5 minute read

Oscar 2024: Entre conflitos e polêmicas

Para além do cinema, manifestações de trabalhadores da indústria e represálias por Hollywood

Por Matheus Henrique, Lucca Cantarin e Henrique Silva Rodrigues

Oscar, como a premiação mais prestigiada da indústria cinematográfica, atrai os holofotes globais em suas cerimônias anuais. Contudo, na mais recente premiação – ocorrida em 10 de março deste ano – o conflito entre Israel e Palestina se destacou. Artistas como Billie Eilish, Mark Ruffalo e Ramy Youssef realizaram uma campanha silenciosa, através da utilização de um broche em prol do cessar-fogo entre Israel e Hamas.

Dentre os manifestantes presentes, Jonathan Glazer, diretor britânico, gerou polêmica por ser da comunidade judaica. Ao receber o prêmio de melhor filme internacional por “Zona de Interesse”, ele utilizou seu discurso para defender o povo palestino do massacre promovido pelo atual governo israelense.

Em um discurso com foco nas vítimas da tragédia, independente dos lados, ele disse: “todas as nossas escolhas foram feitas para refletir e nos confrontar no presente. Não quero dizer ‘Veja o que eles fizeram naquela época’, mas, sim, ‘Veja o que fazemos agora’. Nosso filme mostra como a desumanização leva ao pior. Moldou todo o nosso passado e presente. Neste momento, estamos aqui como homens que refutam que o seu judaísmo e o Holocausto sejam sequestrados por uma ocupação que levou ao conflito de tantas pessoas inocentes. Sejam as vítimas do 7 de outubro em Israel ou do ataque contínuo a Gaza, todas as vítimas dessa desumanização, como resistimos?”.

A fala de Glazer gerou indignação. Segundo informações divulgadas pelo jornal americano Variety, mais de mil judeus, que trabalham na indústria do entretenimento hollywoodiano, assinaram uma carta repudiando o discurso.

A fala do britânico também não foi publicada no canal oficial do YouTube da premiação. A estudante de cinema, Maria na Lieutaud, passa uma mensagem clara ao público: “você pode falar, mas não será ouvido; você será silenciado”. David Schaecter, presidente da Fundação dos Sobreviventes do Holocausto dos Estados Unidos, também respondeu ao discurso de Glazer, através de uma carta aberta em seu site oficial: “assisti com angústia no domingo à noite quando ouvi você usar a plataforma da cerimônia do Oscar para equiparar a brutalidade maníaca do Hamas contra israelenses inocentes com a difícil, mas necessária, autodefesa de Israel diante da barbárie contínua do Hamas. Seus comentários foram factualmente imprecisos e moralmente indefensáveis. Você fez um filme sobre o Holocausto e ganhou um Oscar. E você é judeu. Bom para você. Mas é vergonhoso que você presuma falar em nome dos seis milhões de judeus, incluindo um milhão e meio de crianças, que foram assassinadas unicamente por causa da sua identidade judaica. Você deveria ter vergonha de usar Auschwitz para criticar Israel. Se a criação, existência e sobrevivência do Estado de Israel como um Estado judeu equivale a ‘ocupação’ na sua mente, obviamente você não aprendeu nada com o seu filme.” Schaecter, com 94 anos, sobreviveu após três anos em Auschwitz e Buchenwald.

A atriz Melissa Barrera
© Monica Schipper

Felipe Barcellos, jornalista, roteirista e diretor de cena independente, relatou ao jornal Contraponto sobre a fala de Glazer: “vão parar de trabalhar com ele? Acho improvável. É óbvio que teria uma retaliação, mas ao mesmo tempo dá oportunidade ao mundo de repensar o que está acontecendo na Faixa de Gaza.”

Jonathan Glazer com seu prêmio
© Dania Maxwell

O comunicador, que já atuou na BBC, Rádio Globo e Folha de São Paulo, complementa que, não à toa, há manifestações pró-Palestina nas universidades americanas de forma intensa. “Esses estudantes foram influenciados pelo discurso do diretor, não tenho dúvida quanto a isso. Ele deu a oportunidade de o mundo compreender que Israel não está agindo corretamente”. Em sua opinião, é escancarada a repressão de Hollywood a quem apoia a causa Palestina. “Qualquer pessoa decente reconhecerá que Israel está perpetrando um genocídio diante do mundo”, finaliza. Alexandre Freitas Campos, mestre em mídia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que “a repercussão do discurso do Jonathan Glazer é interessante para pensarmos na diversidade da indústria do cinema. Houve muita gente repudiando, mas também houve muita gente apoiando a sua fala.”

Manifestações pró-Palestina e a reação de Hollywood

Em novembro de 2023, Melissa Barrera, protagonista dos filmes recentes da franquia “Pânico”, foi demitida após manifestar seu posicionamento pró-Palestina. Em publicações no Instagram, Barrera comparou a situação em Gaza a um campo de concentração.

Após a publicação, a atriz foi demitida da franquia pela produtora dos filmes, Spyglass, que alegou que ela estaria promovendo antissemitismo e discurso de ódio. Além de Barrera, a artista Susan Sarandon foi duramente criticada e deixou de ser representada por uma das maiores agências de talentos de Hollywood, a United Talent Agency (UTA). Em comício à favor do povo palestino, a atriz afirmou: “há muitas pessoas que têm medo, que têm medo de ser judias neste momento, e estão experimentando como é ser muçulmano neste país, tantas vezes sujeito à violência”.

Para Campos, contudo, é importante lembrarmos que a produção cinematográfica é muito ampla e assim afastarmos a ideia de que há uma intencionalidade da indústria americana em cumprir uma única agenda político-ideológica. “A principal preocupação dos estúdios, em geral, é o lucro”, conclui o roteirista.

This article is from: