Revista Vitae - 1ª Edição

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Edição 01 - Janeiro/2014

S.O.S. FLORA As mil e uma utilidades da macaúba Mais de cem anos de solidão Para um novo profissional, um novo curso


EDITORIAL

CONSELHO REGIONAL DE BIOLOGIA 4ª REGIÃO

Revista Vitae Publicação do Conselho Regional de Biologia 4a Região Ano I - Nº 01 | Janeiro de 2014 Assessor de Comunicação: André Nessim

Conselho Editorial/Comissão de Divulgação Aneliza de Almeida Miranda Melo Jefferson Ribeiro da Silva Sylvia Therese Meyer Ribeiro

CRBio04 Av. Amazonas, 298 - 15º andar Belo Horizonte - MG - 30180-001 Telefone: (31) 3207-5000 www.crbio04.gov.br | crbio04@crbio04.gov.br

Conselheiros Efetivos Bruce Amir Dacier Lobato de Almeida Carlos Frederico Loiola César Augusto Maximiano Estanislau Elias Manna Teixeira Evandro Freitas Bouzada Mariana Nascimento Siqueira

Conselheiros Suplentes Aneliza de Almeida Miranda Melo Emilson Miranda Fábio de Castro Patrício Helena Lúcia Menezes Ferreira João Paulo Sotero de Vasconcelos José Alberto Bastos Portugal Lucas Soares Vilas Boas Ribeiro Meriele Cristina Costa Rodrigues

Diretoria Executiva Presidente: Gladstone Corrêa de Araújo Vice-Presidente: Jefferson Ribeiro da Silva Tesoureira: Sylvia Therese Meyer Ribeiro Secretária: Norma Dulce de Campos Barbosa

Reportagem e edição Berlim Comunicação Jornalista Responsável: Vitor Moreira Registro: 14055/MG

Projeto gráfico e diagramação Elevado a3 elevadoa3.com.br Tiragem: 10.000 exemplares

A vida em todas as suas formas Conselho Regional de Biologia 4ª Região pelo quadriênio 2011-2015, reunimos conselheiros, delegados e funcionários para discutir e propor ideias que iriam compor nosso Programa de Ação. Cumprindo o compromisso de garantir a pardos os biólogos também foram convidados a enviar suas sugestões e propostas. O resultado deste esforço conjunto está disponível em nosso site, no link Transparência, para que qualquer um possa consultar e acompanhar o trabalho que estamos desenvolvendo. Um dos seis eixos programáticos que compõem o documento, “Comunicação”, descreve as ações que julgávamos ne-

Graças ao esmero e à dedicação da Comissão de Divulgação do CRBio04, essa revista que chega agora a suas mãos é a concretização de uma dessas ações. A pedido de nossos colegas e acompanhando as tendências da era digital, o tradicional veículo de comunicação do Conselho, o Jornal do Biólogo, migrou para a plataforma eletrônica e ganhou mais duas edições por ano, passando a ser bimestral. Essa mudança abriu espaço para colocarmos em prática outra sugestão incorporada ao nosso Programa de Ação, a de criação de uma O nome escolhido para nossa revista, Vitae – latim para vida –, não poao estudo e à preservação da vida em todas as suas formas. A Vitae chega com a proposta de informar, agregar conhecimento e dar visibilidade ao trabalho dos biólogos que atuam na jurisdição do CRBio04, nas quatro grandes áreas das Ciências Biológicas: Meio ambiente e Biodiversidade; Saúde; Biotecnologia e Produção; e Educação. Nesta primeira edição, trazemos como destaque de capa um pouco da rotina e da metodologia de trabalho de biólogos que atuam com o resgate de Produção, destacamos as pesquisas que vem sendo realizadas com a macaúba, palmeira de grande potencial econômico e que, por este exato motivo, encontra-se ameaçada. A matéria de Saúde revela o desolador panorama da doença de Chagas, descoberta há mais de cem anos e que, até hoje, permanece negligenciada, a despeito dos esforços de pesquisadores que buscam a total compreensão da enfermidade. Por último, a reportagem de Educação esmiúça a Resolução 300/2012 do Conselho Federal de Biologia e seus impactos nos cursos de gradutância do biólogo para o desenvolvimento do país. Na expectativa de que essa seja mais uma iniciativa de sucesso do CRBio04, aguardamos suas críticas, elogios e sugestões, para que possamos aprimorar ainda mais nosso Conselho e nossas publicações. Sigamos, portanto, trabalhando para transformar o meio ambiente e nossa sociedade para as futuras gerações. Boa leitura! Gladstone Corrêa de Araújo Conselheiro Presidente do CRBio04

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Notícias Rápidas Rede Brasileira de Astrobiologia Brasil possui uma rede virtual para integrar pesquisadores de diferentes Estados e instituições dessa nova área multidisciplinar do conhecimento, dedicada a estudar a origem, evolução, distribuição e futuro da vida na Terra e, eventualmente, fora dela. A Rede Brasileira de Astrobiologia (RBA) é coordenada por pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Astrobiologia da Universidade de São Paulo (NAP-Astrobio/USP). Uma das propostas da RBA é formar um banco de dados que

área. A partir de um cadastro – que passa pela aprovação dos coordenadores da rede – poderá ser acessado pelos demais usuários. Mais informações: www.astrobiologia.net.br.

Anuidade 2014 28 de fevereiro para quitar a anuidade 2014 com desconto de 25%, pagando o valor de to até o dia 31 de março terão desconto de 15% (R$ 331,96). Após este prazo, será cobrado o valor integral da anuidade (R$ 390,54), acrescido de multa de 2% e juros de 1% ao mês. Graduados que se registrarem em até doze meses da data de sua colação de grau estão isentos da primeira anuidade. O biólogo que estiver cursando pós-graduação stricto sensu (mestrado ou doutorado) em MEC/CAPES poderá requerer desconto de 80% no valor da anuidade integral. O proprotocolar requerimento até o dia 28 de fevereiro. No caso de pessoa jurídica, o valor da anuidade é proporcional ao capital social declarado no contrato social da empresa, variando de R$ 107,12 a R$ 1.109,13. O boleto para pagamento da anuidade é enviado pelo correio para todos os registrados, mas também pode ser emitido no site do CRBio04: www.crbio04.gov.br.

