Revista CSA Avançado 2018

REVISTA

Volume 1 • no 1 • ano 2018

ATITUDES

EMPREENDEDORAS

E OS DIVERSOS MODELOS

DE NEGÓCIO

A BIOMIMÉTICA

O SIMBOLISMO

APLICADA EM ESTRATÉGIAS E RECURSOS MILITARES

DA VIAGEM E DO DESERTO EM TRACKS

CULTIVO DE HORTALIÇAS EM MEIO AQUAPÔNICO EM AMBIENTE ESCOLAR

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V.1 n.1 ano 2018

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Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, sejam quais forem os meios, sem a permissão, por escrito, do Colégio Santo Antônio.

R454

Revista CSA Avançado / Colégio Santo Antônio.

Vol.1, n.1, 2018 – Belo Horizonte: Gráfica do Colégio Santo Antônio, 2018.

Anual Disponível em: ISSN: 2674-5682 1. Generalidades - Periódicos 2. Ensino Médio - Periódicos.

I. Colégio Santo Antônio. II. Título.

CDD: 056.99

Elaborado por: Fabiana Lugão Paiva CRB6/2187

A P R E S E N TA Ç Ã O

O projeto CSA Avançado tem por premissa promover a pesquisa acadêmica geradora do espírito crítico e propositor de soluções para os problemas do nosso tempo. O projeto é uma extensão das disciplinas curriculares e ocorre concomitantemente com o ano letivo escolar. Embora a nossa publicação seja uma revista científica júnior, propomo-nos estabelecer o nível de excelência acadêmica, exigindo um alto grau de compromisso, organização e dedicação dos nossos discentes, os quais merecem o nosso reconhecimento e agradecimento por tornarem este trabalho real. Estendemos essa gratidão aos familiares que confiam a formação de seus jovens ao Colégio Santo Antônio.

Reconhecemos também o engajamento do nosso corpo docente, que conduz os projetos de pesquisa com rigor, excelência e afeto por nossos alunos. Não podemos deixar de evidenciar o esforço do nosso diretor pedagógico e administrativo Frei Vicente da Silva Lopes, que prima pela pesquisa e dá suporte ao projeto. Por último e não menos importante, reconhecemos o empenho do nosso coordenador pedagógico Olavo Campos, que nos encoraja sempre a seguir pelo caminho do conhecimento.

A publicação da revista CSA Avançado 2018 premia toda a tenacidade desses atores envolvidos no projeto.

A grande diversidade de conhecimento produzido pelos quase 250 discentes envolvidos na publicação perpassa por agricultura periurbana, distúrbios alimentares na adolescência, música popular, tecnologia aplicada ao ambiente de negócios e tantos outros temas riquíssimos. Todos os artigos fazem uma abordagem atual dos problemas enfrentados pela sociedade hodierna e apontam caminhos para um futuro mais próspero por meio da pesquisa e do conhecimento.

Desejamos uma excelente leitura a todos.

Paz e Bem! Professor Bruno de Araújo Rangel Coordenador do projeto CSA Avançado

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UM OLHAR SOBRE A PROPAGANDA POLARIZADA E A SUA DESCONSTRUÇÃO NO DECORRER DA OBRA UM DIÁRIO RUSSO

18 30 40 46

AVALIAÇÃO DE UMA DIETA HIPERCALÓRICA EM CAMUNDONGOS SUSCEPTÍVEIS A OBESIDADE A IMPORTÂNCIA DO JOB TO BE DONE NO MERCADO CONSUMIDOR

CULTIVO DE HORTALIÇAS EM MEIO AQUAPÔNICO EM AMBIENTE ESCOLAR COMO CRIAR UM

BOM NEGÓCIO?

PERSPECTIVAS ECONÔMICAS INICIAIS SOBRE AGRICULTURA PERIURBANA NO BRASIL

52

10 SUMÁRIO

A HUMANIZAÇÃO DOS SOVIÉTICOS

A BIOMIMÉTICA APLICADA EM ESTRATÉGIAS E RECURSOS MILITARES

68

ANÁLISE DAS SEMELHANÇAS FORMAIS E SEMÂNTICAS DE

OS LUSÍADAS E A JANGADA DE PEDRA COM ENFOQUE NA ALEGORIA DA VIAGEM

86

78

MPB:

UMA HISTÓRIA SOCIAL, GILBERTO GIL E

DOMINGO NO PARQUE

9

102

O USO DO JOGO “GUERRA OCEÂNICA” NO ENSINO DE CONCEITOS APLICADOS À CORRIDA ARMAMENTISTA EVOLUCIONÁRIA

114

SOCIEDADE SELVAGEM, UMA LEITURA DE NA NATUREZA SELVAGEM

AGRICULTURA URBANA ESCOLAR ESTUDO DE CASO: COLÉGIO SANTO ANTÔNIO

122

INDÍCIOS DA CORRIDA ARMAMENTISTA EVOLUCIONÁRIA NA RELAÇÃO PREDADOR–PRESA ENTRE ARANHAS E BARATAS

134

142

O IMPERIALISMO EM VERNE E A INFLUÊNCIA DO NEOCOLONIALISMO NA NARRATIVA DE VIAGEM

ATITUDES EMPREENDEDORAS E OS DIVERSOS MODELOS DE NEGÓCIO

150

164 186

O SIMBOLISMO NAS VIAGENS DE SAINT-EXUPÉRY E ROBYN DAVIDSON PELO DESERTO

172 A OBESIDADE INFANTIL E SUA RELAÇÃO COM DIFERENTES REALIDADES ESCOLARES

O SIMBOLISMO DA VIAGEM E DO DESERTO EM TRACKS

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HUMANAS

A HUMANIZAÇÃO DOS SOVIÉTICOS UM OLHAR SOBRE A PROPAGANDA POLARIZADA E A SUA DESCONSTRUÇÃO NO DECORRER DA OBRA UM DIÁRIO RUSSO

THE SOVIET’S HUMANIZATION

A LOOK AT THE POLARIZED ADVERTISEMENT AND ITS DECONSTRUCTION IN THE COURSE OF A RUSSIAN JOURNAL

Orientadora: Cleide Simões1

Orientanda: Gabriela Brandão Seraphim2

RESUMO

1 Graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; especialista em História da Arte pela Escola Guignard; professora de Português.

Nos primórdios da Guerra Fria, um escritor e um fotógrafo, ambos nascidos nos Estados Unidos, determinaram-se a seguir numa audaciosa jornada: conhecer as minúcias da realidade soviética.

Questionando preceitos consolidados pelo senso comum e pela imprensa estadunidense na mentalidade ocidental, os dois viram a demonização de seus rivais se desmitificar enquanto viajavam pela União Soviética. Este artigo procura explicitar os impactos da propaganda polarizada e a transição de perspectiva na obra Um Diário Russo.

2 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

Palavras-chave: propaganda; Um Diário Russo; Guerra Fria.

ABSTRACT In the beggining of the Cold War, a writer and a photographer, both born in the United States, decide that they would follow a daring journey: to learn the details of the soviet reality. Questioning the precepts consolidated by the commom sense and by the american press in the western mentality, the two of them watch the demoniac image of their rivals demystifying whilst they travel through the Soviet Union. This article explicitates the impacts of the polarized propaganda and the transition of perspective in A Russian Journal.

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Keywords: propaganda; A Russian Journal; Cold War.

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1. INTRODUÇÃO Dividindo o mundo em dois enormes polos ideológicos e instaurando tensões em âmbito global, os Estados Unidos da América e a União Soviética promoveram, desde os primórdios da Guerra Fria, a corrida armamentista.

Através dela, as potências ostentavam seus títulos e conquistas como pilares de sua superioridade e hegemonia. No entanto, uma de suas mais potentes armas geopolíticas — mas também uma das mais subestimadas e olvidadas — foi, de fato, a propaganda. Os impactos da publicidade anticomunista e anticapitalista disseminadas nesses países revelaram o êxito e a efetividade dessas campanhas na mentalidade comum e alienação das próprias populações.

[...

