Jornal Contexto 60

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Ed. 60

JORNAL CONTEXTO 60

21 2018.1

JORNAL CONTEXTO UM CORPO É UM CORPO P. 18

Brechós e Consumo Consciente P. 3

Eleições 2018: Fake News P. 16

Tradição do Samba de Coco Sergipano P. 24


EDITORIA

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Democracia Segurança Pública Consumo Consciente Manifestações Folclóricas Educação Inclusiva Matriz Energética Saúde Pública Empoderamento Feminino Fake News EXPEDIENTE Universidade Federal de Sergipe

Chegamos à edição 60 do Jornal-Laboratório Contexto. E, apesar de não haver um tema central como chamariz, uma abordagem temática unificou todas as reportagens e conferindo a coesão necessária a esta edição: a democracia. A concomitância, em 2018, da celebração dos cinquenta anos da Universidade Federal de Sergipe, de um vindouro processo eleitoral absolutamente conturbado e de embates políticos que nos obrigam a refletir sobre os entraves ditatoriais que culminaram na promulgação de uma nova Constituição Brasileira, há exatos trinta anos, justifica uma edição em que as inúmeras facetas democráticas manifestam-se entusiasticamente em textos e imagens que vão além do contexto etário em pauta. Na capa, por exemplo, uma amostra da fotorreportagem “Ressignificando o ‘Nude’”, em que nossa equipe de fotojornalistas apresenta uma acepção poético-noticiosa de um modismo relacional característico dos tempos hodiernos: o compartilhamento de imagens de nudez entre possíveis amantes. Dentre as matérias de destaque, assuntos em voga neste mesmo âmbito democrático: a necessidade de valorização de manifestações folclóricas tradicionais (aqui apresentadas no contexto junino, tão relevante no Nordeste brasileiro); as falácias amplamente divulgadas como ‘fake news’, que engendram brigas intensificadas antes que se apure a veracidade do que é transmitido midiaticamente com o intuito de fomentar o ódio entre pessoas que pertencem a filiações ideológico-partidárias opostas; e uma nova maneira de compreender o consumo de bens e serviços atualmente, numa reporta-

gem sobre a abundância de brechós, sebos e outras vertentes de reutilização de materiais usados, mas ainda de interesse para outrem. Antes que fossem definidas as pautas para as reportagens constantes nesta edição, houve um intenso processo de decisão entre os participantes dessa turma de Laboratório em Jornalismo Impresso II, numa aplicação acadêmica sobremaneira válida dos pressupostos democráticos defendidos anteriormente. Assim sendo, novas estratégias para o apadrinhamento de crianças que aguardam adoção, projetos de empoderamento feminino e de valorização identitária racial, defesa da educação inclusiva, inventário sobre os impactos ambientais de novas matrizes energéticas, desenvolvimento de jogos no espaço acadêmico, posicionamentos ideológicos sobre a questão da Segurança Pública e a tentativa de exposição de funcionamento do Sistema Público de Saúde são alguns dos temas tratados aqui, temas estes que foram escolhidos em meio a acaloradas votações. Não houve unanimidade nas escolhas, mas foi tudo conduzido sob a égide do mesmo espectro democrático que baliza esta edição e que leva-nos a uma reflexão emergencial sobre os rumos políticos do Brasil contemporâneo. Neste sentido, é mais do que bem-vindo o retorno dos leitores acerca do que fora publicado. Sendo assim, estaremos à disposição para a continuidade deste debate, pois, mais do que estudantes de Jornalismo, estamos nos consolidando interativamente como cidadãos.

EQUIPE

Reportagens: Wesley Pereira, Clarissa Martins,

Diagramação: Júnio Tavares, Pedro

Cândido Santos Maynard

Orientação: Profa. Drª. Michele Amorim

João Paulo, Anneli Rodrigues, Adele Vieira,

Neto, Gonçalo Oliveira, Ana Lúcia

Becker

Karla Fontes, Rose Bonifácio, Luara Pereira,

Santos, Matheus Fernando, Tailane

Direção de Reportagem: Wesley Pereira

Williany BSouza, Isabela Ferreira

Noronha, Carlos Vitor, Evandro Santos,

Diretora do CECH: Profa. Ana Maria Leal Chefe do Departamento de Comunicação

Av. Marechal Rondon, s/n, São

Social: Profa. Dr“ Tatiana Guenaga Aneas

Direção de Diagramação: Júnio Tavares

Carlos Lima, Tainah Quintela, Aline

Direção de Fotografia: Andressa Carvalho

Fotografia: Andressa Carvalho, Eric Almeida,

Núcleo de Jornalismo: Prof. Dr° Carlos

(Charlotte)

Leandro Gomes, Lourdes Morante, David

Franciscato

Capa: Clarissa Martins

Rodrigues, Labely Rairai

Vice-reitora: Prof. Drª. Iara Maria Campelo

Telefone: (79) 3194-6919

Ilustrações: Marcos Henrique, Rose Bonifácio

Lima

Email: dcos.ufs@gmail.com

Reitor: Prof. Dr° Angelo Roberto Antoniolli

Wesley Pereira de Castro Editor de Reportagem

Pró-reitor de Graduação: Prof. Drº Dilton

Campus Prof. José Aloísio de Campos

Cristóvão - SE

Boa leitura.

e Williany BSouza

Wilma


ECONOMIA

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BRECHÓS E O CONSUMO CONSCIENTE: A REUTILIZAÇÃO COMO NEGÓCIO.

Por Rose Bonifácio rose.bonifacio1995@gmail.com

foi vista como uma forma de sobrevivência. Eles explicam que o grupo é formado somente por estudantes que não possuem condições financeiras de manter um espaço físico para o negócio, logo, as redes sociais tornaram-se uma opção mais atraente e acessível não só para eles como também para os consumidores. “Sem as redes sociais, o Tá Difícil Brechó não existiria. Somos estudantes de classe baixa, portanto é inviável termos um espaço físico. Todas as fotos que postamos no Instagram são tiradas na sala de nossa casa. Além disso, todas as negociações são feitas online. Somente a entrega é feita presencialmente. A opção de conta comercial do Instagram acabou gerando uma nova forma de trabalho para as pessoas, que podem exibir seus trabalhos pela rede e ainda negociar com seus clientes através dela. No instagram existem várias ferramentas para promover o brechó e elevar os negócios. As pessoas não precisam se deslocar de onde estão para comprar, basta estarem com o celular próximo. Isso facilita completamente a troca entre brechó – cliente” aponta os integrantes do brechó. Outros brechós também reconhecem a facilidade encontrada nesse meio, principalmente no Instagram, para o desenvolvimento dos negócios. Luciana Oliveira, autônoma e coordenadora do Brechó Gira Sol afirma: “Acho que esse crescimento nas redes, em específico o Instagram, tem sido

Assis em “Ideias do Canário”, onde o escritor descreve o impacto que foi para o personagem principal ser atirado em um loja de “belchior”. Para o personagem, o lugar trazia um sentimento de desdém porque era “desorganizado” e “sujo”. O autor revela assim traços de um comportamento social que visualizava a reutilização como algo sem valor, velho e até mesmo sujo. Essa ideia, por mais que seja repleta de preconceitos sociais, era reproduzida durante por uma quantidade significativa de brasileiros. Só na década de 70 com a consolidação dos brechós e apoios de personalidades e artistas como a cantora Maysa, que estes estabelecimentos foram ganhando visibilidade e tornando-se uma opção alternativa de compra, troca e venda. Na atualidade, os brechós estão conquistando novos espaços não somente físicos como também digitais. O surgimento desses estabelecimentos nas redes sociais, por exemplo, proporcionaram aos comerciantes um leque de possibilidades, um público mais diversificado e interessado, além de ter gerado maior visibilidade como aponta Camila Santos. “Acredito que ajudaram a popularizar algo que já era bem mais antigo, muito usual para muitas pessoas, mas desconhecidas de tantas outras. Penso que o uso de muitas imagens, fotos, compartilhamento destes brechós online, as redes sociais de fato, eletrônicas ou não, contribuíram para a maior visibilidade deste segmento” disse. Para os integrantes do Brechó Tá Difícil, a utilização do meio virtual

“Acho que esse crescimento nas redes, em específico o Instagram, tem sido responsável sim por mostrar as possibilidades de se vestir de uma maneira mais econômica e consciente. Muitos brechós vem trabalhando essa ideia em seus perfis, tenho apostado nisso também, e percebo que o público tem acompanhado essa ideia.” Foto: Luciana Oliveira

R

eutilizar, segundo o Dicionário já conscientes optam por essa alternaOnline de Português, significa tiva porque a sociedade ainda vê rou“dar um novo uso; atribuir uma pas usadas como algo sem valor e por nova utilização a alguma coisa”. Os mo- vezes até místico. “Não acredito que os delos tradicionais de consumo da socie- brechós podem conscientizar. Na verdade atual mostram-se discrepantes a dade, as pessoas que já são conscientes ideia do conceito de reutilizar. O carro em relação ao consumo, e em relação do ano, o que está em alta na moda, os aos recursos naturais utilizados para a fast-foods e a “gourmertização” das confecção de roupas novas, são as que empresas apontam para o fetichismo frequentam os brechós. Ainda existe pelo consumo exacerbado das merca- muito preconceito em relação ao uso dorias, e não para uma possibilidade de roupas que já foram usadas por oude atribuir novos sentidos a coisas que tras pessoas. Também há um pouco de já foram utilizadas. O despertar para misticismo de algumas pessoas que o consumo consciente ofertado pelos acreditam que roupas e sapatos “carbrechós trouxe ao mercado uma pro- regam a energia” do dono” aponta a posta alternativa para o sistema de mestranda. oferta e demanda, e transformou o moOriginalmente, a ideia de troca delo de compra em algo mais sustentá- de artigos usados por um preço mais vel, rentável e acessível. sustentável surgiu em países de língua Segundo representantes do inglesa e era denominada como thrift, Brechó Tá Difícil, o ato da compra que conceituando seria economia ou em ambientes com essa linha ide- poupança. Já nos Estados Unidos, a práológica de consumo desperta no tica era conhecida como flea markets, cliente uma conscientização sobre em linguagem literal, mercado das a realidade dos preços excessivos pulgas. Albert Lafarge, editor literário em lojas convencionais. “Cremos norte-americano, afirma que em 1873, que ao comprar com um brechó, o um dos eventos precursores do flea cliente acaba se conscientizando markets foi o Monday Trade Day, que de que não precisa gastar uma for- consistia em uma feirinha de venda e tuna para se vestir de maneira que troca de cavalo. Mais tarde, nessa meslhe agrade. Uma blusa que numa ma feirinha, foram surgindo mais e loja de marca com preços excessi- mais artigos para as vendas. vos custa 90 reais pode ser enconFoi também no século XIX que a trar num brechó por 15 ou até mes- ideia do que seria um brechó surgiu mo 10 reais”, disseram eles. no Brasil. O termo era conhecido como Já para mestranda em Comunica- “belchior” e fazia referência a um masção Social, frequentadora e consumido- cote que vendia roupas e artigos de ra de brechós, Camila Santos, a ida aos segunda mão no Rio de Janeiro. A ideia brechós não conscientiza simplesmen- de um estabelecimento assim era mente no ato da compra, para ela as pessoas cionada por autores como Machado de

responsável sim por mostrar as possibilidades de se vestir de uma maneira mais econômica e consciente. Muitos brechós vem trabalhando essa ideia em seus perfis, tenho apostado nisso também, e percebo que o público tem acompanhado essa ideia.” Essa visibilidade e facilidade das redes sociais abriram para os brechós uma nova perspectiva de negócio. Brechós que antes ocupavam somente espaços físicos agora expandem para o meio social, e brechós composto por pessoas engajadas, porém com condições financeiras desfavoráveis passaram a ter espaço para crescer e se tornar pequenas empresas virtuais nesses ambientes. Isso aponta um caminho otimista para o futuro dessa alternativa consciente de consumo. Faz a mesma realizar o princípio da reutilização, ou seja, encaixar seu objetivo principal em novas formas de se negociar e existir. Luciana Oliveira sintetizou essa reutilização material e simbólica da seguinte forma: “Olha, há brechós que trazem várias possibilidades. Então existem os que só vendem, os que trocam, os que aceitam peças para vender em consignação e mesmo os que compram peças. Neste sentido, vejo que há atualmente, várias possibilidades de você se beneficiar nessa circulação mais econômica e consciente das peças. As roupas elas são produtos que duram quando bem cuidadas e que depois de fazer você muito feliz, pode também fazer outra pessoa feliz e assim vai.”

Brechó Gira Sol


ECONOMIA

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O AFROEMPREENDEDORISMO NASCIDO DO COTIDIANO Por Adele Vieira adelevieira@hotmail.com

Mercado negro é uma parte ativa da economia que atua à margem da lei, um conceito previsível já que o vocábulo negro é direta e constantemente relacionado a algo negativo. Mas essa associação não limita o conceito. Aqui o conceituaremos como um mercado feito por negros e para negros, que se mantém das necessidades cotidianas incluindo a de representação. Aqui o mercado negro não é negativo, não é ruim e não é ilegal. Ele é necessário.

Foto de Jéssica publicada no perfil da Preta Afro Make no Instagram.