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Ciência Prática O blog “Ciência Prática” publica artigos originais que abordam o exercício prático da cipara textos acadêmicos, oportunidades de bolsa e estágios no exterior e outros assuntos relevantes para alunos de graduação e pós-graduação. A premissa do blog é auxiliar os estudantes a vencerem os obstáculos da carreira e a se estabelecerem como pesquisadores de sucesso. O endereço é cienciapratica.wordpress.com.

Emissão de A.R.T. emitir sua Anotação de Responsabilidade Técnia (A.R.T.), documento obrigatório e que atesta a capacidade para o desempenho de determinado trabalho. A A.R.T. se divide em duas categorias: prestação de serviço (para tempo determinado) e cargo e função (emite-se uma única Anotação no início do vínculo empregatício). A A.R.T. deve ser emitida até o último dia do mês subsequente ao início do trabalho, por meio do site do Conselho, em link disponível no menu à esquerda.

Clube de Vantagens tam, entre outros benefícios, com o Clube de Vantagens, que oferece descontos e condições diferenciadas em lojas, produtos e serviços. Dentre as empresas conveniadas estão faculdades, consultoria, pousada, plano de saúde e publicações. A listagem completa de convênios está disponível no site do Conselho.


SUMÁRIO

Biotecnologia e Produção

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As mil e uma utilidades da macaúba

Saúde

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Biotecnologia auxilia na preservação e melhoramento de palmeira que pode se tornar a grande matéria-prima do biodiesel no país

Meio ambiente e Biodiversidade

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S.O.S flora Trabalho desenvolvido por biólogos em áreas de realização de empreendimentos ajuda a preservar espécies vegetais

Mais de cem anos de solidão Após um século de seu descobrimento, doença de Chagas ainda é negligenciada; pesquisas na área são incipientes e faltam

Educação

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Para um novo profissional, um novo curso adequação às exigências do mercado de trabalho impulsionam alterações nos Componentes Curriculares

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NESTA MATÉRIA Espécie tem alta produtividade Unimontes conduz pesquisas multidisciplinares Governo quer estimular plantios

Matéria de Vitor Moreira

As mil e uma utilidades da macaúba Biotecnologia auxilia na preservação e melhoramento de palmeira com grande potencial econômico

Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá”... Não é possível precisar com certeza quais palmeiras o maranhense Gonçalves Dias tinha em mente quando, em Coimbra, redigiu sua o Brasil possui quase 200 espécies endêmicas da família Arecaceae. Porém, talvez não fosse incorrer em erro acreditar que o poeta se referia a uma planta da espécie Acrocomia aculeata, popularmente conhecida como macaúba, já que a palmeira pode ser encontrada de norte a sul do país, além de em vários países das Américas do Sul e Central. Por sua grande área de dispersão – apesar da maior incidência nos Estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato

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Grosso do Sul – a macaúba é conhecida por diversos nomes, tais como bocaiuva, macaíba, macaúva, coco-baboso, coco-de-espinho, caiol e macajira. Todos esses nomes, porém, descrevem a mesma planta: uma palmeira de estipe reto, que atinge até 20 metros de altura, com espinhos longos e pontiagudos em cachos e o fruto é uma drupa globosa de 2,5 a 6 cm de diâmetro de epicarpo liso e lo ou branco. A polpa é comestível, rica em glicerídeos e alimenta diversas espécies nativas de aves e mamíferos. Outra característica que distingue a macaúba é sua resistência. A palmeira suporta queimadas e períodos de estiagem,


não costuma ser atingida por pragas e se adequa bem a grandes variações climáticas. Todas essas propriedades, seu principal atrativo: o potencial econômico. Da macaúba, tudo se aproveita. A polpa dos frutos, rica em vitamina A e betacaroteno, é utilizada na culinária, resultando em sorvetes, pães e sucos. O óleo da amêndoa é matéria-prima na produção de sabão, sabonete, margarina e cosméticos. As tortas que sobram do esmagamento desta amêndoa são ricas em proteína e consideradas de alto valor nutritivo para alimentação de gado. As folhas são aproveitadas na confecção de redes e linhas de pesca. Do broto terminal se retira o palmito. O endocarpo de macaúba – parte que protege a amêndoa – já está sendo utilizado na produção de carvão vegetal extraídos da macaúba – da polpa e da amêndoa – apresentam excelentes propriedades para a produção de biodiesel. Além disso, a produtividade da espécie supera em muito a da soja, atualmente a principal fonte para esse tipo de combustível. Segundo dados do Centro Nacional de Pesquisa de Agroenergia (CNPAE), órgão ligado à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a macaúba pode produzir até 4.000 quilos de óleo de polpa por hectare, enquanto a soja alcança apenas 500 quilos por hectare. Todas essas virtudes tornam a Acrocomia aculeata fonte de uma diversidade de pesquisas e estudos. Na Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimen-

