#08 - Novembro 2010

Page 32

Entrevista Dando voz aos animais

Nossa entrevistada deste mês é Sheila Moura, presidente da ONG carioca Fala Bicho

Sheila Moura é Doutora em Serviço Social, presidente-fundadora da Sociedade Educacional "Fala Bicho" (1993) e ativista na proteção animal desde 1972. Produziu trabalhos pioneiros no país, como o Manual do Fala Bicho, o convênio com prefeitura para castração gratuita, a idealização, produção e publicação do primeiro livro brasileiro sobre experimentação animal (A Verdadeira Face da Experimentação Animal), programas de rádio, entre outros. Tem vinte e um artigos e inúmeras denúncias publicados na imprensa desde 1987, sobre os mais diversos temas ligados à defesa dos animais. Sheila também publica notícias sobre animais no Blog O Grito do Bicho (ogritodobicho.blogspot.com), onde faz denúncias e mostra curiosidades sobre nossos companheiros. Ela concedeu entrevista ao Conexão Pet para falar sobre sua luta pelos animais. Conexão Pet - Quando e de que forma iniciou sua luta pela causa animal? Sheila Moura - Claro que a história se repete como outra qualquer, mas, desde cedo minha relação com os animais foi notória dentro da minha família. Minha mãe contava que só sorria se dissesse: olha o gatinho, olha o cachorrinho, etc... quando crescidinha, era aquela que pegava os bichos na rua e levava para

casa, que xingava os condutores das carroças de lixo (eram puxadas por burros), que tacava pedra na carrocinha... enfim, estas coisas meigas. Já crescidona (1968), comecei a me interessar pelos movimentos e aqui no Rio, só tinha mesmo a SUIPA, que foi minha base. Mas, ao conhecer Claudie Dunin (1976), fundadora da SOZED, me encantei e comecei a perceber que a educação seria a única forma de, definitivamente, acabarmos com a "proteção animal". Todo humano deveria saber, por si, a importância dos animais na sobrevivência do planeta sem que haja movimentos exigindo o direito destes seres fazerem seus respectivos papéis no equilíbrio dos ecossistemas.

“Todo humano deveria saber, por si, a importância dos animais na sobrevivência do planeta sem que haja movimentos exigindo o direito destes seres fazerem seus respectivos papéis no equilíbrio dos ecossistemas”.

CP - Como a fundação Fala Bicho começou e em que frentes atua? SM - Em 1989, comecei a ficar muito incomodada com minha participação nestes movimentos e na pouca atenção que se dava à fauna, principalmente a urbana. Como ambientalista, trabalhei junto a tantos militantes na concepção de novas ideias de legislação, de formação de órgãos (IBAMA, Delegacia do Meio ambiente, Ministério do Meio Ambiente etc.) e, principalmente, na tentativa de fazer o reconhecimento dos animais dentro do contexto do meio ambiente. Foi

33

32

da Experimentação Animal”); na realização do primeiro convênio com uma prefeitura visando a cooperação técnicocientífica na implantação de políticas publicas para o animal. Enfim, a apreciação de algumas outras, fica à disposição no link que citei. CP - Lembra-se de algum momento em que o blog “O Grito do Bicho” teve repercussão especial em algum caso específico? SM - A criação deste blog foi uma obra do meu webmaster Luis, pessoa que conheci em 2008. Procurava alguém que me ajudasse no meu derradeiro projeto para a causa que seria a criação de uma Biblioteca Virtual Temática composta de todo material que tenho acumulado nestes anos todos (quase 40). Desde 2001, com o cancelamento do meu convênio por causa de pretensões políticas da prefeitura do RJ que criou um troço chamado Secretaria Especial de Proteção Animal (a tal SEPDA), fiquei até 2009, tentando a implantação de vários progra-