A GRANDE RESPOSTA “EU ME SINTO MUITO MAIS SATISFEINão é segredo que o Brasil manteve TA E COMPLETA MAQUIANDO UMA MUo sistema escravista por três séculos, o LHER NEGRA.” reflexo deixado por esse período que Jéssica Karoline sempre gostou de é diária e imperfeitamente escondido. maquiagem. Mesmo que ninguém em Mesmo após 130 anos da sua abolição, casa usasse mais que um batom ou um a escravidão ainda mantém vivo o seu lápis, ela desde pequena demonstrou maior legado: o racismo. Para perceber interesse por cosméticos, além de ter essa realidade basta observar, por o desejo de trabalhar com algo que exemplo, o padrão de beleza mundial, realmente gostasse. Foi mantendo a etimologia da palavra denegrir, a esse pensamento que em 2017 nasceu interpretação da expressão “a coisa tá a Preta Afro Make, uma forma de preta”... ou simplesmente ser negro. possibilitar que as mulheres negras Mas essa realidade embranque- se enxerguem mais bonita do que já cedora não é suficiente para impedir são. “Vi na maquiagem um caminho que a população negra gere transfor- para ganhar dinheiro, me empoderar e mações de impacto social e cultural. A empoderar outras mulheres.” indicação para isso no setor econômico Jéssica começou a maquiar em está na pesquisa do Serviço Brasileiro salão e só depois por conta própria. de Apoio às Micro e Pequenas Empre- Nesse caminho, percebeu que a sas (Sebrae) que afirma que “Os negros quantidade de mulheres negras que ela já são maioria entre empreendedores atendia beirava a zero. “Em um fim de brasileiros.”, principalmente na catego- semana que eu maquiava dez meninas, ria microempreendedor individual nos só uma era negra.”, exemplifica. Isso setores de comércio e serviços. Ainda fez com que ela buscasse entender a segundo a pesquisa, entre os anos de causa desse fato, e pesquisando como 2000 e 2012, o número de pessoas ne- funcionava uma base (cosmético gras a frente de um negócio cresceu usado para uniformizar o tom) na 27%, enquanto o número de pessoas pele negra, onde essas bases eram brancas donas de empresas reduziu 2%. vendidas e a faixa de preço, ela viu que “A gente sempre precisou ser praticamente não existia nenhuma. afroempreendedor, porque o mercado “As mulheres negras não se viam nesse de trabalho sempre esteve com as portas meio, acho que até hoje mesmo elas fechadas para gente, já que muitos de não conseguem se ver, identificar quais nós não tínhamos qualificação. Não produtos servem para elas, até porque tivemos acesso a educação como a esses produtos não existem.” maioria da população branca.”, afirma Apesar de o mercado de cosméticos Thaty Menezes, educadora social, pós- no Brasil estar em expansão, a gama graduada em Políticas Públicas em de bases para as tonalidades negras Gênero e Raça e ativista na União de oferecida pela indústria brasileira Negros pela Igualdade (UNEGRO) em ainda é pequena, sendo quase nula para Sergipe. as peles negras retintas. “Geralmente Ela explica que muitas pessoas só tem dois ou três tons, e como a negras buscam o empreendedorismo gente sabe, a gente não é resumido só por não se encaixarem no padrão de a dois ou três tons de pele, existem n trabalho racista, então procuram fazer tons de negros.” Como as tonalidades o próprio emprego e trabalhar com industriais nem sempre condizem algo que além de ser rentável, reafirme com as tonalidades reais da pele a sua identidade negra. “Muitas vezes negra, quando usadas embranquecem eles foram levados para esse trabalho ou acinzentam os tons que são informal ou autônomo por causa do genuinamente negros. racismo, então é como se fosse a grande Por experiência própria, Jéssica resposta.”, esclarece. acredita que a população negra não Em outras palavras, muitos consegue enxergar sua verdadeira afroempreendedores nascem das cor. “Até eu mesmo, me maquiando necessidades rotineiras e coletivas de e entendendo, percebi que eu me via existir e resistir. E foi exatamente isso sempre mais clara do que eu realmente que motivou os negócios de Jéssica e de sou, [...] isso acontece muito pelo fato Layne. de a sociedade sempre estar querendo

embranquecer a gente.” E mesmo que o mercado de cosméticos do país esteja atualmente criando produtos para atender as necessidades da população negra, ele ainda precisa evoluir. “Você até encontra bases para mulheres negras de pele retinta, mas por um preço ainda salgado. A gama de bases baratinhas para mulheres brancas é bem maior.”, ressalta. Pensando em contribuir como solução para esse problema, Jéssica procura compartilhar no perfil da Preta Afro Make no Instagram, cosméticos mais baratos e de qualidade para mulheres negras, misturas caseiras, receitas para acertar o tom da base, o melhor tipo de pó, de contorno… “Tudo que faz uma maquiagem ser completa eu tento compartilhar principalmente com mulheres negras.” Mas o trabalho de Jéssica vai muito além de dicas, suas seguidoras e clientes adquirem amorpróprio e representatividade. “Elas se veem e se sentem seguras, porque elas sabem que vão estar entregando a pele e a autoestima delas para uma pessoa que talvez tenha passado pelas mesmas inseguranças e questionamentos que elas.” Jéssica vê a maquiagem como uma forma se divertir, de brincar com as cores, de se ver de outra forma. “E não de só se sentir bonita daquele jeito, porque aí você se escraviza a um modelo de beleza que no fundo não existe, e isso causa danos horríveis.” Tomando isso como referência, a Preta Afro Make não publica fotos comparativas mostrando o antes e o depois das clientes, porque a intenção não é apenas divulgar o trabalho. “Eu quero mostrar que somos bonitas de qualquer jeito, com maquiagem ou sem.” A Preta Afro Make é importante não só para as clientes, mas também para Jéssica, porque ser atendida por alguém que de fato entende suas necessidades é tão importante quanto o vice-e-versa. Jéssica conta que é muito gratificante saber que o trabalho dela consegue fazer com que uma mulher negra, pelo menos naquele momento, se sinta bem e especial diante da realidade que tenta diariamente impedir que isso aconteça. “Eu me sinto muito mais satisfeita e completa maquiando uma mulher negra.”

Foto de Jéssica publicada no perfil da Preta Afro Make no Instagram.


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FOTO: LULI MORANTE

JORNAL CONTEXTO 60

Layne trançando o cabelo de uma cliente.

com a concepção do cabelo crespo de referência em estética afro.” não só como questão de moda, mas A Lacre Afro também possui parcecomo potencial para ocupar qualquer rias com o terreiro de candomblé instiespaço. “Uma mulher de cabelo crespo tucionalizado como ONG frequentado é engenheira, é jornalista, é fotógrafa...” por Layne, com o Afro Tombamento E para concretizar o que a Lacre é que também trabalha com tranças afro, hoje, Layne enfrentou algumas difi- e com a Preta Afro Make. “Eu acho Jéssiculdades. Uma delas foi investimento, ca uma empreendedora do caralho, em mas Layne tinha consciência de que potencial inclusive, e ela é uma profisconseguiria pagar sem precisar de em- sional maravilhosa. Eu fiz essa parceria préstimos. Ela tem a noção de que mi- com ela para fazer o editorial fotográcroempreender é fazer o dinheiro acon- fico da Lacre e essa parceria vai durar tecer e a partir dele começar a investir, pelo menos mais um ano.” já pegar um empréstimo significaria ir Pensando um pouco mais a frente, muito além do que os pés alcançam, se- Layne planeja ser rica e descreve “Eu ria precisar transformar um empreen- rica vou morar num apartamento ok, dimento em empresa. “Tudo bem que em um bairro ok. [...] Tenho orgulho de não se diferencia muito, mas tem todo onde eu vim, e de verdade não troco um contexto legal. Eu por exemplo não ali por nada, mas o que eu puder fazer sou uma empresária, sou uma micro- para mudar a realidade daquele lugar empreendedora individual.” eu vou fazer, e não só daquele.” E com Outra dificuldade foi obter lucro muito orgulho acrescenta “Eu quero do investimento. Layne explica que na preto rico sim e muitos! Quero fazer Lacre ela faz a administração, a gestão, um império de negros ricos!” o trabalho em si… Ou seja, ela trabalha Layne considera que talvez não para ela, então é fundamental conseguir enriqueça com a Lacre, mas que separar o dinheiro para investimento sem dúvidas representa um passo do dinheiro para uso próprio e não importante, principalmente por ter precisar cobrir as despesas pessoais sido dado com os seus próprios pés. dentro do microempreendimento. “Eu “Cada passo que eu dou, cada dia que tenho que viver disso aqui e ao mesmo eu vivo, é para modificar o presente tempo fazer a empresa existir. Eu trato afim de fazer revolução todos os dias. como empresa porque a intenção é que Eu quero revolucionar e a revolução é a Lacre seja uma empresa enorme!”, cotidiana!” conta feliz com o plano que inclui o projeto social Afroincentivo e o projeto musical Sou de Rua, que vai trabalhar a música envolvendo a estética. Há também o projeto acadêmico, de pesquisas a partir das vivências do trabalho na Lacre. Layne conta que ao sentar com a cliente ela faz mais do que trançar, ela troca experiências, e que isso faz parte da “pesquisa-ação”, porque com a troca de saberes a cliente passa a ser fonte e referência. “Estou colocando ela como protagonista dentro da história que eu estou contando.” Layne também pretende que a empresa Lacre Afro oferte cursos profissionalizantes para quem quiser aprender a tratar dos cabelos crespos e cacheados. “Minha vontade sempre foi formar profissionais competentes para atender nessa empresa social que vai ser de arrombar daqui a alguns anos!”, conta empolgada. “Eu quero que a Lacre seja realmente o que o nome propõe, um laboratorio de arte e centro

Synddel e Evilyn (da esquerda para direita) do Afro Tombamento, trabalham com Layne no trançar da cliente. FOTO: LULI MORANTE

“EU QUERO PRETO RICO SIM E MUITOS! QUERO FAZER UM IMPÉRIO DE NEGROS RICOS!” Layne Almeida é mulher negra, estudante de Direito, cabeleireira trancista e afroincentivadora na sua futuramente empresa, e assim como Jéssica, trabalha por conta própria. Nasceu em Feira de Santana na Bahia, morou em dois outros municípios do estado e atualmente reside em Aracaju, cidade para qual se mudou com 19 anos. Hoje, com 26 , Layne trabalha no microempreendimento que criou, a Lacre Afro. Assim como as histórias de muitas mulheres negras, essa começa com o assumir do cabelo natural. Quando se mudou para Aracaju, já iniciado o processo de transição capilar, Layne despertou para sua negritude. “Eu comecei a me politizar, tive vivência da negritude e comecei a saber na prática o que é racismo e todo esse processo de entendimento do ser negro dentro de alguns espaços, inclusive espaços que a gente não tem ocupado, como a universidade.” Aliás, ser negra e universitária incentivou suas leituras, contribuiu para sua vivência e a fez enxergar uma necessidade: empoderar outras mulheres negras. Para isso, ela pensou em criar um salão que valorizasse o cabelo crespo como ele é, que tivesse como padrão a estética afro, contrariando o padrão de beleza brasileiro e até mesmo mundial. Layne acredita que isso seja muito importante, porque apesar de existirem salões que se proponham a cuidar do cabelo crespo e cacheado, eles acabam usando alisantes ou trançando de forma irregular a ponto de danificar o cabelo dos clientes. E por mais que tivesse “Uma trancista aqui, outra ali, como Angélica, Gil, e Regiane, não tinha uma pessoa ou um salão especializado de fato. [...] era quase um grito de socorro: não tem profissionais!” Mas Layne enxergou a realidade além do problema e identificou uma oportunidade. Se pautando na linha da construção coletiva e visando (re)construir a identidade nas mulheres e homens negros por meio do cabelo, ela criou a Lacre Afro, um microempreendimento social que fortalece a autoestima negra


ECONOMIA

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DO CAMBUÍ AO ÓLEO DE COCO: ALTERNATIVAS ECONÔMICAS DA MULHER QUILOMBOLA Por Clarissa Martins clarissaemanuellamartins@gmail.com

“Abre um coco para cada uma”, é assim que Dona Jô nos recepciona no seu quintal enquanto voltamos da visita à fábrica de óleo de coco, na comunidade quilombola Resina, situada no município de Brejo Grande, ao extremo nordeste de Sergipe. Ela do lado de dentro da cerca, nós de fora, mas a sensação de estarmos sentadas no sofá conversando como velhas amigas. Dona Jô sai cedinho de casa para colher cambuí na estrada, fruto de tom avermelhado e sabor acre, cuja colheita se dá anualmente. As frutas são vendidas para produtores locais de cachaça, a renda incrementa a aposentadoria uma vez ao ano, no restante do tempo Dona Jô e seu marido criam caranguejos para vender. Do cambuí dá para fazer suco, chá, cachaça, comê-las direto do pé, mas o aviso é reiterado, “só não engula o caroço”. As comunidades quilombolas são definidas, de acordo com o Instituto

No caminho, Dona Cida conversa sobre sua relação com o óleo de coco. “Minha mãe fazia naquele tempo, só que usava para

Nacional de Colonização e Reforma

pancada, para o cabelo nunca usei. Agora tô usando porque adoro. Mamãe fazia, mas era preto, ficava aquele amarelado”. Com a

Agrária (INCRA), como grupos étnicos -

mãe ela aprendeu inicialmente a fazer o óleo, mas não levava a produção adiante, “fazia assim, às vezes, de um coco, para casa”,

predominantemente constituídos pela

conta. Com o professor Wellington Bonfim ela reaprendeu o fazer e o aperfeiçoou, agora consegue deixar o óleo límpido como

população negra rural ou urbana -, que

os que são industrializados. Ele a ensinou e incentiva a produção trazendo os óleos produzidos para Aracaju a fim de vendê-los.

se autodefinem a partir das relações

Dona Cida e Dona Déda foram as contempladas com os ensinamentos do professor Wellington e compartilham esse

com a terra, o parentesco, o território,

conhecimento para as demais mulheres da comunidade interessadas na fabricação. Com a construção da fábrica, Dona Cida

a ancestralidade, as tradições e as

ficou encarregada de habilitar as mulheres das comunidades quilombolas vizinhas para que também possam utilizá-la.

práticas culturais próprias. A estimativa é que no Brasil existam mais de três mil comunidades quilombolas. Dona

Cida,

representante

da

Associação das Produtoras de Óleo de Coco, nos recepcionou em sua casa junto ao seu marido Chicão. Ela foi nossa companhia na visita à fábrica e nos levou para conhecer outras mulheres da comunidade. A fábrica de óleo de coco que está em processo de conclusão da obra é um projeto de 2017 do Ministério do Meio Ambiente em parceria com o INCRA. Ela terá os instrumentos necessários para a produção do óleo de coco, e será partilhada entre as quatro comunidades quilombolas da localidade (Resina, Brejão dos Negros, Carapitanga e Brejo Grande) em um regime de rodízio de dias.