nas últimas décadas, colocando seu futuro em risco. O grande problema atrelado à exploração comercial da macaúba é que ainda não existe uma cultura comercial efetivamente produtiva, ainda que haja registros de alguns pequenos plantios, como em Viçosa-MG – que desenvolveu o primeiro campo experimental, e que pesquisas visando à domesticação da palmeira tenham avançado muito nos últimos anos. Diante deste cenário, estudos que busquem a preservação e o uso racional da espécie são peças fundamentais. Unimontes. Na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), um grupo de oito pesquisadores e 20 alunos do Departamento de Biologia Geral vem se dedicando ao estudo da macaúba em diversas frentes, com o objetivo de estabelecer estratégias de conservação e exploração sustentável da Acrocomia aculeata. Cada biólogo desenvolve uma pesquisa com uma vertente distinta, mas tendo sempre como objeto de estudo a macaúba. O projeto Desenvolvimento de Tecnologias para o Uso Racional e Conservação da Macaúba no Estado de Minas Gerais é patrocinado pela Petrobras e tem por objetivos avaliar características estratégicas de reprodução, anatomia vegetal, variabilidade genética, herbivoria de frutos, aspectos ecológicos e a diversidade e atividade da microbiota associada a frutos e rizosfera de macaúba. O professor e biólogo Afrânio Farias de Melo Júnior, membro do Departamento de Biologia Geral da Unimontes, está à frente da pesquisa que busca realizar um ma-

Crédito: Arquivo pessoal

Do fruto da macaúba são extraídos dois tipos de óleos, um da polpa e outro da amêndoa

Crédito: Jose Reynaldo da Fonseca

mais de 900 menções à macaúba em linhas de pesquisa acadêmicas. Mas na mesma medida em que a espécie desperta o interesse de pesquisadores, ela também é alvo

O biólogo Afrânio Júnior, da Unimontes, conduz pesquisa sobre a variabilidade genética da macaúba no Norte do Minas

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BIOTECNOLOGIA E PRODUÇÃO

> As mil e uma utilizadades da macaúba

peamento da diversidade genética em acessos por meio da obtenção da distância genética com utilização de marcadores moleculares. “Quanto maior a variedade genética de uma espécie, maiores suas chances de manutenção. A compreensão e o conhecimento da diversidade genética da macaúba permitirão o desenvolvimento de

O material, então, passa por um sequenciador de DNA, que fornece as informações que serão analisadas pelos pesquisadores. “Dentre outras possibilidades, podemos polinizadores estão cumprindo seu papel, se há um favorecimento à endogamia”, elenca Afrânio. Segundo o biólogo, esses dados são importantes ferramentas para garantir o futuro da macaúba e, até mesmo, a exploração de todo o seu potencial como matéria-prima para a produção de biodiesel em larga escala. “O extrativismo intensivo acaba interferindo na propagação natural da espécie. Esse trabalho permitirá a criação de um banco de informações que poderá ser utilizado em programas de melhoramento genético visando ao plantio da macaúba”, pontua.

A partir da coleta de material foliar de diferentes indivíduos em localidades distintas do Norte de Minas, é aplicada a técnica de PCR (do inglês Polimerase Chain Reaction), uma reação em que uma trabalho com a macaúba.

A produção de biodiesel

Crédito: Jose Reynaldo da Fonseca

O Plano Nacional de Agroenergia, criado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, estabelece que o país deve buscar novas fontes de produção de biodiesel que ofereçam um maior rendimento por hectare. Dentro deste contexto, a macaúba assume um papel protagonista. Do fruto da macaúba são extraídos dois tipos distintos de óleos. Da polpa é extraído um óleo com alto teor de ácido oleico (60%) e palmítico (19%), com boas caracte-

Espécie tem maior incidência em Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul

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rísticas para a produção de biodiesel. A produtividade também impressiona: cerca de 4.000 quilos de óleo por hectare. Já da amêndoa é extraído um óleo com maior concentração de ácido láurico. Mesmo com potencial energético menor, esse óleo apresenta propriedades que o tornam ideal para a produção de biocombustíveis para a aviação. A produtividade do óleo da amêndoa da macaúba chega a 1.000 quilos por hectare. Por outro lado, seu valor de mercado chega a ser superior ao dobro do óleo encontrado na polpa. A produção em larga escala de biodiesel a partir da macaúba, entretanto, esbarra na ausência de sistemas de cultivo desenvolvidos, fazendo com que a exploração da planta dependa, majoritariamente, do extrativismo. “O extrativismo é importante,


Crédito: Embrapa/Divulgação

As mil e uma utilizadades da macaúba > BIOTECNOLOGIA E PRODUÇÃO

Produtividade do óleo de macaúba é oito vezes superior ao de soja

especialmente, para pequenas comunidades, mas somente essa exploração não tornará a macaúba uma matéria-prima difundida na produção de biodiesel”, opina o biólogo Afrânio Júnior. “O papel da biotecnologia é exatamente atuar para tornar isso possível”, complementa.

Patos de Minas sediou Congresso

Projetos e experiências nacionais e internacionais com a macaúba também foram expostos, incluindo trabalhos desenvolvidos no Paraguai e na Alemanha.

Da macaúba, tudo se aproveita Fruto • Polpa: utilizada na alimentação e extraído óleo para

Patos de Minas, município mineiro na região do Alto Paranaíba, sediou entre os dias 19 e 21 de novembro o I Congresso Brasileiro de Macaúba, que teve como tema “Consolidação da Cadeia Produtiva”. Cerca de 200 participantes, entre pesquisadores, produtores rurais, estudantes e representantes de entidades governamentais estiveram reunidos no evento, realizado no Centro Universitário de Patos de Minas (Unipam). O ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Antônio Andrade, participou da abertura do con-

a produção de biodiesel

centivos para a cultura de macaúba no país. “Queremos grande extensões de plantações, queremos o cultivo da espécie em várias regiões do Brasil”, declarou. Dentre os temas apresentados e debatidos no evento estavam questões relacionadas ao aspecto legal da extração da macaúba, o manejo extrativista, os sistemas de produção, os recursos genéticos para melhoramento da espécie e as propriedades industriais dos óleos.

Tronco

• Endocarpo: utilizado na produção de carvão vegetal e também como carvão ativado • Amêndoa: óleo utilizado para fabricação de cosméticos. A torta formada com os restos de amêndoa, após extração do óleo, alimenta o gado. Broto Retira-se o palmito.

