Jornal Contexto 56

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Ed. 55

2017.1

JORNAL CONTEXTO


EDITORIA

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CASA DE UM CÔMODO Em Quarto de despejo, clássico da literatura brasileira, Carolina Maria de Jesus atribui esse termo à favela porque em 1948, com as demolições das casas para a construção de edifícios no centro de São Paulo, os moradores que residiam nas habitações coletivas foram despejados e passaram a residir em regiões periféricas, embaixo de pontes e viadutos. A percepção de Carolina, e um dos motes do livro, se configuram no testemunho de quem morava às margens do centro urbano e que via a cidade como um espaço rodeado de muros que isolavam qualquer participação social democrática. O livro da década de sessenta é atual e nos faz pensar em como a cidade ainda é excludente para uma parte da sociedade. A cidade deve ser uma casa de um só cômodo. Sem divisões. Sem portas trancadas. Sem exclusões. Um lugar de todos para todos. É sobre isso que iremos tratar nesta edição do Jornal Con-

texto. Falaremos sobre esse tema a partir de suas perspectivas políticas, sociais, econômicas e ambientais. Queremos destacar a importância da democratização dos espaços públicos. Das ocupações que reivindicam direito. De quem tem seu direito de ir e vir reduzidos ou inibidos. De quem caminha pela cidade e deixa rastros de medo e insegurança por conta de sua condição social. Dos muros que excluem e dos muros que falam. Todo o conteúdo informativo deste jornal foi produzido por estudantes que veem a palavra “direito” alicerçada por uma camada frágil, reduzida e cortada. Nós, estudantes, estamos diante de um período turbulento da educação pública brasileira, mas seguiremos lutando e resistindo para que não nos tirem o direito de ter esperança de um futuro melhor. Boa leitura! Tainara Paixão


JORNAL CONTEXTO 56

EX PE DIEN TE

Universidade Federal de Sergipe

Telefone (79) 2105-6919 / 2105-6923

Campus Prof. José Aluísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n, São Cristóvão - SE

E-mail dcos.ufs@gmail.com

Reitor Prof. Dr. Angelo Roberto Antonielli

Orientação Profª. Drª. Michele Becker e Prof. Dr. Vitor Braga

Vice-Reitora Profª. Drª. Iara Maria Campelo Lima

Edição Tainara Paixão

Pró-Reitor de Graduação Prof. Dr. Dilton Cândido Maynard

Direção de Diagramação Lucas Moura

Diretora do CECH Profª. Drª. Ana Maria Leal

Projeto Gráfico/Layout Matheus Brito

Chefe do Departamento de Comunicação Social Prof. Dr. Diogo Cavalcanti Velasco

Capa e Ilustrações Adele Vieira Barbosa dos Santos e Clarissa Martins

Núcleo de Jornalismo Prof. Dr. Vitor Braga

Colagem Rafael Amorim

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Reportagens Ana Angélica Mota Santos Ananda Boaventura Medeiros Andrea Chagas Antônio Aragão Camila Oliveira Caroline Mauricio Matos dos Anjos Clara Louise Dias Santos Cleilson Lima Dayanne Carvalho Elisa Lemos Sabino Guilherme Almeida Isabela Moraes Jose Aparecido Santana Juliana Teixeira Barros Leonan Leal Lucas Honorato Lucas Moura Luciana Gois Maria Ivana Oliveira Lima Maria Izabel de Jesus Costa Rafael Amorim Ronaldo Gomes de Moura Junior Sara Andrade Florêncio Tainara Paixão Thiago Farias

Diagramação Anna Marília Paiva Camila Oliveira Cleilson Lima da Silva Junio Tavares Labely Rairai Leandro Silva Lucas Honorato Luciana Gois Marcos Henrique Matheus Fernando do Carmo Santos Edição De Imagens John Soares Revisão Geral David Rodrigues


POLÍTICA

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DOS TRAÇOS ÀS CORES, A CIDADE COMUNICA ATRAVÉS DOS MUROS DAYANNE CARVALHO

Dayanne Carvalho dessco.jorn@gmail.com

“De vez em quando a gente está meio triste e olhando os riscos na parede dá pra sentir altas mensagens”, comenta Naftali Machado dos Santos, morador da comunidade Rosa Maria.

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entro da bolsa amarela, as 10 latinhas de spray se debatiam umas nas outras enquanto Juliana Vila Nova caminhava pela comunidade Rosa Maria, em São Cristóvão, à procura de um lugar para deixar seu grafite. “Não gosto desse barulho. Isso me lembra que elas estão quase vazias”, comenta a grafiteira, que precisa ter, pelo menos, uma latinha em casa para lançar seu trabalho pelas ruas. Utilizando “bomb” como estilo tipográfico para espalhar seu trabalho, Juliana tem feito com que Buga, apelido de infância, seja o elemento mais direto de reconhecimento de seus grafites pelos moradores das comunidades. “Buga, deixei um salve pra você no pixo que fiz em uma parede lá de trás”, disse um garoto que passou de bicicleta. “A galera é muito de boas. Em outros picos, você pega uma lata e a galera já denuncia. A polícia sempre aparece, mas na conversa eles liberam. Mesmo sendo grafite, se eu não tiver autorização, é crime”, conta.

No portão de ferro, as latinhas quase vazias foram atraindo, pelos improvisos de Buga, os olhares dos meninos que jogavam bola na rua e de moradores como Naftali Machado dos Santos, que acompanhava atento todo o processo. “Por mim tem que riscar, eu tiro foto e tudo. De vez em quando a gente está meio triste e olhando os riscos na parede dá pra sentir altas mensagens”, comenta o morador. De acordo com Erna Barros, autora do livro “Os muros também falam” e pesquisadora dos temas relacionados a pixações e grafites, os grafites são levados para os bairros com a motivação de tornar o lugar mais alegre e de haver uma identificação com os moradores. “A gente não pode esquecer que apenas grafitar já é um ato político. Se colocar em um espaço que é público ou privado já é dialogar com a cidade, não necessariamente através dos muros, mas de todo um contexto que é estar colocando uma expressão nas paredes”, explica a pesquisadora.

Segundo Buga, muita gente ainda imagina que por trás desse trabalho existe um homem assinando. “Quando eu vim pra cá, lancei vários lá perto da Casinha [ocupação com atividades direcionadas à comunidade]. Um dia eu estava pintando o portãozinho e assinei “Buga”. Daí uma galera falou: ‘ah, você que é o Buga?’ ‘Não, a Buga’. Acho massa quando veem que é uma mulher. Gosto desse lance da surpresa”. Após conhecer outras duas grafiteiras na revitalização do Beco dos Cocos, em 2012, Buga propôs o fortalecimento das mulheres na cena criando, junto a elas, o “Arteiras Crew” para reunir o trabalho de grafiteiras de diversos lugares. De acordo com ela, na época, o movimento de mulheres no grafite era bem fraco e, até hoje, ainda é difícil encontrá-las. “Esse lance de ‘respeite as bruxas’ é porque nós somos bruxas mesmo, eu sou bruxa. A gente é transgressora pra caralho, mas ainda tem que mudar muito. A gente tem que se juntar mais”, ressalta Buga.

“A gente não pode esquecer que apenas grafitar já é um ato político. Se colocar em um espaço que é público ou privado já é dialogar com a cidade, não necessariamente através dos muros, mas de todo um contexto que é estar colocando uma expressão nas paredes”, explica Erna Barros


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EXPRESSÃO TERRITORIALIZADA

DAYANNE CARVALHO

Com a intenção de espalhar seu pixo por toda a cidade, Yuri Vasconcelos começou a pixar no final de 2015, após observar por um bom tempo os espaços, enquanto andava de ônibus. Para ele, pixação é uma questão de expressão na dinâmica da cidade, que repreende um muro pixado ao invés de um muro de propaganda. “As pessoas falam muito que o pixo é uma poluição visual, mas a propaganda acaba sendo uma poluição maior ainda pela questão da informação sem expressão artística. Por isso que eu pixo, porque quando você risca um lugar que dá um impacto, a galera nota”, destaca o pixador. Em suas pesquisas, Erna tem percebido que além da diferença estética e de linguagem entre o pixo e o grafite, existe também uma divergência na motivação e nos espaços em que eles se inserem. “A gente tem percebido que existem lugares para grafitar e lugares para pixar”. De acordo com ela, no caso dos pixos, por exemplo, existe um discurso político-social que é levado para universidades e ambientes com grande fluxo de pessoas, como é o caso do Viaduto do DIA. “O viaduto é um lugar de bastante movimentação, principalmente, de trabalhadores e estudantes. Então, o pixador vai pensar em uma dimensão de classe social. Isso é diferente das demarcações de território, que acontece quando ele apenas assina seu nome, sua marca. Geralmente, ele faz isso com os bairros para demarcar os lugares onde ele está grafitando ou pixando, sem pensar exatamente em uma mensagem”, explica a pesquisadora.

DAYANNE CARVALHO

Com grafites espalhados por Aracaju e áreas conurbadas, o trabalho de Buga ainda tem sido visto como algo feito por um homem.

COMUNICAÇÃO No traço que acolhe a comunidade, Buga enxerga o pixo e o grafite como elementos artísticos. A rua, para ela, é a melhor galeria porque é democrática e possibilita que as pessoas tenham acesso à arte fora dos museus. Não deseja que ninguém entenda seu trabalho, mas espera que recebam como uma coisa boa. De dentro do olhar transgressor lançado ao pixo, Yuri vê o muro como uma tela grande. Um instrumento forte, que por estar na rua, causa um impacto.

Para além da estética e da linguagem do pixo e do grafite, Erna acredita que o importante é se atentar às intenções que existem por trás deles. “Pensando nesse sentido, a gente consegue entender quais são as motivações dessas pessoas, o que as levam não somente a colocarem suas ideias na parede, mas o que aquilo vai reverberar para quem está vendo e recebendo. A gente tem que pensar que eles estão grafitando e pixando não para eles, mas para um público que vai ver”, ressalta.

DAYANNE CARVALHO

Meninos da comunidade Rosa Maria, em São Cristóvão, acompanhando o trabalho feito pela grafiteira Juliana Vila Nova

“Se colocar em um espaço que é público ou privado já é dialogar com a cidade”, ressalta a pesquisadora Erna Barros


POLÍTICA

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RESSIGNIFICAÇÃO Um olhar sobre Carol Matos Isabela Moraes

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a altura da Avenida Tancredo Neves é possível ao olho mais atento notar as transformações na paisagem do bairro Jabutiana. Em pouco mais de uma década, a flora do bairro tem cedido ao avanço do concreto, e as ruelas de casas modestas vão sendo sufocadas pelos condomínios e prédios que brotam mais rápido que a vegetação. A princípio, essas mudanças decorreram da ação do Estado, que no início dos anos 2000 promoveu a construção de habitações populares na região – condomínios fechados à semelhança de pequenos burgos isolados do restante da cidade. Daí em diante, coube à iniciativa privada empreender alterações tão profundas quanto a queda de árvores e a elevação de prédios. Junto com o aspecto bucólico partiram também moradores que já não se encaixavam nos novos padrões impostos ao bairro. O Jabutiana conserva em si diversas peculiaridades. Ainda que uma região com toques da zona rural e ruas estreitas margeadas por casas modestas, também possui residências elegantes, de até três pavimentos, as quais servem de moradia para famílias de classe média. “De vez em quando eu me pergunto quando é que alguém vai pedir a minha casa. Moro no mesmo lugar há 17 anos, já vi muita gente entrando e saindo. Umas vezes por querer, outras

vezes por precisão. Eu queria os dois. Ir-me embora para o interior de Alagoas e ganhar um dinheirinho. Mas vender por mixaria não compensa, né? A gente tem que pensar bem”, desabafa dona Maria Silva, 56, vendedora ambulante. Diariamente dona Maria labuta em frente ao mar acompanhada de meia dúzia de salgados numa minúscula vitrine de vidro e umas poucas garrafinhas d’água que estoca num isopor velho para ver se, no fim do dia, consegue retornar para casa com mais do que doze reais no bolso. Após o enfado do expediente sob o sol impiedoso que recai sobre sua pele envelhecida, dona Maria não goza de tempo para refletir sobre o conceito da gentrificação que sobrevoa o telhado de sua casa humilde como urubus que esperam a hora certa para mergulhar em suas presas, tampouco percebe o fato de que seus vizinhos foram sendo retirados, um a um, ao longo do tempo, e remanejados para as periferias da cidade, incentivados pela especulação imobiliária desmedida que enxerga lares como possibilidades de arrecadamento de fortunas através de construções que façam jus à valorização comercial que a região tem consolidado. A gentrificação é uma tendência identificada em meados dos anos de 1990, na Inglaterra; fenômeno que floresce ano após ano mundo afora, e cujo efeito mais evidente é o enobre-


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HABITACIONAL a gentrificação no Jabutiana

(Maria Silva)

Quando a gentrificação atua, o Estado recua em seu dever de promover urbanização para deixar que a iniciativa privada assuma esse papel, de modo que ela o faz em benefício de seus próprios investimentos, sem uma real preocupação com as demandas da população. É desta forma que a gentrificação assume sua forma mais voraz, quando mescla a higienização social com a melhoria urbana para que a classe média possa habitar determinada região, enquanto que às camadas populares nada é dado, ao contrário: são os bairros nobres ou de classe média que circundam as melhores áreas e opções de lazer. À diferença dos conjuntos Sol Nascente e JK, o Largo da Aparecida é a visivelmente a sub-região mais pobre do Jabutiana, com sérios problemas de saneamento básico. Em maio deste ano, por exemplo, ruas e casas foram inundadas quando o nível do Rio Poxim, que corta a região, subiu, ocasião em que os moradores tiveram que lidar com água suja à altura do joelho. Enquanto a especulação imobiliária não se interessa por essa parte do bairro, tampouco o faz o Estado. Assim, o Jabutiana segue conservando seus contrastes, não apenas entre o verde da vegetação e o metafórico cinza do concreto, mas entre a classe média que se isola em seu conforto e a comunidade pobre que pouco ou nada tem.

ADELE VIEIRA

“Moro no mesmo lugar há 17 anos, já vi muita gente entrando e saindo. Umas vezes por querer, outras vezes por precisão. Eu queria os dois. Ir-me embora para o interior de Alagoas e ganhar um dinheirinho. Mas vender por mixaria não compensa, né?”

cimento urbano. Ela quando a especulação imobiliária, em consonância com o poder público, faz melhorias em zonas antes consideradas populares ou decadentes, de modo a valorizar o espaço para que seus empreendimentos se tornem atrativos. Na outra ponta, preços de imóveis, IPTU, iluminação pública ficam cada vez mais caros, praticamente obrigando moradores locais a migrarem. Estudiosos do fenômeno apontam que esses migrantes mudam-se para zonas mais distantes, em geral mais pobres. De outro lado, aponta-se que com o dinheiro da venda do imóvel, o morador migrante obtém uma nova habitação, melhor e mais valorizada do que a deixada para trás. Nessa lógica, a gentrificação seria uma faca de dois gumes. Há dez anos, a Norcon foi uma das primeiras construtoras a empreenderem transformações na paisagem do Jabutiana, lançando dois projetos residenciais voltados para a classe média. Porém, apesar de ter sido uma das principais responsáveis pela urbanização do bairro, inevitavelmente diversos ônus podem ser detectados nesta relação de dualidade que perpassa entre as questões de exploração ambiental e desenvolvimento urbano, a exemplo da carência de um comércio dinâmico no local e da preocupação, por parte dessas construtoras, em criar áreas de convivência comum entre os moradores – praças, parques.


POLÍTICA

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“EU ERA MENDIGA, HOJE SOU PROFESSORA UNIVERSITÁRIA”

CLEILSON LIMA

Cleilson Lima e Luciana Gois (cleilsonlimajorns@gmail.com / lucianasantosdegois@hotmail.com)

A casa que Dona Gicelma divide com seu companheiro no Bairro Santo Antônio

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ra 1972 quando essa história co- dia ela pega seu carrinho e sai em busca meçou. A menina não tinha nome de materiais recicláveis para vender. É e não tinha teto. Carregada por assim que ela e seu marido se sustenuma felicidade radiante, ela era a por- tam há 16 anos. Vivendo às margens da ta de entrada para a vida pedinte das criminalização, ela encontra na fé uma pessoas que a rodeavam. Marta, que forma para continuar. ‘’ Deus não moganhou esse nome para ser deixada em rou em uma casa de palha? Então, eu um orfanato, conta sua história e seu ainda tô numa casa de plástico. Seja o vínculo com a rua com o mesmo sorriso que ele quiser”. Ela não perde o sorriso de criança, mas nas lágrimas a dureza no rosto, nem mesmo quando conta que de uma vida que precisou passar pela seu medo é ficar à mercê da violência e mendicância do amore da sobrevivên- fala com muito orgulho do seu carisma, cia. Ela foi encontrada quando tinha 4 “aqui todo mundo me respeita, me ajuanos no Mercado Municipal Antônio da, me considera, eu só fico com medo quando os ‘nóias’ passam, eu fico com Franco, no centro de Aracaju. “Essa história tem um herói de 17 cada olho”. Gicelma decidiu abandonar anos. Ele tinha ido fazer compras para tudo que tinha para conhecer a realicomemorar o São João com sua família. dade das ruas. Deixou os filhos criados, Foi mais tarde para tentar comprar as a família, o passado de traições, para coisas mais baratas, mas quando che- descobrir e aprender a valorizar na difigou não encontrou quase mais nada culdade. “A vida me trouxe aqui. Eu fui por lá. Já estava indo embora, quan- muito traída, tive 12 filhos,o mais velho é do avistou uma criança brincando na advogado e a minha menina teve tanto lama, se aproximou e lhe perguntou se filho que botava em minhas costas. Enqueria comer. Ela acenou com a cabeça tão eu disse, peraí vou pra rua aprender que sim, recebeu um picolé e se lam- como é que vive a rua”. Ambas fazem parte de um conjunto buzou toda. Alguns minutos depois, o jovem levou a pequenina para sua casa de aracajuanos esquecidos socialmente, e fez o maior esforço para manter ela mas que rodeiam a capital. Segundo a por lá, mesmo contra a vontade de sua Secretaria Municipalde Assistência Somãe. Dias depois, ele teve que ir embo- cial, atualmente, 188 pessoas vivem nessa ra e sua mãe decidiu devolver a criança mesma realidade, sendo a maioria jovens. para o local onde ela havia sido encon- A perda de vínculo com familiares, contrada, mas uma vizinha decidiu criar flitos comunitários,o uso abusivo de droaquela menina. Passaram-se mais al- gas ou a busca por um meio de sustento guns dias e a mulher teve que ir embo- temporário, por meio da mendicância, são ra para o Rio de Janeiro. Não iria levar fatores que levam os indivíduos viverem a criança recém-chegada em sua vida, em condição de rua. Contudo, a última deixando a pequena em um orfanato, pesquisa divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta onde ficou até seus 21 anos”. O dia mal amanhece, e encontra- outros pontos para essa situação. Entre mos em outro ponto Gicelma dos Santos, eles, a pobreza e a quantidade de habiou dona Gicelma como é conhecida nas tantes no município. “ O fator explicativo redondezas de sua tenda. Todos os dias é mais importante é, não surpreendentea mesma rotina. Nas primeiras horas do mente, o número de habitantes do muni-

“A vida me trouxe aqui. Eu fui muito traída, tive 12 filhos,o mais velho é advogado e a minha menina teve tanto filho que botava em minhas costas. Então eu disse, peraí vou pra rua aprender como é que vive a rua”.

cípio. Quanto maior o município, maior a tendência deste de ter moradores de rua. O segundo fator explicativo é a pobreza. Ainda que se trate de fenômeno multidimensional e complexo, teoricamente, a pobreza como conceito, se relaciona fortemente a situações de privação econômica e exclusão social, o que, por sua vez, são fortemente associadas à probabilidade de a pessoa vivenciar uma situação de rua”. Atualmente em Aracaju são ofertadas 40 vagas de acolhimento, sendo 20 através da Casa de Passagem Acolher e 20 vagas por meio do Centro de Apoio ao Migrante. Há ainda o atendimento e oferta de serviços através do Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua (Centro Pop), que realiza atendimentos individuais e coletivos, oficinas e atividades de convívio e socialização, além de ações que incentivem o protagonismo e a participação social dessas pessoas, bem como a oferta de café da manhã e de fichas que permitem o acesso ao almoço e ao jantar no Restaurante Popular Padre Pedro. Mas o alcance para o apoio da prefeitura não chega a todos, como é o caso de nossa personagem Gicelma, ela informou que nunca foi procurada pela prefeitura da cidade. Assim, a população em situação de rua pode ser ainda maior que os 188 cadastros realizados. Quando fomos atrás de nossas fontes, nos deparamos com uma realidade inesperada. Em diversos dias e horários diferentes, encontramos ruas vazias. Não encontram nenhum morador. Conversamos com trabalhadores das redondezas e as resposta foram as mesma “a prefeitura levou para abrigos”, “a prefeitura mandou sair”. De acordo com a Secretaria Municipal de Assistência Social, esse trabalho não está sendo feito como uma limpa na


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CLEILSON LIMA

CLEILSON LIMA

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Com sorriso e muita emoção. Marta conta sua historia de superação cidade, mas realmente um projeto deressocialização. A ALEGRIA QUE BROTA DAS RUAS O sorriso de ambas ao contar suas histórias surpreende. Dona Gicelma, se mostra sempre feliz e superconfiante, apesar da situação em que se encontra. Não reclama da vida que escolheu e cuida da sua casa e da vizinhança como se seu trabalho fosse aquele. Não faz muito tempo que tocaram fogo no barraco em que ela mora com o companheiro e isso porque ela presenciou uma cena suspeita na casa próxima ao barraco e decidiu intervir, dias depois, atearam fogo em sua moradia. Não tem certeza de quem foi, mas desconfia que foi algo criminoso. Perdeu alguns pertences, uns quadros que decoram sua moradia, se foi, mas ela não se arrepende da intervenção que fez, cuida do que é seu e de quem a ajuda também. Enquanto isso, Marta, depois de sair do orfanato teve uma história completamente diferente, sorri por ter conseguido vencer todas as dificuldades que enfrentou. As lágrimas derramadas durante a conversa, apresentam a lutadora que ela é e a mulher que se transformou. Hoje, professora universitária e assistente social, ainda lembra do que viveu. Leva consigo todos os ensinamentos da época e sabe a dureza que foi chegar onde ela está hoje. “Eu era mendiga, hoje sou professora universitária”. E engana-se quem pensa que na casa feita de plástico que fica no bairro Santo Antônio, tem só o casal como moradores. Um cachorro e um gatinho, levam ainda mais alegria e até servem de seguranças para as noites de medo da Dona Gicelma. Mesmo na simplicidade e com as dificuldades que a rua lhe traz, ela arruma seu

“Até então eu não sabia minha história, quando reencontrei com ele e me contou tudo, passei meses para digerir o que havia descoberto.”

Logo pela manhã, Gicelma sai para o seeu trabalho canto com todo zelo, decora e enfeita, para transformá-lo no ambiente mais aconchegante para si e as visitas (os animais) que lá buscam abrigo. A professora, também esbanja alegria. Seus olhos brilham quando conta os momentos de superação e, principalmente, ao falar de suas filhas! Ambas adotivas e com histórias incríveis, levando ainda mais alegria para a vida de Marta. Seus olhos vibram também ao falar das pessoas que ela ajuda no dia a dia. Cada pequeno gesto já é o suficiente para um pontapé de mudança para quem hoje se encontra na situação que ela já viveu. Ela ressalta que muitas vezes é vista como um exemplo para eles, mas não gosta disso, entretanto, reconhece que sua trajetória a fez chegar a ter esse respeito. Mas um momento em especial foi muito importante na vida da professora. Marta conseguiu anos depois, reencontrar o “herói” que a viu no mercado e lhe tirou da rua. Com lágrimas nos olhos, ela conta que no dia das crianças ele lhe deu um dos maiores presentes de sua vida. Entregou uma nova certidão de nascimento e nessa continha o seu sobrenome. Um gesto muitas vezes simples, mas que veio carregado de emoção e felicidade, afinal, agora ela tinha um pai em sua certidão, alguém que legitimou o amor em sua vida, além de ganhar irmãos e parentes. Para ela, isso fez parte de um auto reconhecimento. “Até então eu não sabia minha história, quando reencontrei com ele e me contou tudo, passei meses para digerir o que havia descoberto. Quando o vi pela primeira vez desde a minha infância foi emocionante, encontro belíssimo, mas não se compara ao dia que me deu essa família”.

WSAÍDA PARA ESSA POPULAÇÃO A prefeitura de Aracaju está na espera da aprovação de um novo projeto, o Acolhe Aracaju. A ideia é ampliar o atendimento àessa população. Por meio de recursos do Governo Federal, será trabalhado junto ao indivíduo a importância da construção de um projeto de vida que ajude em sua sobrevivência. Para isso, o projeto pretende desenvolver iniciativas intersetoriais voltadas para a reinserção social de usuários de álcool, crack e outras drogas, através de atividades organizadas em convívio social, qualificação profissional, inclusão produtiva e moradia provisória. Como assistente social, Marta Barreto, acredita que os órgãos competentes precisam investir mais para retirar essas pessoas da situação de rua. Para ela, os abrigos são pouco atrativos e não oferecem tantas oportunidades para essa parcela da população. Outro fator que dificulta é a criminalização que a sociedade exerce nessas pessoas e, por vezes, elas acabam se sentindo totalmente excluídas das comunidades, além de alegarem que nos abrigos, são privadas da liberdade da rua. Ao mesmo tempo, ela vê uma outra questão, muitos moradores não querem sair da situação em que se encontram atualmente. Ao receberem uma primeira ajuda, preferem continuar na rua e vários são os motivos para isso! Medo da não aceitação da sociedade, vergonha e falta segurança para voltar para suas famílias. Gicelma é um desses exemplos, já foi procurada pela filha para voltar para casa, mas preferiu continuar com seu marido pelas ruas de Aracaju. A vontade de aprender com a vida é maior que o desejo de voltar para sua vida antiga.


POLÍTICA

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ESPAÇOS PÚBLICOS REFLETEM A POLARIZAÇÃO POLÍTICA INFONET

Leonan Leite Leal leonan_l3@hotmail.com

Passeata no Centro de Aracaju

A POLARIZAÇÃO NA POLÍTICA BRASILEIRA O Brasil vivencia atualmente uma crise no seu cenário político. Desde 2013, após diversos atos pelo país exigindo mudanças significativas na política brasileira, a nação presenciou uma série de fatos que marcarão a história. Tal cenário causou uma significativa polarização dos principais blocos políticos, a esquerda e a direita brasileira. Em 2013, uma série de manifestações tomaram conta do país. Iniciado pelo movimento Passe Livre que reivindicava o aumento de vinte centavos na passagem de ônibus em São Paulo, as manifestações ganharam relevância pelo Brasil, após os diversos atos de truculência realizados pela Polícia na Avenida Paulista, espaço de encontro dos manifestantes e atos públicos. As jornadas de junho, como foi posteriormente chamada, culminou em diversas mudanças e reformas no governo brasileiro, polarizou a política brasileira, além de fortalecer o coro do apartidarismo e do Fora Dilma que resultou no processo de impeachment ocorrido em 2015. Setores da direita e cidadãos inconformados com o governo Dilma e com a série de casos de corrupção – divulgados diariamente na grande mídia na base de denúncias do Ministério Públi-

co – também construíram atos em Aracaju desde o ano 2015. Em Aracaju, foram diversos os atos em defesa da democracia e na luta contra qualquer tipo de retrocesso. Sindicatos e movimentos protagonizaram vários atos na luta contra as Propostas de Emenda Constitucional (PEC) e as ditas reformas, delineadas pelo presidente Michel Temer. OS ATOS PRÓ E CONTRA IMPEACHMENT EM ARACAJU Os atos contra o governo Dilma e contra a corrupção iniciaram no dia 15 de março de 2015, com concentração em frente aos arcos na orla da atalaia. Segundo os organizadores, o espaço escolhido era de caráter turístico e simbolizava a cidade de Aracaju. Já no dia 12 de abril daquele ano, a manifestação ocorreu na Avenida Beira Mar no bairro 13 de julho, zona nobre da capital. De lá, os manifestantes se dirigiram para o Parque Augusto Franco. Em agosto do mesmo ano, ocorreu mais uma manifestação, dessa vez com mais de três mil pessoas, segundo a PM. O ato ocorreu no mesmo espaço dos anteriores: com concentração nos mirantes da 13 de Julho e terminando no parque Augusto Franco. Em resposta aos seguintes atos contra o governo Dilma, sindicatos, coletivos do movimento estudantil, mo-

vimento rural e demais movimentos sociais manifestaram-se em defesa do governo Dilma e da democracia. A concentração do ato aconteceu na praça General Valadão e foi realizado um cortejo pelas ruas do centro. 2016 No dia 13 de março do ano passado, ocorreu atos em todo o país contra o governo Dilma e em defesa do impeachment. Em Aracaju, o ato ocorreu na orla da Atalaia, onde mais de 30 mil pessoas estiveram presentes, segundo a Polícia Militar. Já no dia 18 de março, apoiadores do governo Dilma juntamente com os sindicatos e movimentos sociais organizados liderados pelo movimento Brasil Popular realizaram um ato que teve sua concentração na praça General Valadão, na qual iniciaram uma caminhada pelos Bairros Santo Antônio, 18 do Forte e Cidade Nova onde a manifestação foi encerrada em frente à TV Sergipe. Fazendo um breve levantamento histórico dos atos de 2015 até agora, observou-se uma diferença nos espaços dessas manifestações. Enquanto as manifestações pró impeachment aconteciam na Orla da Atalaia ou na região sul da capital, os atos em defesa do governo Dilma ocorreram na região comercial e central da cidade.

NAS RUAS PELO MUNDO

As manifestações populares fa zem parte da história do mundo. A revolução francesa foi um dos primeiros acontecimentos com uma presença marcante da massa popular. Artesãos, trabalhadores e até pequenos proprietários fizeram parte desta revolução. Um ato que tornou-se referência desse período foi a tomada da Bastilha no dia 14 de julho de 1789. A Bastilha era uma prisão antiga e sua tomada tornou-se um ato crucial da revolução, transformando o espaço em reafirmação da liberdade francesa na época. Outras manifestações como a revolução russa, por exemplo, é vista como um dos maiores atos públicos. Ocorrida em 1917, o ato foi marcado pela participação de milhares soviéticos e que culminou no fim do poder absolutista dos czares, dando surgimento à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).


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Manifestantes na Orla de Atalaia

NAS RUAS DO BRASIL Nas ruas do Brasil a coisa não foi diferente. Em 1878, milhares de pessoas foram às ruas do Rio de Janeiro reivindicar o pagamento de vintém pelo uso dos bondes. Estima-se que cinco mil pessoas foram às ruas naquele momento. Houve outros acontecimentos que mobilizaram em grande quantidade a população brasileira como: a revolta da vacina em 1904; A greve da meia passagem que levou cerca de 15 mil maranhenses para o centro de São Luís; As manifestações contra a Ditadura em plena avenida Brasil e demais locais do centro do Rio de Janeiro; As diversas manifestações, conhecidas por Diretas Já e o Fora Collor, atos ocorridos em diversas capitais do país.

Segundo Erick Feitosa, um dos organizadores da Frente Brasil Popular – responsável pelas manifestações contra o impeachment, a escolha desses espaços é coletiva e realizada em plenárias. Sendo assim, observa -se se há facilidade do trabalhador em chegar nesses espaços e se têm potencial de diálogo com parcela dos demais trabalhadores. Ainda para Feitosa, “o espaço é fundamental, pois conecta a capacidade de mobilização e diálogo. Em Aracaju, por exemplo, o principal local de concentração dos atos e realização das marchas é a Praça General Valadão, no centro da Cidade, por contemplar esses pré-requisitos”. As manifestações trazem análises importantes quanto ao comportamento da sociedade. Para o sociólogo Prof. Dr. Marcelo Ennes, os espaços possuem uma relação com os indivíduos, “os territórios são elementos fundamentais no processo de socialização e de identificação dos indivíduos, faz parte do processo de dar sentido à vida”, explicou. Ainda para o professor, essa diferença dos espaços ocupados pelos movimentos opostos nos traz uma dedução quanto aos quais grupos sociais esses pertencem, “O centro da cidade está identificado com os trabalhadores, assalariados, comerciantes, classes mais baixas. Já a 13 de julho é identifi-

cada como um padrão de vida mais elevado, com condições melhores, de famílias com um padrão de vida da classe média e alta”, analisou o docente. A estudante Linei Pereira vê nos espaços dos atos, a única oportunidade de diálogo com a classe trabalhadora.“Infelizmente, a TV tem uma força enorme de controle da informação para com a população e a classe trabalhadora. É na rua e nesses espaços que conseguimos dialogar com os trabalhadores, apresentando assim um outro lado da história que não é contada”, lamentou. Para o militante Erick, as ruas é o espaço mais legítimo de mobilização social e cidadã. Segundo ele, “quando tratamos das manifestações populares, de diálogo com os trabalhadores e de local para demonstração de força em nossa sociedade as ruas é o principal espaço para o setor social mais excluído do poder político em nosso país”. Feitosa deixa claro que as ruas é o melhor espaço para reivindicação das classes menos favorecidas, “acredito que somente nas ruas, com espaço público, em atos públicos é que as forças populares conseguem pressionar as demais forças sociais para conquistar suas principais reivindicações. Portanto, existe um potencial desse espaço público urbano como espaço de embate político e da luta pela efetivação do

direito à cidade e à uma sociedade mais justa”, concluiu. O PROJETO DE LEI DO ANTITERRORISMO E A MARGINALIZAÇÃO DOS ATOS Após os diversos acontecimentos desde 2013, o Congresso Nacional trabalhou incansavelmente para a criminalização das manifestações populares. No ano de 2015 foi sancionado o PL 2016/15, pela então Presidenta Dilma Rousseff, fato que culminou em diversas críticas dos movimentos sociais que viram nessa lei uma forma de intimidação dos manifestantes. Embora o PL possua uma cláusula que notifica a não inclusão de manifestações populares como crime, há a inclusão dos atos de “baderna” como crime terrorista. Isso fez com que envolvidos nas manifestações de 2013 fossem condenados, inclusive. Em Brasília, segundo o El Pais, tramita em silêncio pelas Comissões da Câmara dos Deputados o PL 5065/16 de autoria do deputado Edson Moreira (PSDB-PR). Dentre as mudanças, o texto classifica como atos de terrorismo a “prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo por motivação ideológica, política, social e criminal”, deixando, mais uma vez, as manifestações sociais fora dos direitos dos indivíduos.


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ORLAS DE ARACAJU E A FALTA DE SEGURANÇA Por: Angelica Mota e Izabel Costa

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falta de segurança nas Orlas de Aracaju é o principal questionamento dos visitantes e moradores da região, pois quem frequenta a Orla Pôr do Sol e a Orla do Bairro Industrial não se sentem seguros. Esses dois pontos estão abandonados, já que não há posto policial no local e consequentemente acontecem vários assaltos. Na Orla do Bairro Industrial alguns quiosques já foram fechados e não se ver mais turistas visitando o local. Segundo Maria Altair o posto policial que fazia a segurança do ambiente foi desativado há cerca de três anos. A Orla de Atalaia é destaque em todo Brasil por possuir um dos mais belos cartões-postais. Além de atrair turistas por sua beleza possui quadras esportivas, poliesportivas, parque infantil, pista de kart, feira de artesanato, praças de eventos, patins, skates, ciclovias, lagos, bares, restaurantes e hotéis. Esse ponto turístico é bastante frequentado tanto pelos turistas como também pelos moradores da região. O que mais motiva as pessoas a chegarem até a orla é por ser um lugar atrativo e encantador, além de sua fama pelas comidas típicas e músicas de forró pé de serra que relembra o estilo de Luíz Gonzaga. Outro ponto importante é o espaço para as pessoas fazerem caminhadas, praticar exercícios, pedalar, correr, jogar futebol na areia e praticar vôlei, aproveitar para passear com amigos e parentes. Assim torna o espaço variado para quem vem de outras regiões e para quem mora próximo, pois há opções para todos os gostos. Como é o caso do estudante Johnnatha Willians, morador do bairro Coroa do Meio que começou a frequentar a orla semanalmente e aos finais de semana motivado pelos amigos a praticar atividade física. O estudante gostou tanto da ideia que continua utilizando o espaço como uma forma de melhorar sua qualidade de vida e a partir desse incentivo conseguiu perder alguns qui-

linhos, pois o mesmo estava com excesso de peso. Johnntha sente-se seguro no local, embora reclame da falta de policiamento e das condições em que os aparelhos se encontram como equipamentos enferrujados e outros danificados precisando de manutenção. Ele afirma que a população deve colaborar para manter os equipamentos conservados para todos. Já o professor Celso Santos utiliza o local por achar calmo, espaçoso e seguro, sendo de fácil acesso e vai ao local frequentemente. Celso também fala que a população deve colaborar para manter os aparelhos bem conservados usando e mantendo da mesma forma que encontrou. Relata também as reclamações das pessoas quanto à falta de policiamento no local. “A Orla de Atalaia é a mais segura em relação às outras, por ter um posto policial monitorando e localizado a poucos metros”. Diz o estudante Luan Santos. Embora conheça as quatro orlas e goste mais de utilizar os aparelhos da Praia Formosa por estarem em melhores condições costuma frequentar mais a Orla de Atalaia por sentir maior segurança. Já para o químico Alan Rezende o que mais motivou a frequentar foi o espaço amplo e ao ar livre. Isso o faz frequentar semanalmente. “Acho um lugar seguro e não tenho nenhuma dificuldade em me deslocar até aqui, pois costumo vir de bicicleta” afirma. Já em relação aos equipamentos, acha que a população deve se conscientizar, conservar e não danificar a parte física da academia. Embora considere um local seguro para a prática de exercícios pelos aparelhos serem fixos reclama da estrutura metálica que está corroída podendo ocasionar um acidente. O químico relata ainda que deveriam ser implantadas academias com materiais de alumínio em virtude da corrosão e diferentes tipos de equipamentos como existem em outros locais.

CREDITO IMAGEM

(angerca31@hotmail.com/izabel2014jornalismo@hotmail.com)

A Orlinha do Bairro Industrial encontra-se em estado de abandono

“A Orla de Atalaia é a mais segura em relação às outras, por ter um posto policial monitorando e localizado a poucos metros”.