UMA DE SUAS

MAIS POTENTES

americanos partem para uma ousada jornada aos países que constituíam a União Soviética. A dupla traça sua rota passando por prestigiosas cidades russas, como Moscou e Stalingrado, e também por áreas rurais ucranianas, registrando-as enquanto elas se reerguiam dos escombros da ainda recente Guerra Mundial.

Durante seus registros, esses estadunidenses dirigem seu foco aos aspectos humanos da nação rival. Na tentativa de despir os filtros socialmente impostos e prezando a imparcialidade o máximo possível, seus relatos e fotos estampavam os costumes soviéticos. Conciliando recortes da realidade de funcionários públicos, mulheres camponesas, operários e outros cidadãos comuns, o livro molda um mosaico do cotidiano soviético, sem poupar detalhes de depoimentos oferecidos e experiências vivenciadas. Contando também com explicações da própria população sobre o sistema político-econômico no qual estavam inseridos, procuravam uma perspectiva verdadeira de quem viveu sob ele.

ARMAS GEOPOLÍTICAS foi, de fato, A PROPAGANDA ... ]

Sem sequer ter conhecimento sobre organização política e socioeconômica da nação rival, soviéticos e estadunidenses construíam e proliferavam uma imagem errônea e hiperbolizada de seus supostos inimigos. O isolamento ideológico ao redor do globo e a rivalidade do cenário pós-Segunda Guerra Mundial levaram ocidentais e orientais à condição de ignorância e negligência em relação à realidade e intenções do lado oposto. A mesclagem das notícias excessivamente parciais com os boatos e falácias da boca do povo causavam um terror desprovido de quaisquer fundamentações teóricas de credibilidade.

A obra Um Diário Russo, escrita por John Steinbeck (1947) e ilustrada pelas lentes de Robert Capa, retrata esse cenário de maneira crua. Em 1947, no início do período de Guerra Fria, os dois autores

Steinbeck e Capa deixam clara a insatisfação com a descarada e explícita parcialidade da imprensa americana na cobertura das notícias que pautavam a União Soviética. É dessa desaprovação que a proposta da viagem surge. Juntos, designam a si mesmos a tarefa árdua de documentar da devida maneira a potência antagonista. Nela, ambos veem como os mitos vão sendo desconstruídos, aproximando-se de uma visão mais real e genuína da identidade soviética.

Essa era uma viagem em que teríamos de deixar em casa nossos pressupostos: o ideal seria manter

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distância tanto da crítica como do elogio. A ideia era fazer um relato isento, registrando o que víamos e ouvíamos, sem qualquer comentário editorial, sem extrair conclusões daquilo sobre o qual não tínhamos conhecimento suficiente, e tampouco sem nos irritarmos com os atrasos burocráticos. (STEINBECK, 1947, p. 8).

2. UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO: A PROPAGANDA NA GUERRA FRIA Para compreender as peculiaridades da transição narrada na obra, um olhar sobre a propaganda no período se faz interessante e necessário. Muitos exemplos da absurdez publicitária são vistos quando os anúncios divulgados na época são analisados. A partir deste estudo, torna-se possível entender como o repúdio emerge a partir da ausência de um verdadeiro conhecimento prévio do objeto alvo dessa rejeição.

2.1. PROPAGANDA NA UNIÃO SOVIÉTICA Em março de 1917, fortalecia-se o debate entre a liberdade de expressão ilimitada, propagada pela direita, e a prevenção da publicação de papéis considerados reacionários, defendida pelo centro e pela esquerda. Apesar do prevalecimento da esquerda e da vantagem nas eleições municipais, os socialistas não conseguiam competir com o material divulgado pela burguesia. Antes da Revolução de Março, mencheviques e bolcheviques foram severamente reprimidos, refletindo na fragmentação da política socialista e, consequentemente, de sua imprensa. No entanto, mesmo com o domínio burguês dos jornais, os bolcheviques, vitoriosos na política, eram visivelmente mais fortes onde conseguiam disseminar sua propaganda (KENNEZ, 1985).

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Com a ascensão de um Estado unipartidário revolucionário, o jornalismo bolchevique se encontrou livre da pressão competitiva após a supressão da imprensa livre.

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O autoritário governo de Lênin justificou essa exclusividade trazendo o antagonismo entre ideologias e o maior tempo de desenvolvimento do movimento burguês (KENNEZ, 1985). O sistema de partido único, portanto, fez com que tudo o que fosse colocado em circulação na nação se limitasse à perspectiva bolchevique e à consolidação dela. Não apenas a propaganda, mas também a educação, a literatura e outras artes estavam submetidas à aprovação do Estado.

[... O SISTEMA DE PARTIDO ÚNICO FEZ COM QUE TUDO O QUE FOSSE COLOCADO EM CIRCULAÇÃO NA NAÇÃO

SE LIMITASSE À PERSPECTIVA BOLCHEVIQUE ...]

Não seria possível falar de uma ideologia independente, formulada pelas próprias massas operárias no curso de seu movimento, o problema coloca-se exclusivamente assim — a ideologia burguesa ou a socialista. Não há meio-termo, pois a humanidade não criou uma terceira ideologia; e, além disso, numa sociedade dilacerada pelos antagonismos de classes, não pode haver uma ideologia sem classes ou acima delas. Reduzir a ideologia socialista de qualquer maneira, todo distanciamento dela, significa fortalecer a ideologia burguesa. (LÊNIN, 1902, p. 21).

Dessa maneira, o processo de mobilização das massas era facilitado pela organização do sistema político soviético. O rádio, os pôsteres e jornais se concentravam no domínio socialista, e diversos anúncios mostravam como as visões e princípios ideológicos eram vinculados à publicidade. O foco na propaganda anticapitalista promovida nesse sistema foi essencial para construir o cenário inicial da jornada

de Steinbeck e Capa pela União Soviética.

Pôsteres como “The League of Nations, Capitalists of All Counties! (1919)”, por Viktor Deni, demonstram a forte crítica e rejeição soviética em relação aos governos ocidentais capitalistas (SIMKIN, 2017).

ricanos contra os soviéticos e o papel da mídia em guardar segredos. A COINTELPRO (Programa de Contrainteligência do FBI) idealizou, em 1956, um projeto para fragilizar o Partido Comunista dos Estados Unidos (CPUSA) (WEINER, 2012).

Figura 1. Viktor Deni. “The League of Nations, Capitalists of All Counties! (1919)”.

O repúdio à ideologia russa se refletia claramente na propaganda anticomunista americana. Entre diversos exemplos, destaca-se o famoso pôster sensacionalista “Esse é o amanhã da América sob o comunismo”, em domínio público, de uma história em quadrinhos sobre uma infiltração comunista.

SIMKIN, 2017. Spartacus Educational.

2.2. PROPAGANDA NOS ESTADOS UNIDOS Após a Segunda Guerra Mundial e com a emergência do mundo bipolarizado, nos Estados Unidos a propaganda surgiu como um dos principais canais para combater a expansão do socialismo. Promovendo a cultura liberal democrática e o livre mercado, a infraestrutura da mídia privada capitalista contava com uma diversidade abrangente. (CHISEM, 2012).

O governo estadunidense também promovia campanhas publicitárias contra o comunismo e o bloco soviético. Coordenadas, em sua maioria, pelo Federal Bureau of Investigation (FBI), o conteúdo era direcionado ao objetivo de diminuir a ideologia dos rivais russos. Na época, o FBI teve como diretor J. Edgar Hoover, que, por sua vez, era abertamente anticomunista e escreveu o livro Mestres do Embuste, criando paralelos entre os esforços ame-

A ameaça comunista de fora não deve nos cegar da ameaça comunista de dentro. O último ato é alcançar o coração da América através de seus agentes de espionagem e um Partido Comunista astuto, desafiador e sem lei, fanaticamente dedicado à causa marxista de escravidão mundial e destruição das fundações da república. O emblema da América é a grandiosa águia — não uma toupeira cega e tímida. Medo, desculpas, derrotismo e covardia são desconhecidos pelo pensamento de verdadeiros americanos! Para mim, eu preferia estar morto do que vermelho! (NORTH, 1991, p. 580).

Figura 2. Domínio Público. “Esse é o amanhã da América sob o comunismo”, 1947.

Designer Daily

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3. STEINBECK E CAPA NA HUMANIZAÇÃO DOS SOVIÉTICOS

[...

ELES VIAJARAM PARA A UNIÃO SOVIÉTICA COM O

MELHOR ARSENAL DE BOATOS

QUE JÁ FORA REUNIDO,

MUNIDO DE VÁRIOS RELATOS QUESTIONÁVEIS. ...]

3.1. PREPARAÇÃO PARA A VIAGEM Com a contextualização da propaganda na Guerra Fria, é possível compreender como ambos os lados especulavam a realidade e os ideais do outro. Os jornais vinculavam matérias que deterioravam a ideologia rival, consolidando uma imagem errônea e cercada de hipérboles. Na viagem de Steinbeck e Capa, os dois americanos desconstroem as visões impostas conhecendo as minúcias do cotidiano comum da nação.

Antes do início da viagem, ainda em solo americano, os companheiros de viagem ouviram muito sobre o lugar e as pessoas que viriam a conhecer. Tomados pelo senso comum e tendo suas opiniões influenciadas pela imprensa americana, muitos dos conselhos previamente recebidos soaram ridículos em contraste à experiência adquirida na viagem. Como dito pelo próprio autor, eles viajaram para a União Soviética com o melhor arsenal de boatos que já fora reunido, munido de vários relatos questionáveis.

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— Oh! Vocês vão desaparecer, vão sumir assim que cruzarem a fronteira!

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— Eles vão torturá-los, não se enganem. Vão jogá-los em uma prisão infecta e torturá-los. Vão torcer os seus braços e deixar que morram de fome até que estejam prontos a confessar tudo o que querem que digam.

— Os russos, eles tomam banho todos juntos, homens e mulheres, todos pelados. (STEINBECK, 1947, p.10-11).

Até então, endurecidos pelo que ouviam, ainda estavam muito distantes do foco principal de seu próximo trabalho, mas esse estágio do livro representa o primeiro ponto da transição de perspectiva em relação aos soviéticos. Carregando uma enorme desconfiança em relação a como os russos eram vistos nos Estados Unidos, passaram a se permitir minimizar seus preconceitos em prol da meta da jornada: compreender um povo considerado antagônico e divergente.

3.2. O INÍCIO DA VIAGEM Mesmo com vários atrasos burocráticos, os dois viajantes não perderam o ânimo com a proposta. A rota deles já estava planejada: iriam de Estocolmo a Helsinque e, em seguida, Leningrado, Moscou, Kiev e pequenos vilarejos, como Chevtchenko. O objetivo permaneceu sólido: retratar o cotidiano soviético em sua crueza. Era uma proposta ambiciosa ir pessoalmente até o coração do país inimigo para conhecê-lo verdadeiramente. No entanto, apesar de buscarem por uma narrativa isenta de subjetividades, reconhecem que isso poderia ser impossível.

Em 1947, eles partem para uma jornada que não se limitaria apenas ao físico, mas que viria a interferir em todas as suas visões. No artigo, serão focalizadas a passagem por Chevtchenko e a passagem por Kiev, ambos na Ucrânia. “O que se vai ler a seguir é o que nos aconteceu. Não é um relato sobre a Rússia, mas apenas um dos possíveis relatos sobre a Rússia.”

(STEINBECK, 1947, p. 12).

3.3. O VILAREJO DE CHEVTCHENKO Ao chegarem às áreas rurais, tiveram a oportunidade de observar de perto o trabalho e o sistema coletivo socialista. O escritor não poupou detalhes e citou todas as peculiaridades que notava, entre elas, a forte presença feminina no campo. Por terem perdido seus maridos na guerra, as mulheres dominavam a mão de obra campesina — e com excelência. Representavam uma parcela simples que, colhendo trigo após trigo e sperando pela chegada de novos tratores, só torciam por colheitas e dias melhores após os anos de guerra.

E embora as mulheres rissem, conversassem e nos chamassem, não deixaram de trabalhar um instante sequer, pois esta é uma boa safra, setenta por cento melhor que a do ano anterior, a primeira safra realmente boa desde 1941, e todos estão muito esperançosos em relação a ela. (STEINBECK, 1947, p. 93).

Após verem danças e apresentações típicas, experimentarem inúmeros pratos feitos especialmente em decorrência de sua presença, e ter-lhes sido oferecida vodka, a receptividade daquelas pessoas foi se tornando cada vez mais clara. A rigidez se rompia entre os protagonistas e os soviéticos, enquanto todos abraçavam as diferenças que emergiam nos tempos de convivência.

As lentes de Robert Capa também serviram à explicitação do processo de humanização no decorrer da narrativa. Com todos os relatos quase palpáveis nas diversas fotos, a sensação de humildade e proximidade apenas aumenta ao passar das páginas. Sendo estas acompanhadas pela escrita atenta e cuidadosa de Steinbeck, os dois constroem um trabalho que impacta de uma forma muito direta.

Para a surpresa de ambos os visitantes, foram recebidos calorosamente nas residências dos camponeses. Jantaram juntos, dormiram sob o mesmo teto e trocaram recortes de suas próprias vidas com aqueles que antes eram considerados imorais. Entre os debates, sempre ressaltavam a apreensão por uma possível guerra e terminavam brindando pela paz.

Perceberam, portanto, que aquela gente procurava o mesmo que todos: a estabilidade e o bem para a sua família. Não eram soldados cruéis que apenas aguardavam a próxima guerra.

Mais tarde nosso anfitrião propôs um brinde que se tornava cada vez mais repetitivo — o brinde à paz entre os povos do mundo. É curioso que raramente se faziam pequenos brindes pessoais. Em vez disso, costumavam brindar a coisas mais amplas.

Por isso propusemos um brinde à saúde da família e à prosperidade da fazenda. (STEINBECK, 1947, p.

100).

Figura 3. CAPA, R. Reaping Wheat on Schevchenko Collective Farm. Chevtchenko (Ucrânia), 1947.

CONSTANZA, 2017.

3.4. A RECONSTRUÇÃO DE KIEV Não apenas nas áreas rurais, mas por toda a União Soviética, os viajantes se depararam com cidadãos simples. Em Kiev, um dos aspectos essenciais para o cres-

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cimento do sentimento de empatia pelos soviéticos foi justamente o processo de reerguimento no pós-guerra. Com as cidades devastadas e as famílias buscando condições de vida dignas, a sensibilização era inevitável. No trajeto, encontraram mães que procuravam um futuro melhor para os filhos, distante da recente guerra a que assistiram de perto. Viram famílias se reerguendo da destruição, brindando por paz à mesa de jantar. A população, antes demonizada como monstros, revelou-se esperançosa e humilde.

[...

A POPULAÇÃO, ANTES DEMONIZADA COMO MONSTROS, REVELOU-SE ESPERANÇOSA E HUMILDE ...]

Nesse ponto, os dois viajantes já estavam cativados pelo carisma da comunidade russa. Bondosos e generosos em sua recepção, os anfitriões sempre os convidavam para voltar, alegando, esperançosos, que estariam em dias melhores. Eram otimistas e confiantes no futuro, como foi deixado claro por Steinbeck em suas palavras:

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Era uma gente inteligente e risonha, com senso de humor, uma gente animada. Em meio às ruínas de seu país, os ucranianos estavam empenhados em construir novas residências, fábricas, máquinas e uma nova vida. E sempre nos diziam: “Voltem daqui a alguns anos para ver o que teremos realizado”. (STEINBECK, 1947, p. 134).

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Figura 4. CAPA, R. URSS. Kiev (Ucrânia), 1947.

CONSTANZA, 2017.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao fim da jornada, Capa e Steinbeck quebraram os preconceitos consolidados pelo senso comum, pela imprensa e pela comunidade ocidental. Os dois se depararam com um novo conceito sobre os soviéticos. Dessa vez, construíram uma imagem fundamentada pela experiência pessoal e exclusiva vivida nos meses anteriores. Determinaram, com base em suas vivências, que os soviéticos eram, de fato, um povo tão humano quanto os americanos. Ao final de seu diário, Steinbeck pontua: Bem, é isso. Foi isso o que pretendíamos fazer. Descobrimos, como imaginávamos, que os russos são pessoas normais e, como toda gente, que são muito simpáticos. Aqueles que conhecemos tinham ódio da guerra e queriam as mesmas coisas que todo mundo quer — uma vida plena, com conforto, segurança e paz. [...] Não temos nenhuma conclusão a tirar, exceto que o povo russo não difere em nada de outros povos do mundo.

Certamente há indivíduos ruins, mas de longe a grande maioria é composta de gente boa. (STEINBECK, 1947, p. 252).

REFERÊNCIAS CHISEM, J. U.S. Propaganda and the Cultural Cold War. E-International Relations Students, 2012.

CONSTANZA. Fubiz, 7 fev. 2017. Disponível em: http://www.fubiz.net/2017/02/07/russian-journal-by-robert-capa/. Acesso em: 15 dez. 2018.

DESIGNER DAILY. Disponível em: https://www. designer-daily.com. Acesso em: 15 dez. 2018.

KENNEZ, P. The Birth of the Propaganda State: Soviet Methods of Mass Mobilization. University of California, Santa Cruz: Cambridge University Press, 1985.

LÊNIN, V. I. Que fazer?. São Paulo: Hucitec, 1978.

NORTH, M. Act of Treason: The Role of J. Edgar Hoover in the Assassination of President Kennedy. New York: Skyhorse, 1991.

SIMKIN, John. Spartacus Educational, 2017. Disponível em: https://spartacus-educational.com/ ARTdeni.htm. Acesso em: 15 dez. 2018.

STEINBECK, J. Um Diário Russo. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

WEINER, T. Enemies: A History of the FBI. New York: Random House, 2012.

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BIOLÓGICAS

AVALIAÇÃO DE UMA DIETA HIPERCALÓRICA

EM

CAMUNDONGOS

SUSCEPTÍVEIS A OBESIDADE AN EVALUATION OF A HYPERCALORIC DIET IN A MICE SUSCEPTIBLE TO OBESITY

Orientadora: Ana Carolina de Aguiar Vasconcelos Carneiro1

Co-orientadoras: Denise da Silveira Lemos Giunchetti2 e Elaine Speziali de Faria3

Orientandos: Ana Paula Isnard4 Beatriz Chiari Messias5 Cecília Hoffmann Villar6 Ciro Labruna Linhares7 Esther Cristine Amaro de Souza8 Gabriel Porto Coelho9 Gustavo Ribeiro Madruga de Castro10 Iara Constantino Ferreira C. Morais11 Isabela Teixeira Barreto12 Ísis Magalhães Fujii13 Júlia de Mendonça Queiroz14 Lucas Drummond Savassi Stehling15 Maria Clara de Oliveira Lima16 Mariana Alves Leite17 Mateus Brito Chalub18 Paloma Cristina Silva Ribeiro19 Pedro Almeida Rezende20 Pedro Chabot Barroso21 Thiago Magalhães de Aroeira21

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1 Mestre e doutora em Parasitologia e Ciências pela Universidade Federal de Minas Gerais; pós-doutora pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela Fiocruz Minas Gerais.

2 Mestre e doutora em Bioquímica e Imunologia pela Universidade Federal de Minas Gerais; pós-doutora pelo Instituto de Pesquisas René Rachou-Fiocruz.

3 Meste e doutora em Bioquímica e Imunologia pela Universidade Federal de Minas Gerais; pós-doutora pelo Instituto de Pesquisas René Rachou-Fiocruz.

4 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

5 Estudante da 3a Série do Colégio Santo Antônio.

6 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

7 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

8 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

9 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

10 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

11 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

12 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

13 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

14 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

15 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

16 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

17 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

18 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

19 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

20 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

21 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

RESUMO

which they were put down. The animals were randomly set apart in test group and control group. The test group was feeded with an hypercalorical diet, HBS (enhanced with fat and sugar), on the other hand the control group was feeded with normal ration. In the end of the experiment, all mouse of the test group managed to achieve obesity weighting more than 40 grams. Major differences in the individuals’ liver, adipose tissue and spleen as well as the glucose, triglycerides and total cholesterol levels were recognized. It was concluded that exposure to a hypercalorical diet, and, as a consequence, to obesity relates to several other methabolical disfunctions that are a direct consequence of such pathology.

A obesidade é causada pelo acúmulo excessivo de gorduras no organismo e gera danos no funcionamento deste. O presente estudo tem como objetivo avaliar os impactos da obesidade no organismo e no metabolismo. Para isso, dez camundongos do tipo C57/BL foram submetidos a um experimento que durou 13 semanas, após as quais foram eutanasiados.

Os animais foram divididos aleatoriamente em grupo teste e grupo controle.

O grupo teste foi alimentado com a dieta hipercalórica HBS (rica em gordura e açúcar), ao passo que o grupo controle foi alimentado com ração normal. Ao final do experimento, todos os camundongos do grupo teste alcançaKeywords: obesity; mice; ram a obesidade com peso hypercalorical diet. superior a 40 gramas. Foram constatadas diferenças significativas entre os 1. INTRODUÇÃO grupos também quanto CAUSADA PELO ao peso do baço, do fígaA obesidade, de acordo do e do tecido adiposo, e com a Organização MunACÚMULO DE aos níveis de glicose, triglidial da Saúde (OMS), é cérides e colesterol total. GORDURA CORPORAL, uma inflamação causada Concluiu-se que a exposipelo acúmulo de gordura ção a uma dieta hipercaló- PODENDO ACARRETAR corporal, podendo acarrica e, por consequência, retar sérios malefícios à à obesidade relaciona-se saúde. Sedentarismo e diretamente a diversas dishábitos alimentares altafunções metabólicas que mente calóricos podem gesurgem como efeito de tal rar ou agravar essa condipatologia. ção (HEIMAN & TSCHÖP, 2001). Tal moléstia acomete um número Palavras-chave: obesidade; camundoncada vez maior de indivíduos na contemgo; dieta hipercalórica. poraneidade, o que levou a OMS a projetar um cenário de 2,6 bilhões de pessoas com sobrepeso em 2025 e, dentre esses, ABSTRACT 700 milhões de obesos. Os mesmos hábitos alimentares — dietas ricas em carObesity is caused by excessive fat accuboidratos, lipídeos e açúcares — que mulation in the body, causing damage to podem favorecer essa situação também health and to the functioning of the syscontribuem para o desenvolvimento de tem. The referenced study was made doenças como diabetes tipo 2, câncer e with the intent of evaluating the impact of doenças cardiovasculares, segundo Guh obesity on both, methabolism and orgaet al (2009) e Leite et al (2009). nism. In order to approach this case ten mouse type C57/BL were put through an Para a observação do desenvolvimento experiment that lasted 13 weeks, after da obesidade, o uso de dietas hipercaló-

[...

A OBESIDADE É UMA INFLAMAÇÃO

SÉRIOS MALEFÍCIOS À SAÚDE ...]

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ricas e hiperlipídicas em modelos animais se mostra muito eficaz (VELLOSO et al, 2009), porque estes têm período de vida curto, de modo que o prazo para a menifestação dos efeitos dessa inflamação é menor que em humanos (MAIOLI et al, 2016). Portanto, a utilização de cobaias é fundamental para o melhor e mais eficiente entendimento dos efeitos da obesidade na saúde, e assim foi feito neste trabalho.

Uma espécie extremamente útil para a condução de pesquisas que visam avaliar os efeitos da obesidade nos humanos é a de camundongos C57BL/6, devido à sua grande semelhança tanto com a gênese do sobrepeso na espécie humana quanto com as respostas metabólicas decorrentes dele (HEIMAN & TSCHÖP, 2001). Há estudos anteriores em que camundongos foram introduzidos a dietas com quantidades elevadas de açúcar e gordura derivadas de diferentes fontes, simulando a alimentação humana baseada em fast-foods, lanches e refrigerantes, e desenvolveram hiperfagia, ganho de peso rápido, aumento da massa de gordura e um estado pré-diabético caracterizado por hiperglicemia e intolerância a insulina (MAIOLI et al, 2016).

Levando em consideração a grande incidência de sobrepeso na população mundial e os malefícios a ele relacionados, o presente estudo teve como objetivo analisar as consequências de uma dieta rica em açúcar e gordura na indução da obesidade e as alterações metabólicas associadas a ela.

2. METODOLOGIA 2.1. DESCRIÇÃO DO ESTUDO

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Este estudo foi realizado com dez camundongos machos da raça C567BL/ (3–5 semanas de idade) obtidos no Centro de Bioterismo do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais — ICB/ UFMG. Os animais foram mantidos

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durante todo o experimento no biotério do Colégio Santo Antônio, em Belo Horizonte, com 12 horas de luz por dia e temperatura média variando de 23 a 30 °C. Antes do início do experimento, os camundongos foram vermifugados com 0,2 mg de ivermectina/kg via intraperitoneal e tiveram suas fezes avaliadas pelo método de sedimentação Kato Katz. Com certificação de que estavam descartadas infecções parasitárias, o experimento começou: os animais foram divididos aleatoriamente em dois grupos e foram acompanhados durante 13 semanas. A fim de evitar brigas entre eles e diminuir o estresse pelo qual passariam durante o experimento, foram utilizados brinquedos como túneis de papelão e pedaços cilíndricos de madeira autoclavados.

Os camundongos foram divididos em grupos conforme o tipo de alimentação (Tabela 1). Um grupo de cinco animais recebeu ração convencional para camundongos NUVILAB® CR1 autoclavável, e o outro grupo, também formado por cinco animais, recebeu a dieta hipercalórica HSB (Tabela 2) até o estabelecimento da obesidade, como padronizado por Maioli et al (2016). As dietas foram oferecidas aos animais em pedaços de tamanhos variados (cilindros que variavam aproxi-

madamente de 2 a 7 cm de comprimento e 1 cm de raio), e cada dieta foi mantida até o dia da eutanásia. Cada animal dos dois grupos recebeu, por semana, 40 g de dieta do tipo ad libitum (MAIOLI et al, 2016).

Durante o tempo em que o experimento estava em andamento, a alimentação dos animais era reposta uma vez por semana, a ração restante na gaiola era pesada, e acrescida a quantidade necessária para voltar à marca de 200 gramas (40 gramas por animal). A maravalha era trocada; as gaiolas, limpas, e a água — disponibilizada sem restrições —, trocada. Os camundongos recebiam duas visitas por semana para que o comportamento, a temperatura, a incidência de luz nas gaiolas e a quantidade de água disponível fossem verificados.

Grupos Ração Dieta

Dieta recebida

Número de animais

Ração comercial NUVILAB®

5

Dieta hipercalórica HSB

5

Tabela 1: Divisão dos grupos e tipos de dieta ofertada.

Dieta hipercalórica

Ração comercial (NUVILAB®)

(HSB) Amido de milho (maisena) Caseína láctea Açúcar cristal Óleo de soja Celulose MC-101 Mix mineral AIN93G Mix vitamina L-Cistina Bitartarato de colina Manteiga comercial BHT

Milho integral Farelo de soja Farelo de trigo Carbonato de cálcio Fosfato bicálcio Cloreto de sódio Premix vitamínico Minerais Aminoácidos

kcal/g 3

4,9 (%) Carboidratos por kg

52

36 (%) Proteínas por kg

21

16 (%) Lipídeos por kg

4

48

Tabela 2: Porcentagem de carboidratos, proteínas e lipídeos das dietas.

2.2. CONTROLE DO PESO E ESTABELECIMENTO DA OBESIDADE Os animais foram pesados com balança digital antes do início da dieta e, depois, semanalmente. A obesidade seria alcançada quando os animais atingissem 40 gramas de peso, após o início da dieta hipercalórica.

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2.3. EUTANÁSIA

2.5. ANÁLISE ESTATÍSTICA

A eutanásia de todos os grupos ocorreu 91 dias após a infecção por meio de overdose de solução anestésica composta por 1 mL de xilazina 2% e 1 mL de cetamina 10%, ambas da marca Syntec, aplicando 200 μL da mistura de xilazina e cetamina para cada animal. Após a eutanásia, foi retirado fígado, baço e tecido adiposo para a verificação do peso dos órgãos e congelamento destes em -80 °C para futura dosagem de citocinas.

A determinação da normalidade da distribuição dos valores individuais para cada variável bem como as análises estatísticas foram realizadas através do programa GraphPadPrism (GraphPad Software Inc.), versão 8.0. O teste t de Student foi empregado para a comparação das médias, já que as variáveis de interesse apresentavam um comportamento gaussiano, ou distribuição normal, denominados de dados paramétricos.

2.6. COMITÊ DE ÉTICA Todos os procedimentos foram realizados de acordo com as diretrizes experimentais para cuidados com animais. O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética do Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI-BH, com o número PPQ 002/2017.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

2.4. COLETA DE SANGUE E ANÁLISE DO COLESTEROL, GLICOSE E TRIGLICERÍDEOS

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O sangue foi coletado via punção cardíaca, logo após a aplicação da solução anestésica. O volume total de sangue coletado por animal foi de 1 mL, aproximadamente. As amostras de sangue foram centrifugadas para a separação do soro que foi utilizado nas análises bioquímicas.

As análises do colesterol, glicose e triglicerídeos foram realizadas no Laboratório de Biomarcadores de Diagnóstico e Monitoração do Centro de Pesquisas René Rachou/Fiocruz-Minas, a partir de testes enzimáticos colorimétricos (kits comerciais da Bioclin®) e segundo o manual de instrução preestabelecido pelo fabricante dos kits.

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No decorrer do experimento, foram observadas mudanças fenotípicas entre os animais que variaram de acordo com o tipo de alimentação a que estavam sendo submetidos. Os camundongos alimentados com a dieta rica em açúcares e manteiga (HBS) apresentaram maior oleosidade corporal em comparação ao grupo alimentado com a ração comercial. Além da maior oleosidade do pelo, seu aspecto arrepiado também chamou atenção; esse perfil não foi observado nos animais do grupo controle (Figura 1A).

Outra mudança observada ocorreu nas fezes recolhidas dos modelos (Figura 1B). Na primeira semana do experimento, todas as amostras possuíam aspecto consistente, ressecado e de coloração amarronzada. Já nas fezes recolhidas nos últimos dias do experimento, notou-se mudança no aspecto, que também variou de acordo com a alimentação dos animais. As fezes dos camundongos alimentados com a dieta HBS assumiram aspecto amoleci-

do e de coloração esbranquiçada, alterações não observadas no grupo de animais que se alimentou de ração. Essas alterações podem ser explicadas pela grande quantidade de gordura na alimentação do primeiro grupo. De acordo com Cherem (2008), a ingestão de grande quantidade de alimentos gordurosos altera a formação do bolo fecal.

Figura 1A. Comparação das alterações fenotípicas (aparência do pelo) de acordo com o tipo de alimentação: ração comercial (grupo controle) e ração HBS (high butter fat – grupo teste).

Figura 1B. Comparação das alterações fenotípicas (aparência das fezes) de acordo com o tipo de alimentação: ração comercial (grupo controle) e ração HBS (high butter fat – grupo teste).

3.1. PESO CORPORAL E TECIDO ADIPOSO Durante as 13 semanas do experimento, o grupo de animais alimentados com a dieta HBS teve um aumento de peso corporal significativo em relação ao grupo de animais alimentado com a ração comercial. A diferença entre os grupos se manteve durante todo o experimento (Figura 2). Segundo Maioli (2015), camundongos com peso superior a 40 gramas são considerados obesos. No presente estudo, o quadro de obesidade foi alcançado entre a 9a e a 10a semana (Figura 2).

A partir do modelo de obesidade, foi possível estudar e entender as consequências dessa doença para o estado de saúde do organismo, bem como as alterações causadas por essa condição. Os resultados mostram que uma dieta rica em açúcar e gorduras induz o ganho de peso corporal em camundongos C57BL/6, dados que corroboram Maioli (2015).

Yang et al (2012) também observaram aumento de peso corporal após duas semanas de alimentação com alto teor de lipídeos e sacarose na dieta.

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Além do ganho de peso corporal, o índice de adiposidade foi aumentado em camundongos alimentados com a dieta HBS quando comparado ao do grupo controle (Figura 3). O tecido adiposo armazena lipídeos na forma de gordura através do consumo de alimentos ricos em carboidratos.