Utilizado na construção de casas. Folhas Aproveitadas na produção de linhas de pesca e confecção de redes.

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SAÚDE > Mais de cem anos de solidão

Matéria de Gabriela Vilaça

Mais de cem anos de solidão Após um século de seu descobrimento, doença de Chagas ainda é negligenciada; pesquisas na área são incipientes e faltam diagnóstico e tratamento eficaz

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m abril de 1909, Carlos Chagas comunicava ao mundo a descoberta de uma nova doença. Mais de cem anos depois, poucos foram os avanços: dades consideradas negligenciadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e os infectados ainda sofrem com a falta de acesso a diagnóstico e tratamento. Além disso, os medicamentos utilizados no combate à doença são os mesmos há quase 50 anos e causam fortes efeitos adversos. Responsável por cerca de 14 mil mortes ao ano, a doença de Chagas mata mais pessoas na América Latina do que a malária ou qualquer outra doença parasi-

1994, pesquisas que avaliam resposta imune de pacientes com a doença de Chagas. A expectativa é que esses estudos permitam esclarecer alguns dos aspectos importantes relativos aos fatores e mecanismos imunológicos determinantes da morbidade e prognóstico da cardiopatia chagásica crônica. “Como o curso clínico da doença é extremamente variável e muitos pacientes permanecem assintomáticos por toda a vida, enquanto outros apresentam cardiopatia grave e potencialmente letal, a análise comparativa e longitudinal da doença humana é fundamental para o entendimento da resposta imune e suas causas”, explica a bióloga.

Graduada em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, mestre e doutora em Bioquímica e Imunologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Juliana desenvolve, desde

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Crédito: Arquivo pessoal.

e Desenvolvimento (P&D) é o domínio dos mecanismos biológicos que levam ao desenvolvimento das duas formas mais graves da doença - forma clínica cardíaca e forma clínica digestiva -, que até hoje são pouco compreensíveis. “O que leva um paciente a nunca desenvolver a forma severa da doença e outros a apresentarem esse quadro em tão curto tempo? Talvez essa seja a pergunta que todos os pesquisadores gostariam de responder”, ral de Minas Gerais (UFMG) Juliana Estanislau. Ela conduz um grupo de pesquisa formado por cerca de dez pessoas que estuda a patologia da infecção pelo Trypa nosoma cruzi com o objetivo de reconhecer os mecanisJuliana Estanislau conduz um grupo de pesquisa na UFMG que estuda a doença de Chagas


determinantes de evolução, os pacientes de baixo risco e aqueles que, por apresentarem risco elevado, são candidatos a intervenções terapêuticas capazes de retardar a evolução da doença. Assim, a pesquisa caminha no sentido de promover o manejo clínico adequado de cada indivíduo. Já se sabe que o paciente com a forma indeterminada consegue montar uma resposta imune regulada contra o parasito, enquanto os pacientes com a forma clínica cardíaca apresentam uma resposta imune exagerada e desregulada que, além de matar o parasito, mata também as células e tecidos do coração. O motivo para essa disparidade de respostas imunológicas permanece uma incógnita. “Queremos descobrir se existe alguma célula, alguma molécula que indica a evolução da doença. Se houver um marcador e acompanharmos o paciente mais de perto, será que ele poderá ter a doença controlada, evitando sua evolução? Seria um grande passo”, reitera. Fatores ligados ao parasito - como a cepa - e também ao homem (sua condição imunológica, estado nutricional e até mesmo a genética) podem estar envolvidos na evolução clínica dos pacientes, mas ainda não res de prognóstico e/ou de morbidade, eles poderão ser utilizados para, por exemplo, iniciar-se mais cedo um tratamento preventivo nos indivíduos com risco elevado de desenvolvimento da forma grave da doença. No Brasil, estima-se que cinco milhões de pessoas estejam infectadas pelo Trypanosoma cruzi. A principal via de transmissão é pelo contato com as fezes do inseto vetor (barbeiro), ainda que a doença também tação, por transfusão de sangue, transplante de órgãos

Crédito: Wiki Commons.

Mais de cem anos de solidão > SAÚDE

Estima-se que cinco milhões de pessoas no Brasil estejam infectadas pelo Trypansoma cruzi

e alimentos contaminados. Quando o diagnóstico é feito na fase aguda, o tratamento pode levar à cura. No entanto, a não-disponibilidade de testes diagnósticos no âmbito da atenção primária, somada à sintomatoda infecção na sua fase aguda. Embora a maioria dos pacientes viva sem apresentar os sintomas da doença, cerca de 20 a 30% desenvolverão a forma clínica. “Além da cardiopatia, uma menor porcentagem de chagásicos apresenta alterações anatômicas e funcionais no esôfago e cólon, denominadas megaesôfago e megacólon”, explica Juliana.

Atendimento especializado A doença de Chagas exige um tratamento multidisciplinar, que tas, psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos, enfermeiros e biólogos. A Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais mantém um Centro de Referência em Doenças Infecciosas

e Parasitárias que hoje atende cerca de 200 pacientes com a doença, en caminhados por outros centros de saúde de todo o estado. A UFMG tem, ainda, uma equipe de pesquisadores que tra balham tanto com modelos experi mentais quanto com pacientes com doença de Chagas, em estudos que

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abrangem a biologia do parasito e dos insetos transmissores, o desen volvimento de novos fármacos e vacinas, além da busca de marca dores de evolução, sejam clínicos, imunológicos, genéticos, patológi cos, parasitológicos, entre outros.