O óleo de coco é apenas uma das diversas finalidades deste fruto típico

Ao passo que isso não acontece, algumas mulheres, como Dona Cida, compram o coco

do Nordeste brasileiro, que é utilizado

por esse preço e produzem pequenas quantidades de óleo em casa, apenas por encomenda.

para produzir coco ralado, leite de coco,

Este não é o caso de Graciliane, a mais nova das mulheres visitadas, que está a espera da

açúcar de coco, farinha de coco, sabão de

inauguração da fábrica, “Se a gente fizer em casa não tem a quem vender, aí fica um óleo

coco, entre outros. Segundo documento

estocado”, queixa-se. Entre risadas tímidas ela expôs o sentimento de todas as envolvidas

produzido

sobre o início do trabalho. “Todas as mulheres moradoras da região, que estão envolvidas

Brasileira

em de

2014 Pesquisa

pela

Empresa

Agropecuária

com o óleo de coco estão ansiosas, porque vai ser uma renda a mais”.

e

Enquanto espera, Graciliane pesca com a família para ajudar na renda da casa e pretende

comercialização de coco no Brasil, a

prosseguir com o trabalho em paralelo, pois o sistema de rodízio da fábrica permite esse

Região Nordeste é a principal produtora

tempo livre. Ela já tem vários sonhos para o dinheiro que vai ganhar produzindo o óleo, mas

no país e o estado de Sergipe está entre

o primeiro já está garantido para a compra de algo que possa guardar para o resto da vida,

os três primeiros produtores nacionais.

“Quando eu olhar para aquele objeto vou ver, ali foi o primeiro dinheiro do óleo de coco.”

(Embrapa)

sobre

a

produção

Esta grande produtividade parece não

Inúmeros são os temores que rodeiam os pensamentos de Dona Cida sobre a fábrica. O

interferir na baixa dos preços nos quais

principal é a falta de água, fato contraditório, pois as casas são localizadas à beira do rio São

os cocos são revendidos, Dona Cida relata

Francisco. As comunidades da região não possuem água encanada e, só em 2017 receberam,

que ultimamente tem comprado o coco

a instalação de uma caixa-d’água. O reservatório instalado e abastecido pela Companhia de

seco a 2 reais a unidade e que o preço

Saneamento de Sergipe (Deso) comporta 10 mil litros, é compartilhada entre as 52 famílias

não compensa o trabalho empreendido.

da comunidade e, atualmente, só é guarnecido uma vez por semana. Dona Cida comenta

O plano é conversar com os produtores

sobre a abertura de um poço artesiano, porém certificados que garantam a qualidade dessa

para comprar o coco com menor preço já

água serão necessários. Somente assim o óleo de coco produzido receberá selos de garantia

que será grande a quantidade adquirida

de órgãos institucionais, valorizando sua venda.

quando a fábrica abrir.

Grandes serão as mudanças que essas mulheres enfrentarão a partir da inauguração da fábrica. Agora que as preocupações se destinam a processos burocráticos, uso de vestimentas específicas, e diversos fatores exigidos para que o óleo seja comercializado em grande quantidade. Os prazos de tempo para entrega poderão questionar crenças dessas mulheres, como a espera pela maré cheia para a produção do óleo, pois segundo Dona Cida “quando a maré está vazando, ela carrega e o óleo não rende”. Porém, nada disto parece intrometer-se diante o sorriso de Dona Cida ao falar da inauguração, “Eu quero no dia da festa do padroeiro daqui inaugurar essa fábrica, fazer uma brincadeirinha com o pessoal da comunidade”.


JORNAL CONTEXTO 60 LULI MORANTE

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LULI MORANTE

“Abre um coco para cada uma”, é assim que Dona Jô nos recepciona no seu quintal .

LULI MORANTE

Dona Cida, representante da Associação das Produtoras de Óleo de Coco, fala sobre a importância da inauguração da fábrica para as mulheres da região.

Graciliane é a mais nova das produtoras de óleo de coco.


UNIVERSIDADE

por Wesley Pereira de Castro flmcstr@ufs.br

CINQUENTENÁRIO DA UFS: ATRAVESSAMENTOS BAIRRISTAS

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N

ão obstante a sua fundação ter ocorrido em 11 de julho de 1963, foi somente após aprovação em decreto de 1967 que a Universidade Federal de Sergipe foi criada, tendo a sua efetivação ocorrido em 15 de maio de 1968. Isso deveu-se à comunhão de várias instituições: a Faculdade de Ciências Econômicas e a Escola de Química (ambas criadas em 1948), a Faculdade de Direito e a Faculdade Católica de Filosofia (1950), a Escola de Serviço Social (1954) e a Faculdade de Ciências Médicas (1961). Inicialmente, as seis faculdades funcionavam em seus respectivos prédios, havendo apenas a instauração de um Reitoria à parte, integrada, que funcionava na Rua Pacatuba, no bairro central de Aracaju, capital de Sergipe. A transferência da sede da Universidade Federal de Sergipe para o local onde funciona atualmente, na Cidade Universitária Professor José Aloísio de Campos, passou a ocorrer no início da década de 1980, mas foi somente em 1987, graças a uma resolução do Conselho Universitário (CONSU), que o Campus começou a ser chamado dessa

forma, instalado no bairro Rosa Elze, que é fronteiriço entre os municípios de Aracaju e São Cristóvão, sendo o rio Poxim o ponto de referência limítrofe. O processo de ocupação deste bairro passou a ocorrer em 1972, sendo que em julho de 1973, a Universidade Federal de Sergipe adquiriu cerca de 270 tarefas da então Fazenda Santa Cruz, onde foi construída a sede da Instituição, inaugurada em 1981. Com a aprovação da lei 2.371, em 1982, o Governo Estadual estabelece a região do Grande Aracaju, constituída por áreas territoriais concernentes aos municípios que circundam a capital, e em 1984 é inaugurado o conjunto habitacional Brigadeiro Eduardo Gomes, onde fica o maior contingente populacional do bairro. Entretanto, por motivos que infelizmente não são exclusividades do Estado de Sergipe, havia pouco intercâmbio entre a população local e o ensino universitário, nas primeiras décadas de funcionamento da Instituição. Tal qual ocorria no Brasil como um todo, a Universidade Federal de Sergipe era constituída sobretudo pelos filhos de famílias abastadas de Aracaju e outras cidades, que davam continuidade às carreiras de seus pais, sendo bastante rarefeito o ingresso de estudantes provenientes de escolas públicas e/ou de famílias proletárias. Com a implantação efetiva das cotas para ensino público – mais enfaticamente após 29 de agosto de 2012, com o sancionamento da lei número 12.711, que determinou em 50% a quantidade de vagas destinadas a alunos provenientes desse tipo de ensino – a situação passou a mudar, e aumentou bastante o percentual de moradores do bairro Rosa Elze que estudavam na Universidade Federal de Sergipe. Além disso, aumentou bastante o número de estudantes advindos de outros municípios e Estados, o que desencadeou também uma alteração considerável do espaço

de caráter urbano deste bairro: onde haviam sobretudo residências, passou a abundar estabelecimentos comerciais e áreas de locação imobiliária, a fim de acomodar a demanda de alunos ora existente. E, com isso, alteram-se também os índices de violência… Num artigo acadêmico intitulado “Dinâmica urbana do bairro Rosa Elze: o papel das políticas públicas na transformação do espaço ”, o geógrafo Cássio Roberto Conceição Menezes analisa o atravessamento entre as melhorias nas condições de acesso e transporte ao bairro, inclusive por conta do funcionamento da Universidade Federal de Sergipe no bairro. Isso não implica necessariamente em melhores condições de vida, já que algumas medidas de saneamento básico e asfaltização ainda são insatisfatórias na região, o mesmo sendo dito sobre a segurança pública, visto que o bairro freqüentemente é citado com destaque nas estatísticas de violência no Estado. Neste sentido, surge a hipótese de que o incremento no interesse de financiamento das libações dos universitários aumentou estes índices de violência, pois o tráfico de drogas perdeu o seu aspecto inicialmente doméstico e foi substituído por um cariz amplamente comercial, a fim de satisfazer o interesse supracitado. Evidentemente, este problema de segurança pública teria a sua contrapartida no espaço universitário, visto que, por ser de jurisdição nacional, as intervenções policiais são francamente limitadas. Ocorre que, no dia 10 de maio de 2018, um assalto a mão armada ocorrido no pavimento superior da Didática I, na Universidade, fez reacender de maneira violenta os debates combativos entre esquerda e direita políticas que, diante de uma crise política acentuada no País, evidenciou os limites públicos dos investimentos destinados à segurança pública. Se, por um lado há um rechaço aos clamores por policiamento interno no território da Universidade Federal de Sergipe, por outro exige-se que sejam tomadas medidas extremas a fim de se evitar a entrada indiscriminada de não-estudantes na Instituição. Há uma campanha em curso para que sejam instaladas catracas nas guaritas de acesso à Universidade, medida esta que, segundo alguns, limitará ainda mais as atividades de extensão essenciais ao bom desempenho acadêmico e


JORNAL CONTEXTO 60

arregimentará o preconceito contra os habitantes do bairro Rosa Elze. Ao ser questionada sobre o assunto – a implantação de catracas nas entradas da UFS, tal qual acontece nas instituições particulares do Estado – e graduanda de Engenharia de Produção, Dominick Lima, não titubeou: “sou a favorzíssima!”. Segundo ela, que mora no bairro Rosa Elze também a filial da Sindicato das Emhá quatorze anos, as catracas “diminui- presas de Transportes de Passageiros riam o acesso de pessoas com finalida- do Município de Aracaju (Setransp), de de praticar atos ilícitos, aumentando, que permite a aquisição e validação de dessa forma, a segurança no interior da vales-transporte) são de acesso geral? Universidade”. A opinião dela não está São perguntas que precisam ser resisolada: nos fóruns de debate sobre as- pondidas na campanha justificativa suntos referentes à UFS – inclusive, em para tal medida. Este assunto é apenas um dos inúredes sociais com o Facebook – são abundantes os pedidos pela implantação da meros tópicos do extremo acirramento medida em pauta. Porém, há uma con- entre as ideologias políticas de esquerda trapartida discursiva levantada pelos e de direita que se percebe na UFS – e no detratores da idéia: segundo estes, as ca- Brasil como um todo – neste conturbado tracas impediria ainda mais o acesso dos ano eleitoral: além do cinquentenário moradores circunvizinhos, dirimindo o da Universidade Federal de Sergipe, copressuposto de extensão aventado como memoramos em 2018 o trigésimo anielementar para a justificativa social das versário da Constituição da República Federativa do Brasil, aprovada em 22 de atividades acadêmicas. Ao ser perguntada sobre quais se- setembro de 1988 e promulgada em 5 de riam as vantagens mais evidentes da pro- outubro do mesmo ano, quando o País ximidade entre a sede da Instituição e o já estava livre do jugo ditatorial que se bairro em que habita, Dominick afirma implantara em 1964. Paradoxalmente, que o favorecimento de acesso a órgãos nos mesmos fóruns de debate menciopúblicos como o Banco do Brasil e o Fó- nados anteriormente, são intensos os rum Gonçalo Rollemberg Leite se destaca, clamores por retorno de intervenções mas não referencia nenhuma atividade militares, num âmbito alegadamente estritamente educacional, como estágios não ditatorial, como se uma e outra situde aulas, ministrados pelos alunos, em ação pudessem ser desvencilhadas. Ao escolas do município ou o livre acesso à ser perguntada acerca do que deveria ser corrigido neste ano de aniversário Biblioteca central (BICEN) do Campus. De fato, confirmando a argumenta- da UFS, Dominick responde: “poderiam ção temerosa daqueles que asseveram ser melhoradas algumas instalações de que as catracas diminuirão as possibi- salas de aulas, para um melhor conforto lidades de furtos e/ou outros inconve- dos alunos; aumentar a segurança na nientes criminais no interior do campus, instituição; e uma melhor higienização qualquer pessoa pode adentrar facil- na cozinha do RESUN, para diminuir as mente a Instituição, visto que ambos os ‘surpresas’ nos pratos”. O que se pode efeportões ficam abertos durante os horá- tivamente comemorar, portanto? Enquanto ponto positivo das celerios de aulas – entre 7h e 22h30’ - sendo supervisionados por seguranças terceira- brações de aniversário da Universidade dos, postados às entradas e com função Federal de Sergipe, vale a pena destacar predominante de vigilância patrimonial. a inauguração da Praça da Democracia, Entretanto, existem relatos de que al- no centro do Campus São Cristóvão, guns rapazes teriam sido constrangidos que providenciou um local para enconpor conta de sua aparência física ou do tros, interação e lazer tanto para estumodo como se vestiam, o que referenda dantes quanto para os moradores do alguns casos de denúncias de racismo. bairro Rosa Elze, que eventualmente Isso deixaria de existir caso as catracas praticam atividades esportivas no lofossem implantadas? Como restringir a cal. Contrargumenta-se, por parte dos entrada nas dependências da Instituição, apenas para os estudantes, quando os órgãos mencionados pela entrevistada (além do Banco do Brasil e do Fórum, há

conservadores, que, nesta praça, ocorre também consumo irrefreado de substâncias ilícitas, como a maconha, além de demonstrações de afeto homoerótico, que, surpreendentemente, ainda causam desconforto público no meio universitário. Em entrevista disponibilizada pela Assessoria de Comunicação (Ascom) da UFS na cerimônia de inauguração da referida praça, em 12 de setembro de 2017, o professor do Departamento de História Fernando Sá, idealizador do projeto, comentou que esta praça surge como resposta a um incômodo surgido pelas reações de pessoas que aludem e olham com nostalgia para o período militar. Segundo ele, ainda na mesma entrevista, “esse memorial só vai ter sentido para a comunidade se proporcionar também a produção do conhecimento”. Sendo assim, o ano em que a Universidade completou cinquenta anos de existência será também, em cotejo com os embates eleitorais e partidários em curso, um momento-chave para a restauração do diálogo necessário entre instituição de ensino privilegiada e a comunidade desfavorecida no entorno. Aguardemos o que a História nos reserva…