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PRAIA FORMOSA A Praia Formosa localizada no bairro Treze de Julho foi inaugurada a mais de um ano pela prefeitura de Aracaju. Esse novo espaço tem atraído cada vez mais os moradores da localidade e turistas. O espaço conta com equipamentos para a prática de exercícios, além de brinquedos para a diversão das crianças, iluminação em led, fontes de água e parede para escalada. Embora seja mais um lugar onde as pessoas procuram lazer, uma coisa é visível, a falta de segurança que tem deixado as pessoas amedrontadas. O engenheiro Marcos Dantas, morador da Treze de Julho procura o espaço diariamente para fazer caminhada no calçadão. O mesmo se sente inseguro, pois desde que começou a caminhar não viu nenhuma viatura nas imediações e relata que logo após a inauguração havia policiais nas proximidades do calçadão. Enquanto que agora reclama da ausência de policiamento desconhecendo a presença de posto policial no local. Marcos acha que a população deve manter e fiscalizar os equipamentos existentes nesses espaços por meio de sugestões para o órgão competente da prefeitura. Na opinião do engenheiro o Espaco para pratica de exercicos na praia formosa, localizada no bairro Treze de Julho

local é utilizado para a prática de caminhadas e lazer. Já Michele Barreto, servidora pública da cidade de Maceió chegou a cidade motivada pelos parentes sendo que ela já havia visitado outras vezes. Embora já conhecesse a Praia Formosa antes da reforma a servidora pública achou bem organizada e aproveitou para o lazer com os filhos e o esposo. Ela também reclama da falta de policiamento e acha que deveria ter policiais em determinados pontos estratégicos. Genivaldo Silva instrutor de tênis e morador do bairro Atalaia frequenta diariamente as duas orlas, a de Atalaia e a da Praia Formosa, sendo motivado a utilizar o novo calçadão por ser uma área livre, agradável e alegre, ou seja, procura o local para o lazer. O instrutor diz ainda que o novo calçadão foi feito num momento oportuno. Ressalta também que não há segurança em nenhuma das duas orlas, porém no seu primeiro mês de inauguração havia segurança na localidade como guarda municipal e policia militar deixando os moradores mais tranquilos. Enquanto que agora a vizinhança está receosa. Em sua opinião, quem procura mais o espaço são os moradores da redondeza e percebe que falta divulgação para atrair pessoas ao local.


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A Orla Pôr do Sol situada no povoado mosqueiro, é uma das orlas mais visitadas pelos turistas.

A Orla Pôr do Sol está situada no povoado mosqueiro e é uma das orlas mais visitadas pelos turistas. O lugar atrai turistas de todo país em virtude do rio Vaza Barris que possibilita passeios de catamarã e barco até a Croa do Goré. A administradora Janaína Borges veio à Orla Pôr do Sol pela primeira vez com a família e estava embarcando no catamarã para visitar a Croa do Goré. Para ela o ambiente é tranquilo e acessível e não percebeu nada estranho quanto à segurança, pois estava de passagem. Para Antoniel dos Santos que conhece bem o local “a orla está desprezada e precisa de uma reforma para os turistas apreciarem melhor porque tem muitos buracos e as luzes foram roubadas”.Já para Angelita dos santos que é vendedora de chapéu e moradora da localidade e frequenta a orla todos

os dias e sua maior reclamação foi à falta de estrutura, pois o local não possui banheiro químico, chuveiro, iluminação, equipamentos de exercícios, brinquedos e segurança. Apesar de haver um posto policial nas proximidades os turistas e moradores se sentem inseguros ficando a mercê da marginalidade. Cleonice de Fátima, bancária, estava visitando pela primeira vez a orla pôr do sol, moradora do Mato Grosso achou o acesso tranquilo. Embora tivesse achado longe, cada ponto turístico,pois tem que se locomover de carro. Veio até a cidade por curiosidade por que já tinha visitado outras localidades como balneário de Camboriú e Porto Seguro. O local é bastante movimentado pelos turistas pela parte do dia. Já que a noite o lugar não oferece atração nenhuma sendo um deserto.

a orla está desprezada e precisa de uma reforma para os turistas apreciarem melhor porque tem muitos buracos e as luzes foram roubadas” CREDITO IMAGEM

ORLA PÔR DO SOL

A Orla Pôr do Sol, possibilita passeios de catamarã e barco até a Croa do Goré.


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ORLINHA DO BAIRRO INDUSTRIAL A orla do Bairro Industrial encontra-se em estado de abandono, pois há dois anos foi desativo o posto policial, o que provocou uma onda de assaltos a qualquer momento do dia. Devido a isso as pessoas da comunidade e os turistas pararam de frequentar por não se sentirem seguras no local e, consequentemente, alguns quiosques foram fechados por falta de movimento. Para os frequentadores do ambiente é insatisfatório ver que uma orla bonita, com espaços agradáveis para o lazer e para a prática de atividade física tenha sido abandonada pela prefeitura. O vigilante Gilson Dia, que costuma ir à localidade para pescar no rio diz “A estrutura da orla está precária e a situação também, pois muita gente está sendo roubada aqui e tudo está A desativação o posto policial da orla do bairro industrial provocou uma onda de assaltos a qualquer momento do dia.

“A estrutura da orla está precária e a situação também, pois muita gente está sendo roubada aqui e tudo está abandonado e com muitos buracos.”

abandonado e com muitos buracos. O governo precisa tomar iniciativa para resolver esse problema. Para voltar a atrair turistas é necessário colocar alguns pontos de vendas, melhorar a segurança e melhorar a estrutura que passa por problemas”. Para Maria Altair, coordenadora do Centro de Artesanato da Orla do Bairro Industrial há oito anos, “o movimento no local reduziu muito em virtude dos assaltos que ocorrem notoriamente e além de segurança precisa de mais atrativos para despertar o interesse de quem vem de fora. Era mais movimentado aos domingos por causa dos bares que colocavam shows. Para resolver o problema mais rápido seria necessário fazer um abaixo assinado pela população local pedindo providências”.


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PERCURSOS E TRAJETOS: A VIOLÊNCIA NAS RUAS DE ARACAJU Ananda Boaventura (ananda.ufs@gmail.com) Ivana Oliveira (oliveiralivy@gmail.com)

É

evidente a diferença entre a relação que uma pessoa considerada vulnerável tem com a cidade para uma que faz parte de um grupo não vulnerável. A assistente social do Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), Nayana Marques, afirma que os grupos vulneráveis são as maiores vítimas de crimes de ódio, que ocorrem unicamente por conta da origem da pessoa agredida, as principais vítimas são negros, mulheres, idosos, LGBTs, deficientes físicos ou mentais, pessoas em condição de rua e religiosos. Amanda Cruz trabalha há três anos numa loja localizada no Calçadão, no centro da cidade, e diz que se sente insegura em qualquer horário. “É pior quando a gente vai sair, umas 18h30, porque já começa a escurecer. Eu tento andar sempre com alguém e quando vejo um lugar mais escuro, estranho, prefiro desviar o caminho”. Ela diz que se sentiria mais segura se tivesse mais policiais fixos próximo ao seu posto de trabalho. Embora atenda ao quesito de participar de um grupo vulnerável por ser negro, para Jorge dos Santos, que trabalha há 40 anos também no Calçadão como vendedor ambulante, a sensação de segurança é constante. Ele ignora o fato de haver pequenas ocorrências de furtos e afirma que se sente seguro independente do horário, confiando exclusivamente na proteção divina. Nunca viu nenhuma ocorrência de assaltos, furtos ou coisa do tipo. “O policiamento aqui é melhor do que o do shopping.” José Américo, 62, e Cícero Arnaldo de Oliveira, 64, frequentam o centro da cidade ocasionalmente e comentam que se sentem muito inseguros. Ambos já foram assaltados dentro e fora de estabelecimentos comerciais da região. “A pé ou de ônibus, a insegurança é constante, a gente tem que ficar sempre atento”, afirma Cícero Oliveira. O centro da cidade possui um grande fluxo de pessoas durante o dia e se esvazia à noite. É um dos locais onde há maior índice de criminalidade na capital sergipana, com pouco mais de mil ocorrências registrados nos meses de janeiro a maio deste ano, cerca de

37% mais ocorrências do que no bairro Santa Maria, considerado um dos mais violentos da cidade, segundo dados fornecidos pela Coordenadoria de Estatística e Análise Criminal da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Segundo o Major J. Luiz, Coordenador de Operações Táticas em eventos e festas, o policiamento ostensivo é feito com base em estatísticas e mapas termais da violência, que orientam os níveis das operações para combatê-la. O policiamento militar opera com ações preventivas nas regiões mais afetadas e, caso necessário, é realizado o recobrimento do local como um reforço ao batalhão. São utilizando as unidades especializadas, que realizam o trabalho de forma mais invasiva, com abordagens a ônibus, veículos e pessoas. A assistente social conta que boa parte das pessoas que são agredidas têm consciência da sua vulnerabilidade e sabem de que forma denunciar seus agressores. Levam identificação e, se possível, testemunhas para poder dar seguimento ao inquérito. “Chegou aqui um homossexual que havia sido agredido pelo cobrador de um ônibus, ele tinha pego o número da linha do ônibus, o horário e prestou o boletim de ocorrência. Com os dados registrados, nós entramos em contato com o agressor para que ele fique ciente da queixa prestada”, explica Marques. Ricardo Mascarello, arquiteto e urbanista na Secretaria Municipal da Indústria, Comércio e Turismo e professor universitário com mais de 20 anos de atuação explica que a sensação de segurança está diretamente atrelada ao conceito de vitalidade urbana. “Quanto mais pessoas eu tenho na rua, maior é a sensação de segurança porque as pessoas se enxergam.” De acordo com o Major, a violência é dinâmica, então ela se transfere de um local para o outro, “os criminosos migram, quando saturamos uma área, como o Santa Maria, que recebeu muita atenção, eles migram para outra localidade mais desprovida de policiamento e o ciclo de violência recomeça.” A ausência da sensação de segurança em diversas localidades urbanas

“os criminosos migram, quando saturamos uma área, como o Santa Maria, que recebeu muita atenção, eles migram para outra localidade mais desprovida de policiamento e o ciclo de violência recomeça.” (major j. luiz, coordenador de operações táticas em eventos e festas)

retiram das pessoas a vontade de sair de casa para poder ocupar as ruas, avenidas e praças. Outro fator importante é possibilitar que as construções “enxerguem” a rua. No bairro Santo Antônio, por exemplo, as casas estão na altura da calçada, o que confere a quem passa uma sensação maior de acessibilidade às pessoas que estão dentro das casas. “Existem os chamados ‘edifícios egoístas’, presentes em bairros mais novos como o Jabotiana, que são completamente cercados por altos muros de concreto, o acesso às pessoas se torna muito mais difícil e as pessoas que andam por ali ficam mais vulneráveis”, conclui o arquiteto. Ainda de acordo com Mascarello, quando começaram a ser construídas, as cidades eram divididas em distritos residenciais, industrias, comerciais e isso dificultava muito o deslocamento das pessoas, o que gera conflitos na vida urbana. O arquiteto defende a mescla de usos na cidade, ou seja, a

fusão dos setores em um local só para estimular o fluxo de pessoas em todos os horários. A cidade colombiana de Medellín é um exemplo de como a vitalidade urbana contribui para a diminuição da sensação de insegurança e mesmo para a redução nos índices de violência. Medellín era considerada uma das cidades mais violentas do mundo, a população tinha medo de sair às ruas por conta de toques de recolher impostos por traficantes. Um projeto governamental levou equipamentos públicos (bibliotecas, cinemas, locais para socialização, atividades ao ar livre, etc.) para a localidade, momento em que a comunidade, sem distinção de membros, passou a se engajar em ocupar os espaços e interagir com a cidade, zelando por ela. Uma das formas de fazer isso foi a adoção dos guardas mirins, que são jovens voluntários da própria comunidade que exercem a vigilância nos locais públicos.


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QUANDO OS INTERESSES PESSOAIS FALAM MAIS ALTO

A realidade ambiental vista como mais um recurso Andréa Chagas (andrea.schagas2@hotmail.com)

ANDRÉACHAGAS

O

Apesar da placa, as pessoas não param de jogar lixo no mangue.

ANDRÉACHAGAS

uvimos muito falar em sustentabilidade, preservação ambiental, sistemas ecológicos, cuidados com a biodiversidade, mas será que de fato sabemos do que se trata cada um desses termos e quais as atribuições por trás de cada um? Um ótimo exemplo é o manguezal. Será que você imaginou que fôssemos falar sobre ele? Certamente não porque quando falamos em meio ambiente só conseguimos pensar em primeira instância nas grandes florestas, no entanto, vamos descobrir esse universo do mangue que está tão perto de nós e sempre passa despercebido. Ecossistema costeiro entre zonas terrestres e marinhas, esse é o manguezal e ao contrário do que muitas pessoas pensam ele não é apenas lama, não é sujo, e abriga muitas espécies de animais. Mas no decorrer do tempo o homem que foi se aprimorando e descobrindo tudo que podia construir resolveu que precisava de uma casa, porém só existia manguezais e ele muito esperto decidiu aterrar aquele ecossistema e construir sua moradia, sem se importar com o fato de que ali era a moradia de outros animais. Entretanto, a possibilidade de construção encheu os olhos e o ego dele e assim inúmeras áreas de mangues foram aterradas e casas e prédios preencheram aquele local. Eis aqui o maravilhoso processo de urbanização. A urbanização é complicada de lidar e analisar porque assim como todas as coisas, ela também tem um lado bom e outro ruim. Toda cidade precisa crescer, as pessoas evoluem e isso se reflete no modo de vida. Muitas pessoas deixam a zona rural em busca de algo melhor na cidade, como por exemplo, o desenvolvimento financeiro. Contudo, o fato das pessoas virem para a cidade desencadeia a necessidade de desenvolver o lado urbano, e assim, a construção de moradias torna-se algo imprescindível. Aqui, em Aracaju, esse processo ajudou muito na evolução da cidade que começou por volta do século XIX com o projeto do engenheiro Sebastião José Basílio Pirro, porém deixou rastros devastadores que podem ser observados no que restou dos ecossistemas que foram aterrados. Em um diálogo com o professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Adauto Ribeiro, Doutor em Ciência e

Placa praticamente apagada: sinal de descuído.

“Assim como no manguezal, toda a vida é um ecossistema, é feita de ciclos que vão e vem e é preciso que se leve em conta essa cadeia.” (Andréa Chagas)

Mestre em Ecologia, debatemos sobre esse processo de urbanização e a destruição dos mangues e destrinchamos melhor como uma coisa afeta a outra. Assim como no manguezal, toda a vida é um ecossistema, é feita de ciclos que vão e vem e é preciso que se leve em conta essa cadeia. “A dinâmica da urbanização tem que obedecer às mesmas regras da natureza e da física, pois assim como as coisas se degradam com o tempo no ecossistema, também acontece na vida urbana com as construções e, principalmente, as que estão mais próximas de rios”, explica Ribeiro. Construções que são feitas ao redor dos mangues são mais propícias a degradarem, mas isso não afeta apenas os moradores dessas casas e apartamentos – que em sua grande maioria são pessoas de classe média alta e classe alta, onde muitos são empresários e políticos e seus interesses particulares são mais importantes do que a preservação ambiental – afeta diretamente o mangue, tanto a parte que foi aterrada como a parte que ainda restou, pois essa recebe todos os resíduos que são utilizados na construção e reconstrução. “Não há uma relação entre argila e mangue e quando esse resíduo vai para o manguezal, altera as condições do mesmo de tal maneira que ele vai perdendo a capacidade de resiliência”, relata. As pessoas ignoram o meio ambiente como um todo e existe um preconceito com o ecossistema costeiro. Então, como consumistas que somos, muita gente pensa que é melhor construir casas e apartamentos para ter lucros financeiros porque o mangue não serve para nada, o que é um terrível engano porque o mangue, assim como as florestas têm a função de manter o planeta saudável, filtrando as impurezas e gás carbônico que maltratam a camada de ozônio, purificando tudo para nós. “Esse nosso processo consumista tem tudo a ver com a dinâmica da urbanização, que por sua vez é totalmente ecossistêmica”, afirma, Ribeiro.

Além de resíduos de construções imobiliárias, temos que lidar com os canais de esgoto e o lixo que são depositados nos manguezais. Será que poderíamos ter feito uma urbanização sem causar danos? Sindiany Caduda, Bióloga e Coordenadora de Projetos II do Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras – PEAC, explica que, “para redução de danos faz-se necessário o investimento em políticas públicas voltadas para a proteção dos ambientes costeiros que sejam eficientes e eficazes. Os manguezais são Áreas de Preservação Permanente, protegidos pelo Código Florestal, mas a ineficiência de uma política de fiscalização e proteção mais incisiva põe o ecossistema em risco”. Porém, não vamos focar apenas nas políticas públicas, porque os governantes têm que fazer a parte deles sim, mas a população também tem que desempenhar o papel social dela porque isso acontece também por falta de consciência social e cidadania. “A cidade cresce e não tem plano para os resíduos sólidos e os orgânicos e aí acaba tudo indo para lixões, muitas coisas são descartadas nos mangues pela população e outra parte como saneamento, por exemplo, é descartada diretamente no mar por meio de emissários submarinos, falta conscientização dos dois lados”, revela Ribeiro. Talvez fosse interessante criar campanhas de conscientização pública sobre a real importância do manguezal para o meio ambiente para que assim, a sustentabilidade seja de fato exercida e implantar disciplinas de educação ambiental para que desde a infância as crianças aprendam a preservar os recursos ambientais. Procuradas para falarem sobre os assuntos em questão e apresentarem seus pontos de vista e argumentos, tanto a Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) quanto a Empresa Municipal de Obras e Urbanização (EMURB), não quiseram se pronunciar e não retornaram os e-mails, nem as ligações.


COMPORTAMENTO

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NO CENTRO, A MESMA

NOITE QUE ESVAZIA,

RESSIGNIFICA O DIA

O que uma gari, um dono de bar, uma arquiteta e um artista têm em comum, no presente, são as calçadas tabulares vazias quando a noite cai na cidade. O que eles têm de diferente é o futuro nessas mesmas calçadas. Nessa reportagem, as vivências de cada personagem são ligadas pelo lugar que as configurou: o Centro de Aracaju.