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SAÚDE > Mais de cem anos de solidão

Pesquisa e Desenvolvimento Células-tronco contra Chagas A terapia celular vem sendo pesquisada como uma opção pela Fundação Oswaldo Cruz - Bahia e no Rio de Janeiro. A pretensão não é tratar a doença de Chagas, uma vez que os animais submetidos ao teste não tiveram alteração parasi tária, mas utilizar o método como terapia reparativa dos danos cau sados ao coração chagásico. O obje tivo é que os pacientes submetidos ao tratamento possam conviver com o parasito sem sintomatolo gia, como ocorre com a maioria dos indivíduos infectados pelo Trypa nosoma cruzi na forma clínica in determinada da doença. O estudo já indica um gran de potencial de utilização da tera pia com células-tronco em cardio patias, incluindo a chagásica. O experimento foi feito com camun dongos infectados cronicamente pela doença. Células de medula óssea foram obtidas de camun dongos saudáveis e de chagásicos crônicos e injetados nos exempla res infectados. Os camundongos transplantados tiveram uma dimi após o transplante quando compa rados àqueles que não receberam o tratamento. Até seis meses após a experiência, o número de células

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permaneceram reduzidos. Para comprovar se a terapia cardiomiopatia chagásica crônica está sendo desenvolvido um es tudo multicêntrico randomizado, tério da Saúde. Caso haja a com expectativa é que ela seja implan tada no sistema público de saúde.

12 > Revista CRBio-04 > Edição 01

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Dados de 2009 do Ministério da Saúde contabilizam mais de 500 mil óbitos por ano no mundo em decorrência de doenças consideradas negligenciadas. O Brasil é o país que mais investe em P&D para esse segmento, quando considerados apenas os países em desenvolvimento onde essas doenças são endêmicas. Estudos realizados pelo The George Institute for Global Health com apoio da Fundação Bill & Melinda Gates mostram que quase todo o investimento para pesquisa e desenvolvimento na área de doenças negligenciadas é oriundo de instituições de instituições privadas, como as indústrias farmacêuticas. No Brasil, boa parte dos investimentos governamentais em P&D de doenças negligenciadas vem do Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio de suas duas principais agências de fomento: o CNPq e a FINEP. Em 2008, foram investidos mais de R$ 25 milhões em projetos.

Medicamentos ultrapassados Em 2006, o Brasil recebeu da Organização Pan-Americana de vetor, o barbeiro (Triatoma infestans de que a doença de Chagas estaria a um passo de ser vencida, com a erradicação do transmissor. Porém, o parasito Trypanosoma cruzi está longe de ser eliminado, enquanto a possibilidade de surgir uma nova droga nos próximos anos permanece remota. “A doença de Chagas apresenta alta mortalidade e morbidade, e, ainda assim, não temos ferramentas adequadas de diagnóstico e o tratamento tem alto custo e toxicidade. O fato de ser uma doença que afeta populações mais empobrecidas em países menos desenvolvidos faz com que ela não seja um mercado lucrativo para as indústrias farmacêuticas”, relata a pesquisadora Juliana Estanislau. Os dois únicos medicamentos existentes atualmente são o Benznidazol e Nifurtimox, desenvolvidos nas décadas de 1960-1970. Porém, na opinião de Juliana, nenhum dos compostos é o ideal, pois, além de apresentarem efeitos colaterais sérios, não são ativos durante a fase crônica da doença. “Eles requerem administração por longos períodos de tempo sob supervisão médica, já existem populações de parasitos resistentes, os compostos apresentam alto custo e não há formulações pediátricas, apesar do fato de que crianças até 12 anos possuem maiores ainda a sintomatologia crônica da doença”, argumenta. Hoje, existem pesquisas em curso para procurar novas drogas, mais baratas e menos agressivas. Estudos também vêm sendo realizados com o intuito de se conseguir uma vacina que possa proteger o indivíduo. Porém, todos ainda estão em fase inicial, na procura de antígenos candidatos, os quais, ainda que não eliminem a infecção, ativem o sistema imune de modo a manter a infecção sob controle, reduzindo o dano crônico de tecidos e órgãos. Apesar de ainda diretamente associada às comunidades periféricas, com condições precárias de moradia, a doença de Chagas deixou de ter barreiras territoriais e vive uma fase de globalização. A crescente mi-


gração entre países é responsável pelo fenômeno. “Devido à migração de pacientes com doença de Chagas para locais não-endêmicos como os Estados Unidos, Canadá, Austrália e países da Europa, cria-se uma nova preocupação, com os naturais riscos de transmissão por transfusão sanguínea, congênita e por transplantes de órgão”, ressalta a bióloga Juliana Estanislau. O problema é potencializado à medida que, como a doença não é natural dessas regiões do mundo, as centrais de transplante e transfusão não estão preparadas para testar a doença. Por se tratar de uma enfermidade em muitos casos imperceptível - já que os sintomas podem demorar anos a aparecer - o portador pode, inconscientemente, transmitir a doença de mãe

Crédito: Wiki Commons.

Mais de cem anos de solidão > SAÚDE

O tipo mais comum de transmissão é pelo contato com as fezes do barbeiro

Doença de Chagas TRANSMISSÃO: O parasito Trypanosoma cruzi é transmitido principalmente por barbeiros (Triatoma infestans), mas a

IMPACTOS: Mata mais pessoas na América Latina (14 mil mortes/ano) do que qualquer outra doença parasitária, incluindo a malária. É uma das principais causas de cardiomiopatia infecciosa em todo o mundo. Alto impacto social e econômico, incluindo desemprego e diminuição da capacidade produtiva.

SINTOMAS: Fase aguda

- febre, aparecimento de gânglios, crescimento do baço e do fígado, alterações elétricas do coração e/

Fase crônica indeterminada

– não há sintomas, mas pacientes são transmissores do parasito.

Fase crônica sintomática – ocorre em 10% a 30% dos pacientes infectados e, na maioria das vezes, envolve o coração ou o trato gastrointestinal.