A dieta HSB contém alta concentração de sacarose, e, segundo Dentin et al (2005), há evidências de que a frutose e a glicose, os componentes da sacarose, contribuem para o aumento da produção do tecido adiposo. Esse tecido está diretamente relacionado à obesidade (ROMERO, 2006).

a dieta HBS (grupo dieta: D1, D2, D3, D4, D5), e as linhas claras representam os animais alimentados com a ração comercial (grupo ração: R1, R2, R3, R4, R5).

Figura 3. Peso do tecido adiposo (gramas) nos diferentes grupos avaliados. A barra mostra a diferença significativa.

3.2. FÍGADO E BAÇO Em relação ao fígado e ao baço, foi observada também diferença estatisticamente significante entre os grupos estudados.

Sabe-se que o consumo exagerado de gordura pode levar ao comprometimento desses órgãos (MOURA et al, 2012).

Ao administrar-se a dieta rica em açúcar e manteiga (HSB), era esperado o desenvolvimento progressivo da obesidade acompanhada secundariamente pelo desenvolvimento de doenças hepáticas bem como da doença hepática gordurosa não alcoólica. Observe:

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Figura 2. Peso dos animais (gramas) durante as 13 semanas de experimento. As linhas escuras representam os camundongos alimentados com

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Figura 4. Peso do fígado (gramas) nos diferentes grupos avaliados. A barra mostra a diferença significativa.

Foi observado um aumento significativo no tamanho e no peso do fígado dos animais obesos em relação ao dos animais normais (Figura 4). Esse aumento provavelmente é resultado do mau funcionamento do fígado devido às inflamações causadas pelo acúmulo excessivo de gordura nos hepatócitos. Esse processo pode levar à cirrose hepática, que, se não contida, pode se tornar irreversível, caracterizando a esteatose hepática não alcoólica — NASH (ADAMS & BERTOT, 2016).

De acordo com Picchi et al (2011), esse quadro de esteatose, comum em indivíduos obesos, é consequência da ingestão da dieta hiperlipídica e pelo acúmulo excessivo de lipídeos nos hepatócitos, como os triglicerídeos (DUARTE, 2006). Por ocorrer somente após longo prazo de acúmulo lipídico, a esteatose hepática não alcoólica não pôde ser confirmada nos animais obesos deste estudo, visto que a duração de 13 semanas do experimento pode não ter sido suficiente para o estabelecimento dessa condição.

[...

HÁ UMA TENDÊNCIA

DE PERDA DE PESO EM ÉPOCAS FRIAS ...]

Outro fato a ser analisado é a temperatura do biotério. Os experimentos deste estudo foram realizados nos meses de inverno, e a temperatura média do biotério variou de 23 a 30 °C. Segundo Silva (2017), temperaturas abaixo de 30 °C dificultam o aumento de peso dos animais e as possíveis consequências relacionadas à obesidade.

Há uma tendência de perda de peso em épocas frias porque o metabolismo energético deve ser capaz de manter a temperatura corporal. Assim, é possível que os animais tenham utilizado mais energia do que se estivessem em outras condições, impedindo-se o acúmulo de gordura no fí-

gado e a esteatose de suas células hepáticas (ROSINI, 2012).

A análise histológica dos fígados será realizada futuramente para a confirmação das hipóteses acima e o melhor entendimento das alterações hepáticas dos modelos experimentais utilizados.

Figura 5. Peso do baço (gramas) nos diferentes grupos avaliados. A barra mostra a diferença significativa.

O baço dos camundongos também foi observado. No grupo teste (grupo dieta), houve um aumento significativo do órgão em comparação com os animais do grupo controle (grupo ração) (Figura 5). Sabe-se que o baço tem funções imunológicas, capturando glóbulos brancos e vermelhos que estão danificados e eliminando-os por meio da apoptose. Esse órgão também faz parte do sistema linfático e imunológico, contribuindo para a produção de leucócitos (ALTUNKAYNAK et al, 2007).

O baço está sujeito a diversas condições que podem influenciar em suas funções e seu tamanho. Uma hipótese para esse substancial aumento de tamanho e peso é a dilatação sinusoidal do baço e a deposição intracelular. A deposição intracelular é decorrente da degeneração gordurosa do fígado (esteatose) ou devido a alterações no metabolismo (PATERSON et al, 1999).

O aumento do seu tamanho e peso pode estar relacionado à obesidade, e a esplenomegalia pode torná-lo afuncional. Estudos prévios realizados em humanos apontam que há diferenças significativas no tamanho do baço entre indivíduos obesos e não obesos. Cunha (2015) observou que

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o volume do baço em adolescentes com sobrepeso e obesos é maior do que em indivíduos eutróficos.

3.3. COLESTEROL, GLICOSE E TRIGLICERÍDEOS A variação nos níveis de glicemia, colesterol e triglicérides circulantes na corrente sanguínea está estritamente relacionada à obesidade. Conforme esperado, os animais do grupo dieta obtiveram valores de colesterol significativamente maiores, quando comparados ao grupo ração, devido ao consumo da dieta hipercalórica (Figura 6), corroborando o estudo de Maioli et al (2016).

O aumento na taxa de colesterol pode ser explicado por uma dislipidemia característica da obesidade e proveniente da dieta hiperlipídica, causando uma possível diminuição de HDL e o aumento qualitativo de LDL (FRANCISCHI et al, 2000) — LDL é a lipoproteína responsável por distribuir o colesterol para as células do organismo, e o HDL possui a função de recolher o colesterol que sobra da distribuição do LDL. De acordo com estudos já realizados, existe uma mudança no tamanho das partículas de LDL influenciada pela obesidade (POZZAN et al, 2004).

Os exames realizados após o término do experimento foram estritamente em relação à taxa de colesterol total. Sugerimos, no entanto, que possa ter havido uma diferença expressiva na taxa de LDL em relação à de HDL. É importante ressaltar que o colesterol tende a se acumular nas paredes dos vasos sanguíneos, gerando placas de ateroma, o que pode levar a doenças cardiovasculares.

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Figura 6. Dosagem de colesterol nos diferentes grupos avaliados. As barras mostram a diferença significativa.

Comparando os exames dos grupos teste e controle, verificou-se também um aumento significativo da glicemia nos camundongos obesos em relação aos camundongos não obesos (Figura 7). Tal resultado condiz com expectativas anteriores às análises e baseadas em experimentos já concluídos. Estes demonstraram que o consumo prolongado de dietas com carboidratos e açúcares em excesso culminam em níveis relativamente elevados de glicose no sangue, como é o caso dos camundongos C57BL/6 (BUETTNER et al, 2007). Além disso, White et al (2013) estabeleceram uma relação entre aumento do tecido adiposo e glicose como consequência de uma dieta hipercalórica.

Níveis elevados de glicose no sangue estão geralmente acompanhados de hiperinsulinemia e, por consequência, resistência à insulina (SHANIK et al, 2008). Os camundongos C57BL são considerados diabéticos quando apresentam glicemia superior à relacionada à diabetes tipo 2 (SURWIT et al, 1988; KAHN et al, 2006).

No entanto, o resultado do nível de glicose no sangue dos animais demonstrou que nenhum deles desenvolveu a condição (Figura 7). É possível que os camundongos não tenham ficado diabéticos devido à duração relativamente curta do experimento. Modelos submetidos à dieta hipercalórica por mais tempo alcançaram efetivamente a diabetes (SURWIT et al, 1988; PAREKH et al, 1998).

Figura 7. Dosagem de glicemia nos diferentes grupos avaliados. As barras mostram a diferença significativa.

Em relação aos níveis de triglicérides, não houve alterações expressivas entre o grupo alimentado com a dieta rica em açúcar e manteiga e o grupo alimentado com a ração comercial (Figura 7). Esses resultados corroboram Vieira (2007), que realizou um estudo com humanos e não observou relação significativa entre o consumo de doces e os níveis de triglicerídeos. O resultado encontrado no presente estudo difere, entretanto, do encontrado por Maioli (2016), que observou aumento significativo nos níveis de triglicerídeos nos animais alimentados com uma dieta hipercalórica.