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SAÚDE

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O SUS REAL E O SUS IDEAL Por Karla Fontes karlakaroline11@hotmail.com

ILUSTRAÇÃO: MARCOS HENRIQUE

Filas, falta de medicação, dificuldade no atendimento médico/paciente. Esses são apenas alguns dos problemas encontrados no sistema de saúde brasileiro. Conforme pesquisas realizadas pelo Instituto Datafolha em 2014, mais de 40% dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) levam aproximadamente de seis meses a um ano para conseguir marcar a realização de um procedimento cirúrgico ou agendar uma consulta com um especialista, pela internet. Através da pesquisa, podemos analisar que o processo para marcação de exames é tido como um dos mais complexos nas UBS (Unidades Básicas de Saúde). Para o senhor Luiz Carlos, de 56 anos e usuário do sistema, esse chega a ser um momento de tortura para quem depende desses atendimentos. “A gente tem que sair de casa oito horas da noite para pegar uma ficha e aventurar marcar um exame às sete horas da manhã do outro dia. É preciso dormir na calçada do posto de saúde, a disputa é muito grande, e as fichas são muito poucas, o governo não liga para quem tá acordando de madrugada ou dormindo na calçada pra tentar uma vaga”, indaga o senhor Luiz Carlos. De acordo com os profissionais da área de saúde da unidade de atendimento Augusto César Leite Franco, essa complexidade do sistema em autorizar os exames laboratoriais, Raios-X, exames específicos, cardiológicos e tantos outros, acabam abalando o atendimento de um modo geral, fazendo com que a cada dia as dificuldades cresçam ainda mais. Segundo a médica da unidade, Luzi Mary Paixão, “é dever do PSF [Programa Saúde da Família] educar para prevenir; prevenir para tratar; tratar para dar qualidade de vida. Entretanto, não basta querer fazer, é preciso ter condições de trabalho. Acolher, não é apenas sorrir, abrir a porta do consultório ou estender a mão. Acolher é, sobretudo, atender as necessidades dos que buscam na UBS”. Atender e requerer os exames? Sim, isso o médico faz, mas a dificuldade para o paciente conseguir realizar as solicitações está muito longe de acabar. Ainda de acordo com a médica, muitos pacientes justificam não comparecer às consultas da mulher, do idoso, justamente por não conseguir realizar os exames solicitados, ou, muitas vezes só conseguir marcar um exame 90 a 120 dias após, isso, depois dele ter enfrentado várias filas de internet, e pior ainda, pela madrugada, destaca a profissional.

“é dever do psf (programa saúde da família) educar para prevenir; prevenir para tratar; tratar para dar qualidade de vida. entretanto, não basta querer fazer, é preciso ter condições de trabalho. acolher, não é apenas sorrir, abrir a porta do consultório ou estender a mão.”

Instituído pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, e regulado pela Lei nº. 8.080/1990, a proposta do SUS é que toda a população brasileira deve ter direito à saúde universal e gratuita, subsidiada por recursos vindos dos orçamentos da União, dos estados, do distrito federal e dos municípios conforme o artigo 195 da Constituição; mas, infelizmente, essa realidade é muito remota. O SUS é considerado um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, porém, ainda que tido dessa forma, é também um dos sistemas com maior índice de reclamações no Brasil. Conforme dito por usuários e funcionários entrevistados pelo Jornal Contexto, o ideal seria que todos tivessem acesso à marcação de exames, acesso a medicações e consultas periódicas com maior facilidade em suas unidades de saúde da família. Porém na prática, isso não acontece, porque a comunidade cresce, o número de famílias aumenta, e não aumenta o número das equipes de saúde na mesma proporção da comunidade. Mas esse não é o único déficit do sistema público brasileiro com relação à saúde. Outra queixa muito frequente de quem busca atendimento nessas unidades é com relação à distribuição de medicamentos e realização de exames laboratoriais. Dona Marilene Oliveira, de 73 anos, diz ser uma “penitência” buscar medicação para diabetes e pressão arterial na unidade de saúde que frequenta, preferindo assim, ir até outro conjunto para buscar pelo programa de gratuidade do governo em algumas farmácias. “Eu prefiro ir buscar nas farmácias que dão de graça. A gente chega no posto, se consulta e nunca tem remédio. Sou aposentada sim, mas se a farmácia dá de graça, então vou lá, se depender do governo mandar remédio, a gente morre. Mas quem sabe né? Um dia pode melhorar, só não sei se daqui a isso ainda estou viva” diz aos risos. Para muitas pessoas, o SUS ainda tem jeito. E é assim que senhor Luiz Carlos, Dona Marilene e tantos outros brasileiros vivem, na esperança de que um dia o estado realmente garanta o que diz a Constituição em seu artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

CARTA DOS DIREITOS DOS USUÁRIOS DA SAÚDE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL • •

Todo cidadão tem direito a tratamento adequado e efetivo para seu problema. Todo cidadão tem direito ao tratamento humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminação. Todo cidadão tem direito a atendimento que respeite a sua pessoa, seus valores e seus direitos. Todo cidadão também tem responsabilidades para que seu tratamento aconteça de forma adequada. Nas situações de urgência/ emergência, qualquer serviço de saúde deve receber e cuidar da pessoa, bem como encaminhá-la para outro serviço em caso de necessidade. Em caso de risco de vida ou lesão grave, deverá ser assegurada a remoção do usuário, em tempo hábil e em condições seguras, para um serviço de saúde com

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capacidade para resolver seu tipo de problema. Toda pessoa tem direito ao tratamento adequado e no tempo certo para resolver o seu problema de saúde. Atendimento ágil, com tecnologia apropriada, por equipe multiprofissional capacitada e em condições adequadas de atendimento. Informações sobre o seu estado de saúde, de maneira clara, objetiva, respeitosa e compreensível sobre possíveis diagnósticos; diagnósticos confirmados. Tipos, justificativas e riscos dos exames solicitados. Resultados de exames realizados. Duração prevista do tratamento proposto. Necessidade ou não de anestesia e seu tipo de duração. Partes do corpo afetadas pelos procedimentos, instrumental a

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ser utilizado, efeitos colaterais, riscos ou conseguquências indesejáveis. Toda pessoa tem o direito de decidir se seus familiares e acompanhantes deverão ser informados sobre seu estado de saúde. Registro atualizado e legível no prontuário das seguintes informações. Motivo do atendimento e/ou internação. Dados de observação e da evolução clínica. Avaliações dos profissionais da equipe. Procedimentos e cuidados de enfermagem. Identificação do responsável pelas anotações. O acesso à anestesia em todas as situações em que for indicada, bem como a medicações e procedimentos que possam aliviar a dor e o sofrimento.

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O recebimento das receitas e as prescrições terapêuticas. Clara indicação da dose e do modo de usar. Escrita impressa, datilografada ou digitada, ou em caligrafia legível. Textos sem códigos ou abreviaturas. O nome legível do profissional e seu número de registro no conselho profissional. A assinatura do profissional e a data. Recebimento, quando prescritos, dos medicamentos que compõem a farmácia básica e, nos casos de necessidade de medicamentos de alto custo. O acesso à continuidade da atenção no domicílio, quando pertinente, com estímulo e orientação ao autocuidado que fortaleça sua autonomia, e a garantia de acompanhamento em qualquer serviço que for

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necessário. O encaminhamento para outros serviços de saúde. Caligrafia legível ou datilografada, ou digitada, ou por meio eletrônico. Resumo da história clínica, possíveis diagnósticos, tratamento realizado, evolução e o motivo do encaminhamento. Linguagem clara, evitando-se códigos ou abreviaturas. Nome legível do profissional e seu número de registro no conselho profissional, assinado e datado. Identificação da unidade de saúde que recebeu a pessoa, assim como da unidade para a qual está sendo encaminhada.


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É sobre quem sofre na pele e pela pele

Por Luara Pereira luara_p@yahoo.com.br

Diálogo, visibilidade e mudança cultural

MOVIMENTOS SOCIAIS E SEGURANÇA PÚBLICA

SEGURANÇA PÚBLICA

Era soco, pontapé, batiam no meu de História da Universidade Federal para essas pessoas. “Só lhes chegam o quadril. Apanhei tanto na boca que a de Sergipe (UFS), a influência da di- crime, quaisquer atividade que possa dentadura enganchou na gengiva. Mi- tadura militar não é o único fator trazer um retorno financeiro imediato. nha boca ficou toda inchada, cheia de que explica a violência policial que E é esse ponto que acredito que devedentes quebrados. De madrugada, me perdura até hoje. “A violência policial ria ser pensado pela esquerda, além da levaram para São Paulo, para a Opera- atualmente tem influência da dita- forma repressiva e assassina que age ção Bandeirante, onde eu fiquei 23 dias dura militar, mas acredito que esse a polícia, entender o porquê esses inapanhando. Era choque, choque, cho- não seja o único fator. O preconceito divíduos fracassaram nas instituições que todo santo dia. Eu me urinava toda, racial nas abordagens, a homofobia, (escola, trabalho, família, moradia), e eles berravam: ‘Essa mulher tá podre, o machismo também influenciam para que assim seja possível existir tira essa mulher fedorenta daqui’. Mi- essa situação. Toda a história do país um diálogo”, declarou. nha vagina ficou toda arrebentada por também exerce influência nisso. A É importante ressaltar que os secausa dos choques. Eu tive de fazer uma gente tem que analisar a escravidão, tores de segurança possuem alguns operação em Cuba, onde levei noven- a história da política do país, que pos- programas sociais integrados em sua ta pontos. Meu útero e minha bexiga sui uma democracia recente”, decla- estrutura, mas que geram resultados ficaram para fora, eu estou viva rou a estudante. mínimos em uma sociedade marcada por um milagre. Também levei Não é preciso muita pela falta de oportunidades básicas. muita porrada, muito soco na teoria para perceber a Segundo a Jornalista e Policial Milibunda. Fiquei completamente violência presente em tar, Patrícia Rodrigues, essas ações arrebentada, foi muito sofrinossa sociedade e tam- são micros em uma realidade que é mento”. bém nas demais. Essa gritante. “Dentro da estrutura da políLer histórias de presos realidade fica no míni- cia existe o programa polícia comunipolíticos da Ditadura Milimo visível até mesmo tária, que é a aproximação da polícia tar ou ler notícias atuais das para a parcela social- com a comunidade, existe o Programa ações cometidas por policiais mente privilegiada que Educacional de Resistência às Drogas em nosso país é um exercício não vivencia a brutalidade e à Violência (PROERD) que é o comque revela semelhanças e que ocorre nas favelas e nos bate às drogas, mas são ações contradições legais. O bairros mais pobres do micros, numa realidade que exrelato exposto acipaís, seja através clui e discrimina. Então, essas ma foi contado da mídia ou, nes- ações acabam tendo um repela ex-militante caso também, sultado muito pequeno, mas te Lenira Danatravés das teo- existe”, declarou ela. tas e retirado rias e pesquisas Ela ainda comentou sobre do livro “Luta, acadêmicas. o setor de gerenciamento de Substantivo Mas é para crise, que se mostra como uma Feminino: quem vivencia alternativa não violenta que já mulheres essa realidade se faz presente no setor torturadas, cotidiana que de segurança pública. desaparecia imensidão “E hoje a polícia está das e mortas do problema se trabalhando prinna resistênfaz maior. É so- cipalmente essa cia à ditabre quem sofre vertente. Foi insdura”, da na pele e pela pele talado um gabiFoto: Leandro Gomes professo(OLHO). De acordo nete de gerenra univercom o Atlas da Violên- ciamento de sitária Lúcia Coelho. Em toda a obra há cia 2018, produzido pelo Instituto de crise, que é relatos de mulheres que foram tortura- Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) para estadas de formas extremamente violentas e pelo Fórum Brasileiro de Segurança belecer um e impregnadas de misoginia. Pública (FBSP), Sergipe é o Estado que d i á l o g o As contradições legais no que con- concentra os maiores índices de ho- com essas diz com atitudes torturantes em nosso micídios, com taxa de 64,7 homicídios p e s s o a s . país se revelam a partir do momento para 100 mil habitantes. Constatou- É uma modernização na ideologia em que a história e os direitos dos ci- -se também que as maiores taxas de dentro da segurança pública. São aldadãos presentes nos documentos ofi- homicídios de pessoas negras se en- ternativas não violentas. Existe esse ciais são analisados. Um destes exem- contra também no Estado de Sergipe, diálogo muito forte dentro do setor do plos é o artigo 1º da Convenção contra com (79,0%). gabinete de crises. É claro que dentro a tortura e outros tratamentos ou peSegundo a estudante de Ciências da segurança pública existem estrunas cruéis desumanos ou degradantes Sociais da UFS, Daiene Sacramento, é turas que são criadas exclusivamente adotada pela Assembléia Geral das preciso perceber que a violência é uma para a repressão”. Nações Unidas em 10 de dezembro de realidade cíclica nas gerações de pessoPerceber que os estereótipos e 1984, o qual afirma que “o termo “tor- as pobres. “É necessário entender que a violência continuam presentes na tura” designa qualquer ato pelo qual a população que morre e que mata é estrutura das polícias, mesmo com dores ou sofrimentos agudos, físicos a mesma, são negros, com menos de a existência de alguns programas ou mentais, são infligidos intencio- 30 anos, que não terminaram sociais por parte da segunalmente a uma pessoa a fim de obter, nem o ensino fundarança pública, é uma dela ou de uma terceira pessoa, infor- mental e que possuem situação quesmações ou confissões; ou por qualquer o núcleo social detionável que motivo baseado em discriminação de sestruturado. Este necessita qualquer natureza”. Uma medida re- indivíduo fracasexplicacente e que não é integralmente pra- sou em várias ções. Por ticada como vários outros direitos e esferas da socieoutro deveres inseridos na Constituição. dade no que é l a d o , Outro exemplo ainda mais re- visto como um percecente é o Relatório sobre Denúncias padrão de vida ber que de Tortura, que analisou 112 casos ca- digno. Se o Esno cotalogados em 257 dias nas audiências tado nunca esteve tidiano de custódia no Espírito Santo em 2017. presente na vida das periForam narradas à Defensoria Pública desses indivíduos, ferias, as atos de espancamento, sufocamento nunca teve a prepessoas com sacola plástica, o popular “tele- ocupação de garantir naturalizam fone”, enforcamento, estrangulamen- uma educação e a falta de asto, choque a laser, uso de spray de pi- saúde de quasistência menta e ferimentos com armas letais lidade, se o básica (agressões físicas), além de humilha- próprio Estado Esções verbais, injúrias, e de torturas psi- do não se faz Foto: Leandro Gomes tado, e cológicas, como ameaça de estupro, de presente de naturamorte e de perseguição. forma positiva, outros meios fazem, e a lizam também a presença constante A história nos revela coincidên- violência é um deles”. da repressão policial nos bairros e cias quando a estrutura dos setores Daiene também comentou sobre comunidades é uma das respostas. sociais permanecem as mesmas. Se- a falta de perspectiva e sobre as medi- Para Patrícia Rodrigues, o Estado gundo Adriane dos Santos, estudante das de curto prazo que estão presentes deveria ser mais amplo. “A forma de