Q

uando inicia o expediente, Silvania Nunes, 30, há seis anos dedicando-se ao serviço de gari, depara-se com um ambiente bastante diferente de quando termina. Os passos apressados, o trânsito frenético e o ruído constante do comércio dão lugar ao silêncio quase absoluto – interrompido, vez ou outra, pelo barulho de um ônibus na avenida ou o latido de um cachorro abandonado. O lugar é o Centro de Aracaju. O horário em que chega beira às 15h. Quando sai, o relógio já ultrapassou às 23h e os 40 minutos que leva para chegar em casa já não passam tão rapidamente como os primeiros 40 minutos de trabalho. Antes de ser gari, Silvania era doméstica. Ao trocar a limpeza das casas pela limpeza das ruas, as relações entre empregado e empregador também mudaram. Logo, o temperamento imprevisível das patroas já não era mais uma preocupação, embora sua rotina fosse cercada pelo medo de trabalhar à noite naquele novo espaço. Medo concretizado quando viu, pela primeira vez, um assassinato. O cheiro do sangue na calçada a acompanhou durante as noites seguintes e só foi despistado quando ela aprendeu a ativar outro sentido para enganar a memória. “É só virar os olhos”, ensina. Para entender os motivos do medo de Silvania é preciso conhecer o processo de esvaziamento daquele lugar, o que Lygia Nunes – arquiteta, urbanista, professora do curso de arquitetura na Universidade Tiradentes (Unit) e pesquisadora na área de planejamento urbano, construção empírica e experiência na cidade – acredita ser resultado de

diversas mudanças históricas. “A transformação mais comum é conduzida por uma dinâmica de mercado imobiliário. Por conta disso, originalmente a área que era ocupada, inclusive por classes mais altas, vai ao longo do tempo sendo esvaziada em relação à moradia. Assim, o uso desses espaços deixa de ter essa função e passa a ter uma função de comércio e serviço”, explica. Dessa forma, quando os portões das lojas se fecham e os consumidores desaparecem, novos grupos ressignificam aquele território. O mercado se dá de outra forma, diferente em relação aos horários, mas com a mesma lógica de funcionamento. Nas esquinas, profissionais do sexo esperam as janelas de carros desconhecidos se abrirem. Nas ruas, moradores procuram conforto nas calçadas já frias. Enquanto isso, os bares abrigam o cansaço dos funcionários e a euforia dos artistas, que veem no escuro da noite o palco oportuno para iluminar suas produções. Todas essas vivências são tidas como “marginais” diante do planejamento “ideal” que é feito pelo Estado e por outras classes sociais, no qual não há espaço para expressão desses grupos. O funcionamento dessas atividades já era conhecido por ela antes de se tornar foco de sua pesquisa, quando ainda era estudante de arquitetura na Unit, curso que, na época, era localizado na Rua Lagarto, no Centro. “Ao longo daqueles 5 anos, eu ia de ônibus, chegava no terminal e circulava muito atrás de material para trabalho. Quando tinha aula a noite, as pessoas estavam dentro de casa e as portas ficavam fechadas.

RAFAEL AMORIM

Rafael Amorim/ Ronaldo Gomes (rafaelamorimc@gmail.com/ ronaldoogomes@outlook.com.br)

“Existe um modelo de sociedade imposto, enquanto padrão de vida, comportamento e costume. Tudo que está fora, a gente chama de marginal e, da mesma maneira, é indesejado e mal visto. Essa questão da estrutura vai influenciar a presença dessas atividades indesejadas socialmente” (Lygia Nunes, arquiteta)


JORNAL CONTEXTO 56 mácia e casa de confecções se tornou, há 13 anos, não só seu estabelecimento, como seu lar, já que ele mora em cima do local. Assim, foi consequente o encontro entre Elenildo e João. No bar do primeiro, o segundo expôs seu trabalho. O sucesso foi tanto que, com o dinheiro das obras vendidas, João e os amigos viajaram para o Capão, na Chapada Diamantina, além de reconfigurar aquele espaço por meio das vivências que só a arte conseguiu alcançar. Para Lygia, a arte é uma alternativa para resolver uma problemática social. “Essas ocupações artísticas tornam os espaços públicos coletivos novamente atrativos para que as pessoas estejam ali. Eu vejo que se a população se sentir dona da cidade e começar a reivindicar esse lugar, nós vamos promover essa cena para que as pessoas venham para os espaços públicos”, comenta. Ressignificar esses espaços, entretanto, é também reconfigurar as relações existentes ali. Quando um novo grupo chega, antigos grupos, obrigatoriamente, reorganizam-se. Levar arte para os locais esvaziados amplia a vi-

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RESSIGNIFICANDO ESPAÇOS A mesma vivência de Lygia foi compartilhada por pessoas como João Henrique, 30, designer, ilustrador e mobilizador de eventos como Sarau de Baixo e Maré Maré, que buscavam revitalizar, por meio da arte, espaços até então desocupados. Enquanto divide a cerveja com Samir, colega desde os tempos de faculdade, ele relembra de alguns lugares que, agora, são memórias remotas. “Tinha a Rua da Cultura, a Casa Laranja, a Rua 24 horas”, lista. Embora permaneçam sendo chamados dessa forma, esses espaços já não abrigam a mesma vitalidade de antes, um fato que faz sua seguinte afirmação parecer otimista: “hoje tem vida, só não é propagada”. Pensando em despertar em outras pessoas as experiências que teve no passado, João e outros colegas artistas decidiram ressignificar aquele ambiente. De início, a ideia parecia simples. “A proposta era essa: vir para

o Centro para fazer coisas no Centro”, explica. Depois, pareceu oportuna. “É uma forma de não ter que ir atrás de editais, de não depender de galerias, de não pedir ajuda a grandes empresas”, conclui. Pensando nisso, o problema agora era encontrar um lugar que abrigasse suas ideias. “A gente teve sorte porque ele foi muito aberto”, comenta João. O ele a quem se refere é Elenildo Silva, 38, dono de um estabelecimento peculiar localizado na esquina da Rua Simão Dias. “Um bar de rock’n roll no meio do Centro?”, questionavam os curiosos. O bar de Elenildo não toca arrocha, forró ou sertanejo. Lá, o barulho do trânsito e a conversa dos fregueses competem com os solos de guitarra dos discos favoritos do proprietário. Saindo de Porto da Folha, Elenildo buscava na capital a perspectiva de vida que destoava do interior e o gênero pouco tocado nas rádios locais, logo se tornaria o único tocado em seu bar. Foi o amor pelo rock’n roll que abriu outras portas, como o amor pela arte. “A vida fica mais fácil com poesia”, afirma. A antiga loja de refrigeração, far-

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Praticamente só tinha a gente na rua, então era uma vivência minha também”, lembra.

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Bar do Elenildo

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são sobre de quem são esses espaços, como afirma Lygia: “Todas essas ocupações, quando elas surgem, desde a sua cerne, compreendem que a cidade é para todo mundo”. Apesar disso, essa compreensão não é suficiente para incluir nessas atividades grupos que são marginalizados. “Talvez a chegada de muita gente possa gerar no indivíduo que está tentando se esconder de alguma forma dessa padronização imposta, um desconforto”, completa.

Ilustração dos temas, colagem

A MODERNIDADE QUE ESVAZIA No início, existiam as praças, os homens e o que os unia: a coletividade. Depois, surgiram os prédios e, unidos aos homens, uma nova relação se estabelecia: a modernidade. Manter a coletividade dentro de um intenso processo de modernização da cidade se tornou um desafio. Aos poucos, o espaço das praças públicas foi sendo reproduzido em pequenos lotes limitados de condomínios e o caos das lojas pelos calçadões começou a competir com a calmaria e os altos preços dos shoppings. Esse movimento que foi absorvido como positivo pelas comunidades trouxe consequências para as relações existentes nelas. “Eles reproduzem o que era o espaço público no passado, só que privado, e fazem com que eu me sinta como se eu tivesse na praça, sem estar. Assim, esse espaço vai se tornando esvaziado”, explica Lygia. A solução encontrada por outras cidades, como Salvador e Recife, para trazer de volta movimento aos lugares esvaziados, partiu de investimentos pontuais na estrutura, no que tange pavimentação e iluminação, por exemplo, e na funcionalidade, trazendo atividades culturais durante o dia e a noite. Essa solução, entretanto, não leva em consideração os grupos que estão à margem desse progresso, como acredita a arquiteta. “Existem questões sociais muito mais fortes que foram construídas ao longo do tempo, historicamente, culturalmente e socialmente, e que são fatores que não vão deixar de existir se colocarmos uma boa estrutura e ele passar a ser ‘bem frequentado’. Aquilo que incomoda vai sair dali, mas vai pra algum lugar. A gente não está resolvendo. A gente está mascarando”, diz Lygia. À frente dessas ações moderni-

zantes, o Estado é um dos agentes que interfere diretamente na construção e manutenção desse espaço revitalizado. Espaço que, reflexo dessa modernidade, deixa de lado o coletivo que dá significado a esses locais. Assim, é o individual que prevalece, como explica a arquiteta: “Na grande maioria dos casos, o gestor público se sente no lugar do dono, de quem sabe o que é melhor para a cidade. Quando na verdade, ele é uma mera representação do povo”. “De quem são as ruas? A área de pessoas e a área de veículos?”. Os questionamentos que guiam a inquietação de João são respondidos pela constatação quase óbvia de Lygia que enxerga uma realidade ainda distante: “A cidade não é do prefeito, nem do poder público. A cidade é das pessoas”. DEPOIS QUE A NOITE ACABAR Enquanto observa, de dentro do bar de Elenildo, um muro repleto de propagandas descoloridas, João especula o futuro daquela parede: “Já pensou se a gente coloca um cinema ali?”. Futuro que Elenildo enxerga pelas calçadas a frente: “Eu queria que enchesse de bar daqui até o final”. No final da calçada, é Silvania quem foge das primeiras gotas de chuva que ameaçam a noite. “Chovendo ou não, a gente continua trabalhando”, conta. É no mesmo futuro que João enxerga algo que já descobriu no presente: “Eu achava que quando a gente acabasse, outros movimentos não surgiriam, mas nasciam mais”. Depois, ele se dá conta de que o futuro também é abstração: “Eu imagino o que eu acredito”. Apontando para as placas dos imóveis que, potencialmente, se tornarão comércios, Elenildo encontra no presente uma resposta para a incerteza do futuro. Já Silvania, concluindo mais uma noite de trabalho, não especula tanto. Terceirizada, a gari não sabe se a empresa Torre, atual contratada para a limpeza da cidade, ganhará novamente a licitação. E se, depois que a noite acabar, seu emprego estará garantido. Enquanto isso, o futuro mais próximo que Silvania consegue pensar são os 40 minutos que leva até chegar em sua casa naquela noite. O mais distante, são os 40 minutos iniciais de seu expediente no dia seguinte.


COMPORTAMENTO

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FALTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS AFASTAM A POPULAÇÃO LAGARTENSE DAS PRAÇAS PÚBLICAS Violência, abandono e falta de atrativos fizeram as praças de Lagarto perderem o seu brilho

THIAGO FARIAS DE SOUZA

Por Thiago Farias e Antônio Aragão farias001.tf@gmail.com / antonioaragao2011@hotmail.com

Projeto de reforma das praças ainda preocupa os cidadãos

C

om 1.096 Km² e uma população superior a 100 mil habitantes, o município de Lagarto, distante 75 km da capital sergipana, sempre foi reconhecido pela harmonia existente entre a sua arquitetura e a organização dos seus espaços públicos, que em sua maioria guardam consigo um pedaço dos seus 137 anos história. Além disso, a cidade também se destaca por seu modo acirrado de fazer política, através da histórica disputa entre Bole-bolenses e Saramandaistas. Mas foi através do seu povo acolhedor e da sua arquitetura moderna que o município passou a agregar e acomodar os seus filhos e visitantes, chegando a receber a alcunha de Cidade Ternura. Por muitos anos, as praças públicas de Lagarto foram ocupadas por jovens que queriam ver e serem vistos. Entretanto, na última década a realidade tem sido diferente nesses espaços que perderam o brilho e passaram a acomodar o medo da insegurança, a falta de atrativos e o vazio. O esvaziamento das praças públicas do município pode ser visivelmente

constatado em rápidas visitas a um dos sete espaços erguidos no centro da cidade, nos finais de semana. Durante a visita as praças Filomeno Hora, Nossa Senhora da Piedade e da Caixa D’Água, a reportagem somente conseguiu vislumbrar três pessoas, que por medo, apenas utilizavam o local como passagem. Um exemplo desta realidade foi retratada através do visível medo que a vendedora Gleisi Carvalho, 24, esboçava ao esperar uma amiga sentada em um dos bancos da praça. “Eu não consigo ficar por muito tempo aqui. Estou assustada porque não tem ninguém, não tem segurança e os bandidos podem me parar a qualquer momento. Quer saber? Eu vou embora, não vou esperar minha amiga não. Ela está demorando demais”, comentou a vendedora em resposta a reportagem do Jornal Contexto. Apesar do medo expressado pela jovem, a reportagem deparou-se com Benicio da Silva, 61, que relaxava solitária e tranquilamente em um dos bancos da Praça Filomeno Hora, ambiente

que além de ser cartão postal aguarda a execução de uma completa reforma. Para seu Benício, já passou da hora de o poder público reavivar a praça. “O poder público deveria melhorá-la, mas falta ideia para reformá-la adequadamente, porque reformaram a Praça da Piedade e hoje ela só serve para ser usada durante as noites devido ao calor. Antigamente esta praça servia para os comícios, encontros de jovens e até para o comércio. Por isso, acho que somente colocar uma grama não irá resolver”, comentou o idoso que diariamente frequenta um dos bancos da lateral direita da Praça Filomeno Hora. Para o historiador e doutor Claudefranklin Monteiro, o esvaziamento das praças públicas e o visível abandono da mesma por parte do poder público e da população se deve a falta de políticas públicas. Segundo Monteiro, houve tempos em que as praças eram reformadas de dois em dois anos como forma de um político reafirmar o seu poder sobre a cidade “Em Lagarto ainda existe esse absurdo em que de duas famílias se per-

Para o historiador e doutor Claudefranklin Monteiro, o esvaziamento das praças públicas e o visível abandono da mesma por parte do poder público e da população se deve a falta de políticas públicas.


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PRAÇAS USADAS COMO PALCO POLÍTICO Ainda na entrevista concedida ao Jornal Contexto, o historiador lembrou que as praças, ao longo da história, sempre foram utilizadas pelos dois grupos políticos que tocaram a política lagartense nos últimos anos. “O coreto era usado pelos Ribeiros, os Três Poderes pelos Reis, que depois da intervenção da justiça passaram a usar o largo da Fjav; a Praça da Antártica utilizada pelo Cabo Zé. Enquanto Valmir Monteiro utiliza a Avenida Augusto Franco”, detalhou. Historicamente as praças de Lagarto foram utilizadas como palanque político. Entretanto, foi após o processo de esvaziamento iniciado em meados de 2006, que em 2014 duas grandes praças, situadas no centro do município, passaram a servir de espaço para manifestações políticas apartidárias, desenvolvidas pela juventude, através de eventos como o Sarau da Caixa D’Água e o Som na Praça. De acordo com Afonso Augusto, idealizador e organizador do Sarau e Som na Praça, foi justamente devido ao esvaziamento e a falta de locais públicos para que a juventude pudesse se manifestar que os eventos foram criados. “A juventude é carente, e ela quer se expressar, quer ser ouvida, quer ver e ser vista”, justificou o promotor cultural. Os eventos de ocupação das praças pela juventude completaram três anos em julho de 2017. Em rápida avaliação, o organizador falou que o município de Lagarto passou a ser visto e respeitado pela comunidade artística juvenil sergipana e baiana, bem como serviu para suprir a carência da juventude por atrativos. “Eu cheguei a pensar que o enclausuramento dos jovens foi motivado pelas novas tecnologias, até perceber que mesmo com isso as pessoas querem ver outras, querem olhar em outros olhos, querem paquerar, querem ser vistas, rever, e abraçar amigos”, comentou o agente cultural. Entretanto, nem tudo foi sucesso. Em abril de 2017, Afonso anunciou que o Som na Praça, que era realizado semanalmente, daria uma pausa e passaria a ser realizado somente uma vez no mês

THIAGO FARIAS DE SOUZA

Violência é o principal fator para o esvaziamento das praças, segundo populares

THIAGO FARIAS DE SOUZA

petuam no poder e determinam o que é bom para cidade ou não. Outro dia me perguntaram por que não existe continuidade nas festas de Lagarto e você tira recentemente pelo exemplo do Festival da Mandioca, que voltou a acontecer somente porque Valmir voltou ao poder. Quando ele sair e um inimigo assumir, a Mandioca acaba. Eu acho isso de uma pequenez tão grande, que enquanto Lagarto não perceber que é maior do que isso, nós vamos ser sempre motivo de chacota no estado de Sergipe”, desabafou o historiador. Claudefranklin ainda falou que as constantes reformas motivadas por caprichos políticos, que tinham como objetivo apagar a memória dos gestores anteriores, também serviu para apagar a memória do município. Tal tese foi constatada durante as visitas, em que se pôde observar o desconhecimento da população em relação àquelas praças públicas. “Isso vai gerando um clima de raiva, porque você não respeita o outro e, consequentemente, o outro também não te respeita. Por isso que se existissem políticas públicas nossas tradições nunca acabariam. Por exemplo, por que nunca mexem na Silibrina que vai fazer 100 anos? Ali ninguém ousa meter o bedelho porque a Silibrina não é responsabilidade do poder público”, argumentou o historiador.

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Abandono fez a Praça Filomeno Hora perder o brilho da juventude que a ocupava devido à insegurança e a presença de guém, e por não ter feito isso não tenho usuários e traficantes de drogas naque- recebido apoio do poder público da atual le ambiente. Além disso, foi no mês se- administração”, contou Augusto. guinte que Augusto informou estar soPREFEITURA DESMENTE FALTA DE frendo, por meio dos eventos culturais, os efeitos de não ter levantado bandeira APOIO E ANUNCIA REFORMAS Porém, diante das declarações do política nas eleições municipais de 2016. “Antes das eleições, todo mundo pro- agente cultural, a reportagem do Jormete o mundo e o fundo, mas depois que nal Contexto entrevistou o diretor de passa eles se esquecem dos compromis- cultura da Secretaria Municipal de Essos firmados. Tanto é que estamos rea- porte, Cultura e Lazer, André Barbosa. lizando os eventos pior que realizamos Na ocasião, o diretor desmentiu a infornos anos anteriores. Uma vez que a nova mação de que a atuação administração administração, diferente da anterior, não não apoia os eventos desenvolvidos por nos apoia em nada. Isso é reflexo das con- Afonso nas praças públicas de Lagarto. “A gente libera o que é possível ser veniências políticas, porque ninguém viu Afonso levantar bandeira para nin- liberado, mas tudo o que ele precisa nós

chegamos juntos. Entretanto, no que depende de verba pública, nós não podemos fazer nada porque tem que ter o projeto, que deve ser aprovado para depois o dinheiro ser aplicado. Tudo tem que ser justificado na administração pública”, esclareceu o diretor de cultura. Quando questionado sobre as políticas públicas a serem adotadas para combater o estado de abandono das praças públicas de Lagarto e devolver à vida as mesmas, André foi enfático ao afirmar que todas as praças públicas do município passarão por reformas, e que quando as obras forem concluídas algumas atividades esportivas e de entretenimento serão desenvolvidas nas mesmas.