A condição genética dos indivíduos deve ser considerada, posto que influencia nos índices de triglicerídeos. A apolipoproteína AV age regendo a síntese de triglicerídeos pelo fígado (VIEIRA et al, 2007), portanto, uma irregularidade no gene pode gerar variações na codificação da proteína, impossibilitando o resultado esperado. No caso, a espécie escolhida para a realização do experimento (C57BL/6) é isogênica, ou seja, os animais são geneticamente iguais, por isso, se houvesse alterações genéticas, os dois grupos seriam afetados.

Figura 8. Dosagem de triglicerídeos nos diferentes grupos avaliados.

4. CONCLUSÃO A indução da dieta hipercalórica (HBS) nos camundongos C567BL levou a um desenvolvimento da obesidade nos animais demonstrando a eficiência desse modelo experimental para o melhor entendimento das consequências do acúmulo de gordura no organismo. A diferença de peso do baço e do fígado entre os grupos foi determinante para a avaliação das alterações provocadas por essa morbidade.

A análise dos resultados associa o aumento da adiposidade com disfunções metabólicas como a hiperglicemia e a hiperlipidemia, identificadas nos animais. A hiperglicemia constatada sugere uma possível relação entre obesidade e diabetes nos camundongos. Os impactos fisiológicos observados nos modelos experimentais manifestam-se de maneira similar nos humanos, o que indica a grande importância do consumo de uma dieta saudável e balanceada.

[... OS IMPACTOS FISIOLÓGICOS OBSERVADOS NOS MODELOS EXPERIMENTAIS MANIFESTAM-SE DE MANEIRA SIMILAR NOS HUMANOS ...]

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TECNOLOGIA

A IMPORTÂNCIA DO

JOB TO BE DONE NO MERCADO CONSUMIDOR THE IMPORTANCE OF THE JOB TO BE DONE IN THE CONSUMER MARKET

Orientador: João Paulo Guerra Vieira1

Orientandos: Carlito Ribeiro Camargo2 Leonardo Kamino Barros3 Luiz Felipe Cerqueira Scapolatempore4 Pedro de Souza Bustamante5 Thiago Cleto Miarelli6 Eduardo Alvarenga Torres7 Lucas Ferreira Monteiro8

1 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; pós-graduado em Direito dos Contratos e em Direito Desportivo; Credential of Readiness e Disruptive Strategy pela Harvard Business School; Digital Product Leadership pela Tera; advogado; sócio do AppProva; gerente de projetos da SOMOS Educação (jpguerravieira@gmail.com).

2 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio (carlitoribeirojr@hotmail.com).

3 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio (leo.kamino@gmail.com).

4 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio (luizbernis@gmail.com).

5 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio (pedrobustamante2002@gmail.com).

6 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio (thiagomiarelli@gmail.com).

7 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio (eatorres401@gmail.com).

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8 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio (lucasfmonteirogalo@gmail.com).

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RESUMO Este trabalho apresenta uma análise sobre a teoria do Job To Be Done e sua aplicação dentro do mercado.

Essa teoria encara uma nova relação entre o consumidor e o produto, na qual as pessoas estão sempre visando à realização de uma tarefa. Para tanto, apresenta-se o conceito de Job To Be Done, sua importância, exemplos de sucesso e fracasso, fundamentando-se nas ideias construídas ao longo deste artigo.

Palavras-chave: Job To Be Done; empreendedorismo; mercado; cliente.

ABSTRACT This paper presents an analysis of the theory of the Job To Be Done and its application in the market. This theory faces a new relationship between the consumer and the product, in which people are always aiming at the realization of a task. Therefore, we present the concept of the Job To Be Done, his importance and examples of success and failure, based on the ideas built along this article.

Keywords: Job To Be Done; entrepreneurship; market; customer.

1. INTRODUÇÃO O Job To Be Done1 (JTBD) é uma teoria popularizada pelo professor Clayton Christensen (2012), da Harvard Business School, segundo a qual um cliente não compra simplesmente um produto, ele contrata produtos para realizarem serviços e tarefas específicas que surgem em sua vida. De acordo com o professor, todo produto executa uma função para seu comprador, ou seja, ele resolve algum problema, por isso é comprado.

A tarefa (job) que o produto executa pode ser funcional (finalidade concreta do produto), operacional (forma como o produto é usado pelo comprador) e emocional/ social/pessoal (sentimentos e sensações que o produto proporciona ao cliente).

Em alguns casos, o vendedor só enxerga a tarefa funcional, o problema que o produto soluciona prioritariamente. Contudo, essa visão pode ser míope, pois nem sempre a tarefa funcional se encontra dentro do objetivo do consumidor.

Essa teoria se torna importante visto que, em um mercado altamente competitivo, no qual a inovação é a chave para o sucesso, é preciso estar atento para um objetivo principal: a solução do problema do cliente, que é a principal abordagem do JTBD. O obstáculo de muitas empresas é a não validação de um real problema, fazendo com que o produto abranja um mercado ínfimo ou mesmo não crie uma solução coerente com a dor de seu potencial consumidor.

“SE EU PERGUNTASSE O QUE OS CONSUMIDORES QUERIAM, ELES TERIAM DITO QUE ERA UM

CAVALO MAIS RÁPIDO”

2. DESENVOLVIMENTO 2.1. A TEORIA DO JOB TO BE DONE Normalmente os consumidores não sabem o que querem e, ao serem questionados, responderão de acordo com o que o mercado já oferece. Uma frase que explica muito bem esse conceito é a de Henry Ford: “Se eu perguntasse o que os consumidores queriam, eles teriam dito que era um cavalo mais rápido” (ISAACSON, 2011, p. 583).

A teoria do Job To Be Done é a base para compreender melhor o comportamento do consumidor. Em análises de mercado convencionais, foca-se em estatísticas e dados para mostrar relações e padrões entre os clientes. Por exemplo, descobre-se que 70% dos clientes preferem o produto A em relação ao produto B, mas esses dados, apesar de importantes, não mostram a causa de tal preferência.

Assim, o empreendedor precisa inovar para não ficar estagnado, pois soluções são criadas para realizar o mesmo job e passam a ser cada vez mais eficazes. Os modelos de solução tendem a crescer de modo a serem mais rápidos e mais eficientes, baseando-se sempre nos resultados desejados. E é por meio disso que o consumidor, inconscientemente, mede o sucesso de um produto.

Já a teoria do JTBD vai além de informações superficiais e busca expor as dimensões sociais, funcionais e emocionais que ajudam a entender a essência, o que realmente move o consumidor a procurar algo e o porquê de suas escolhas. Pessoas não compram produtos ou serviços simplesmente por comprar, mas, sim, “contratam” empresas — ou produtos — para conseguirem realizar algum progresso ou objetivo.

1 Ou “Tarefa a Ser Realizada” (tradução livre).

Esse progresso ou objetivo é o job que deve ser feito, e conhecê-lo ajuda no de-

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senvolvimento de produtos de acordo com o que os consumidores querem alcançar.

Um grande problema das empresas é não encontrarem seu job, tendo em vista que a maior parte das tomadas de decisão se baseia nele para a criação de estratégias de crescimento e a obtenção de um aumento nas vendas.

Todas as pessoas possuem na vida dores relacionadas a jobs a serem resolvidos. Nesse sentido, de acordo com Clayton Christensen (2016), ao tentar realizar esse job e a empresa “contratada” falhar, na próxima vez o consumidor buscará uma alternativa. E, caso o job seja realizado, tende-se a utilizar o mesmo serviço ou produto na próxima vez em que a necessidade surgir.

Por isso, é importante compreender o job do cliente e torná-lo a grande missão do negócio, acompanhando a satisfação e focando os esforços nesse alvo. Não se deve tentar oferecer uma grande quantidade de produtos se o consumidor precisa apenas de um que resolva o job de forma eficiente.

2.2. A CONSTITUIÇÃO DA EMPRESA SOB A TEORIA DO JOB TO BE DONE Retomando o conceito do Job To Be Done, é possível trazê-lo para uma esfera mais lógica, como se fosse uma equação, com constantes e variáveis. A solução, como um produto ou um serviço, é variável, enquanto a dor, ou seja, o problema a ser solucionado, é constante. Portanto, a dor (o problema) é a razão pela qual um grupo de pessoas compra o produto/serviço, e esse grupo de pessoas que está buscando ter seu problema solucionado chama-se mercado consumidor.