contato do Estado com essas pessoas é só a polícia. Falta educação, saúde, lazer, é só polícia que está presente nessas comunidades. O Estado não dá dignidade para as pessoas, mas se elas fizerem algo de errado, a polícia vai estar lá para reprimir”, declarou ela. QUAL POLÍCIA QUEREMOS? Apesar da vivência que mais exclui do que inclui, um ponto chave para mudar passo a passo, e em longo prazo, a estrutura opressora das polícias é o diálogo entre os movimentos sociais e os setores da segurança pública. E é neste ponto que os movimentos sociais falham, mesmo que não falhem sozinhos. Historicamente percebe-se uma aversão policial por parte dos movimentos de esquerda. E é de ordem empírica que os setores policiais também não se portam de forma acessível às ideias progressistas. Em matéria para o El País, o Deputado Estadual do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo (PSOL) comentou que um dos motivos para a falta de diálogo entre esses setores é a desvalorização do jornalismo presente em “programas policialescos que colocam os direitos humanos como oposição à segurança pública”. A Jornalista e Policial Militar Patrícia Rodrigues comentou sobre a ideologia das pessoas que tenFoto: Leandro Gomes dem a entrar para os setores da segurança pública a partir de concursos. “As pessoas que entram na polícia geralmente são as que têm aversão à esquerda e a esquerda normalmente não gosta da polícia, então essa pessoa de esquerda geralmente não vai fazer um concurso, por exemplo”. Patrícia ainda falou sobre a questão cultural que habita essa divergência de diálogo. “ As pautas de esquerda são pautas mais voltadas para o social, para a população mais pobre, e é justamente onde o índice de prisões e apreensões é maior. E, normalmente, é onde surgem alguns movimentos militantes. E a polícia é o braço armado do Estado, então defende a propriedade, o que acaba chocando um pouco”. Diferente do que se pode imaginar ao se observar a cultura de repressão das polícias, na grade disciplinar da formação de policiais, há disciplinas de direitos humanos, de comunicação, de interação com a sociedade, de polícia comunitária, entre outras. Para Patrícia Rodrigues, mesmo com a presença dessas disciplinas na grade, os ingressantes precisam querer fazer parte dessa mudança. Dessa forma, percebe-se a necessidade do diálogo entre os movimentos de esquerda e os setores de segurança pública. Mesmo diante da raiz do problema, que é a desigualdade que gera violência e estereótipos, medidas paliativas precisam ser tomadas para no mínimo gerar visibilidade da existência desses impasses sociais que bloqueiam o progresso


TECNOLOGIA

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NECESSIDADE DE INOVAR

Empresas de tecnologia pioneiras no estado continuam se adaptando às novas tendências da área Por Marcel Melo andrademelo.marcel@gmail.com

Dentro do campo de desenvolvimento de jogos, o ilustrador tem um papel crucial para o resultado final do trabalho

F

undada em julho de 1997, a SofTeam foi a segunda empresa júnior criada na Universidade Federal de Sergipe. Ligada ao Departamento de Computação, ela presta serviços na área de TI (Tecnologia da Informação) desde sua origem. Uma empresa júnior é caracterizada por ser uma associação civil sem fins lucrativos e composta somente por alunos de instituições de ensino superior ou técnico. Nos primeiros anos de existência a SofTeam oferecia basicamente soluções em softwares, período que o mercado de computação ascendia e os computadores começavam a fazer parte dos lares. Com a popularização da internet e as novas possibilidades mercadológicas, o foco passou para a construção de sites e soluções em sistema web, ferramentas que melhoram a experiência do usuário na navegação. Desde 2017, atendendo à nova demanda do mercado, a empresa concentra seus esforços na tecnologia mobile, desenvolvendo aplicativos para aparelhos móveis (smartphones, tablets, etc.). Junto à

oferta de soluções em sistema web, os aplicativos já são o serviço mais procurado pelos clientes. Mesmo com presença na internet através do Google AdWords, serviço de publicidade do Google, o Diretor-presidente da empresa, Hugo Barreto, conta que o principal fator na obtenção de novos clientes são indicações de professores e clientes prévios satisfeitos com o resultado do produto. Para ele, a credibilidade no mercado é o grande diferencial para uma empresa júnior, que não conta com funcionários em tempo integral, onde os alunos precisam conciliar as obrigações da empresa com as atividades acadêmicas. Transmitir essa responsabilidade profissional é justamente a principal finalidade da SofTeam. “A gente se preocupa muito em oferecer uma experiência mercadológica do aluno da computação. Porque o curso aqui na UFS ele é muito acadêmico e existe, de certa forma, um abismo entre a academia e o mercado. Então, a gente tenta antecipar essa introdução no mercado,

para que o aluno daqui a quatro anos e meio quando se formar ele não tenha um choque”, diz Hugo. Atualmente a empresa conta com 54 membros, sendo que cerca de 30 destes trabalham com os projetos externos, no desenvolvimento e produção dos produtos, e o restante cuida dos projetos internos, atividades de cunho mais burocrático.

O Diretor Presidente enxerga boas possibilidades mercadológicas no cenário local de TI. Segundo ele, a alta demanda nas áreas de sistemas, soluções de gestão para empresas e desenvolvimento de aplicativos deixam o mercado bastante aquecido. Em 2017 a SofTeam entregou 19 projetos, 10 a mais que no ano anterior, e a meta para esse ano é de 21.

Outra empresa que está há um bom tempo no ramo da tecnologia é a Lumentech. A empresa teve sua gestação na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica, a ITEC, vinculada a Universidade Tiradentes. Incubadoras têm como objetivo dar suporte para criação de pequenas empresas, fornecendo espaço físico, assessoria na área financeira, jurídica, contábil, entre outras tantas facilitações. E foi a partir desse ambiente propício que a Lumentech foi gerada, lançando-se ao mercado em 2004. Desde sua concepção a empresa pretendia adentrar o mercado de games e no início da sua trajetória, diante de oportunidades mercadológicas e das ferramentas disponíveis para produção,

o foco era no desenvolvimento de jogos para celulares. Seus primeiros produtos conseguiram espaço em países como Taiwan, África do Sul e Índia. Isso permitiu à empresa um certo crescimento e visibilidade no mercado. Três anos depois optaram por terceirizar seu serviço para estrangeiros e veio da Finlândia a primeira parceira. A escolha por trabalhar com firmas de outros países passa diretamente por dois motivos: receber pagamento em moedas mais valorizadas e pelo fato do mercado de games mobile, que é o atual direcionamento da Lumen, não ser tão forte no país. “As pessoas jogam bastante, mas pagar efetivamente dentro dos jogos as pessoas não pagam tanto”, revela Tiago Melo, co-fundador e gerente da em-

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“A gente se preocupa muito em oferecer uma experiência mercadológica do aluno da computação. Porque o curso aqui na UFS ele é muito acadêmico e existe, de certa forma, um abismo entre a academia e o mercado. Então, a gente tenta antecipar essa introdução no mercado, para que o aluno daqui a quatro anos e meio quando se formar ele não tenha um choque _ ” - <b> Hugo Barreto</b>

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Hugo Barreto, CEO da Softeam


JORNAL CONTEXTO 60

13 FOTOS: DAVID RODRIGUES

Na foto, Tiago Melo, Gerente da empresa LumenTech, que desenvolve games para diversas plataformas presa. De acordo com a Pesquisa Game Brasil 2018, 70% dos mobile gamers no Brasil só jogam versões gratuitas. A Lumen segue essa tendência, todos jogos criados por lá são distribuídos gratuitamente, bastando ter acesso as lojas virtuais, realizar o download e instalar no dispositivo. Nesses casos as produtoras precisam recorrer a outras táticas para que seus jogos gerem receita. Além de criar espaços publicitários, que geralmente não são bem recebidos pelo público, a principal fonte de renda é oriunda de micro transações realizadas enquanto são jogados, compras feitas dentro do próprio jogo que possibilitam uma experiência mais completa. Um bom exemplo é o principal

jogo produzido pela Lumen, o Hempire, que foi encomendado por uma empresa canadense, a LBC Studios. É um game de fazendinha, um tipo bastante popular entre jogadores de smartphone. O que o diferencia dos demais é o tema, a plantação e o cultivo de maconha. Ele pode ser baixado de forma gratuita, contudo, as micro transações rendem a empresa dona do jogo cerca de 1 milhão de dólares por mês, tendo uma base mensal de 800 mil jogadores. O jogo poderia ter um alcance ainda maior caso não enfrentasse certas barreiras. Embora o tema chame atenção e seja responsável por gerar burburinho pelo tabu que ainda é o consumo de maconha, alguns países não permitem a veiculação do jogo, entre eles um dos

principais mercados consumidores de games do planeta, a China. Junto dos EUA, representam cerca da metade do mercado mobile. Criar um produto como o Hempire demanda um longo período de desenvolvimento e uma quantidade numerosa de empregados. A Lumentech conta com 15 funcionários, mas além deles, 11 profissionais de Vancouver, no Canadá, fizeram parte do projeto. Foram dois anos de trabalho até o lançamento do game, com mais um ano de dedicação exclusiva para manutenção e aprimoramento. Esse processo de produção é o principal obstáculo da empresa atualmente. Uma vez superada a fase de captar bons clientes, que proporcionam projetos grandes e lucrativos, fun-

damentais para a saúde financeira da empresa, atender as demandas desses clientes é o grande desafio da Lumen. Segundo Tiago, “Todo o processo para colocar atualização dentro do jogo, criar conteúdo para um jogo desse (Hempire) é um processo muito complexo. Dominar esse processo é importante para que a gente consiga clientes maiores ainda. Isso envolve achar profissionais capacitados que possam trazer essa tecnologia para dentro da empresa e também envolve trazer esse conhecimento de outras empresas para cá”. Encontrar essa mão de obra qualificada não é tarefa fácil, especialmente para uma empresa sediada em Aracaju, onde o mercado de games é inexistente, segundo o próprio Tiago. A Lumen

conta com programadores e artistas ilustradores no seu staff, mas cargos de engenheiro de som, game designer (responsável por criar a mecânica do jogo) e roteirista, por exemplo, faz com que seja necessário buscar profissionais em outros estados e até mesmo fora do Brasil. Ao longo dos seus 14 anos de existência a Lumen já entregou mais de 50 jogos. Atualmente estão desenvolvendo três novos projetos e, apesar das incertezas do mercado, existem boas possibilidades para o futuro. “É um mercado muito volátil, tudo muda bastante. A gente tem alguns projetos bem interessantes que podem vir aqui para 2019, mas a gente só vai saber quando aparecer mesmo”, pondera Tiago.

