado o meio ambiente

Por Ana Julia Mira e Sara Gouvêa

Enquanto os civis sofrem cada vez mais com o impacto das mudanças climáticas, a parcela dos mais afortunados continua ilesa e polui o ecossistema de forma irreversível. Grupos de ambientalistas criticam os hábitos desta minúscula parcela social. Um deles é o consumismo, que busca por exclusividade – assim se define a aviação privada, grande emissora de CO2.

Pautados pelo individualismo, extravagância e com um estilo de vida sem limites, aqueles que detêm grande força monetária são também poderosos agentes poluentes. No geral, essa classe, com seus jatos particulares, percorre distâncias curtas, com o número reduzido de passageiros (quando comparado a voos comerciais).

Danos irreversíveis

O CO2 é um dos principais gases causadores do efeito estufa. No entanto, em praticamente toda ação antrópica, a emissão desse poluente se dá em excesso, o que colabora com o aquecimento global e outra série de consequências negativas em relação ao meio ambiente.

Para Marijane Vieira Lisboa, socióloga e coordenadora do curso de Ciências Socioambientais da PUC-SP, no atual cenário, medidas precisam ser tomadas para frear a escalada de eventos climáticos extremos. Entretanto, uma regressão já não é mais possível. “Mesmo que paremos hoje de emitir GEEs [Gases de Efeito Estufa], desastres como os ocorridos em maio deste ano no Rio Grande do Sul vão ser cada vez mais frequentes e violentos”, explica.

Os ricos utilizam dos jatos particulares para qualquer trajeto, independente da distância
©Getty Images

Desproporção nos impactos

Todavia, as intempéries do clima afetam de maneira desigual a medir pelas classes sociais. De acordo com o relatório “Igualdade Climática: um Planeta para os 99%” divulgado pela Oxfam Brasil, 1% das pessoas mais ricas do mundo foram responsáveis por 16% das emissões globais de CO2 em 2019. Essa quantia equivale à emissão das 5 bilhões de pessoas pertencentes a classes baixas. Segundo o levantamento, essa porcentagem seria suficiente para causar a morte de até 1,3 milhão de indivíduos por excesso de calor. São as pessoas vulneráveis economicamente que sofrem em primeiro lugar, e em maior grau, com os impactos climáticos. Aqueles que usufrem o transporte público diariamente, que vivem nos centros urbanos ou em áreas de risco, por exemplo, não possuem refúgio ou opção de uma mudança de perspectiva. Enquanto isso, os mais ricos se mantêm fora dessa realidade, visto o privilégio de viverem em áreas nobres e terem acesso a outros meios de transporte, como os próprios jatinhos. Isso os livra das problemáticas que o estilo de vida extravagante contribui em peso para formar.

Os impactos da aviação particular De acordo com dados da ONG europeia Transport and Environment (T&E), os jatos particulares podem ser de 5 a 14 vezes mais poluentes (por passageiro) que os aviões comerciais. Em comparação mais grave, uma aeronave privada já emite em cinco horas o equivalente ao que um cidadão médio da União Europeia emite o ano todo.

Além dos grandes empresários do Vale do Silício, como Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg, as celebridades internacionais são as maiores clientes dessas aeronaves executivas. Em 2023, um estudo da Yard, empresa focada no uso de aeronaves por artistas, constatou cerca de 170 voos em apenas seis meses.

8.293,54 toneladas de CO2 lançadas à atmosfera. Sua defesa se limitou a afirmar que a aeronave foi usada por outras pessoas durante o período analisado pela pesquisa.

Créditos de Carbono

Um acordo que visa reduzir a emissão dos GEE, abraçado por setores da economia como a aviação e a indústria civil, é o Protocolo de Kyoto, que atribui a cada país um determinado limite de emissões a cumprir. Quando se emite menos CO2 do que o estipulado como meta, contabiliza-se um crédito desses excedentes, os quais podem ser vendidos para os que extrapolarem esses limites.

Em dezembro de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou a proposta que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. A decisão regulamenta o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), e aguarda aprovação do Senado.

Mudanças de rumos

A compra de créditos pode ser benéfica, mas o impacto é difícil de medir. Mesmo que a natureza transforme o carbono naturalmente, o processo é muito lento para remediar o planeta em tempo útil. Além disso, ainda é um mercado caro e não substitui a necessidade de diminuir as emissões de carbono diretamente.

Um exemplo mais conhecido é a cantora pop Taylor Swift, que já se envolveu em polêmicas relacionadas ao assunto. Os dados divulgados pela Yard apontam que a artista lidera o ranking de estrelas que mais emitiram gases poluentes em 2022, com cerca de

Lisboa acrescenta que ações amplas devem ser tomadas para que os impactos não piorem. “No caso do Brasil, mais urgente do que reduzir o transporte movido à petróleo é reduzir o desmatamento da Amazônia e do Cerrado. A Amazônia captura, e depois envia chuvas para o sul. E, no Cerrado, nascem a maior parte dos grandes rios brasileiros que correm para sul, oeste e nordeste”, explica.

Segundo a docente, é necessário aumentar a produção de energias renováveis, como a eólica e solar, e adotar meios de transporte mais eficientes, como os coletivos. Apesar dessas medidas importantes, é preciso romper com a lógica antiambiental da sociedade para que, de fato, a mudança seja efetiva.

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