TRATAMENTO: Os tratamentos atuais podem curar pacientes apenas na fase aguda da doença. São tóxicos e de difícil administração. Não há medicamentos para a fase crônica.

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO: A incidência da doença não está relacionada a fatores como faixa etária ou sexo, mas, de certa forma, a questões socioeconômicas: pesquisas apontam para maior número de infectados entre moradores de zonas rurais ou que vivem próximos a áreas de desmatamento, em casas de pau-a-pique ou de barro.

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14 > Revista CRBio-04 > Edição 01


Matéria de Gabriela Vilaça

Trabalho desenvolvido por biólogos em áreas de realização de empreendimentos ajuda a preservar espécies vegetais Edição 01 > Revista CRBio-04 > 15

Crédito: Mauro Halpern

S.O.S FLORA


MEIO AMBIENTE E BIODIVERSIDADE

> S.O.S Flora

C

onhecido popularmente como “caixa d’água do Brasil”, Minas Gerais não se destaca apenas por suas importantes bacias hidrográficas.

NESTA MATÉRIA Mineração expõe flora mineira a riscos Intervenções auxiliam na conservação da diversidade biológica

O Estado está localizado em uma área de transição entre três importantes biomas brasileiros: a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga. A localização ambiental estratégiem uma diversidade biológica que são verdadeiros patrimônios naturais. Porém, assim como ocorre em todos os cantos do país, a diversa e rica cobertura vegetal mineira encontra-se em constante

Os cuidados na preservação ex situ

Espécies do Cerrado encontram-se em constante ameaça

16 > Revista CRBio-04 > Edição 01

ameaça. O processo de ocupação, o intenso desmatamento e o modelo de desenvolvimento adotado em Minas Gerais - que não prioriza questões ambientais - têm provocado uma crescente erosão de sua diversidade biológica. É neste contexto que se reforça a importância da adoção e atualização de técnicas que permitam o mapeamento e o resgate da vegetação nativa e plantada.


S.O.S Flora > MEIO AMBIENTE E BIODIVERSIDADE

sação ambiental realizada na área de implantação de

Crédito: João Medeiros

Consiste, portanto, na retirada de plantas, sementes e mudas de espécies das áreas licenciadas para supressão vegetal. “Um trabalho deste porte envolve diversas atividades precedentes. Um estudo aprofundado da área que será impactada e o conhecimento sobre as espécies ocorrentes, não apenas taxonômico, mas biológico e ecológico, são fundamentais para se ter êxito em projetos de resgate”, explica a bióloga Miriam Pimentel, pesquisadora do Departamento de Jardim Botânico da Fundação Zoo-Botânica de Belo Horizonte e mestre em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre. Qualquer atividade impactante que atinja comunidades de espécies nativas faz com que seja necessária essa intervenção humana em prol da conservação da diversidade biológica de uma determinada área. “Há exigências, embora pouco contundentes, de órgãos ambientais licenciadores de que os empreendedores de atitrabalhos efetivos são extremamente escassos”, argumenta a pesquisadora.

Resgate permite conservar o banco genético das espécies

No processo, biólogos participam com estudos

O resgate de flora é uma medida de compensação ambiental realizada na área de implantação de um empreendimento impactante sobre a flora local. Consiste, portanto, na retirada de plantas, sementes e mudas de espécies das áreas licenciadas para supressão vegetal.

reprodução de espécies e estudos em viveiros. Adaptação. A conservação de espécies ex situ, isto é, fora de seus habitats naturais, requer maior investimento em equipe técnica e operacional para que a perda das espécies seja mínima. “A adaptação ao novo ambiente exige substrato original ou proximidade das condições ambientais naturais, como temperatura e umidade. É essencial observar diariamente a muda resgatada, alterando e evitando fatores que ameacem sua sobrevivência”, detalha Miriam. Quanto mais tempo se tem para estudar a biodiversidade a ser afetada, mais sucesso será alcançado na conservação ex situ das espécies. O ideal é que se tenha, no mínimo, dois anos para execução dos estudos isso acontece. “Esse tempo deveria ser considerado pelas empresas causadoras de danos ambientais”, reforça a bióloga. Mesmo com todo o manejo adequado, muitas espécies podem não sobreviver à operação, devido a diversos fatores, como condições ambientais adversas e até mesmo falta de planejamento adequado. “É importante planejar antecipadamente as ações de reintrodumente é grande, e deve-se ter espaço para mantê-los até que sejam destinados para áreas em recuperação.

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MEIO AMBIENTE E BIODIVERSIDADE

> S.O.S Flora

O acompanhamento pós-reintrodução também é esseno prazo para execução das atividades preliminares e a que devem ser corrigidos. Empecilhos. Na opinião de Miriam Pimentel, a -

meio ambiente precise ser submetido a um processo de licenciamento, a exigência de que o empreendedor realize as atividades de resgate dependerá de entendimento do órgão ambiental licenciador, das previsões constantes no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto e das condicionantes impostas quando da concessão das licenças ambientais prévia, de instalação e de operação. “O órgão ambiental responsável pelo licenciamento da atividade poderá solicitar que sejam apresentados o EIA e o Relatório de Impacto Ambiental. O pla-

competente, quando da elaboração do diagnóstico do meio biológico e físico do EIA. Tal plano poderá também ser exigido como elemento do Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) e do Plano de Fechamento de Mina (PAFEM). Digo ‘poderá solicitar’ ou ‘poderá exigir’ porque é tudo muito incipiente”, explica. Segundo Miriam, Minas Gerais mostrou-se açadas no Estado na década de 1990, que foi essencial para o planejamento de setores públicos e privados na pesquisa e conservação dos recursos naturais e, também, para a elaboração de um atlas de conservação da biodiversidade. “Dez anos depois, uma grande revisão desta lista foi elaborada, com o consenso de diversos especialistas botânicos do Brasil e de outros países. Mas essa lista mais atualizada nunca foi homologada, e a partir daí houve um grande retrocesso”, conclui.