Integrante da Softeam analisa códigos fontes de um dos projetos


COMPORTAMENTO

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FILHOS DO ESQUECIMENTO: O APADRINHAMENTO COMO FORMA EXTENSIVA À ADOÇÃO

A

Juíza Iracy Mangueira, Coordenadora da Infância e da Juventude do TJ-SE

FOTO: DAVID RODRIGUES

ssim como Hazel Grace, prota- promover laços afetivos que ajudem a cada visita, de cada passeio. “A gente se gonista do livro “A culpa é das dar um novo sabor à vida. apaixonou pela história dela, fomos até estrelas”, não poderia começar “A gente recebe o candidato a pa- ao abrigo, perguntamos se queria ser essa reportagem sem antes escrever so- drinho ou madrinha, faz um cadastra- nossa afilhada e ela aceitou. Foi uma bre matemática. Sim, sobre matemática. mento, depois junta a documentação alegria imensa.”, conta Thatianne, atu“É notório que existe uma quantidade necessária, procura obter informações almente madrinha de Eva, uma adolesinfinita de números entre 0 e 1. Tem o sobre a vida dessa pessoa, em seguida cente de 13 anos. “Ela desconstruiu uma 0,1 e o 0,12 e o 0,112 e uma infinidade de os interessados passam por uma entre- visão equivocada que eu tinha”, reitera outros. Obviamente, existe um conjunto vista comigo. No momento da entre- Thatianne sobre a faixa etária - de 06 ainda maior entre o 0 e o 2, ou entre o 0 vista eu já esclareço alguns pontos do a 09 anos - que ela inicialmente queria. e o 1 milhão. Alguns infinitos são maio- programa e os candidatos dizem o perfil “Temos o costume de nos comunicar por res que outros”. A realidade de muitas das crianças que eles se interessam em cartinhas. A cada visita eu levo uma crianças e adolescentes que vivem em apadrinhar. Num segundo momento eu para ela; e ela me dá uma”. Geralmente abrigos institucionais infelizmente se faço uma visita domiciliar para verificar todos os finais de semana o casal dediadéquam a um conjunto limitado de se o ambiente é compatível com o perfil ca a menina, participando com ela de possibilidades de adoção. Se uma crian- da criança solicitado e também como é muitas atividades recreativas, tanto no ça, por exemplo, tem entre 0 e 5 anos, a interação dessa família com a comu- abrigo, quanto em outros lugares. Com possui grandes chances de ganhar uma nidade. Depois entro em contato com a sua personalidade tranquila e risonha nova família, ter um recomeço. Caso já equipe nas casas de acolhimento para Eva arrebatou o coração deles. tenha entre 6 e 12 anos, essa possibilida- encontrar uma criança que se enquaCada padrinho ou madrinha desse de diminui drasticamente. Se essa mes- dre no perfil desejado pelo padrinho ou programa oferece a esses adolescentes, ma criança ou adolescente possui entre madrinha”, explica Sérgio como ocorre o a cada visita, a cada passeio, a cada do12 e 17 anos, suas chances de adoção são passo a passo para aqueles que se candi- ação de tempo, uma eternidade dentro raras. Quanto maior a idade menor seu datam a uma vaga do programa. de dias tristes e numerados. Do pequeconjunto de possibilidades. A ressignificação do conceito de no fez-se o terno; o eterno. Com o objetivo de oferecer um alen- viver para muitas crianças e adolescento a esse conjunto limitado, onde idade tes se manifesta quando seu tempo é e tempo são grandezas inversamente preenchido pelo tempo de outra pesproporcionais, a Coordenadoria da In- soa. “Num deserto de almas também fância e da Juventude do Tribunal de desertas, uma alma especial reconheJustiça de Sergipe (TJ-SE), criou em 2009, ce de imediato a outra”, já profetizava o programa de apadrinhamento “Ser o escritor Caio Fernando Abreu. E é no Humano”, voltado para as crianças e ado- meio desse deserto interior de profunlescentes com remota possibilidade de do receio de ser completamente esquereintegração familiar. “O que se precisa cido, que os padrinhos e madrinhas do ser entendido, logo de início, é que o pro- projeto dissipam a miragem do medo grama de apadrinhamento não visa um doando seu tempo para compor uma trampolim para uma adoção”, salienta outra realidade. “As relações humanas a juíza Iracy Mangueira, atualmente à se estabelecem independente de faixa frente do projeto. “O programa se volta etária”, decreta a juíza Iracy Mangueira, aos acolhidos, crianças e adolescentes explicando a importância do vínculo que estão em acolhimento institucional, que é estabelecido entre as crianças e preferencialmente para aqueles que não os participantes do projeto. estão em condições de vir a serem adotaTatiana Valéria Pereira Melo, 33, dos”, reitera a magistrada. O programa de participa do programa de apadrinhaapadrinhamento “Ser Humano” se divi- mento “Ser Humano” desde abril deste de em três categorias: afetivo (destinado ano, embora já tenha aderido ao cadasa pessoas que demonstrem estabilidade tro em 2016. “Sempre tive na minha emocional, familiar e que disponibilizem mente adotar”, relembra. Assim que entempo para dedicação ao afilhado(a); controu informações do programa na provedor (destinado a pessoas que de- internet percebeu que esse desejo de monstrem condição financeira para a adoção poderia esperar um pouco mais, contribuição material sob a forma de principalmente enquanto ela organizadinheiro ou bens) e, por fim, colaborador va sua vida e seus projetos. Entretanto, (voltado aos profissionais dos segmentos encontrou no apadrinhamento a oporde saúde, educação, esporte, cultura, lazer, tunidade de doar seu tempo sem ser, de transporte, entre outros, que se disponi- fato, uma responsável legal da criança. bilizem para contribuir com a prestação Em abril conseguiu ser madrinha de de serviços nas instituições ou no seu Lia, uma adolescente de 14 anos, que próprio local de trabalho). desde os 09 é assistida por um abrigo Cada uma dessas categorias, em em Nossa Senhora do Socorro.“Eu não especial a primeira, almeja oferecer a tinha um perfil definido para apadricriança ou adolescente momentos de nhar. O psicólogo Sérgio Lessa, após carinho, afeto, cumplicidade, quer seja uma entrevista e uma visita a minha em passeios, quer seja numa simples casa, me falou dela, disse que se enquaconversa. Os caminhos que levaram as draria comigo”. Em poucos meses de crianças aos abrigos certamente foram convivência Tatiana diz que a relação é tortuosos e amargos, os favos de mel da a melhor possível e isso tem a surpreinfância se transformaram em fel por endido muito. A cada quinze dias ela vimeio dos conflitos familiares, abusos e sita o abrigo, conversa com Lia, e depois carência de recursos. A dor da destitui- a leva para passear. Geralmente vão ao ção familiar aperta a mão da incerteza cinema, parques e praças. A cada novo e do esquecimento. Assim que chegam encontro Tatiana tem a certeza que toaos abrigos institucionais têm a cruel mou uma sábia decisão. Aos poucos ela consciência de que o tempo é seu maior vê a relação se amadurecendo e, com inimigo. É ele que gradativamente vai isso, bases sólidas de confiança e caridiminuindo seu conjunto de probabili- nho sendo construídas. Quanto ao fudades de adoção. “A partir dos 07 anos, turo das duas ela já tem uma previsão: a cada mês, se reduz a possibilidade de “Não quero me distanciar. Não quero uma criança ser adotada”, afirma Sérgio perder o contato com ela”. Lessa, psicólogo do programa desde 2011. O casal Thatianne Couto Oliveira, O projeto trouxe consigo um sopro 36, e Jonaldo Souza Leite, 42, também de esperança para que os dias nos abri- se viram diante da imensidão de uma gos não parecessem repetidos, tristes e infinita beleza: doar seu tempo para monótonos. “Uma das coisas interes- preencher as cinzas das horas de outra santes do apadrinhamento é o seguin- pessoa. Após uma palestra do grupo te: para aquelas crianças que não vão Acalanto, em agosto do ano passado, o ter uma outra alternativa de convivên- casal se interessou pelo projeto e encia familiar, o apadrinhamento pode trou em contato com a Coordenadoria proporcionar isso para elas. Isso já cria da Infância e da Juventude. Assim como uma perspectiva delas terem uma fa- Tatiana Melo, o casal iniciou o apadrimília de novo”, pontua Sérgio. E é jus- nhamento em abril, nesse intervalo de tamente esse o objetivo do programa: tempo, carregam consigo as alegrias de

FOTO: DAVID RODRIGUES

por João Paulo Schneider falecomjpoliveira@hotmail.com

FOTO: DAVID RODRIGUES

Entrevista com Sérgio Lessa, psicólogo do projeto desde 2011

O apadrinhamento pode proporcionar uma alternativa de convivência familiar


EDUCAÇÃO

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AS PRECARIEDADES NAS ESCOLAS AO SE FALAR DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Por Anneli Rodrigues annelirodrigues@gmail.com

FOTO: LEANDRO PEREIRA

Educação Inclusiva – O que fazer quando faltam os recursos pedagógicos

“Além de ser um direito, a Educação inclusiva é uma resposta inteligente às demandas do mundo contemporâneo. Incentiva uma pedagogia não homogeneizadora e desenvolve competências interpessoais. A sala de aula deveria espelhar a diversidade humana, não escondê-la. Claro que isso gera novas tensões e conflitos, mas também estimula as habilidades morais para a convivência democrática. O resultado final, desfocado pela miopia de alguns, é uma Educação melhor para todos. (MENDES, 2012).”

E

mbora a Educação Inclusiva tenha danças desses profissionais por conta brio quando D. Marineide recebeu uma 4 deles dedicados em sala de recurso, o dever de garantir a qualidade de de término de contrato”, relata. ligação da escola perguntando o que as dificuldades são as mais variadas ensino educacional a cada um de A realidade também não é dife- ela acharia em mudá-lo de turno. Foi para se trabalhar com alunos com alseus alunos, reconhecendo e respeitan- rente para o aluno L.S.C, 9 anos, por- a partir daí que eles perceberam que o gum tipo de deficiência, porém é precido a diversidade de acordo com suas tador de Transtorno de Déficit de Aten- “problema” não estava apenas em seu so que o professor busque alternativas potencialidades e necessidades, não é o ção e Hiperatividade (TDAH). Embora filho, mas também na professora, que para trabalhar com a diversidade. Soque acontece com M.F.S.A, 10 anos, alu- a escola que estuda tenha o relatório precisa está preparada, capacitada. brecarregada por atender mais aluno no de uma escola pública em Aracaju, neurológico do médico, conscientizanQuando se pergunta para o filho de do que deveria, a professora diz que quando o assunto é inclusão. do os profissionais sobre seu transtor- Marineide o que ele não gosta na escola, ainda tem que conviver com a falta de A mãe do garoto, Luzia Barbosa dos no, o aluno ainda passa por diversos responde espontaneamente: “Não gos- materiais pedagógicos, já que a maioSantos, 46, relata que seu filho é porta- desafios dentro da escola. to da sala aula porque minha professo- ria dos materiais que possuem são dor de deficiência múltipla, e que ficou De acordo com Marineide Correia, ra grita muito e passa muito dever no arranjos e doações de escolas particuum ano e meio sem estudar, por conta mãe do garoto, muitas são as dificulda- quadro, e eu não consigo acompanhar, lares e amigos, o que não é o suficiende não ter Cuidador Social na institui- des enfrentadas na escola que seu filho por isso gosto mais da minha professo- te para atender a demanda. “Pois se ção. Isso a deixava muito angustiada, estuda, principalmente pela total falta ra da sala de recursos”, disse o menino. acontecer de receber uma criança com por entender que ele tinha o direito a de preparo de certos profissionais para Vanina Ribeiro Figueroa, professo- deficiência visual, não se tem recursos ter acesso a educação, no entanto, esse lidar com esse alunos – portadores de ra de ensino regular, sente de perto o necessários, até o único computador direito não estava sendo cumprido. algum tipo de necessidades especiais. que é trabalhar com crianças que pos- se encontra está quebrado. De acorSem muita resposta do departamento “Por diversas vezes fui chamada para suam algum tipo de deficiência. Para do ainda com a Psicopedagoga, a não de educação do município, a mãe teve comparecer a escola. Não para dialo- ela, o que ajuda nessas horas é sua ex- aceitação do professor da sala de aula que recorrer ao Ministério Público. De- gar, mas sim pedindo para dar jeito periência de 15 anos com o CAPS- Cen- de ensino regular também se torna um pois de muitas tentativas seu direito no comportamento do meu filho. Isso tro de Atenção Psicossocial, e sua es- problema, por não ter paciência e nem foi atendido. me deixava bastante desesperada, por pecialização em saúde mental, além do tampouco se sentirem capacitados e Luzia conta também que outra di- achar que a educação que estava dan- curso de psicopedagogia que faz atual- preparados para receber crianças que ficuldade que seu filho enfrenta para do a meu filho não era a das melhores”, mente. “Tudo isso para me sentir pre- necessitam de inclusão. que, de fato, seja realmente incluído diz Marineide. parada para atender aos meus alunos Para Alana Monteiro Ferreira Maia, na escola onde estuda é a falta de caOutro problema enfrentado pela de forma qualificada. Pois é muito di- professora e especialista em Educação pacitação dos profissionais. Haja vista mãe era a impaciência ao ver seu filho fícil trabalhar com essas crianças, prin- Inclusiva e Libras, da Escola 11 de agosto, que seu filho vai para escola, porém chegar em casa todos os dias reclaman- cipalmente quando se tem uma turma para que a o aluno seja de fato incluído não consegue entrar na sala de aula. do que havia ficado de castigo. Ela co- de 25 alunos, com dois especiais. Sendo e não inserido dentro da rede regular “Pois até o momento nenhum professor menta que um certo dia presenciou seu que tem outros, que até o momento de ensino é preciso que o professor se conseguiu conquistar meu filho para filho sendo castigado. “O castigo geral- não estão frequentando as aulas pela adéque a realidade do aluno com neque ele tenha acesso ao ensino regu- mente era o seguinte: abrir um armá- falta de Cuidador Social e psicopeda- cessidade especiais, entendendo que o lar, junto com seus colegas de turma. O rio, que havia no fundo da sala cheio de goga”, explica Vanina. educando tem seu tempo de aprendizaúnico meio, que seria com a educação materiais didáticos, e deixá-lo olhando “Mesmo sabendo que todos os alu- gem. Ela conta que um dos problemas inclusiva, é apenas com a professora para os livros com o armário aberto de nos têm condições de aprender, eles que agrava a precariedade do ensino da sala de recursos, onde faz sessões costa para os alunos”, relata. possuem suas limitações assim é im- nas escolas é falta de incentivo do goduas vezes por semana de 50 minutos”, Marineide revela que em vários portante se utilizar de metodologias verno, no sentido de possibilitar cursos explica a mãe. momentos pensou em mudar seu filho diversificadas para que todos se sin- de capacitação para os professores e Outro aspecto colocado pela mãe de escola. Segundo ela o garoto teve tam incluídos , além da importância da demais profissionais que trabalham do menino é a constante mudança de uma professora que chegou ao extre- capacitação dos profissionais”. no entorno da escola. “Pois a ausência Cuidador Social. Isso faz com que o fi- mo. Ele já não ficava mais na sala de Para Telma Carvalho de Andrade, de política pública voltada para essa lho não se sinta bem. “Pois quando já aula, tudo era motivo para retirá-lo. A especialista em Psicopedagogia Insti- área dificulta o processo de evolução se encontra adaptado, sempre há mu- situação chegou a um ponto de equilí- tucional, professora há 30 anos, sendo desses alunos” explica a especialista.