“Enquanto as reformas não forem concluídas, não poderemos fazer nada porque nós recebemos todas as praças deterioradas. Infelizmente a burocracia do poder público atrasa o andamento das coisas, mas todos os projetos de reforma e de desenvolvimento de atividades estão tramitando normalmente”, falou Barbosa. ESVAZIAMENTO DAS PRAÇAS: FALTA DE ATRATIVOS SUPERA A INSEGURANÇA Durante o processo de apuração, muitos entrevistados bateram na tecla da insegurança como fator principal para o esvaziamento das praças. Entretanto, para o Tenente Coronel Kleberson Pinheiro, comandante do 7º Batalhão de Polícia Militar (7ºBPM), Lagarto é uma das cidades mais seguras do interior sergipano. “Atribuir o esvaziamento das praças a insegurança é uma afirmação incorreta, porque o quê essa praça tem para oferecer ao cidadão? O quê que essas praças têm para oferecer em termos de lazer? Ela tem bancos com o tabuleiro de xadrez? Dominó? No mundo recheado de tecnologia, as pessoas acham outras formas de se divertirem”, argumentou o comandante da PM no município. O pensamento do Tenente Coronel também é compartilhado pelo secretário Municipal da Ordem Pública e Defesa da Cidadania, Adelson Ribeiro. Segundo ele, a falta de atrativos faz com que nem ele leve a sua filha para brincar nas praças públicas do município. “Lá não tem nada”, comentou. Quando indagado sobre a manutenção da ordem pública nas praças, o Tenente Coronel Pinheiro falou que não é obrigação da Polícia Militar fazer a segurança das praças públicas. Segundo ele, a atribuição é da Guarda Municipal. Sobre esse mesmo assunto, Adelson Ribeiro falou que a PM queria transferir a responsabilidade do Estado para a Guarda Municipal. “Infelizmente segurança pública não é prioridade dos nossos governantes, mas continuamos patrulhando o patrimônio municipal”, falou Ribeiro. SEM PRESTAÇÃO DO BOLETIM DE OCORRÊNCIA, SEM POLICIAMENTO ADEQUADO Outro medo da população frente às praças públicas é o receio de ter o seu bem levado por criminosos. De acordo com o comandante do 7ºBPM, quando há o furto de celulares em praça pública a polícia de modo geral precisa que o cidadão dirija-se até a delegacia mais próxima e preencha o Boletim de Ocorrência, para que assim possa ser feito a mancha criminal e, consequentemente, a melhor distribuição dos policiais. “Na maioria das vezes, as pessoas quando são assaltadas, ao invés acionar a polícia, vão para os grupos de Whatsapp se queixarem. Ou mandam para a imprensa, que sabe de coisa que nós não sabemos. Hoje a pessoa não vai prestar queixa na delegacia, vai falar com jornalista”, acrescentou Pinheiro. Quando questionado sobre o combate aos roubos e furtos nos espaços públicos da cidade, o secretário Municipal da Ordem Pública falou que devido ao baixo efetivo da Guarda Municipal – três guardiões por dia -, a sua pasta tem investido no videomonitoramento do centro da cidade. Mas, enquanto os espaços não ofertarem condições dignas para serem frequentados, as praças públicas continuarão a influenciar tristemente as poesias feitas na cidade, como disse o poeta Assuero Cardoso. “Se fosse escrever uma poesia sobre nossas praças, ela certamente falaria da solidão e do vazio”, externou o poeta.


COMPORTAMENTO

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AS LUZES ANTIGAS APAGAM E ASCENDEM ÀS MEMÓRIAS E FOTOGRAFIAS Casas, praças, parques e sorveterias. Hotéis e rodoviária. Todas essas construções juntas criavam o cenário de imponência e importância social que a Região Central de Aracaju possuiu outrora.

LUCAS HONORATO

Lucas Honorato / Karla Fontes (lucashonoratodasilvasantos@gmail.com) / (karlakaroline11@hotmail.com)

Antiga entrada do parque agora apenas guarda memórias de um ilustre passado.

O

local que respirava a multiplicidade de significados, passou por processos de ressignificação que o restringiu a poucas atividades, o fazendo perder a importância e o brilho que teve por anos. Os momentos que ali aconteceram cristalizaram-se na memória de quem vivenciou aquela época, enquanto que para os mais novos, as fotografias encantam e alimentam o imaginário. Em comum, a imagem do abandono cultural e monumental que todas as gerações veem. Há 162 anos Aracaju foi elevada à categoria de cidade e recebeu o título de capital. O projeto foi apresentado em 17 de março de 1855, pelo então presidente da província, Inácio Joaquim Barbosa. Com a construção da nova capital, por meio do projeto realizado pelo engenheiro militar Sebastião José Basílio Pirro, começava a ser desenhados as ruas e quarteirões que mais tarde seriam os endereços em que residiu a vida áurea do Centro. O conjunto de elementos que davam o tom e as cores da movimentação das pessoas pela região central à época era composto pelas praças General Valadão, a leste, e Fausto Cardoso, a oeste, interligadas principalmente pela Rua João Pessoa e também pela Rua da Frente, também conhecida atualmente como Avenida Ivo do Prado. Ao fundo da Fausto Cardoso, a Praça Olímpio Campos, conhecida também como Parque Teófilo Dantas. Ao longo do tempo, encontravam-se diante dessas localizações os prédios da administração pública, residências, catedral, lojas, sorveterias e hotéis. Fernando Soutelo, membro e ex-presidente do Conselho Estadual de

Cultura, descreve como as famílias do uma noitada inesquecível”, recordou Diferentemente do que é possível início do século passado aproveitavam o tempo livre quando chegavam os fi- presenciar nos dias atuais, Jouberto nais de semana. “No dia de Domingo, as Uchôa destaca que a movimentação pessoas iam assistir à Missa, em segui- das pessoas pela Região Central de Arada, atravessavam para a Praça Fausto caju se mantinha por horas após o feCardoso. Alguns iam para as sorveterias, chamento das lojas. “Quando chegava 9 davam uma volta na praça e, em segui- horas, sumia todo mundo. Era uma trada, se andava pelo Centro da cidade, pela dição, era um costume de que as coisas Rua João Pessoa, olhando as vitrines. Ao iam até as 9 horas da noite”, enfatizou. final, quem queria ficar, ia para as sesA IMPORTÂNCIA DA RUA JOÃO sões de cinema”, caracterizou. Os passeios do domingo simboli- PESSOA A Rua João Pessoa era uma das pouzavam a união de famílias, reunião de amigos e também o romantismo dos cas vias da época e fazia a ligação entre casais que por ali se formaram dentre as principais praças que compunham aqueles dias. Além disso, representava o Centro da capital sergipana. Como a a convivência entre as diferentes ati- nomenclatura do logradouro menciovidades que o Centro acolhia àquela na, o que atualmente é uma grande calépoca. Os órgãos públicos, as residên- çada acompanhando as diversas lojas cias, as praças e suas atrações, assim ali dispostas, antes era realmente uma como o comércio. Mesmo após o horá- rua, onde por ela transitaram bondes rio de enceramento das atividades das e os automóveis e distribuíam-se resilojas, as vistosas vitrines bem arruma- dências, lojas, instituições bancárias das continuavam fascinando àqueles e cinemas. Jouberto Uchôa assinala a relevância do endereço diante do presque por elas passavam. O professor e reitor da Universida- tígio da localização e da multiplicidade de Tiradentes, Jouberto Uchôa reme- de atividades que por lá eram enconmora com deslumbre a preparação das tradas. “A Rua João Pessoa era o ponto vitrines e o encanto que exerciam aos chique da sociedade”, realçou. O traçado que dos mapas sobresolhos de quem passeava pelas ruas, em principal, a Rua João Pessoa. “Você che- saia e que respirava desde o início da gava a se encantar com o movimento manhã até meados do final da noite, das pessoas. Eu fui empregado de uma não restringia-se a apenas uma úniloja chamada ‘A Moda’, onde a gente ca atividade e nem tampouco a ida no sábado voltava de tarde, depois do ocasional das pessoas para solucionar expediente para arrumar as vitrines. demandas junto a órgãos públicos ou Quando chegava o domingo, as lojas realizar compras. Fernando Soutelo todas abriam suas vitrines, mostrando também ressalta a importância que a os produtos novos que chegaram na Rua João Pessoa tinha nas atividades empresa. Você tinha todo o tipo de loja, cotidianas dos aracajuanos e visitantes. de tecido, relojoaria, casa de móveis. Era “Ali estavam os bancos, as grandes lojas

“Ninguém ama o que não conhece” “A gente tem coisas que ferem e magoam a gente” – Jouberto Uchôa


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ARQUIVO PÚBLICO ARQUIVO PÚBLICO

AS PRAÇAS DE TRABALHO, LAZER, RELIGIOSIDADE E ROMANCE As praças nomeadas como Fausto Cardoso, Olímpio Campos e General Valadão formam o conjunto das três praças históricas da Região Central de Aracaju. Em grupo ou singularmente, carregam consigo diversas significações e estavam presentes no cotidiano de quem morava nas proximidades. Dentro das linhas que as constituem ou no entorno, estiveram presentes ícones, materiais e imateriais, que compunham o cenário das épocas de destaque do centro da cidade. Separadas por um trecho da Rua Itabaianinha, encontram-se a oeste as duas primeiras. Durante décadas do século passado, ambas foram os locais de passeio e comemoração de datas festivas. No Parque Teófilo Dantas, como também é conhecida a Praça Olímpio Campos, encontra-se a Catedral, rodeada de árvores e um gramado que se destaca pelo verde. Mas, diferente de décadas atrás. Entre coretos, restaurantes e sorveterias, como a Yara e a Cinelândia, passeavam as famílias e grupos de amigos se encontravam. Ali, ainda havia mais um ponto especial, a região dos lagos e a ponte que há entre eles, local onde moças e rapazes se conheciam, conversavam e começavam a namorar. “Tinha um lago, local onde

os namorados iam para lá. Era um negócio lindo”, Jouberto Uchôa relembrou com fascínio. Jouberto Uchôa também destaca que o Parque era o local onde as famílias se reuniam para a celebração e comemoração de datas importantes e das festas típicas. Durante as festividades, o espaço recebia apresentação de bandas e grupos folclóricos, brinquedos como o Carrossel do Tobias e bancas para venda de comidas. “Nós tínhamos a Praça Olímpio Campos, que a gente chama ‘o Parque’, onde tem a Catedral. Lá tinha os acontecimentos principais, as festas de São João e o Natal. As famílias colocavam seus bancos e ficavam assistindo o desfile das pessoas passeando durante o evento”, caracterizou. O Parque foi um dos principais endereços dos quais as famílias da época frequentavam. Nos dias atuais, quem por ali passa consegue apenas ver um pouco do que não foi destruído com a desconstrução do centro de Aracaju. Fernando Soutelo explica que as grades que ainda estão presentes na região do lago, que já não possui mais o brilho de outrora, ao fundo da Catedral, já abrangeram uma maior parte do local, mas nem sempre estiveram ali. “O parque foi construído sem as grades, foi gradeado quando Heráclito [Rollemberg] fez uma reforma no anos 80, quando o Centro começa a apresentar problemas. Almeida Lima quando foi prefeito tirou as grades”, expôs. A Praça Fausto Cardoso, além de complemento dos passeios noturnos e dominicais, com seus coretos e monumentos, como o Relógio de Quatro Faces, em que era possível visualizar a hora certa de várias direções, tinha o entorno sediado por palácios e órgãos da administração pública da cidade e do estado. Jouberto Uchôa aponta a participação pública das pessoas na vida política local ao assistir as sessões e pronunciamentos realizados naquelas construções. “Na Praça Fausto Cardoso se situava o Palácio do Governo, se instalava lá a Assembleia Legislativa, para onde naquela época, os debates eram tão nobres e tão belos que os estudantes vinham das escolas e subiam para sentar na arquibancada para assistir os Os passos iniciais do que viria a ser um lugar de múltiplas atividades

ARQUIVO PÚBLICO

comerciais, alguns bares que marcaram [época] e os dois cinemas, o Palace e o Rio Branco”, acentuou. No local onde funcionou o Café Ponto Central, nas primeiras décadas do século XX, foi construído o Edifício Mayara, inaugurado no início da década de 50. A edificação que é um dos primeiros prédios de quatro a seis andares da capital sergipana, continua em funcionamento até os dias atuais. O prédio que pertenceu a João Hora de Oliveira, abrigava em seus andares consultórios médicos, escritórios de advocacia e representações empresariais. Anos mais tarde, o visionário empresário inaugurou uma das principais lojas da Rua João Pessoa, no térreo do edifício. A intitulada ‘A Moda’ incluiu-se na vivência dos tempos áureos do centro de Aracaju. Além de ter selecionado seus funcionários, moças e rapazes, pela boa formação, ostentava em suas vitrines a variedade e as novidades que chegavam.

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A Região Central de Aracaju já teve tempos áureos


COMPORTAMENTO

debates de nomes consagrados como Seixas Dórea, Pedro Barreto, Barreto Filho. Homens que marcaram a história de Sergipe na política”, enfatizou. A Praça General Valadão, considerado como o marco zero da capital sergipana, localizada a leste da Região Central de Aracaju, apresentou significativas mudanças em seu entorno, ao longo de sua existência. O local já foi conhecido como Praça da Cadeia, em alusão a Cadeia Pública que existiu até meados das duas primeiras décadas do século passado. Após a desativação, cedeu espaço para o Palácio Serigy. Também com frente à praça, estava um dos primeiros prédios da Alfândega e o Quartel do Exército, que mais tarde deu espaço para um dos principais hotéis que a capital sergipana já teve, o Hotel Palace. TELAS QUE COMPLETAVAM O PASSEIO A Região Central de Aracaju está repleta de histórias que caberiam em inúmeros quadros de vários rolos de filmes, para serem exibidos em grandes telas. Os cinemas estavam distribuídos por diversas partes do centro da capital sergipana. Eles complementavam o brilho daquela época e completavam os passeios noturnos. Fernando Soutelo ilustra o cenário do circuito cinematográfico aracajuano ao enumerar os cinemas presentes nas décadas de prestígio do centro da

cidade. “As Rua João Pessoa e Itabaianinha concentravam a grande maioria dos cinemas de Aracaju. Você tinha na esquina da Travessa Benjamin Constant com João Pessoa, o Cinema Palace, que é da segunda metade dos anos 50. No outro trecho, o Rio Branco. Na Rua Itabaianinha tinha o Rex e mais adiante, o Cinema Vitória. Na quarta quadra da Rua de Laranjeiras, você tinha o Cinema Aracaju”, listou. Dentre todos os cinemas, os principais eram o Cine Palace e o Cine Rio Branco. O Palace se destacava pelos equipamentos novos e modernos, tendo sido o primeiro a contar com ar condicionado em suas dependências. O Rio Branco sobressaia por além de exibir filmes, também receber atrações nacionais e internacionais, apresentações musicais e teatrais. “O Rio Branco não foi só cinema, ele também tinha a função de teatro. Ali se apresentaram Bidu Sayão e Procópio Ferreira, por exemplo”, contou Soutelo. Após anos de maestria, assim como os filmes exibidos, a história chegava ao fim. Mas, nesse caso, o desfecho não teve um final feliz. Aos poucos, com o esvaziamento da Região Central de Aracaju, os cinemas de rua foram encerrando suas atividades. Fernando Soutelo retrata e descreve em uma palavra como foram os últimos minutos de atividade do Cine Palace. “Melancolia. Eu assisti ao últi-

mo filme que foi apresentado no Palace. Eu fui me despedir do Palace. O cinema quase vazio. Ao fim do expediente, fechou a porta e já não existia mais”, rememorou enfaticamente. O último cinema de rua a encerrar as atividades na capital sergipana foi o Cine Teatro Rio Branco. Em seus últimos anos de vida já não era mais o mesmo e tinha mudado radicalmente seu público, deixava de exibir os grandes clássicos do cinema para exibir filmes de conteúdo pornográfico. CHEGADAS E HOSPEDAGENS NA CAPITAL SERGIPANA Nos anos anteriores à década de 60, os embarques e desembarques dos ônibus que faziam a ligação entre a capital sergipana e outras cidades, do interior e também de outros estados, não tinham um local com estrutura para receber aqueles que chegavam por meio desse transporte.

Quem passa pela Avenida Ivo do Prado, no trecho que compõem o centro, atualmente se depara com um grande fluxo de carros e de inúmeras linhas de ônibus vindas dos mais variados lugares das quatro cidades que compõem a Região Metropolitana. Muita gente sequer pode imaginar, mas esse cenário atual faz uma analogia ao que se passou por aquela região. Fernando Soutelo conta que antes da construção da Rodoviária o ponto de chegada e partida dos ônibus à Aracaju ficava naquelas imediações. “Até então, os ônibus que vinham do interior ficavam na Rua da Frente, as pessoas ficavam ao tempo. Quando eu vim fazer meu curso de preparação ao exame de admissão em 1960, eu ainda desci na Rua da Frente, de ônibus, e embarquei para Santa Luzia do Intanhi, também na Rua da Frente”, relembrou. Somente a partir do final de março de 1962, era inaugurado o Terminal Rodoviário Luiz Garcia. As obras iniciadas no

governo de Leandro Maciel foram concluídas na gestão seguinte, que dá nome ao local. O prédio além de organizar o fluxo dos ônibus, foi construído seguindo linhas arquitetônicas de Brasília e oferecendo comodidade e novos serviços aos passageiros. “Leandro Maciel fez uma grande obra demolindo o Morro do Bonfim e construindo a Rodoviária que é um marco da arquitetura moderna em Aracaju. Além de ter o embarque, tinha aquelas pessoas que você pagava para carregar a sua mala. Os carregadores. Como se fosse em um hotel”, Soutelo detalhou. Ao mencionar embarques e desembarques, adentra-se nos hotéis. Na década de 30, a capital sergipana recebia aquele que foi considerado seu primeiro hotel de alto padrão. Tendo passado por duas localizações na Região Central, teve como a principal a Rua João Pessoa, próximo à Praça General Valadão, onde hoje está situado o Edifício Cidade de Aracaju. “O Marosi foi o primeiro hotel ARQUIVO PÚBLICO

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A Rua da Aurora, margeando o Rio Sergipe, uma das principais da história do Centro cinco estrelas daqui. Era o que recebia toda a sociedade. Mas, com o tempo o hotel foi decaindo”, comenta Uchôa. O Hotel Marosi encerrou as atividades em 1965. Além do proprietário do local ter solicitado a entrega do espaço, também já estava em funcionamento o imponente Hotel Palace, inaugurado em 1962 e localizado em frente à Praça General Valadão, ao lado do Palácio Serigy, onde por alguns anos funcionou a Rádio Difusora de Sergipe, em que diversos artistas se apresentaram. Jouberto Uchôa destaca com apreço a arquitetura e a importância que o Palace teve diante da sociedade sergipana. “O Hotel Palace foi feito a capricho. Além da hospedagem para quem visitava Aracaju, você tinha os grandes acontecimentos sociais. Como tinha o Dia do Rotary, onde tinha as reuniões almoço e jantar”, declara com empatia. Soutelo complementa elencando algumas das personalidades que se hospedaram no Hotel Palace. “Eram pessoas que chegavam a Aracaju, eram executivos e pessoas encaminhadas pelo Governo do Estado. O presidente Médici, ministros de estado, embaixadores e autoridades militares. Os artistas e famosos, como Ronnie Von, Jorge Amado e times de futebol. Era o único hotel com categoria para receber essas pessoas”, listou detalhadamente. O Hotel Palace entrou em decadência no início da década de 90. Ao encerrar as atividades, seu restaurante ainda continuou de portas abertas por algum tempo, assim como Fernando Soutelo relembra a partir da própria vivência a notoriedade que tinha o restaurante localizado no terceiro andar.“Em torno de 92 e 93 já não era o mesmo hotel. Embora o restaurante ainda fosse o melhor de Aracaju naquela época. Eu cansei de aos sábados, descer de casa à noite, passar em frente ao antigo Cinema Rio Branco para tomar a sopa de aspargo que era servida no Hotel Palace”, enfatizou.