exemplo, só terá início se exigido pelo órgão ambiental

Resgate de flora de canga Vegetação típica do Quadri-

lançou, em julho de 2013, o livro

de canga, ou campo rupestre ferruginoso, é considerada rica em sença de táxons endêmicos como pelas estratégias adaptativas das espécies. Porém, as ações voltadas para a conservação dessa vegetação ainda são limitadas. Para trazer mais informações sobre o assunto, a bióloga e pesquisadora da Fundação Zoo-Botânica de Belo Horizonte Miriam Pimentel

“Devido ao elevado nível de degradação a que estão sujeitos, os campos ferruginosos necessitam de uma série de iniciativas que busquem orientar a conservação dos seus remanescentes. Medidas para a conservação desse ecossistema deverão abranger a preservação de áreas por meio da criação de Unidades de Conservação, que hoje são poucas no Quadrilátero Ferrífero”, relata.

18 > Revista CRBio-04 > Edição 01

O livro, lançado com apoio da Vale, funciona como um guia para pesquisadores, ao expor questões em áreas de risco e apresentar procedimentos metodológicos, técnicas preliminares de investigação, produção de mudas, e um estudo de caso sobre a Mina Capão Xavier, em Nova Lima, onde quase tudo isso foi abordado.


Para um novo profissional, um novo curso > EDUCAÇÃO

Matéria de Vitor Moreira

Para um novo profissional, um novo curso Mudança no perfil do biólogo e adequação às exigências do mercado de trabalho impulsionam alterações nos Componentes Curriculares

E

de Biologia. “Essa medida propõe uma alteração na ma-

publicou a obra Discurso do Método, livro que fun-

O que o trabalho de Descartes – e também de alguns de seus predecessores e sucessores – buscava era estabelecer diretrizes que padronizassem a condução de experiências e, por consequência, garantissem certo grau senvolvidas à época. Com o avanço da ciência nos séculos XIX e XX, o modelo de Descartes acabou sendo superado, mas a adoção de parâmetros como forma de regulação da qualidade permanece em voga, haja vista, por exemplo, as normas ISO, utilizadas amplamente para atestar a qualidade de produtos e serviços. Foi no esteio deste pensamento, objetivando aper-

disso, a medida veio ao encontro de uma resolução publicada pelo Conselho Nacional de Educação, órgão ligado ao Ministério da Educação, em 2009, que já estabelecia a carga horária mínima de 3.200 horas para os cursos (na modalidade bacharelado) de Ciências Biológicas, Biomedicina, Educação Física, Fonoaudiologia, Nutrição e Terapia Ocupacional. Na modalidade licenciatura, a exigência do MEC é de 2.800 horas. Ainda que as determinações previstas na Resolução 300 não sejam unânimes – a reportagem da Vitae apurou, por exemplo, o caso da coordenação de um curso

Federal de Biologia publicou, em dezembro de 2012, a Resolução CFBio no 300/2012, que “estabelece os requisitos mínimos para o biólogo atuar em pesquisa, projetos, aná-

se formar até dezembro de 2015 tenham cumprido uma carga horária mínima de 2.400 horas de Componentes Curriculares das Ciências Biológicas. A partir de 2016, porém, essa exigência será elevada para 3.200 horas, o que obrigará a maioria dos cursos a revisar e ampliar suas grades curriculares. Para o presidente do CFBio, Wlademir João Tadei, a Resolução 300

Crédito: Vitor Moreira

te e Biodiversidade; Saúde; e Biotecnologia e Produção”. Um dos efeitos imediatos da resolução é a exigên-

Para o presidente do CFBio, Wlademir João Tadei, a

Edição 01 > Revista CRBio-04 > 19


Crédito: Vitor Moreira

EDUCAÇÃO > Para um novo profissional, um novo curso

O conselheiro do CRBio04 César Maximiano defende cursos com viés mais mercadológico

que estava analisando a proposta de redução de sua carga horária quando a medida do CFBio foi publicada –, a iniciativa está sendo bem recebida entre os coordenadores de cursos. “O biólogo estava perdendo espaço para egressos de outras áreas devido a essa questão da carga horária. O

colocando no mercado de trabalho”, analisa a coordenadora do curso de Ciências Biológicas da UNA-BH, Cristina Aparecida de Jesus Souza. A opinião é corroborada pela coordenadora do curso do Campus Araguatins do Instituto Federal do Tocantins (IFTO), Janaína Costa e Silva. “A mudança abrirá a possibilidade do aumento no número de disciplinas, acarretando em uma formação mais ampla”, avalia. Porém, questionamentos sobre a efetividade das mudanças também estão sendo feitos. “As áreas de atuação do biólogo são muito amplas, o que impossibilita a apresentação de cada uma em sala de aula da forma que seria ideal. Mas o simples aumento da carga horária, opina Anderson Luiz Ferreira, coordenador do curso de licenciatura no Campus Catalão da Universidade Federal de Goiás (UFG). Aprimoramento. Mas se o aumento da carga da excelência de um curso, como aprimorar a qualidade das matrizes curriculares e, consequentemente, dos egressos? “Em primeiro lugar, o corpo docente não pode seridos no mercado de trabalho”, analisa César Augusto