De acordo com a Lei de Diretrizes e Base da Educação Brasileira (9394/96, Cap. V, At. 58), todos os alunos com necessidades especiais têm que estudar na escola regular, a não ser que não tenham condições de se integrar. A Constituição Federal, no artigo 208, inciso III, também relaciona os deveres do Estado com a educação, garantindo o atendimento especializado às pessoas com deficiência preferencialmente na rede regular de ensino . E é baseado nessas premissas que toda rede regular de ensino deve cumprir o que está escrito na lei. Segundo a coordenadora pedagógica, Roselene Sandes Melo, que trabalha na EMEF Tênisson Ribeiro, o processo de matrícula atualmente é feita online. A prefeitura instalou um site onde o responsável coloca todos dados do aluno. E no ato do preenchimento, já está discriminando se o aluno é portador de algum tipo de necessidade especial ou não. Cabe ao responsável assinalar. Em seguida o responsável traz os documentos na data estabelecida pelo próprio sistema na escola juntamente com o relatório médico, e ao iniciar as aulas o educando passa pela avaliação da psicopedagoga – onde é feito a anamnese (entrevista com a intenção de saber o ponto inicial no tratamento desejado). A partir desse procedimento a escola decide se a criança precisa ou não de um Cuidador Social de forma exclusiva, bem como atendimento na sala de recursos. “Em seguida liga para a prefeitura e a mesma se responsabiliza de enviar o caso para o setor de Educação Especial e este se encarrega de mandar para a escola um suporte pedagógico para o professor”, diz a coordenadora.


POLÍTICA

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FAKE NEWS NAS ELEIÇÕES DE 2018 As notícias falsas serão os grandes conflitos que teremos nessas eleições

Por Maria Gabriela Pereira mariagabrielasp04@gmail.com

O perigo das fake news nas urnas / Fonte: TRE/DF O termo “Fake news” foi eleito a palavra do ano em 2017. A palavra levou esse título pela grande discussão que causou nas eleições dos EUA, onde o que mais circulou na imprensa foram as fake news a respeito do presidente Donald Trump. As eleições americanas de 2016 foram um exemplo para o mundo sobre a influência de conteúdo mentiroso com relação ao voto. A disseminação dessas fake news e de textos sensacionalistas, conspiratórios e de opinião disfarçados de notícias jornalísticas ganhou destaque se comparado com as reportagens feitas por jornalistas profissionais. Nunca se viu tanta notícia falsa circulando na Internet como ultimamente. As redes sociais são os principais meios de compartilhamentos dessas notícias. Em ano de eleição é importante que a população saiba identificar o que é verídico e o que é fake news. Quando se trata de processo eleitoral a mídia tem um papel extremamente importante com os eleitores. O papel dos meios de comunicação diante das eleições vai muito além do que somente produzir noticiários. Os meios comunicacionais também são responsáveis pela organização dos debates e pesquisas. Isso refere-se a TV, web, rádio e impresso, porém, as informações na era da internet vão muito além disso, neste caso inclui-se as redes sociais que prometem ser protagonistas nessas eleições.[1] A influência das fake news sobre o voto é dada como certa para especialistas. Para Gustavo Monteiro, repórter e assessor, com pesquisas direcionadas às fakes news, elas vão ter o poder que a população deixar. Fala ainda que a responsabilidade não é somente da população, mas o cidadão comum também participa ativamente do processo de disseminação das notícias falsas. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a veiculação de campanhas eleitorais do primeiro turno está permitida na internet no período de 6 de julho a 30 de setembro. Diante da decisão, o TSE proibe a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga e propaganda eleitoral em sites de pessoas jurídicas, oficiais ou hospedados por órgãos ou entidades de administração pública anterior ao período estipulado.

Conteúdo político mentiroso é o mais compartilhado. Uma matéria pode ser inofensiva ou bastante prejudicial, depende de quem publica e de como é publicado. Quando publicada de forma sensacionalista, mentirosa, conspiratória e de alto grau é considerada prejudicial e chamada de fake news. Como identificar e combater esse fenômeno? É extremamente importante que o uso das redes sociais ocorra de maneira responsável. As famosas notícias falsas são espalhadas numa velocidade absurda pelas redes sociais, por isso deve haver uma prevenção e caso continuem ocorrendo será necessária uma punição. O uso dos meios tecnológicos que ampliam o universo de destinatários de mensagens postadas por candidatos deve respeitar rigorosamente a legislação eleitoral. As redes sociais são obrigadas a respeitar a intimidade dos usuários, deixando de compartilhar dados pessoais e também de comercializar informações que possam orientar as ações dos cargos eletivos. Segundo o presidente do TRE/PE e também desembargador em entrevista ao programa “20 minutos” da TV Jornal, Luiz Carlos Figueiredo, o alvo principal das fake news são os cidadãos comuns que recebem e propagam as notícias falsas quando é conveniente ao candidato do cidadão ou a ideia que o mesmo defende. A prática de promover compartilhamento de notícias sem verificar suas fontes é muito comum entre os brasileiros, principalmente se a notícia vem fortalecer uma ideia que o eleitor defende, e é nesse contexto que mora o perigo, pois estando em ano de eleições, os brasileiros e brasileiras vão às urnas para escolher Presidente da República, Governadores, Senadores, Deputados Federais e Deputados Estaduais. COMO SABER SE É FAKE NEWS: Existem várias maneiras de identificar as fake news e evitar o erro de compartilhar algo que não é verídico neste ano eleitoral. É importante estar atento a fonte de informação; ler além do título e não somente a manchete; checar os autores; buscar fontes de apoio; conferir a data da publicação; analisar se é uma piada; revisar os pre-

conceitos; consultar especialistas, estar por dentro das informações sobre o candidato (a), analisar se foi publicada em diversos sites e o posicionamento político daquela matéria. O fator humano é o principal responsável pelo compartilhamento de notícias falsas. Para Gustavo Monteiro todos são vítimas, tendo em vista as consequências da disseminação dessas informações, “E todo mundo, já compartilhou no calor do momento alguma coisa que não era verdadeira. A gente acha que é só quem não tem muita instrução, ou quem é muito radical, que compartilha, mas na verdade as informações falsas mais eficazes são aquelas que se disseminam aproveitando a influência social de quem compartilha”, analisa. Na política, o conteúdo das fake news é caracterizado pelo ódio em relação ao outro. Isso significa que as notícias falsas desprezam um dos elementos característicos das sociedades modernas que é o da capacidade de reconhecimento do outro e do diálogo. Ambas são condições para a construção de processos políticos civilizados que permitem os indivíduos concordar e discordar, criar concordâncias e discordâncias dentro de um ambiente de valores políticos democráticos. As fake news não se classificam somente por militância virtual, pelos eleitores e noticiários, elas são propagadas por candidatos, a fim de denegrir a imagem do oponente. Notícias falsas acabam com candidaturas legítimas. Uma boa campanha cumprindo o que a ética exige se faz com a divulgação de virtudes de um candidato sobre o outro, e não com a difusão de coisas negativas pessoais, isso atinge irresponsavelmente a candidatura. Estão sendo utilizados robôs ou “bots” (perfis falsos em mídias sociais) que são capazes de disseminar mensagens pré-programadas em escala mundial, e que contas automatizadas motivam aproximadamente 20% dos debates em apoio a políticos. Na entrevista ao 20 Minutos, o desembargador acredita que com a colaboração dos grandes provedores de internet e redes sociais, pelo menos a robotização desses sistemas poderá ser controlada, o que diminuirá significativamente o fluxo de notícias falsas na internet. Um caso recente de publicação de notícias falsas foi a respeito da pré-candidata Marina Silva (Rede Sustentabilidade), por meio de um perfil anônimo no Facebook. Esse perfil publicou cinco matérias contendo várias inverdades que ofenderiam a imagem política de Marina Silva. Os textos a associavam a atos de corrupção que teriam sido denunciados em delações na Operação Lava Jato. Uma liminar foi deferida ao Facebook para a remoção das fake news no prazo de 24 horas. A rede social ainda terá que fornecer os registros de acesso de uma das publicações, dados da origem da publicação e dados pessoais do seu criador e administradores. O caso da pré-candidata Marina Silva deu início a ação da Justiça Eleitoral no combate as notícias falsas nas eleições presidenciais de 2018. As publicações questionadas tinham vários indícios de que eram fake news, como erros gramaticais, manchetes sensacionalistas e tendenciosas, além de expressões de julgamento e extremismo. Faltando pouco para o início oficial da campanha, o TSE ainda não especificou o papel das autoridades no combate às fake news. Em dezembro do ano passado, o TSE criou um Conselho Consecutivo sobre internet e eleições, elaborado por representantes do tribunal, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), da polícia Federal, do Centro de Defesa Cibernética do Exército e da

sociedade civil, incluindo também representantes do Google e Facebook. Até então, não há nada formalizado pelo conselho, mas uma das propostas da Abin é monitorar todos os usuários de internet, essa ideia foi recebida com preocupação diante dos riscos do descumprimento da liberdade de expressão e da violação de liberdades pessoais. A resolução do TSE vai se fundamentar com as regras para propaganda eleitoral, que traz o que pode ou não ser feito nas propagandas via internet. Nela está a proibição de postagens e compartilhamentos de qualquer conteúdo que não seja verídico, se não for cumprida vai haver exclusão de conteúdos e punições aos responsáveis por publicarem. Os partidos terão que aderir a um termo no qual se comprometem a não disseminação de notícias falsas. Esse termo trata-se de um acordo simbólico, uma contribuição para o combate. Ainda não há previsão de sanções a quem não aderir. O presidente do TRE/PE fala também sobre o desenvolvimento de uma central de denúncias com a participação do Ministério Federal Eleitoral e da Polícia Federal. O facebook também entra em parceria com as agências de checagem de dados, com o objetivo de verificar notícias na rede social. Com a opção dos próprios usuários denunciarem o conteúdo inverídico, essas serão submetidas à avaliação e serão menos visualizadas e se continuarem repetindo os compartilhamentos de informações falsas o seu alcance será diminuído. EVOLUÇÃO DO VOTO NO BRASIL Há cinco séculos em grande evolução Há cerca de cinco séculos, eleições diretas ou indiretas, cargos variados, direitos à votos ocorrem no nosso país. O voto é o método mais antigo destinado ao brasileiro para exercer sua cidadania e escolher seus próprios representantes baseado naquilo que acreditam. De acordo com a Professora de História, Maria José Lopes, quando se fala em votação eleitoral no Brasil é necessário lembrar o fato de que o país é considerado o terceiro maior eleitorado do mundo, ficando atrás somente da Índia e os Estados Unidos. O Estado é democrático há pouco tempo, por isso ainda se fala de uma democracia inicial que tem como problemas o abuso da condição miserável de uma grande parte da população e a presença de influência de poderes regionais e coerções. Inicialmente em 1824, somente pessoas de pele branca, do sexo masculino, classe média e maiores de 25 anos podiam votar nas eleições do Brasil. Uma grande parcela da população estava excluída, impedida de manifestar vontade e opinião diante das eleições. O direito do voto para as mulheres foi somente durante do Governo Provisório (1930 – 1934) do presidente Getúlio Vargas, após a aprovação do Código Eleitoral. Outra conquista importante, ainda do primeiro Governo Vargas, foi a instituição do voto secreto. Esse direito evitaria perseguições políticas e liberdade, pois um eleitor de opinião contrária ao candidato vencedor não perseguirá quem votou no candidato derrotado. Em meados de 1937, Getúlio constituiu o Estado Novo, uma ditadura que durou até 1945. Diante disso o brasileiro não exerceu o direito de votar nesses oito anos e só puderam votar no final, na década de 80. A ditadura militar criou uma fachada democrática realizando eleições somente para vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal e senador, sem o direito de voto para presidente no final da ditadura. As conquistas continuaram com o processo de redemocratização iniciado

no movimento das “Diretas Já” e firmado na constituição federal de 1988. Desde então, o Brasil conquistou importantes avanços em direção a uma democracia política. Durante o Governo Sarney, a Constituição de 1988 garantiu as eleições diretas para Presidente da República, em dois turnos, e instituiu o voto obrigatório para maiores de 18 e alistamento eleitoral. Também estabeleceu o voto facultativo para os maiores de 70 anos e os jovens entre 16 e 18 anos. As eleições se tornaram literalmente democráticas nas disputas de 1996, quando a Justiça Eleitoral começou o processo de informatização do voto. Naquele ano, cerca de 33 milhões de eleitores substituíram a cédula de papel pelo voto eletrônico. Em 2000, todos os eleitores do país utilizaram as urnas eletrônicas. No decorrer da história, o universo dos que tinham o direito ao voto foram expandidos e restringidos, de acordo com a diretriz política de cada época. Com o tempo e a evolução da legislação, corrigiu-se a injustiça que afastava das urnas de votação mulheres, analfabetos, negros, religiosos e indígenas. Atualmente, todos os brasileiros maiores de 16 anos podem votar, independentemente do sexo, religião, etnia ou condição social. Isso significa que todos têm um papel decisivo na democracia e usufruem do direito constitucional de escolher seus dirigentes e representantes. Em ano de eleição é extremamente importante relembrar das lutas e conquistas do povo brasileiro diante do seu direito de acesso às urnas. Sendo assim, é válido uma retrospectiva da evolução do voto no Brasil partindo de uma linha do tempo com datas e características desse momento histórico que evolui a cada conquista.

