Teorias da Comunicação (Mauro Wolf)

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específicas, variam» (Gans, 1979, 279). A observação parece reforçar a hipótese do carácter negociado da noticiabilidade; isto é, os critérios relevantes são variáveis, embora de uma forma limitada, de acordo com determinados factores. Isso significa que a «transformação» de um acontecimento em notícia é o resultado de uma ponderação entre avaliações relativas a elementos de peso, relevo e rigidez diferentes quanto aos procedimentos produtivos. A cobertura informativa e o ciclo informativo de que um acontecimento é alvo compreender-se-ão melhor, se se tiver presente a relação que existe entre estas múltiplas variáveis. Gans cita, como exemplo, a evolução informativa a propósito da guerra do Vietname: essa evolução foi moldada por uma avaliação inicial acerca da importância, isto é, que se tratava de uma notícia interna [...] enquadrada como sendo uma guerra americana contra um inimigo comunista. A cobertura foi igualmente moldada por critérios relativos às fontes, em especial a tendência - até à ofensiva do Tet - para favorecer as fontes oficiais. Além disso, entraram também em jogo outros factores relativos à disponibilidade das fontes - estratégias das altas hierarquias dos mass media, estratégias de Saigão, do Pentágono e da Casa Branca - e à inacessibilidade dasfontes da Frente Nacional e do Vietname do Norte, nomeadamente, uma vez que os mass media os tinham descrito como o inimigo. A cobertura informativa da guerra foi, posteriormente, moldada por critérios relativos ao produto, visto que a procura de imagens dramáticas e de acção levou a televisão e os semanários a relatarem a guerra sobretudo através dos combates, das acções de limpeza do terreno e das operações de contraguerrilha. Mas, uma vez que todos os mass media tinham optado por destacar acções deste tipo, viam-se bloqueados por critérios de concorrência e nenhum deles estava preparado para abandonar este tipo de cobertura. Critérios relativos ao público obrigaram a televisão, mais do que os semanários, a atenuar as imagens de guerra. Considerações de tipo organizativo desempenharam um papel de suporte, enquanto a preferência pelas fontes oficiais era acompanhada pela confiança dos directores nos relatos optimistas sobre a guerra, que lhes chegavam dos correspondentes de Washington. Por outro lado, se os mass media tivessem prestado maior atenção aos relatos mais pessimistas dos jovens correspondentes de Saigão, teriam sofrido maiores pressões do governo, do público, dos anunciantes e das estações filiadas, que eram todos, essencialmente, «falcões». Durante a maior parte da guerra, os protestos eram tratados como notícias de desordens sociais. Neste caso, os jornalistas aplicaram os seus valores permanentes: se tivessem procedido de outra forma, iriam encontrar-se sob pressão. Foram muitas vezes acusados de dar demasiada publicidade às «pombas» e de deformar, segundo o seu ponto de vista, as notícias a respeito da guerra [...]. Se houve muitos correspondentes de Saigão que começaram, bastante antes da ofensiva do Tet, a exprimir dúvidas quanto à vitória, as suas comunicações televisivas eram subestimadas em Nova Iorque, em parte por esses repórteres serem mais jovens e menos experientes. Igualmente importante era ofacto de, em Nova Iorque, os considerarem demasiado próximos da própria guerra, demasiado influenciados pelo derramamento de sangue que podiam observar, para terem uma visão global do decorrer do conflito [...]. A ofensiva do Tet teve um impacte traumatizante e muitos meios de comunicação nacionais enviaram os seus melhores correspondentes, Walter Cronkite inclusive, ao Vietname do Sul, para avaliarem a situação. Consequentemente, quase todos começaram a interrogar-se, nos editoriais ou nos serviços noticiosos, sobre se a guerra podia realmente vir a ser ganha (1979, 280; 135). Outros estudos de casos sobre acontecimentos especiais (ver, a propósito de Watergate, Lang - Lang, 1981) poriam em evidência diversos critérios de noticiabilidade aplicados na cobertura informativa. O que importa salientar é que os valores/notícia são avaliados nas suas relações recíprocas, em ligação uns com os outros, por «conjuntos» de factores hierarquizados entre si e complementares, e não isoladamente ou individualmente. Cada notícia requer, por conseguinte, uma avaliação - embora automática e inconsciente da disponibilidade e credibilidade das fontes, da importância ou do interesse do acontecimento e da sua actualidade, para além de uma avaliação dos critérios relativos ao produto, ao meio de comunicação e ao formato. Essas avaliações são necessárias não só na medida em que prescrevem os ingredientes essenciais de cada notícia, mas também porque exprimem e representam os interesses dos principais participantes na selecção e na produção de notícias [...]; os critérios que assumem maior relevo, assumem-no na medida em que são adequados, simultaneamente, a muitas das partes em causa. Assim, as avaliações sobre a importância representam igualmente as instituições públicas cujas actividades são normalmente importantes. As considerações acerca do produto, que têm porfinalidade atrair audiência, são também adequadas à prosperidade da empresa; os critérios de exclusão são úteis quer para um público com valores diferentes, quer para proteger os jornalistas das pressões. Na realidade, é difícil encontrar critérios que representem uma única parte (Gans, 1979, 280-281).


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