mas como o "Educando na Rua", "Uma praça de educação", séries de TV e rádio, etc., etc., etc... que sempre tinham a seguinte resposta que era uma pergunta: "por que este projeto incrível não tem o apoio da SEPDA?" Era cômico e trágico, já que aquela secretaria nunca teve ninguém à frente para saber o que fazer com tanto poder. Como alguém iria avaliar minha capacidade e competência se não há reconhecimento de um profissional do direito animal? Somos muito poucos... Caí em depressão profunda, pois nem doar este meu material que documenta a história da proteção animal no Brasil (e até alguma coisa do exterior), eu conseguia por ser caro demais para uma pequena empresa e baixo demais para uma grande empresa. Eike Batista disse, para terceiros, que não teria o nome vinculado numa "mixaria" de 70 mil reais... Pura verdade! Meu web, então, inventou o blog para me ocupar e não me deixar enlouquecer. E em um ano, me curei da depressão, pois, não tenho tempo nem para respirar diante da demanda que tenho pela frente. Estou vivendo um dos melhores períodos na minha vida, pois, como a alma humana se alimenta de afeto, meus leitores me dão o colo para chorar toda esta frustração e mágoa que sinto desde 2001. Quanto a repercussão especial do nosso blog, acho que foi a suspensão da caça do javali que era feita com interesses casados: saciar a patologia humana que pagava para ver os bichos sendo torturados e estraçalhados por cães e a implantação da espécie em fazendas particulares com o objetivo de explorar a caça no país.

CP - Qual é a maior recompensa que você tem no trabalho em defesa dos animais? SM - Caramba, minha recompensa é poder dormir com a consciência tranquila de que não vivi um dia sem que os animais estivessem no meu ideal de vida. Apesar de ter escrito um livro, plantado uma árvore e ter tido um filho (e mais três netos), não consigo me acomodar com o reboliço de ideias que existem dentro de mim para fazer o humano reconhecer a superioridade dos animais neste planeta. Eles sabem tudo e nós temos que aprender tudo, já que somos um estranho nesta praia. Não fazendo parte de nenhum

36

CP - Como você vê as políticas públicas voltadas aos animais no Brasil? SM –(Risos) Qual política publica é voltada pelos animais no Brasil? Isto é o que eu queria fazer aqui no RJ. Aliás, tenho um programa irrepreensível para implantar o modelo aqui no Rio para que seja exemplo para o país inteiro, como foi a castração gratuita. Mas como conseguir esta oportunidade se estamos cercadas de protetores medíocres que acham que a realidade está baseada na teoria dos "achismos"? Como conseguir a confiança do homem público depois que eles viveram a doideira implantada por protetoras "insanas"? Eles querem distância o suficiente do assunto e nem mesmo querem separar o joio do trigo.... Enquanto isto, cheia de oportunidades para revolucionar, a proteção animal no RJ (quiçá no Brasil), simplesmente, pasta resolvendo um caso aqui outro ali, mas sem tomar um atitude com base em tantas argumentações legais que temos para fazê-lo.

sua opinião por que houve a denúncia? SM - A SUIPA (fundada em 1943) é um símbolo da proteção animal para o país. Uma entidade antiga (acho que só perde para a UIPA/SP) que começou a escrever a história da proteção animal. Destaco a APA, da Lia Cavalcante, que foi uma dissidente da SUIPA, mas, fora ela, com algum destaque para a SOZED e LPCA, a que mais formou opinião dentro da sociedade civil sobre o conceito de defender animais foi ela. Quando nos pronunciamos a favor da SUIPA é porque conheço o perfil das acusadoras. Este tipo de pessoas "inquisidoras" não quer construir e sim destruir e usam o "amor aos animais" para exercer esta doença ruim que têm dentro. O mesmo caso aconteceu em SP, em 2007, contra Angela Caruso, que, também na mesma hora se identificou com tudo que passou e apoiou a SUIPA. Fora eu, que vivi o mesmo terror em 2001 (fui acusada de dividir o valor do meu con-