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral


MEIO AMBIENTE

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DO LOCAL AO NACIONAL: O CENÁRIO DAS ENERGIAS RENOVÁVEIS

Por Isabela de Jesus isabelaf028@gmail.com

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á parou para imaginar o processo que um produto passa até chegar em sua casa? Para facilitar vamos tomar o exemplo de um refrigerante. De início se escolhe a matéria prima, depois é chegada a etapa de fabricação, embalado o produto, o refrigerante é transportado em grandes caminhões até os locais de distribuição, e em carros menores conduzidos até os postos de venda, e apenas depois de cumprir essas etapas chega até nós, consumidores. E com a energia elétrica não é diferente, ela tem que ser fabricada (processo que é denominado sistema de geração), depois ela é transportada em grandes blocos (etapa de transmissão), e por fim, distribuída pelo sistema, como explica o engenheiro elétrico e professor Carlos Eduardo Gama. Porém, ao contrário do refrigerante que é embalado, o armazenamento de energia elétrica é um procedimento extremamente caro, tornando-o praticamente inviável. Deste modo, o ideal é que se tenha uma relação de equilíbrio entre geração e consumo

diferença entre matriz energética e matriz elétrica. A primeira corresponde ao conjunto de fontes existentes em um país ou estado disponíveis para abastecer sua demanda de energia, seja para movimentar carros, suprir a necessidade de eletricidade ou cozinhar. Enquanto que a matriz elétrica corresponde apenas ao conjunto de fontes disponíveis para a produção de energia elétrica. O estado de Sergipe tem sua matriz constituída por cinco grandes potenciais de geração energética. Além da Usina Hidroelétrica do Xingó, situada na divisa de Sergipe e Alagoas, está em construção a Usina Termoelétrica Porto de Sergipe I, na Barra dos Coqueiros, que tem previsão para começar a operar em janeiro de 2020. Também possui o Parque Eólico Barra dos Coqueiros e tem prognóstico de receber mais um (Parque Eólico Palmas dos Ventos, em Tobias Barreto) com produção 17 vezes maior. Em termos de energia renovável e não convencional, além do parque eólico, o estado tem exemplos de produção de energia solar e de biomassa através da cana de açúcar. E ainda que a produção de energia solar no estado seja bastante simbólica, segundo o representante da empresa de painéis solares Morais Energy, William Morais, pode-se afirmar que no mercado sergipano houve um aumento de quase 100% de 2017 até o primeiro semestre deste ano. A utilização de hidrelétricas, como componente principal da matriz energética brasileira, preocupa não apenas pelos períodos sazonais de chuva que o país enfrentou nos últimos anos. Ela é questionada desde muito antes, já que para a construção de uma usina hidrelétrica é necessário que uma grande área venha a ser alagada, causando alterações socioambientais muitas vezes irreversíveis, ou seja, além da perda da biodiversidade também ocorrem conflitos com comunidades tradicionais e perda de identidade territorial a partir dos deslocamentos internos. Dois exemplos próximos dos sergipanos são a construção da nova cidade de Canindé de São Francisco e o deslocamento de toda a comunidade de pescadores artesanais do Cabeço, na foz do rio São Francisco, ambos foram resultados da construção da barragem do Xingó, em 1994.

NO BRASIL EQUILIBRAR ESSA RELAÇÃO É DESAFIADOR... A principal fonte de geração de energia no país é a hidrelétrica que, segundo relatório publicado no Portal do Brasil em 2017, correspondia a 72,3% do total, seguida das fontes térmicas que alcançaram 21%, e eólica 6%. Entre as fontes térmicas as que apresentaram maior crescimento, conforme o relatório, foram as derivadas de origem vegetal, mais conhecidas como biomassa. Num primeiro instante o resultado parece animador, já que tanto a energia eólica quanto a energia produzida por meio da biomassa são consideradas fontes de energéticas alternativas e não convencionais. No entanto, ele é sintomático: o aquecimento global tem gerado sérios impactos ao meio ambiente, inclusive alterações nos padrões de chuva, o que aqui no Brasil tem tido consequências diretas nos níveis dos reservatórios de água. Se há queda no nível dos reservatórios e não há diminuição na demanda por energia, a equação geração-consumo é diretamente afetada. Com isso, a implantação de novos meios de produção de energia que não apenas a hídrica torna-se urgente. Diante desse cenário é importante esclarecer a

FONTES DE ENERGIA O QUE SÃO? S ão

ENERGIAS RENOVÁVEIS

ENERGIAS NÃO RENOVÁVEIS

S ão

S ão

recursos naturais necessários

para a produção de algum tipo de energia e se dividem em dois tipos .

as fontes que se regeneram

em um espaço de tempo suficiente para

não

serem

esgotados .

assim

consideradas

estoque na natureza é finito . utilizada ,

menor

será

sua

quando

Q uanto

seu

mais

disponibilidade .


FOTOREPORTAGEM

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UM

CORPO É

UM CORPO

S

obre o corpo muito se fala. Há explicações físicas, biológicas, anatômicas, espirituais, tudo que tenta ou já tentou explicar o que é o corpo sempre esteve presente nas nossas discussões. Orelhas, pernas, quadris, as unhas do dedo mindinho do pé esquerdo. Tudo. Falamos da estrutura física de um organismo vivo, ou do conjunto das várias partes que compõem um animal. O observamos meticulosamente. Damos palpites do dela, do dele; jovem ou velho, dos outros. O corpo é sempre pauta principal, é premissa, embora muitas vezes não entendamos o porquê de tamanha preocupação. Definimos o que nele podemos ter, vestir, mostrar, tocar, olhar. Afinal de contas é ele que carrega o peso da existência de cada um de nós. No fundo sabemos que não há mistério. Doa a quem doer, não há nada que possa mudar isso, o corpo é um corpo. Nesse emaranhado de dúvidas e preceitos, definições e discussões acirradas, independente do ódio, do amor, da dor, do peso, da insignificância ou do poder que nosso corpo carrega, um corpo é um corpo. E só.


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TEXTURA

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(s.f.)

1. disposição das partes de um corpo: a textura da pele

“Às vezes eu tiro foto nua para ver

MEU CORPO”


FOTOREPORTAGEM

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REDESCOBRIR

1. tornar a descobrir

(s.m.)


JORNAL CONTEXTO 60

“Eu tenho muito problema de auto estima, quando tiro foto acho horrível, depois de um tempo vou lá e olho de novo: ah, não é tão horrível assim. Você só é paranóica”

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FOTOREPORTAGEM

“Hoje eu não me importo em mandar. Por exemplo, se você for conversar, tem vezes que a pessoa já chega mandando o nude. Chega um momento que você acha comum”

“Quando eu mando nude estou autorizando a pessoa a ver, é diferente de outra pessoa tirar minha foto e ficar circulando”


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COMUM

1. corriqueiro; o que não é anormal

(s.m.)


CULTURA

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A BRINCADEIRA DO COCO NO SÃO JOÃO DE SERGIPE FOTO: CHARLOTTE BORGES

“Olha o coco. Tira o coco. Quebra o coco pra relar no pé. Olha o coco. Tira o coco. Quebra o coco pra relar no pé.” Por Williany BSouza williany.ufs@gmail.com

O som que se ouve vem do sapatear de Dona Maria da Conceição de Jesus, em um tamanco de couro e madeira, acompanhado de um canto simples e alegre, assim como é a sua casa a 28 km da capital sergipana, no meio de uma ladeira da comunidade quilombola Mussuca. Para chegar até a sua casa ela explica que basta perguntar a qualquer morador do povoado, até mesmo a um recém-nascido, onde mora Maria de Robério, e eles o levarão pelo braço até lá. O samba de coco é cantado e dançado por ela desde muito cedo, bem antes de ser Maria de Robério ou popular na cidade pela contribuição cultural. Aliás, ela só ficou conhecida assim após o seu último casamento. Dona Maria é viúva quatro vezes. Hoje, com 78 anos, lembra que já nasceu vendo o samba de coco sendo brincado por sua mãe e os avós. “Olhe, eu do tamanho dessa boneca aí já

brincava. Agora que só brincava, sabe? Mas depois que eu fiquei adulta, pronto, aí segurei (a tradição do coco)”, conta com entusiasmo enquanto aponta para uma de suas bonecas vestidas iguais a ela, ao lado de um dos seus três santuários, para mostrar o tamanho que tinha quando começou a brincar. Dona Maria da Conceição nasceu na comunidade em frente. “Eu nasci e me criei na Várzea”, mas mora no povoado há 34 anos. “Tenho o maior amor aqui a Mussuca porque foi aqui onde eu me levantei”, completa a mestre da cultura popular. Mãe de seis filhos, avó de 32 netos e bisavó de 26 bisnetos, ela assegura que sempre foi trabalhadora. “Toda vida eu fui do baque. Trabalhei com tudo”, afirma enquanto elenca todos os serviços aos quais se submeteu, desde plantar cana-de-açúcar até servente de pedreiro. Se Euclides da

Cunha tivesse entrevistado dona Maria de Robério diria que a mulher do nordeste é, antes de tudo, um forte. Foi a primeira dama da cidade, há 32 anos, quem propôs a dona Maria que revitalizasse alguma brincadeira folclórica. Ela primeiro reatou o samba de pareia, atualmente liderado por dona Nadir (também da Mussuca), e há 13 anos o samba de coco. “Ela disse ‘olhe dona Maria, se a senhora programar outro grupo eu prometo à senhora que a primeira indumentária eu dou’. Ali, aquela indumentária ali ó”, aponta para a outra boneca com vestido verde e repleta de faixas e medalhas que ganhou em desfiles, enquanto continua falando sobre os outros prêmios que já recebeu. “Eu sou miss piscina, miss elegância e miss vovó. Ali, tudo aquilo ali”. As indumentárias são as roupas usadas nas apresentações.

FOTO: CHARLOTTE BORGES


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FOTO: CHARLOTTE BORGES

Do samba à reza Entre troféus, homenagens e certificados está uma fotografia de dona Maria, seus filhos e uma de suas noras. A sua casa é na verdade o seu museu particular. Em um canto da entrada estão os santos, os seus companheiros como faz questão de falar. A varanda, repleta de homenagens ao samba de coco da Mussuca, é um santuário cultural assim como o resto do imóvel. Em um dos quartos, dona Maria de Robério guarda todas as indumentárias já usadas pelo grupo, os instrumentos e demais acessórios.

O grupo é composto atualmente por oito pessoas dançando, todas elas mulheres; quatro instrumentistas (tocando pandeiro, ganzá, caixa e triângulo), e dona Maria cantando enquanto também samba. Eles já se apresentaram até mesmo fora de Sergipe. “Já tive em Recife. Já tive em Brasília. Já tive em Alagoas... Tudo isso eu já tive com o meu grupo!”, completa orgulhosamente a mestra dos mestres da cultura popular de Laranjeiras. Além de mestre da cultura popular, Dona Maria da Conceição de Jesus é também rezadeira. Uma

das poucas que restam na Mussuca, mas atualmente não reza devido a restrições médicas em decorrência de uma cirurgia na visão. Ela carrega no pescoço uma medalhinha com Santa Luzia de um lado e o Padre Cícero – de quem é romeira há 33 anos – do outro, e no sapatear uma tradição secular. Em março deste ano, recebeu uma homenagem da Secretaria de Estado da Cultura (SECULT) e do Museu AfroBrasileiro, uma exposição sobre ela, fora da que tem em sua casa, que durou o mês inteiro e esteve aberta para todos.

de 20 a 30 de junho, e agradaram a todos os públicos trazendo não só bandas e artistas conhecidos nacionalmente, mas atrações locais e regionais. Dona Maria da Conceição de Jesus foi uma das inscritas no edital. A sua apresentação aconteceu no Arraiá do Povo, assim como a de dona Nadir – do samba de pareia. Segundo o assessor executivo e membro titular do Conselho Estadual de Cultura, Irineu Fontes, ambas são amparadas pela Lei Municipal Nº 909/2009, a qual prevê o recebimento de dois salários mínimos para cada mestre. Assim como outros seis mestres da cultura popular de Laranjeiras. Essa é uma iniciativa para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas e manter as manifestações culturais vivas. No entanto, o edital precisa ser aberto uma vez por ano para que novos mestres sejam consagrados, mas por motivos até o momento desconhecidos isso não acontece. A SECULT, segundo o seu assessor executivo, não dispõe do quantitativo de grupos do samba de coco do estado. Mas há um mapeamento cultural sendo

feito para que tenham esse controle. “A secretaria está tentando a lei dos mestres, como tem em Laranjeiras. O estado está com uma lei aprovada pelo conselho para passar para a Assembléia para aprovar. É uma lei onde vai apoiar os mestres e os grupos”, explica Irineu Fontes. O samba de coco é uma dança folclórica característica do Nordeste, com influência das culturas indígenas e negras, e surgiu no Brasil ao longo do século XIX. Para o historiador Renilfran Cardoso, em seu artigo “Do silêncio à realidade: a história do samba de coco de Lagarto e sua manifestação popular”, o folclore é composto de saberes populares e essa cultura é vista por muitos como ultrapassada. No entanto, ele explica que “manter uma tradição não quer dizer que determinada manifestação cultural parou no tempo e permanece isolada da sociedade. Essa prática é assegurada pela valorização que cada indivíduo possui na preservação da sua história”, sobretudo em tempos de globalização.

Já na capital... As cores verde e amarela decoram as bandeirolas que começam a ser erguidas, religiosamente, em Sergipe quando inicia o mês de junho. O motivo da decoração é o São João, marcado por muitos festejos em todo o Nordeste. Festanças essas que envolvem desde as quadrilhas juninas aos mais tradicionais grupos folclóricos, como é o caso do samba de coco e tantos outros no estado. As cores escolhidas vêm como formas de torcida pela Seleção Brasileira de Futebol (SBF), afinal esse é mais um ano de Copa do Mundo. Além de intitulado como “o país do forró” o estado de Sergipe é rico quando entram em debate as manifestações culturais nordestinas. Nessa época do ano as ruas, praças e pontos turísticos se tornam palcos, e para garantir a diversidade das apresentações a SECULT lança, anualmente, editais de “chamamentos” para os eventos. Esse ano eles estiveram abertos entre o mês de maio e o início de junho, e definiram as atrações para o Arraiá do Povo e o IV Encontro Nordestino de Cultura, ambos na capital. As programações ocorreram


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EDITORIA

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