A PERDA DA SIGNIFICAÇÃO HIS- é um processo que começa com as próprias pessoas. “Tenho registrado TÓRICA E A QUEDA DAS PAREDES A Região Central de Aracaju per- isso direto. Primeiro, que as pessodeu a multiplicidade de tradições e as continuam modernizando as faatividades que traziam vida, durante chadas. Quebrando as antigas para o dia, a noite e aos finais de semana. colocar azulejos, pastilhas, granito Mesmo assim, algumas construções e também destroem a nossa Aracae monumentos recuperados colabo- ju. Também não estão conseguindo ram para uma tentativa de recupera- nem alugar e nem vender as casas. ção da importância que o Centro da Então, estão ficando abandonadas. capital sergipana possuiu décadas Muitas delas têm tido as janelas atrás. Entre as lojas populares que retiradas, colocado fechamento de ocuparam todos aqueles espaços da alvenaria e depois o telhado vai Rua João Pessoa e de localidades ao caindo. Depois quando vemos sobra entorno, praças, prédios e monumen- apenas a carcaça”, lamentou. Ana Libório também argumentos históricos tentam guardar as memórias dos tempos áureos da região. ta que a administração pública tem Do ponto de vista material, por responsabilidade nesse processo. mais que para muitos as construções “É uma política de estado. Primeihistóricas que ainda resistem na locali- ro foram tiradas as repartições. A dade pareçam um retrato fiel do passa- universidade foi para o campus. A do da capital sergipana, Fernando Sou- construção dos Centros Administratelo cita que diversas dessas edificações tivos, o judiciário foi saindo. Quannão possuem as mesmas características do você esvazia o centro, começa a de quando foram construídos, mesmo entrar em decadência. Ai as pessodurante os tempos áureos do centro de as acham que entrou em decadênAracaju, e que não são muitos os que cia porque é antigo. E não é nada conservam a forma original. “São pré- disso. Para a gente fazer preservadios que foram remodelados. Foram ção precisa ser usado. Precisa abrir concebidos sobre uma determinada for- as janelas. Tudo o que fica fechado, ma e a partir da mudança de gosto artís- em pouco tempo entra em processo tico do momento eles foram modifica- de arruinamento”, declarou. Com o processo de descaracteridos. Os prédios foram sendo construídos e reconstruídos. Só os mais modernos zação da Região Central de Aracaju foi não foram alterados. Por exemplo, o edi- perdida a multiplicidade de atividades fício Walter Franco mantém a forma de que por ali eram exercidas. A imponêncomo surgiu, mas internamente sofreu cia e a importância passaram a fazer modificações. O edifício São Carlos, que parte das memórias e fotografias. “Até é vizinho, também não sofreu transfor- os anos 70 foi marcante a tradição hismações. O Edifício Mayara não sofreu tórica. A partir dessa década, o crescimento foi mudando. As coisas foram se modificações”, explicou. A arquiteta e urbanista, Ana modificando e perdemos aquele ponto Libório, que já esteve à frente da atrativo. Você tinha coisas que encantasuperintendência local do Institu- vam e hoje eu sinto falta. Nós perdemos to do Patrimônio Histórico e Artís- essas coisas por causa do crescimento, tico Nacional (IPHAN), menciona por causa do desenvolvimento da cidaque a perda dos significados que de. Era uma cidade romântica”, Jouberas construções da região possuíam to Uchôa rememora com saudosismo.

“O Centro durante a semana além de comércio e moradia, também servia de lazer, passeio e contemplação” “A frequência das pessoas em um lugar é o que mais garante a segurança” – Ana Libório


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O maior lixão do Agreste sergipano encontra-se no povoado Terra Dura, em Itabaiana

LUCAS MOURA

O CICLO DO LIXO

QUE PREJUÍZOS O DESCARTE INDEVIDO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS CAUSA ÀS PESSOAS, À NATUREZA E O QUE FAZER PARA REVERTER A SITUAÇÃO? Lucas Moura mouralucas@live.com


MEIO AMBIENTE

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Trazendo para uma realidade mais próxima, Sergipe produz cerca de 840 gramas/dia de lixo por habitante. É o segundo estado do Nordeste que apresenta menor quantidade de lixo, ficando atrás apenas do estado de Alagoas, onde cada cidadão produz 836 gramas/ dia. Se observamos a realidade do interior do estado, veremos uma situação que pode preocupar. Itabaiana, por exemplo, cidade muito importante para a economia sergipana, produz cerca de 120 mil quilos de lixo por dia, o que dá uma média de um quilo e duzentos gramas de lixo por habitante/ dia na cidade serrana, um número acima até da média nacional.

“Acho difícil educar a população” (Robson Montalvão de Jesus)

Fim dos lixões O Nordeste é a região brasileira em que há a maior quantidade de lixo sem destinação adequada, pois 65% dos resíduos recolhidos ainda são encaminhados para lixões. O ideal seria encaminhar todos esses resíduos sólidos para um aterro sanitário, onde depois de um processo de triagem, o lixo seria depositado em uma unidade impermeável que minimiza os efeitos negativos ao meio ambiente. Em Sergipe, ainda não há nenhum aterro sanitário público. O único que existe está localizado na cidade do Rosário do Catete e é resultado da iniciativa de uma empresa privada que atua em todo território nacional há 17 anos, a Estre.

LUCAS MOURA

O

mundo passa por um acelerado processo de crescimento tecnológico e de produção dos mais diversos bens de consumo desde a primeira revolução industrial. Por consequência disso, nunca antes na história da humanidade foi possível ver um cenário no qual se produzisse tanto lixo quanto hoje. O maior problema está no descarte dos resíduos sólidos. Somente o Brasil, produz cerca de 250 mil toneladas de lixo por dia, a maior parte dele é destinada a lixões a céu aberto que comprometem não só a natureza como a saúde da população que habita àquela região. De todo o lixo produzido no Brasil, apenas 3% passa pelo processo de reutilização. Enquanto isso, países europeus como a Alemanha conseguem reaproveitar cerca de 35% de seu lixo. Até 2020, Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda e Suíça pretendem chegar a reciclar 50% de seus resíduos sólidos. O processo de reciclagem não só contribui de maneira incontestável com a natureza, como também é muito lucrativo. A Europa tem um rendimento de cerca de 145 bilhões de reais por ano só com a reciclagem, além de empregar e dar condições de dignidade para mais de dois milhões de pessoas. O Brasil só se destaca de maneira positiva quando o assunto é embalagens de agrotóxicos. Segundo dados de 2013, do Ministério da Agricultura, 94% das embalagens utilizadas no Brasil são recicladas. Outro bom exemplo no âmbito nacional, mas ainda longe do ideal, é o de Curitiba, que produz 1.500 toneladas de lixo por dia e recicla mais de 100 toneladas a cada 24 horas. Mateus Matos Ferreira é biólogo e líder do projeto Itabaiana + Verde. Ele identifica uma melhora no quadro nacional, mas assegura que precisamos evoluir mais. “Em 2005, 81 municípios tinham programas de reciclagem, em 2015, já eram 900, mas ainda é preciso correr muito para chegarmos onde precisamos”, assegura. Mateus aponta para a necessidade de se fazer a separação entre o lixo seco (reciclável) e o lixo úmido (orgânico) – com baixo potencial reciclável. Além disso, é necessário criar programas para a coleta de pilhas, baterias e óleo de cozinha – que polui bastante a água, por exemplo. A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE) divulgou dados relacionados à produção de lixo dos brasileiros. Em 2013, a produção média diária de lixo por pessoa já tinha alcançado um quilo, e esse número só tende a aumentar.

Robson Montalvão de Jesus, vice-presidente da associação dos catadores


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A empresa cuida de serviços como gerenciamento de resíduos e limpeza urbana, entre outras atividades, nas cidades sergipanas de Aracaju, Nossa Senhora do Socorro, Rosário do Catete, Carmópolis, Maruim, Santo Amaro, São Cristóvão, Riachuelo, Japaratuba, Pirambu, Divina Pastora e Barra dos Coqueiros. Segundo David Dias Ermogenes, gerente regional de Operações do Nordeste, “a empresa ainda fomenta cooperativas de separação e reciclagem e trabalha com educação ambiental”. A Lei 12.305 de 2010 institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Com a nova legislação, ficou determinado que os lixões devem ser fechados e sofrer a intervenção do Plano de Restauração de Área Degradada (Prade) para diminuir o resultado negativo do período de mau uso do ambiente. Outro resultado da nova lei é a instituição de consórcios intermunicipais, que nada mais são que autarquias estabelecidas entre municípios de uma determinada região. Essas autarquias têm a função de ajudar e facilitar a implantação de medidas que visem o cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Em Sergipe, foram formados quatro consórcios: Agreste Central – com 20 municípios; Grande Aracaju – com 11 municípios; Baixo São Francisco – com 28 municípios; e Sul e Centro-sul – com 16 municípios. Os consórcios são mantidos com o recolhimento de apenas 0,3% do Fundo de Participação Municipal (FPM). O valor que cada município repassa para o consórcio não é suficiente para empreender grandes obras como a construção de aterros sanitários. Por isso, o Governo do Estado, com a intenção de ajudar os municípios a alcançarem suas metas, responsabilizou-se pela construção de 12 aterros em Sergipe. Seis serão construídos no litoral sul do estado e um em Canindé de São Francisco, com recursos advindos de um empréstimo feito pelo Governo do Estado por meio do Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (Prodetur/NE). O programa de crédito para o setor público foi concebido para criar condições favoráveis à expansão e melhoria da qualidade da atividade turística na região Nordeste. Os outros seis serão construídos no Agreste sergipano, sendo o maior deles o Aterro Sanitário de Médio Porte de Itabaiana, que receberá resíduos de muitas cidades da região. Os aterros do Agreste também serão resultado de um empréstimo que o Governo do Estado fez, mas dessa vez ao Banco Mundial,

por meio do programa Águas de Sergipe. O processo burocrático para a instalação dos primeiros seis aterros está sendo coordenado pela Secretaria de Turismo do Estado e encontra-se em fase de análise de local de instalação, no entanto, esse processo pode levar mais algum tempo. Já a construção dos seis aterros que comtemplarão as cidades do Agreste estará sob os cuidados da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Estado (Semarh), administrada pelo itabaianense Olivier Chagas. Para esses aterros, ainda está se fazendo o processo de contratação das empresas que estudarão o local para instalação. “Os aterros sanitários serão grandes empreendimentos que irão beneficiar toda a população do estado de Sergipe. Junto a eles, teremos centro de compostagem, para receber o lixo orgânico, e de triagem, para fazer a separação do lixo. Então, podemos assegurar que teremos ótimos resultados com a construção deles. Mas o trabalho não pode parar, além desses 12, ainda teremos que construir mais 16 no estado”, afirma Olivier Chagas. Coleta seletiva Antes mesmo da construção dos aterros sanitários, o consórcio já começou a construir os galpões que funcionarão como centro de triagem para o lixo. O de Itabaiana, por exemplo, já se encontra em fase final de obra. Lá o lixo será separado e preparado para ser vendido a empresas de reciclagem. Segundo Caio Marcelo Valença, superintendente do Consórcio do Agreste Central, com o trabalho de compostagem e seleção do lixo realizado nos galpões, é possível reduzir até 70% do mau descarte do lixo. “Será uma melhoria considerável”, garante. No entanto, para dar início ao uso dos galpões é preciso modificar a forma de recolher os resíduos sólidos – o lixo precisa ser separado entre úmido e seco. Por mais que os cidadãos façam a distinção dos tipos de lixo em sua residência, quando ele é recolhido, é misturado novamente pelos operadores da prefeitura. Por isso, o processo será bem mais lento do que o ideal. Trazendo mais uma vez o exemplo de Itabaiana, a coleta seletiva terá início a priori apenas em colégios, onde é mais fácil controlar o descarte, e em um bairro da cidade que servirá como projeto-piloto para todos os outros. O bairro escolhido foi o Chiara Lubich, por ser uma região projetada onde

os moradores se organizam em associação comunitária, o que facilitará o principal trabalho – o de conscientização. Tanto o recolhimento do lixo separado, como o trabalho nos galpões serão feitos pelos catadores que hoje trabalham no lixão da Terra Dura, em Itabaiana. Eles serão organizados em cooperativa e continuarão a sobreviver do próprio trabalho, mas passarão a receber por hora de serviço. Aline Lima é engenheira florestal e auditora ambiental da Secretaria de Meio Ambiente de Itabaiana. Segundo suas informações, serão disponibilizados contêineres para que os moradores já depositem o lixo separado entre seco

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e úmido. “Além disso, eles usarão fardamento diferenciado, e o veículo que irá recolher os resíduos também terá uma identificação especial”, informa. A expectativa de início do processo de coleta seletiva é para assim que o galpão estiver pronto. Outras cidades como Riachuelo, Divina Pastora e Nossa Senhora Aparecida já iniciaram os trabalhos de coleta seletiva em seus centros urbanos. “Será feita uma verdadeira campanha, sairemos às ruas em mutirões, distribuiremos panfletos e faremos reuniões; será um verdadeiro trabalho de conscientização e informação”, confirma Aline.

COOPERATIVA DOS CATADORES Outra contribuição decisiva do Governo do Estado é o trabalho de conscientização que está sendo feito com todos os catadores de Sergipe. Mais de 2 mil catadores participam periodicamente de cursos em que aprendem e se preparam para esse novo perfil de trabalho. O investimento é de 4 milhões de reais e a empresa responsável pelo direcionamento pedagógico é o Sebrae. “Será uma melhoria para a vida deles. Eles já contribuem de maneira importantíssima com a natureza, só irão entender qual a melhor forma de dar essa contribuição. Além da maior segurança que será possibilitada para esses trabalhadores que infelizmente são tão marginalizados”, comenta Olivier Chagas, secretário de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos. A ideia de formar uma cooperativa não é tão bem vista assim pelos catadores de Terra Dura, é o que conta Robson Montalvão de Jesus, vice-presidente da associação. “Muitos acreditam que vão ganhar menos, já outros acham que não sairá do papel. O início das obras do galpão animou alguns”, analisa. O lixão da Terra Dura tem cerca de 50 catadores. No início, quase todos (47) se cadastraram na cooperativa, mas com o tempo restaram apenas 22. A incerteza de uma nova forma de trabalho que não conhecem tem deixado muitos receosos. Robson trabalha no lixão desde os 12 anos, hoje tem 32, o que lhe dá um bom conhecimento sobre o quanto seu trabalho é importante, mas marginalizado. “A cooperativa e o galpão nos trará um trabalho mais digno, mas acho difícil educar a população”, enfatiza. Ele conta que quando chegou a Terra Dura, o local era um buraco enorme e hoje já superou o nível da via de acesso. Diz perceber que mais cedo ou mais tarde não será mais possível depositar lixo naquele ambiente que já está ficando superlotado. Segundo conta, quase 15 famílias dependem diretamente do lixão para sobreviver, são pais, filhos e esposa que veem naquela atividade a única saída. Alguns começam a trabalhar já nas primeiras horas do dia, mas o fluxo maior é a partir das nove horas da manhã. O trabalho se estende até o final do dia e eles não usam nenhum tipo de equipamento de proteção para a tarefa diária. Ficam expostos a todo tipo de contaminação, como o de lixo hospitalar, por exemplo. A depender do quanto se esforcem, no final da semana podem receber entre 100 e 200 reais. A venda do material separado é feita para compradores nas cidades de Aracaju e Frei Paulo. Só de plástico, considerando todos os tipos, são vendidos em torno de dez toneladas por semana. Na verdade, o que os mantêm na atividade é a mínima certeza de que terão algum dinheiro no final da semana. “Pouco ou muito, no sábado a gente tem o dinheiro para fazer a feira”, finaliza Robson.


ECONOMIA

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MIGRAÇÃO EM SERGIPE AUMENTA AS DESIGUALDES REGIONAIS Sara Andrade Florêncio / andradesara41@gmail.com

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região do interior do estado de Sergipe é caracterizada pela falta de perspectivas em seu mercado de trabalho. O limitado progresso atinge severamente muitas famílias da zona rural, isto intensifica o processo migratório para regiões urbanas dentro ou fora do estado. A migração se dá principalmente por fatores econômicos. Se na década de 50 a 70 ocorreram grandes movimentos de emigração, principalmente para o Sudeste, a partir de 70 ocorreu uma redução deste fluxo, o que direcionou as migrações para o próprio estado. Em 2010, Sergipe foi classificado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como estado de rotatividade migratória, ou seja, pessoas saem do estado, algumas retornam e outras entram. A migração só ocorre quando os limites administrativos do estado são ultrapassados, diversos fatores movimentam esses fluxos. Para o professor do Departamento de Estatística e Ciências Atuariais da Universidade Federal de Sergipe, Kleber Oliveira, “quando a pessoa sai do interior para Aracaju, por exemplo, é por conta do mercado de trabalho, esse é o principal motivo entre os jovens. Se o marido vem, a mulher vem acompanhando o marido, esse é o segundo motivo mais importante. Para os jovens adultos, os principais motivos da migração são o estudo e mercado de trabalho. Se a pessoa for um pouco mais rica, migra por causa do estudo, se for um pouco mais pobre, migra por causa do mercado de trabalho”, explica. A capacitação profissional das pessoas que migram para as regiões urbanas industriais em busca de emprego funciona, na maioria das vezes, diferente de sua região de origem devido a fatores técnicos. A grande concorrência nas cidades para os cargos formais são destinados aos concorrentes de maior capacidade técnica, ou seja, aqueles que passaram por formação escolar média, cursos técnico ou superior, pois tiveram maiores oportunidades. Já o migrante da zona interiorana, em sua

maioria, tem baixa escolaridade, baixa renda e, por conseguinte, menores chances de alcançar o mercado formal de trabalho, por conta disso são obrigadas ao trabalho informal. Sara Caroline da Silva, natural de Maceió, estado de Alagoas, mora no bairro Santa Lúcia há quase quatro anos, mudou-se para capital sergipana porque seu marido veio a trabalho. A mesma conta que levou um ano para conseguir emprego em sua área. “No início foi difícil porque as pessoas são mais fechadas e desconfiadas, além de terem costumes diferentes. Depois de um ano consegui emprego em minha área no Hospital Primavera, desde então as coisas ficaram mais fáceis”, afirma. Luar Aguiar, é estudante de Geologia da Universidade Federal de Sergipe, natural de Salvador, estado da Bahia. Ele veio em busca de estudo, mora atualmente em São Cristóvão, região da Grande Aracaju. “É difícil consegui vaga em meu curso na UFBA, pois a nota é bastante alta, fui aprovado na UFS e vim para cá. Não trabalho, apenas estudo”, informa. A Grande Aracaju é uma região que recebe muitos migrantes há muito. “Em 1970 a região da Grande Aracaju detinha 29.9% da população do estado, hoje representa mais de 40% da população, ou seja, cerca de 40% dos sergipanos vivem na Grande Aracaju”, afirma Neilson Meneses, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe. A concentração na região gera uma série de problemas que afeta diversos setores como a deficiência em serviços públicos de saneamento básico, educação, saúde, moradia, como também o trânsito. O censo de 2010 apontou que, no horário de pico, cerca de 20 mil aracajuanos saem para trabalhar em municípios vizinhos e 70 mil chegam a Aracaju. Essa concentração da população em um só ponto causa vários desequilíbrios, pois com ela vem também à concentração de pobreza, problemas sociais e ambientais.