CP - Em sua opinião, por que ainda presenciamos tantos casos de negligência e crueldade com os animais? SM - O motivo é simplérrimo (sic): superpopulação humana e a tecnologia (TV, rádio , Internet, telefone, celulares etc.) que nos permite saber dos casos muito rapidamente. CP - Gostaria que você comentasse o atual caso de acusação de desvio de verbas na SUIPA. O blog O Grito do Bicho foi uma voz ativa a favor da entidade. Em

35

34

vênio com “pessoas da prefeitura", embora tenha deixado 3600 reais de presente para prefeitura na tentativa de manter os excepcionais programas que implantamos na ocasião) e a Angela Caruso em 2007 (acusada de desvio de dinheiro publico do programa de castrações em SP), ninguém mais viveu o drama de ser acusada injustamente, só porque "incomodamos" aos incompetentes. O caso da SUIPA, está na Delegacia do Meio Ambiente e está sendo apurado em que bases foram feitos os "cálculos" para uma acusação tão fortemente apresentada por uma promotora que recebeu uma "denúncia anônima" com dados, fotos e vídeos de prática de crueldade contra animais naquelas dependências. Eu a defendi, como fiz com Angela Caruso, porque me identifiquei com a injustiça, a mesma que sofri em 2001.

uma luta na inclusão do capítulo da fauna na Constituição Brasileira (1988), muito embora, não tenha acompanhado ativamente como outros estados o fizeram. Destaco a importância de pessoas como Edna Cardoso, Sonia Fonseca e outras poucas nesta conquista. Então, em abril de 1993, chutei o pau da barraca e fundei a Sociedade Educacional "Fala Bicho". Já aposentada, poderia me dedicar "full time" a causa. Parti para educar, partindo do princípio que educar é fazer pensar. Fizemos inúmeras ações que poderão ser vistas no link do Jornal O Grito do Bicho que editava periodicamente. (www.falabicho.org.br/programas/jornal _grito_bicho.pdf). Mas, destaco o pioneirismo dentro do Brasil: na criação do primeiro livro sobre Proteção animal no país , "Manual do Fala Bicho" (1994), que passou a ser uma referência em faculdades de veterinária, em ações jurídicas, em teses de biólogos, em escolas publicas; na criação do primeiro programa feito por uma prefeitura (RJ) de castração gratuita (1995); na realização do primeiro programa de rádio dedicado ao tema de proteção animal e que por grande período teve transmissão nacional (Radio Globo - 1995); na produção do primeiro livro brasileiro sobre experimentação animal, até hoje, considerado o vade mecum na área (“A Verdadeira Face

ecossistema mundial nem como predador (apenas destruímos), os humanos deveriam ser mais conscientes que estamos acabando com as condições de sobrevivência de nossa triste espécie. CP - Como é possível ajudar a ONG Fala Bicho? SM - Se informando, estudando os temas, se aprofundando nas questões do direito animal. Não temos sócios (até tentei) porque nosso trabalho não é de recolher os bichinhos e reacomodá-los. Nosso projeto é audacioso, de mudanças de comportamentos, de formação de opinião do tipo Peta. Quem aqui no Brasil está disposto a investir em ideias? As pessoas são capazes de contribuir com a PETA, com a WWF, Greenpeace, e outras mais... mas, nas ideias nacionais da Fala Bicho? Imagina! Agora, não somos os únicos... veja o caso da Sea Shepherd que tem dificuldade, às vezes, até de pagar seus insumos básicos? Questionar o trabalho deles não dá, né? Por isso que só corro atrás de patrocínios e verbas governamentais, posto que, estaremos devolvendo à sociedade a divulgação das marcas e retorno de programas de governo.

CP - Gostaria de deixar alguma mensagem para nossos leitores? SM - Ishi, me encrencou: agradecer por ter lido nossas ideias até aqui e pedir que estudem, se informem e se profissionalizem na defesa animal, pois temos muito trabalho pela frente e o que mais falta são pessoas que levem a coisa com a seriedade que é necessária.

37


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.