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“CHEGA” lidera expansão da extrema-direita em Portugal
Com agenda conservadora e discurso anti-sistema, a atuação parlamentar reacionária quadruplicou em 2024
Por Malu Araújo, Pedro Bairon e Vitor Nhoatto
O partido de extrema-direita, CHEGA, foi fundado em 2019 por André Ventura, antigo membro do Partido Social Democrata (PSD) que se desligou para criar a sua própria agremiação política. A associação vem ganhando espaço no cenário político de Portugal com uma postura populista, autoritária, com discursos nacionalistas e xenófobos.

No mesmo ano da sua fundação, a liga concorreu às eleições e apenas um deputado foi eleito. Na eleição seguinte, em 2022, esse número passou para 12. E na última eleição, que ocorreu no dia 10 de março deste ano, foram eleitos 48 deputados da legenda. Atualmente, o CHEGA tem a terceira maior bancada dentro do parlamento.
O doutor em Semiótica pela Université Catholique Louvain, Paulo Lencastre, reside em Portugal e explica que, apesar de existir a divisão ideológica do país entre o PS (Partido Socialista) e PSD, que nas últimas eleições concorreu na coalizão Aliança Democrática,não houve nenhum impeditivo para a crescente do partido. “O CHEGA conseguiu muitos votos em todas as regiões de Portugal, penetrando em muitas classes sociais diferentes”, afirma Lancastre.
Bandeira anticorrupção
Os princípios fundamentais do CHEGA trazem forte liberalismo econômico, com a defesa de mínima interferência do Estado e o conservadorismo, com a ideia de valorização da família como núcleo central da sociedade e a promoção de políticas que visam a proteção dos valores tradicionais. Mas a principal bandeira levantada pelo partido é o combate à corrupção, tópico que mais impulsionou sua popularidade desde o ano de fundação. O sentimento anti-sistema no país é um dos fatores que ajuda a explicar a popularidade do CHEGA em Portugal. Helcimara Telles, doutora em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel), explica, em entrevista ao Contraponto, que os recentes escândalos de corrupção no país promoveram um terreno fértil para isso.
Um caso que reforçou o poder do CHEGA foi o escândalo nacional envolvendo o líder parlamentar do Partido Socialista (PS), António Costa. O político passou a ser investigado em 2023 pelo Ministério Público de Portugal por corrupção e tráfico de influência. Após a acusação, Costa renunciou ao cargo de primeiro-ministro do país.
Desse modo, a associação de André Ventura tornou-se uma alternativa aos tradicionais partidos portugueses como uma proposta de reforma política devota ao sentimento de descrença na democracia manifestado por parte da sociedade.
Agenda anti-imigrantes
Segundo relatório do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em 2023, o número de estrangeiros que viviam em Portugal ultrapassou 1 milhão. Dessa marca, os brasileiros lideram o ranking com cerca de 400 mil residentes.
Em entrevista ao Contraponto, a brasileira Pamela Monteiro, doutoranda em pós-colonialismo pela Universidade de Coimbra, está no país há quase dois anos e esclarece que os imigrantes contribuem em larga escala para a economia portuguesa. A especialista afirma que eles trazem mais dinâmica ao ocuparem o mercado de trabalho, jovialidade ao setor e contribuições culturais.
Pamela ressalta que a extrema-direita vem difundindo um movimento de “achar um culpado”, por problemas internos que Portugal passa. “O CHEGA tenta colocar a população portuguesa em uma situação de terrorismo social para que o povo se volte contra os imigrantes. André Ventura traz um discurso de desespero ao dizer que os estrangeiros vão roubar os empregos e as casas dos cidadãos”, diz a doutoranda.
As denúncias de xenofobia contra brasileiros cresceram 505% entre 2017 e 2021. Esse é um balanço da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial portuguesa.
O brasileiro Carlos Cunha, residente em terras lusitanas desde 2018, expõe ao Jornal Contraponto, ter presenciado atos preconceituosos em seu trabalho. Ele relata que “um colega português deferiu uma frase racista e xenofóbica para uma cozinheira que trabalha conosco. Ele falou como se fosse apenas uma piada, uma frase que tinha relação com a superioridade portuguesa perante os brasileiros”.
Passado, presente e futuro
O posicionamento autoritário do partido se assemelha ao período ditatorial que Portugal viveu com o Estado Novo. O lema do CHEGA: “Deus, Pátria e Família”, é uma frase herdada do regime de Antônio Salazar, iniciado em 1933 e superado em 25 de abril de 1974 com a Revolução dos Cravos.
Embora exista um acordo histórico entre Partido Socialista Democrata e Partido Socialista para isolar a extrema-direita no país, ainda há fantasmas do autoritarismo. Na Assembleia da República, por exemplo, o deputado Diogo Pacheco de Amorim ocupa uma das quatro cadeiras de vice-presidente do parlamento. Pertencente ao CHEGA, ele é um militante contrário ao movimento que restabeleceu a democracia no país e uma das figuras mais polêmicas do partido. O parlamentar foi acusado de racismo em um artigo de opinião que escreveu ao site CHEGA, em 2019, mas está fora do ar, ao afirmar que são “bem-vindos os de todas as cores, desde que respeitem a nossa cor”, ao se referir a ida de outras nacionalidades à nação europeia.
A sigla faz apelo a propostas de solução imediatistas e ruptivas a problemas complexos como o desemprego, corrupção e inflação, com a criação de leis mais duras para a entrada de imigrantes, privatização do sistema público de saúde do país e maior destinação de recursos para o fortalecimento das Forças Armadas portuguesas. Há 5 anos na política, a associação de Ventura, com pouco mais de 20% de participação de outros partidos, ainda segue sem ter poder suficiente para aprovar projetos sozinho no parlamento.