Com as construções de moradia popular nas áreas ambientais afastadas da cidade, além de gerar exclusão dos indivíduos de baixa renda, que são obrigados a morar distantes, existe o avanço sobre ecossistemas mais frágeis como os mangues, mananciais e poluição do ar. “Os movimentos motorizados nessas regiões prejudicam o ar, afetam também a fauna, a flora da cidade e da região em torno da cidade. É uma lógica perversa, nesse caso da habitação, a lógica é sempre construir o novo, nunca reformar o antigo”, afirma Neilson. Para o professor Kleber Oliveira, à medida que a migração cresce, mesmo que seja em números pequenos em comparação com o geral, os problemas aumentam na mesma proporção, “a política publica no Brasil é caracterizada pela falta de planejamento urbano. O gestor público tenta resolver os problemas ao invés de tentar preveni-los”, conclui. A concentração de indústrias próximas à capital, a crise econômica, aspectos naturais do sertão como a seca e a falta de desenvolvimento no interior são alguns fatores relevantes que contribuem para migração. Para Neilson, os problemas aumentam, pois não existe um planejamento de política para o ordenamento territorial no interior do estado, ainda, de acordo com ele, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Aracaju, implementado no ano 2000, não foi revisado até hoje, “fiz uma pesquisa e encontrei mais de 20 cidades com esse plano, os problemas citados são saneamento, mobilidade urbana, entre outros. Fui verificar se depois do plano algo foi resolvido, mas o plano é feito para colocar na gaveta”. Sobre a fiscalização Neilson comenta que os conselhos municipais devem fiscalizar, mas não o fazem; muitas vezes não têm autonomia para cobrar do poder público e nem recursos para tal, “quem deve de fato cobrar é o Ministério Público e quem precisa pressioná-lo é a sociedade civil organizada que são: OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), conselhos, pastorais, universidades. O que

“A política pública no Brasil é caracterizada pela falta de planejamento urbano. O gestor público tenta resolver os problemas ao invés de preveni-los”.


JORNAL CONTEXTO

falta mesmo é o interesse no desenvolvimento de políticas de ordenamento territorial para diminuir a concentração de habitantes na Grande Aracaju e redistribuir a população no estado”, continua. Aracaju, Socorro e Barra dos Coqueiros lideram entre os municípios sergipanos que mais recebem migrantes. A Barra dos Coqueiros, em comparação com São Cristóvão, Socorro e Aracaju, foi a que mais cresceu nos últimos anos em função da construção da Ponte Construtor João Alves e do crescimento imobiliário nessa área. Alguns municípios, como Itabi e Aquidabã, perderam população devido à situação precária de desenvolvimento nessas regiões que acabaram por obrigar famílias a migrarem para outros lugares que ofereçam oportunidades de emprego, mesmo que informal. “É necessário criar políticas de desenvolvimentos nos municípios mais pobres. Se não fizer nada a tendência é o município perder habitantes e aumentar em Aracaju e na Grande Aracaju”, conclui Neilson Meneses. Sergipe tem crescimento populacional mais lento devido à queda da fecundidade

De acordo com o último Censo demográfico realizado em 2010, estima-se que a população cresça cerca de 28.000 habitantes anualmente, dados por amostragens não foi realizado para calcular o saldo migratório interno de Sergipe. O professor Neilson Meneses, Departamento de Geografia, afirmou, por meios de pesquisas sobre geografia da população sergipana e assuntos relacionados, que “a tendência é que cresça menos por causa da queda da fecundidade. Em 2000, tivemos 40 mil nascimentos em Sergipe, em 2010 apenas 34 mil. Em 1970, Sergipe tinha quase um milhão de habitantes, enquanto que em 2010, Sergipe alcançou dois milhões. Agora, para crescer de dois para três, vai levar cerca de 70 anos”, explica. Neste processo de crescimento populacional a migração não é importante para aumentar a população, a tendência é que cresça em ritmo mais lento. O professor Neilson Menezes também concluiu que deste crescimento 60% será de população idosa devido ao aumento na expectativa de vida. Esse processo refletirá nos movimentos migratórios, pois diminuirão significativamente. Houve uma redução do volume migratório em Sergipe nos anos de 2000

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a 2010 de 14,2%. O censo demográfico ainda apontou, por meio do resultado acumulado, que 10,8% da população que reside em Sergipe não é natural do estado. O maior número de migrantes advém dos estados da Bahia com 32,4% da população imigrante, Alagoas com 30,9% e de São Paulo com 12,0%. Já o número de sergipanos que residem em outros estados equivale a de 363.416 habitantes. Entre os principais receptores da população sergipana estão São Paulo com 43,8% (159.554), Bahia 21,8% (79.303) e Rio de Janeiro 10,6% (38.450). Segundo os dados do censo demográfico, no Nordeste, apenas Sergipe e Rio Grande do Norte tiveram saldo migratório positivo, por conta disso, são caracterizados como estado de rotatividade migratória. A migração de retorno para Sergipe entre 2005 a 2010 foi de 18%, o que equivale a 12,337 sergipanos que retornaram dos 68.474 que saíram. Para o professor Neilson Meneses, somente em 2020, quando sair o novo censo do IBGE, teremos informações precisas sobre migração e crescimento populacional, porém devido à queda da fecundidade, os dados não vão apresentar crescimento de impacto no número de habitantes.

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MOBILIDADE URBANA

MÁ DISTRIBUIÇÃO DE LINHAS GERA DESIGUALDADE NO FLUXO DE ÔNIBUS EM ARACAJU

INSTITUTO MARCELO DÉDA

Guilherme Almeida e Tainara Paixão guijorn95@gmail.com / contatotainarapaixao@gmail.com

Fernando Collor - DIA e Eduardo Gomes - Desembargador Maynard são as linhas de ônibus que mais transportam passageiros em Aracaju.


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GUILHERME ALMEIDA

E

m média, mais de 260 mil pessoas um percurso longo e demorado. “O ôniutilizam os ônibus que circulam bus que eu pego para ir ao trabalho sai em Aracaju, quase a metade da do Bugio, passa pelo centro e vai para população, estimada em 641 523 no ano terminal D.I.A. Lá eu teria que pegar passado, segundo dados do IBGE . Para outro ônibus e ir para o meu destino atender essa demanda é imprescindí- final na Treze, mas eu prefiro descer vel manter o fluxo contínuo que a cida- na Avenida Hermes Fontes e caminhar de exige. Diversos fatores podem servir uns vinte minutos porque para mim é de entrave para dificultar o trânsito de muito mais rápido”, conta. veículos, sejam transportes individuais Outros problemas que os moradocomo carros, motos, entre outros, ou res do bairro da zona norte aracajuana mesmo transporte coletivo, no caso dos enfrentam são os constantes assaltos ônibus. e a superlotação nos ônibus. A comerSegundo pesquisa realizada pelo ciante Letícia Macêdo caminha em méNúcleo de Estudos em Transportes dia dez minutos até chegar ao ponto (Netrans) da Universidade Federal de de ônibus no bairro onde mora há dez Sergipe (UFS), a população aracajuana anos, o Bugio. Ela trabalha no centro sofre com a má distribuição de ônibus da cidade, no bairro Getúlio Vargas, e pela cidade. De acordo com o professor conta que a superlotação nos ônibus do Departamento de Geografia (DGE) e é o aliado para os frequentes assaltos. coordenador da pesquisa, Nelson Fer- “Quando os ônibus estão muito cheios, nandes, a raiz do problema estaria em os assaltantes aproveitam para assalgrande parte das linhas de ônibus esta- tar, porque eles fazem um arrastão e rem concentradas em locais específicos. levam mais coisas. A gente anda de Fernandes explica que as deman- ônibus por necessidade, mas anda asdas sociais são um fator determinan- sustado, olhando para os lados”, afirma. te na questão da mobilidade urbana, Segundo ela, essa necessidade às vezes ocasionando uma desigualdade na pode ser suprida por meio dos táxis lodistribuição das linhas. “O que é inte- tação, que são uma alternativa para o ressante nesse sentido, é que nós temos deslocamento seguro em Aracaju, emuma concentração exacerbada dos em- bora haja algumas restrições. “A lotapregos no centro principal de Aracaju ção é muito melhor que os ônibus pore na zona sul, então gera uma pressão que é muito mais rápido e muito mais muito grande por mobilidade urbana cômodo e a passagem é apenas quinze nos bairros periféricos como os da zona centavos mais cara que a passagem de norte, por exemplo, no deslocamento ônibus. O problema é que a linha só vai diário em relação ao centro da zona até o centro. Mas se fizesse o percurso sul”, afirma. Sendo assim, os habitan- na cidade inteira, eu deixaria de utilizar tes da zona sul sofreriam menos com os os ônibus”, fala. intervalos de espera entre um ônibus e Carla Silva é outra moradora do outro. bairro Bugio. Ela trabalha como venOutro problema identificado pelo dedora há um ano e por isso utiliza o pesquisador é a insuficiência no núme- transporte coletivo todos os dias. Faro de terminais. “Sem dúvida a gente zendo um comparativo, Carla conta precisaria criar pelo menos mais dois que o fluxo do bairro em que mora Magalhães explica ainda que a ou três terminais e fazer um novo pla- atualmente é melhor do que o de seu questão da segurança nos ônibus não nejamento para a redistribuição de antigo bairro, Santos Dumont, já que compete diretamente a SMTT, mas em rota. Isso é imprescindível”. Outra solu- este, segundo ela, é bom apenas para princípio ao Estado, que juntamente ção para a melhoria do serviço de trans- quem se dirige ao terminal. “Para che- com a Guarda Municipal, são os resporte público, segundo o professor, se- gar ao terminal D.I.A. demoro cerca de ponsáveis pela segurança pública tanria a geração de empregos fora da zona 30 minutos, mas os ônibus não costu- to em ônibus quanto nos terminais de centro-sul da cidade. mam demorar. Meu maior medo são integração. A SMTT faz apenas uma Fernandes aponta que apenas as os assaltos”, desabafa a moradora que articulação entre o Sindicato das Emfaixas criadas exclusivamente para os afirma ter sofrido com a violência há presas de Transportes de Passageiros transportes coletivos não resolvem os pouco tempo. Carla também diz que o de Aracaju (Setransp) e a Secretária de problemas relacionados a mobilida- conforto dos ônibus era terrível, mas Segurança Pública de Sergipe (SSP). “O de sem um planejamento estratégico. que com a chegada da nova frota as coi- Setransp nos municia sobre quais são “Nós precisamos estimular corredores sas melhoraram. Ainda assim, conside- as linhas que sofrem mais violência e exclusivos de ônibus. Não é pegar uma ra o preço da passagem, atualmente R$ assaltos e nós encaminhamos para a tinta azul e pintar a faixa. Isso não re- 3,10, injusto. Secretaria de Segurança, que tenta inisolve. Temos que ter um planejamento Moises Oliveira reside no bairro bir isso”, explica. Segundo Magalhães, a pra criar linhas específicas de transpor- Augusto Franco e diz que em sua região raiz do problema da insegurança nos te coletivo, não apenas ciclovias. Preci- o fluxo costuma ser bom. Ele trabalha ônibus é o baixo efetivo de policiais. samos de corredores exclusivos pra ôni- no aeroporto e conta que costuma uti- “Não tem como a polícia disponibilizar bus também”, explica. lizar o transporte coletivo todos os dias. homens ou viaturas para ônibus. Nós O pesquisador questiona ainda as Além disso, faz questão de afirmar que temos um serviço de 590 ônibus, então rotas das linhas que são muitas vezes também considera o bairro em que não tem como a polícia monitorar cada “equivocadas”. “Temos trajetos curtos vive bom para se morar. ônibus desse”, afirma. que às vezes para em dois terminais. Tem linhas, por exemplo, na Avenida LINHAS INTEGRADAS E SEGURANÇA ZONAS DE EXPANSÃO Tancredo Neves que tem que pegar pro D.I.A e retornar para a mesma avenida. De acordo com Augusto MagaAs zonas de expansão de Aracaju Isso é uma coisa irracional”, pontua. lhães, diretor de transporte da Superin- são uns dos lugares que mais sofrem tendência Municipal de Transportes e com a questão do fluxo dos ônibus. SeOPINIÃO DE QUEM UTILIZA O Trânsitos (SMTT), não existe diferença gundo Magalhães, isso acontece devido TRANSPORTE PÚBLICO entre os fluxos de ônibus das zonas sul uma “falta de planejamento da SMTT e norte de Aracaju, já que segundo ele, que não está preparada para atender Essas linhas “irracionais” descritas o sistema de transporte da cidade é in- serviços emergenciais”. O loteamento por Nelson Fernandes encontram res- tegrado. “Temos o atendimento de uma Paraíso do Sul, que fica localizado no paldo no caso de Gleide Cruz, que mora pessoa que queira sair do terminal da bairro Santa Maria, estava sem serviços no bairro do Bugio e se desloca até o Atalaia integrado, essa linha vai sair do de transportes coletivo há dez anos e os bairro Treze de Julho para trabalhar. terminal de Atalaia e vai percorrer toda moradores do loteamento precisavam Segundo Gleide, além de pagar caro por a zona sul, o centro da cidade, uma par- caminhar cerca de 700 metros até um um “serviço que não oferece condições te do mercado, e vai para o terminal de ponto de ônibus mais próximo. de bem estar”, as linhas que ela utiliza Socorro. Então uma mesma linha atenaté chegar ao trabalho acabam fazendo de quase a cidade toda”.

Passageiros no Terminal do DIA - Distrito Industrial de Aracaju

“O que é interessante nesse sentido, é que nós temos uma concentração exacerbada dos empregos no centro principal de Aracaju e na zona sul, então gera uma pressão muito grande por mobilidade urbana nos bairros periféricos como os da zona norte, por exemplo, no deslocamento diário em relação ao centro da zona sul”

002

Fernando Collor - DIA 4.563 passageiros

031

EDUARDO GOMES DESEMBARGADOR MAYNARD 4.279 passageiros

080 Bugio - Atalaia 3.607 passageiros

004 Santa Maria - Dia 3.553 passageiros

SMTT/COPOB, 2015.

LINHAS DE ÔNIBUS QUE MAIS TRANSPORTAM PASSAGEIROS EM ARACAJU


MULHER

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Com seu direito à cidade limitado antes mesmo do cárcere, as mulheres internas no Presídio Feminino (Prefem) de Sergipe reorganizam suas relações entre as paredes e muros que as mantém privadas de liberdade

JULIANA TEIXEIRA

PAREDES ROSA, HISTÓRIAS CINZA: QUANDO DIREITOS NEGADOS SÃO DETERMINANTES SOCIAIS

Clara Dias | Juliana Teixeira claralds@gmail.com | julianateixeirabs@gmail.com

- Vocês não têm medo de mim não? - Por que teríamos? - As pessoas geralmente têm medo de presa.

É

assim que se inicia a conversa com Kelly Santos Barbosa, 29, enquanto pintamos suas unhas do pé com um esmalte cintilante. Do outro lado da sala improvisada para ser um salão, uma cabeleireira militante transfeminista montava um penteado que, mais tarde, receberia uma coroa. Em algumas horas, os pavilhões A e B estariam reunidos num mesmo espaço para vibrar pelas suas rainhas do milho, dançar ao som do sanfoneiro e comer pipoca com Coca-Cola. Os festejos juninos - famosos por concentrarem música, dança e pessoas na rua - eram diferentes ali. Por dentro dos muros do Presídio Feminino (Prefem), formou-se um arraial temático: no casamento de matuto, a noiva fugiu de um relacionamento abusivo; nas paredes se viam frases como “seu delegado, prende o machismo”; a homenageada do dia foi Cremilda, uma das cantoras de forró mais populares do estado. A vice-diretora Edjane Marinho, 42, explica que é uma tentativa de diminuir os impactos do machismo nos relacionamentos dentro da prisão. “Acontece que o “homem”[mulher que se comporta pelo padrão dito masculino] se sente dono da outra. Ela está ali como se fosse uma coisa, como se fosse sua. Você não pode andar de cal-

cinha dentro da cela, não pode converO Infopen descreve ainda que a sar com as outras mulheres. É como se maioria das mulheres submetidas ao você estivesse num cárcere dentro de cárcere é jovem, tem filhos, é responsáoutro cárcere”, afirma Edjane. vel pela provisão do sustento familiar, Quando o dia termina e as internas possui baixa escolaridade, é oriunda voltam para suas celas, uma nova es- de extratos sociais desfavorecidos ecotrutura é reorganizada. Milena Lopes, nomicamente e exercia atividades de 21, trabalha como mensageira. Sema- trabalho informal em período anterior nalmente, ela leva os itens entregues ao aprisionamento. Além disso, 67% pelos visitantes até as mulheres: car- das mulheres encarceradas são negras tas, materiais de higiene pessoal. Há - duas em cada três presas. pouco menos de dois anos, enquanto Em Sergipe, 70% das mulheres pritrabalhava como atendente num res- vadas de liberdade respondem por trátaurante em São Paulo, Milena só co- fico. Dentro da estatística, Kelly está no nhecia Sergipe por foto. Agora, moran- sistema pela terceira vez e afirma sem do no estado e privada do seu direito rodeios que nunca gostou de estudar de ir e vir, seu conhecimento conti- ou trabalhar, mas o caminho para lonnua o mesmo. Isto porque a mulher ge dos dois não foi uma escolha. Desisfoi surpreendida pelos policiais antes tiu de estudar na primeira gravidez, aos mesmo de ultrapassar a fronteira de 15 anos. Quando sofreu um aborto, dois Aracaju, onde pretendia entrar com 11 meses depois, sua trilha já era outra: quilos de maconha. passou a ganhar dinheiro como profisSegundo o Levantamento Nacio- sional do sexo. “Eu via as meninas da nal de Informações Penitenciárias minha idade se arrumarem, vestirem (Infopen), divulgado em 2014 com o roupas bonitas e eu não podia. Com o recorte de gênero, 68% das mulheres programa, eu ganhava dinheiro rápido” possuem vinculação penal por en- conta. volvimento com tráfico de drogas. O Trabalhando de segunda a domindocumento destaca que a maioria go, Kelly precisou de uma estratégia dessas mulheres ocupa uma posição para se manter acordada durante as de coadjuvante no crime, ou seja, rea- noites - o dinheiro que ganhava com os lizam transporte de drogas e pequeno programas passou a ser revertido em comércio, mas poucas são as que exer- crack. A essa altura, já tinha dois filhos cem atividades de gerência. que eram cuidados pela mãe enquanto

ela não conseguia. Ao passo em que notou o constante cansaço, Kelly encontrou um novo companheiro, por quem deixou o programa, e trocou o uso da droga pela sua venda. Hoje, com cinco filhos, que ficam sob os cuidados da sua mãe, Kelly recebe poucas visitas. Localizado no Povoado Taboca, em Nossa Senhora do Socorro, o presídio tem acesso difícil até para quem vai de carro. Deixando a BR, estrada de chão adentro, o caminho de mato, com igreja abandonada e poucas casas, não só é pouco receptivo como mantém o lugar excluído de qualquer convívio social. Além disso, muitas internas são mães solteiras e eram chefes de família. Quando deixam os filhos aos cuidados da avó, como é o caso de Kelly, a distribuição de renda familiar é dificultada e, no caso daquelas que moram no interior, há pouca sobra de recursos para viajar nos dias de visita. Enquanto espera, a mulher sabe dos desafios que a aguardam quando deixar o Prefem, daqui a oito anos. “Já estou velha para essa vida. Antes de ser presa, pensava em abrir um bar. Acho que é o que vou tentar fazer quando sair, abrir esse bar. O corpo vai ficando cansado para as coisas que fazia”, conclui.