20 > Revista CRBio-04 > Edição 01

Maximiano Estanislau, coordenador da Comissão de Forlho Regional de Biologia 4ª Região. Na opinião de César, um bom biólogo, hoje, é aquele que tem formada, também, uma visão empresarial. “É claro que, dentro das instituições públicas, sempre ca. Mas isso não impede o aluno, por exemplo, de buscar oportunidades de estágio supervisionado em empresas”, pondera. A inserção de disciplinas de empreendedorismo na grade curricular dos cursos de Ciências Biológicas é outra alternativa sugerida pelo coordenador da CFAP. A importância da formação de biólogos mais bem preparados para disputar uma colocação no mercado de trabalho é respaldada por duas questões: a primeira é o sombreamento existente entre área de atuação da Bioo biólogo a concorrer com egressos de outros cursos por uma mesma vaga de emprego. O segundo ponto é o contexto econômico vigeral, estejam em um momento de fragilidade, o Brasil tem ampliado sistematicamente seus investimentos em infraestrutura e tecnologia, expandindo áreas em que são exigidos os conhecimentos de um biólogo. “Se o Brasil tem que crescer, ele precisa licenciar (licenciamentos ambienBiologia. Da mesma forma no desenvolvimento de novas tecnologias ligadas à biotecnologia, um setor forte e essencial para o país”, elenca César. Ciente desse momento de transição vivido pelas instituições de ensino, a Comissão de Formação e Aperdo um importante papel, alinhado com os objetivos do Conselho, de oferecer apoio aos coordenadores e equipes pedagógicas dos cursos de Ciências Biológicas. “Buscamos estabelecer um canal direto entre os coordenadores e o CRBio04. Temos analisado componentes curriculares e projetos pedagógicos de diversos cursos, opinando de forma bastante lúcida”, explica César.

CRBio04 promove Censo Profissional Atualmente existem 116 cursos de graduação em Ciências Biológicas, em 78 instituições de ensino, na jurisdição do Conselho Regional de Biologia 4ª Região. Desse total, 34 são cursos de bacharelado, enquanto 82 são ofertados na modalidade licenciatura. A oferta elevada e ve um crescimento superior a 100% no quantitativo de biólogos vinculados ao Conselho. “A Biologia é uma área


Para um novo profissional, um novo curso > EDUCAÇÃO

de ensino superior estão propondo cursos, e elas não esMas com o número de cursos crescendo e, condo de trabalho, como distinguir os de maior excelência? Cumprindo seu papel de apoiar o desenvolvimento da

em crescimento, tanto em termos de mercado quanto em Gladstone Corrêa de Araújo. Para acompanhar este crescimento, entender

Acadêmico. Semestralmente, o Conselho realiza a entrega sos de Ciências Biológicas coordenados por instituições de ensino da quarta região. Para participar, entretanto, essas instituições precisam atender a uma série de requisitos determinados pela CFAP. O primeiro deles é exatamente a exigência estabelecida pela Resolução CFBio no 300/2012, de que os cursos tenham uma carga horária mínima de 3.200 horas de Componentes Curriculares das Ciências Biológicas. Além disso, a instituição não pode ter obtido nota inferior a três no último Exame Nacional de Desempenho de Estudante (Enade) que avaliou os cursos de Biologia, em 2011. Atualmente, 19 faculdades, centros universitários e universidades na área de jurisdição do CRBio04 são agraciadas com o Prêmio Mérito Acadêmico: são dez instituições privadas, uma universidade estadual e oito federais. A proposta do Conselho, todavia, é fazer com que esse número cresça a cada edição do prêmio. “As próprias instituições já estão reconhecendo a importância do Mérito Acadêmico, o que é muito positivo. Esse prêmio ajuda a estreitar ainda mais a relação entre alunos, cursos e Igor Noronha.

do Conselho e traçar estratégias de atuação, o CRBio04 vés de um questionário online, a entidade está levantando informações como área de atuação, grau de escolari-

Crédito: Arquivo UniBH

Algumas dessas informações já estão sendo tabuladas e começam a esboçar um panorama do contexto sionais registrados no CRBio04 podem participar. Basta acessar o site do Conselho (www.crbio04.gov.br) e procurar pelo link na página principal.

Desempenho reconhecido Para o coordenador da Comissão de Formação e Augusto Maximiano Estanislau, a prova mais contundena expansão na oferta de cursos e vagas. “As instituições

Formanda Marina Luiza Rodrigues Alves, da UniBH, foi uma das agraciadas com o Prêmio Mérito Acadêmico

Edição 01 > Revista CRBio-04 > 21


Para um novo profissional, um novo curso > EDUCAÇÃO

Instituições de Ensino Superior agraciadas com o Prêmio Mérito Acadêmico 2013 IES

Sigla

Estado

Modalidade

Centro Universitário de Brasília

UNICEUB

DF

Privada

Universidade Federal de Goiás

UFG

GO

Pública

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

PUC GOIÁS

GO

Privada

Faculdade Anhanguera de Anápolis

FAAA

GO

Privada

Universidade Federal de Lavras

UFLA

MG

Pública

Universidade Federal de Ouro Preto

UFOP

MG

Pública

Universidade Federal de Minas Gerais

UFMG

MG

Pública

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

PUC MINAS

MG

Privada

Centro Universitário Una

UNA

MG

Privada

Centro Universitário de Belo Horizonte

UNI-BH

MG

Privada

Universidade Estadual de Montes Claros

UNIMONTES

MG

Pública

Universidade Federal de Alfenas

UNIFAL

MG

Pública

Universidade Federal de Uberlândia

UFU

MG

Pública

Universidade Federal de Juiz de Fora

UFJF

MG

Pública

Universidade Federal de Viçosa

UFV

MG

Pública

Faculdade Pitágoras de Belo Horizonte

FPAS

MG

Privada

Centro Universitário de Itajubá

UNIVERSITAS

MG

Privada

FAFIPA

MG

Privada

UNICERP

MG

Privada

Centro Universitário do Cerrado-Patrocínio

22 > Revista CRBio-04 > Edição 01


Conselho Regional de Biologia 4ª Região - MG/GO/DF/TO Av. Amazonas, 298 - 15º Andar - Centro - Belo Horizonte/MG CEP: 30.180-001 Tel.: (31) 3207-5000 - Fax: (31) 3207-5001 - Atendimento externo de 9h às 17h


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