JORNAL CONTEXTO 53

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O olhar distante de Alessandra Ramos de Santana, 38, tem finalidade educativa e produtiva. De acordo com as Leis expressava as linhas do luto costurado na história que a le- do Trabalho, esse serviço deve ser remunerado e não pode ser vava àquele lugar. Luto pelo filho de 22 anos, enterrado no inferior a três quartos do salário mínimo. Em Sergipe, todas dia e lugar em que foi presa. Luto por ela mesma, que abdi- as presas realizam os trabalhos laborais dentro das próprias cou da vida que tinha ao ajudar o irmão, envolvido com o unidades e o número de atividades complementares é um dos maiores do país. narcotráfico. O Prefem do estado também conta com parcerias que leCasada há 12 anos, foi deixada pelo marido que não concordava com seu auxílio na venda de drogas. Quando estava vam diversos projetos pedagógicos às internas. A Secretaria em liberdade, seu acesso à cidade sempre foi limitado. Mu- Estadual de Educação disponibiliza turmas de Educação para lher negra e pobre, trabalhava como empregada doméstica Jovens e Adultos (EJA), para mulheres que não concluíram a para sustentar os filhos. “Minha patroa me dizia para não me primeira etapa do Ensino Fundamental (até a quarta séria). meter nos negócios do meu irmão, porque me via falando no A ONG Agatha também oferece aula de alfabetização às intelefone com ele. Me dava conselho, achava que ia dar em ternas. Já o Ministério Público Estadual tem um projeto de problema”, lembra. No entanto, as linhas do luto se desfa- artesanato e renda, o Florescer, em que as internas confeccioziam em fé no sorriso que dava a cada vez que dizia “graças nam peças e mandam para suas famílias, que podem vendê-las para completar a renda. O Prefem ainda conta com uma a Deus”. De acordo com os dados do World Female Imprison- fábrica de corte e costura, que funciona como oficina-escola: ment List, relatório produzido pelo Institute for Criminal as internas têm aulas de capacitação e, a partir delas, fazem Policy Research da Birkbeck, University of London, mais de material de fardamento e lençóis para o próprio sistema pri700.000 mulheres estão em situação de privação de liberda- sional. “Além dessas [atividades], esporadicamente, a gente tem de ao redor do mundo. Em 2014, o Brasil tinha a quinta maior população de mulheres encarceradas, ficando atrás apenas cursos de cabeleireiro, e uma oficina de cabeleireiro também, dos Estados Unidos, China, Rússia e Tailândia. Entre os anos um ateliezinho. Hoje a gente está sem aula, mas está forma2000 e 2014, houve um crescimento de 567%, ou seja, 37.380 tando parcerias para que os cursos sejam permanentes. E a mulheres. Já a população penitenciária masculina cresceu maior parte é voltada para a área de beleza”, explica a vicediretora Edjane. 220% no mesmo período. Diante das dificuldades financeiras, Alessandra pede à Sentenciada a 11 anos e seis meses de prisão, Alessandra é interna no Prefem há um ano e oito meses, dos quais mãe que não venha no dia da visita. Nos longos intervalos passou a maior parte trabalhando na coleta de lixo do pre- entre os seus raros encontros, comunicam-se por bilhetes e sídio. O serviço não é o suficiente para ajudar a família, que cartas. “O que mais sinto falta da vida lá fora são meus filhos. se mantém com dificuldade. Seus filhos moram no interior Quando sair daqui, vou trabalhar para dar uma vida melhor aos cuidados da avó, mãe de Alessandra, que sustenta a casa a eles e ajudar a minha mãe, que faz muito”, conta a interna. Ao dar, mais uma vez, suas graças a Deus, ela conta que inteira com o pouco dinheiro que ganha com faxinas e revendas de cosméticos. Nessa casa, restaram cinco dos sete - a seu trabalho, como tudo que aconteceu, a fez valorizar a vida menina de 14 anos fugiu do abrigo de menores, segundo a que voltará a ter ao ser solta. “É difícil estar aqui, mas quando mãe, “provavelmente para morar com o rapaz por quem se estiver lá fora, não importa o que aconteça, sempre vou pensar que já coletei o lixo do presídio. Isso vai me fazer lembrar apaixonou”. O trabalho das internas, segundo a Lei de Execução Penal, como a vida pode ser boa”, diz Alessandra.

JULIANA TEIXEIRA

JULIANA TEIXEIRA

O LUTO E A LUTA

O trabalho das internas tem finalidade educativa e produtiva, todas as presas realizam trabalhos laborais dentro das próprias unidades.


CULTURA

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SERGIPE NÃO CABE EM SI: A RIQUEZA IMATERIAL DO MENOR ESTADO DA FEDERAÇÃO Aparecido Santana aparecidoradioetv@gmail.com

:APARECIDO SANTANA

Camila Oliveira oliveiracamilaj@gmail.com

A Romaria de Nossa Senhora Aparecida acontece todos os anos desde que o Papa João Paulo II decretou indulgência plenária a todas as paróquias e santuários dedicados a Santa.

Os saberes, os modos de fazer, as formas de expressão, celebrações, as festas e danças populares, lendas, músicas, costumes e outras tradições, compõem patrimônios imateriais do estado de Sergipe. O menor estado da federação é rico em suas manifestações culturais.

P

ara o Historiador Wanderley Menezes, é preciso definir o conceito de patrimônio cultural. “Patrimônio cultural é o conjunto de bens que definem e caracterizam um povo, ou seja, compõem os elementos que constroem a cultura de um povo. Quando eu falo que existe bens culturais materiais ou imateriais, eu estou levando em consideração a materialidade do bem, ou seja, se ele pode materialmente ser expresso ou se tem uma conotação imaterial” explica Wanderley. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Patrimônio cultural imaterial compreende “as práticas, representações, expressões, conhecimentos

e técnicas junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados e que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural”. O patrimônio imaterial é transmitido de geração em geração e é sempre recriado e apropriado por indivíduos e grupos sociais como importantes elementos de sua identidade. O estado de Sergipe possui diversos patrimônios culturais imateriais, aprovados pela Assembleia Legislativa de Sergipe (ALESE), a sancionados pelo governo do estado, no entanto, apenas o modo de Fazer Renda Irlandesa, tendo como referência o ofício desempenha-


JORNAL CONTEXTO 53

ROMARIA DE NOSSA SENHORA APARECIDA A Festa e Romaria em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, realizada todos os anos no município que leva o nome da santa, situado a 98 km da capital sergipana, se tornou Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado de Sergipe. O projeto de autoria do deputado estadual Georgeo Passos (PTC), foi aprovado na Alese e sancionado pelo governo. A primeira Romaria de Nossa Senhora Aparecida foi realizada em 2004, na ocasião em que o Papa João Paulo II decretou indulgência plenária a todas as paróquias e santuários dedicados a Nossa Senhora Aparecida. Devido a esse decreto aproximadamente 6 mil pessoas procuraram a cidade sergipana como centro de indulgência, atualmente o evento recebe cerca de 100 mil fiéis todos os anos. Em contato com o deputado autor do projeto, ele aborda que a proposta atende a uma necessidade de reconhecimento da cultura e crença do povo sertanejo. “O povo daquela região e de todo o Estado se desloca ao município de Nossa Senhora Aparecida para declarar sua fé. Todos os anos, milhares de pessoas realizam esta peregrinação, com a esperança de dias melhores”, salientou Georgeo, destacando a importância da festa econômica e culturalmente.

Na Igreja Católica, existem diversas manifestações religiosas, dentre elas, a romaria tem grande alcance popular. Em várias partes do mundo os devotos fazem viagens e peregrinações por lugares e templos sagrados, em que rendem cultos a Jesus, a Maria e a alguns Santos da Igreja. Os romeiros, majoritariamente católicos, buscam alcançar uma graça, denominada de milagre, que, quando alcançada, deve ser agradecida num destes santuários de peregrinação popular. Segundo Pe. Jadilson, foi uma experiência ainda tímida, mas que deixou um legado consistente que germinou para que perdurasse até os dias de hoje. “Assim que assumi a paróquia em 2003 a gente realizou a primeira festa e olhando a festa a gente percebeu que era uma festa pequena e nós pensávamos em algo muito maior, então, em 2004 nós iniciamos a primeira romaria que foi uma coisa pequena, mas que realmente teve toda a preparação para que perdurasse até os dias de hoje, disse Pe. Jadilson”, relata o padre.

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FEIRA DO CAMINHÃO A cidade de Itabaiana, considerada a Capital Nacional do Caminhão, através de decreto da Presidência da República, também se tornou patrimônio cultural e imaterial de Sergipe. O Projeto de Lei de autoria da deputada estadual Maria Mendonça foi aprovado na Assembleia Legislativa e sancionado pelo estado. A Capital do Caminhão realiza todos os anos, no mês de junho, a tradicional Festa do Caminhoneiro, que recebe milhares de pessoas, na praça de eventos, onde também se realiza a importante Feira de Negócios, voltada para o segmento do comércio de caminhão, e shows artísticos. Já no dia 12 de junho, acontece a tradicional carreata dos caminhoneiros que recebe cerca de 5 mil profissionais do volante. O transporte rodoviário de cargas é o motor da economia local. Os caminhões trazem dinheiro para a cidade, geram empregos e têm ajudado a elevar o padrão de vida de toda a população. O setor de comércio e serviços para caminhões também é forte na cidade, tendo ao longo da BR-235 grande concentração de lojas de autopeças, oficinas, postos, indústrias e garagens que compram e vendem caminhões usados. A Festa dos Caminhoneiros foi idealizado pelo saudoso Antônio Francisco da Cunha, popularmente conhecido por Rolopeu em 1966, e é considerado a maior festa de caminhões do Brasil. Recebe todos os anos caminhoneiros e turistas de todo país, que vão a cidade conferir uma vasta programação festiva, enfatizando a cultura do município. Em 2008, a Festa passou a mudar o foco e tornou-se Feira do Caminhão. O intuito, além do congraçamento, foi à relação comercial entre expositores, caminhoneiros, frotistas e acessórios.

DIVULGAÇÃO SESC

A confeccção de peças de renda pelas mulheres de Divina Pastora é considerada Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro

do em Divina Pastora/SE, se tornou patrimônio cultural imaterial brasileiro, conforme registro concedido em 27 de novembro de 2008 pelo Conselho Consultivo do IPHAN. O trabalho produzido pelas mulheres de Divina Pastora e por outros municípios sergipanos, obedece o tipo renda de agulha, que apresenta como suporte uma fita presa ou ligada ao debuxo ou risco com o desenho da renda sobre papel manteiga e fixado em um papel grosso. A atividade é coordenada desde o ano de 2000 pela Associação para o Desenvolvimento da Renda de Divina Pastora (Asderen) que reúne cerca de 122 artesãs para a realização do ofício.

Como o processo produtivo corre risco de desaparecer, o registro tenta garantir a sobrevivência das rendeiras com o incremento de renda a partir da divulgação e reconhecimento da importância da atividade como genuinamente brasileira. Dona Maria dos Anjos tem 57 anos, faz parte da associação e criou seus filhos com recursos obtidos pela fabricação das peças “Quando meu segundo filho nasceu uns 15 anos atrás eu tive alguns problemas com meu ex-marido e queria me separar, mas não tinha como sobreviver, vi na renda uma saída para conseguir seguir minha vida e cuidar dos meus filhos. Hoje não vivo sem a renda, sou muito feliz com o que faço”

exclama a rendeira, Maria dos Anjos. Para ela, a produção da renda irlandesa é muito além de um trabalho com o objetivo de lucrar, é verdadeiramente algo que constitui sua história. “A renda se tornou minha história e de meus filhos, minhas amizades a maioria são com rendeiras, a renda me salvou e salvou minha família. Devo minha vida a ela, pra mim é minha história, e junto com meus filhos, minha vida”, finaliza a mesma.


CULTURA

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FELIPE G.

RESSIGNIFICAÇÃO: OCUPAR É CULTURA

Dezenas de jovens se reúnem semanalmente para a propagação da arte

Quando as manifestações culturais se ramificam pela cidade e transformam ”não lugares” em “espaços”, é quando a geografia (de dentro e de fora das cabeças) começa a ser povoada pelo novo. Ressignificar é palavra de ordem e cultura é ocupar e resistir

Por: Elisa Lemos eliisalemos@hotmail.com

N

o Centro de Aracaju, entre a Praça General Valadão e os mercados centrais, o estreito Beco dos Cocos nasce como núcleo da boemia da década de 1940. Apesar de ter sido reconhecido enquanto espaço histórico, a não manutenção da localidade fez com que o beco acabasse por se tonar um centro de prostituição e tráfico de drogas na capital. Diante das reclamações da pulação, em 2009, a Funcaju (Fundação Cultural Cidade de Aracaju), junto a artistas visuais e estudantes de artes da Universidade Federal de Sergipe, iniciaram o processo de revitalização do espaço e, em pouco tempo, o Beco dos Cocos deu luz aos seus embrionários eventos culturais. O Coletivo do Beco, uma das sementes que vingou em 2009, composto por artistas, grupos folclóricos e agentes culturais lançou o evento “Sexta no Beco”. Assim, todas as sextas-feiras, a partir das 18h00, o estreito Beco dos Cocos, virava palco para expressões culturais de forma gratuita. “O movimento era bom por diversos motivos: primeiro, eu trabalhava no prédio da esquina e me sentia mais segura pra sair do trabalho depois que o beco começou a ser povoado e, segundo, as coisas que aconteciam lá eram bem legais e em algumas sextas eu até fui pra relaxar depois

do serviço.”, conta a funcionária pública Vera Núbia. Ainda de forma gratuita e passeando por “não espaços” a banda de rock sergipana Karne Krua iniciou sua intervenção pelos anos 80. Nessa época a banda rodava a cidade em busca de praças onde pudesse ter acesso a fiação elétrica, divulgava o lugar para o público, conectava seus instrumentos e fazia seu som para quem quisesse chegar. Desse modo, com seus mais e 30 anos de carreira a banda deixa um legado de resistência por onde passa. Não só pela maneira inovadora de fazer seus shows, mas por conseguir plantar a semente nos jovens das novas gerações. Alguns desses jovens, inspirados por essa rebeldia, fundaram a banda The Renegades Of Punk. Mais uma vez o país do forró da luz a uma banda de rock não convencional e com sede de ocupação. E é dessa vontade juvenil que surge, através da The Renegades, em 2012, o evento Clandestino – o modelo antigo da Karne Krua executado nos anos 2000. Com dezessete edições a ideia do movimento é ocupar “não lugares” para fazer seu som e, como exemplo desses espaços, podem ser citados a Ponte do Imperador, a Praça Fausto Cardoso, a Praça da Juventude do Augusto Franco

e a pista de skate debaixo da Ponte Aracaju-Barra. A divulgação do Clandestino acontece através das redes sociais, porém o local do evento só é anunciado horas antes a fim de evitar represálias. DESAFOGAR: QUANDO A CULTURA VEM DA ANGÚSTIA O mês de junho de 2013 no Brasil foi um mês de euforia. Em média 84% dos brasileiros foram às ruas para protestar contra aumento das passagens de ônibus. Depois do pedido do impeachment de Collor, essa foi a manifestação com maior adesão da população. Em Aracaju não foi diferente. As ruas foram tomadas e boa parte dos protestos iam em direção ao Terminal D.I.A. e seus entornos. E foi ali, encerrando cada ato no Viaduto Jornalista Carvalho Deda que surgiu o Coletivo Sarau Debaixo. A ideia do Coletivo era criar um lugar para a poesia, visto que na cidade já existiam espaços para a música e peças teatrais, mas não para a literatura. Em setembro de 2013 aconteceu a primeira edição do Sarau que só foi crescendo. A cada terceira terça-feira do mês poetas, músicos, fotógrafos e artistas de diferentes áreas se encontravam debaixo do viaduto, construído para desafogar o trânsito, para desafo-

gar suas angústias. “O viaduto era um não lugar, tá ligado? É um lugar da cidade onde as pessoas não passavam por ele, é como se tivesse uma parede cinza naquilo e as pessoas não transitassem por ali nunca.”, afirma Allan Jonnes, poeta e um dos idealizadores do coletivo. Em novembro de 2015 aconteceu o último evento “O Sarau Debaixo acabou, não acontece mais debaixo do viaduto porque a gente percebeu que tinha esgotado o lugar [...] lá já está pronto, é um lugar que agora sim tem alguma coisa nele, tem alguma vivência que o tornou outra coisa para além de um viaduto e agora ele tem uma espécie de história, mesmo que seja curta, de algo que algum dia ocorreu ali e o ressignificou. Agora vamos para outros lugares.”, completa Jonnes. O QUE VEM DEPOIS VEM DO QUE VEIO ANTES O que aconteceu no Beco dos Cocos, o que fez surgir o Clandestino a inquietação que fundou o Sarau Debaixo foram sensações que não se perderam na linha tempo da cultura sergipana. A ocupação de “não espaços” se tornou ato político: o povo estava usufruindo do seu direito à cidade, habitando a cidade de forma real e não nos noticiários violentos em seus prédios altos. A ação de transformar esses locais em “espa-


JORNAL CONTEXTO 53 FELIPE G.

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[...] e agora ele tem uma espécie de história, mesmo que seja curta, de algo que algum dia ocorreu ali e o ressignificou

ços” não só proporciona acesso direto à cultura local, mas também desmitifica a ideia violenta que esses pontos têm por serem pouco utilizados. De 2012 pra cá outros coletivos e eventos deram vida a geografia da cidade: O Som de Calçada acontece todos os domingos, a partir das 19h00, na Orla de Atalaia (região conhecida como Praia da Cinelândia) desde 2012. Lá, músicos se encontram para expor suas criações na beira da praia e aglomeram pessoas onde antes só circulavam poucos turistas. O Coletivo Delta Nove Rap Home está na quinta edição da “Batalha do Octógono” – concurso de MC’s que acontece desde 2014. A ideia do coletivo é discutir o Rap e construir suas letras aproveitando o que a cidade pode lhe oferecer. O Coletivo Ensaio Aberto surgiu em 2015 com a proposta de levar as diferentes vertentes da arte para o Parque dos Cajueiros, em Aracaju. Todo último domingo do mês o parque era tomado por produtores e consumidores de cultura. Em menos de um ano o evento comportou milhares de pessoas e, em 2017, modificou seu formato e ficou semelhante ao Clandestino. O Coletivo Não Pago também utilizou o Viaduto do DIA para executar o ”I Festival Catraca Livre”, mas uma vez algo que nasceu da angústia das Jornadas de Junho em Aracaju; O Coletivo de Mulheres fez o “Arraiá das Minas”, também debaixo do viaduto este ano, trazendo para a roda o importante debate sobre o espaço que a mulher ocupa na cidade e o espaço que ela quer ocupar. Já em 2016, o evento do dia da mulher, feito pelo coletivo, aconteceu na Praça do Bairro Industrial com o mesmo debate sobre os lugares que as mulheres podem e devem estar. Cada um desses espaços e eventos têm suas semelhanças e particularidades. Cada um tem sua ressignificação.

FELIPE G.

O Coletivo Não Pago luta pelas causas socias, um exemplo, é o evento Catraca Livre.

O Coletivo Ensaio Aberto foi uma abertura para fomentar a cultura no Parque dos Cajueiros.


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