Em seu livro Gerenciamento da Rotina do Trabalho do Dia a Dia, Falconi (2014) descreve e define o que seja uma empresa: O que é uma empresa: a) Nós, seres humanos, precisamos sobreviver. Para isso precisamos comer, vestir, ser tratados quando ficamos doentes, dormir, ser educados, etc. b) Para atender a essas necessidades de sobrevivência é que o ser humano se organiza em indústrias, hospitais, escolas, prefeituras, etc.

Vamos chamar de empresa qualquer uma dessas organizações.

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[... NÃO SE DEVE TENTAR OFERECER UMA GRANDE QUANTIDADE DE PRODUTOS SE O CONSUMIDOR PRECISA APENAS DE UM QUE RESOLVA ...]

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c) Portanto, uma empresa é uma organização de seres humanos que trabalham para facilitar a luta pela sobrevivência de outros seres humanos. Essa é, em última instância, a missão de todas as empresas. d) Podemos concluir que o objetivo do trabalho humano é satisfazer as necessidades daqueles que precisam do resultado do seu trabalho. e) Sempre que o trabalho humano satisfaz necessidades de pessoas, ele agrega valor. Agregar valor é agregar satisfação ao seu cliente.

O cliente só paga por aquilo que, na sua percepção, tem valor. f) Aumentar o valor agregado do seu produto é aumentar o número de características desse produto, que são apreciadas pelo cliente. (FALCONI, 2014, p. 24-25).

Sob essa análise, percebe-se que se destacam no mercado as empresas que solucionam o JTBD mais rapidamente, com maior produtividade e eficiência, resolvendo o maior número de problemas que compõem o JTBD. É preciso, portanto, atentar-se à evolução da solução a fim de executar o job mais relevante, afinal empresas buscam constantemente novas formas de solucioná-lo. Complementarmente, o desenvolvimento de solução inovadora deve ser bem estruturado, para que ela possa ser levada ao contato com o mercado consumidor.

2.3. COMO APLICAR A FERRAMENTA NO PRÓPRIO NEGÓCIO

O professor de empreendedorismo do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Marcelo Nagawaka elaborou uma interessante orientação de alguns passos para utilização da ferramenta: Primeiramente, é necessário que se defina o produto ou serviço a trabalhar, qual será o objeto a ser analisado pela ferramenta. Após isso, deve-se, por meio de interações com o consumidor, procurar descobrir e entender quais são as tarefas funcionais, operacionais e emocionais cumpridas pelo produto para com seu usuário. É importante ressaltar que essa interação surge para evitar que o empreendedor simplesmente pergunte ao cliente o que ele quer no produto, tendo em vista que uma pergunta como essa obteria respostas baseadas no que já existe, e o objetivo final do Job To Be Done é

aprimorar um produto por meio de uma inovação.

Após conhecidos e compreendidos todos os jobs que o produto cumpre, é necessário que o empreendedor estude esses jobs e os segmente em grupos de benefícios que podem favorecer o cliente a partir do conhecimento de seu perfil. Vale a pena encontrar nomes que expliquem cada grupo. A partir dessa segmentação, a próxima atitude a ser tomada é priorizar os jobs que podem aumentar as vendas. Algumas tarefas do produto podem gerar um maior apelo de vendas se forem priorizadas em eventuais experiências de consumo. É necessário também aprender com outras soluções que executam os mesmos jobs, por exemplo, aprender com seu concorrente. É possível fazer esse mesmo aprendizado na hora de priorizar os jobs segmentados.

Com os jobs que geram mais renda selecionados, é necessária a criação de experiências de consumo em que podem ser usadas outras ferramentas de análise para verificar se o aprimoramento dos jobs selecionados resultarão no crescimento de vendas esperado.

Agora, é hora de validar a experiência com os clientes. O empreendedor pode criar protótipos da experiência de consumo e validá-los com o seu consumidor. Verifique se suas escolhas foram realmente relevantes.

Essa etapa não é nada mais que um aprendizado. Caso o teste seja bem validado pelos clientes iniciais, dissemine a experiência para os demais clientes. É possível que os testes não sejam bem-sucedidos. Caso isso ocorra, redefina suas escolhas e explore melhor a escolha dos jobs e seu desenvolvimento. (NAGAWAKA, 2014, p. 1-2).

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O professor Marcelo Nagawaka (2014, p. 3) ainda resumiu tais etapas no seguinte esquema:

Disponível em: https://endeavor.org.br/marketing/job-to-be-done/?gclid=EAIaIQobChMIupbeicqB3gIVlIKRCh1hAAZ7EAAYASAAEgJhb_D_BwE. Acesso em: 17 dez. 2018.

2.4. EMPRESAS QUE FALHARAM EM ENCONTRAR O SEU JOB TO BE DONE No Brasil, 60% dos novos negócios não sobrevivem mais de dois anos, segundo o IBGE (2010). As razões são diversas e variam principalmente em relação ao ramo em que o negócio atua. Em relação às startups, a maior razão de falência é no market need, ou, em português, falta de necessidade do mercado. Isso quer dizer que ou o Job To Be Done proposto não é uma necessidade para o mercado ou este não está disposto a pagar por ele.

A dificuldade de reconhecer o próprio Job To Be Done se dá por diversos fatores. Entre eles, predominantemente em empresas menores, está a confusão entre feature e job. A feature é a ferramenta que permite a tarefa necessária a ser realizada; o job é essa tarefa a ser feita, é a dor pela qual o cliente está disposto a pagar.

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Um exemplo é a LG com o LG G5. A empresa fez um smartphone modular, em que o usuário poderia integrar módulos como um botão dedicado para câmera, uma entrada para fone de ouvido de alta qualidade e uma câmera 360°. As funcionalidades eram, de fato, interessantes e inovadoras. Entretanto, os clientes precisavam de um celular bonito, estável e confiável, três coisas que os módulos sacrificaram. Apesar de as funcionalidades serem interessantes, elas não combinavam nem serviam como ferramentas para resolver a dor dos clientes. O resultado? Um fracasso de vendas que fez com que a LG tivesse que reestruturar toda a sua divisão mobile (TUDO CELULAR, 2018).

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Outro problema relacionado ao Job To Be Done é o de empresas consolidadas que são superadas por empresas mais novas que realizam o job melhor. Nesse quesito, há vários exemplos, e talvez seja a Kodak a ilustração mais famosa de empresa outcompeted2.

A Kodak, durante seu ápice, foi uma das empresas mais inovadoras do mundo, democratizando a fotografia e, mais do que isso, o registro de memórias — tarefa que era o seu Job To Be Done. Durante anos, os filmes e câmeras da Kodak foram referência e a melhor forma de eternizar momentos; a empresa chegou a ter 90% do mercado de filmes e 85% do de câmeras nos Estados Unidos (STARTSE, 2018).

Um grande erro é pensar que esse império caiu pela falta de tecnologia da Kodak ou pura ingenuidade de seus acionistas em não investir na tecnologia digital. É claro que uma das maiores empresas do mundo não teria uma morte tão tola. A Kodak não só tentou entrar no setor das câmeras digitais como também inventou essa tecnologia. A primeira câmera com sensor digital foi desenvolvida por funcionários da gigante. Entretanto, os executivos preferiram não disponibilizar a tecnologia para o público, visto que poderia atrapalhar um de seus negócios mais lucrativos: os filmes. Seria melhor que tivesse atrapalhado.

2 Ou “superada” (tradução livre).

O conselho da Kodak realmente tentou entrar no mercado digital. Eles investiram 8 bilhões em pesquisa e desenvolvimento; poderiam ter investido ainda mais, mas não daria resultados. O grande erro da Kodak foi pensar que seu Job To Be Done era, como dito anteriormente, eternizar memórias. Sabe-se que 98% das fotos eram vistas uma ou duas vezes e eram postas em uma caixa ou envelope que provavelmente jamais seriam abertos. A distorção do Job To Be Done era tão grande que a Kodak chegou a oferecer uma foto duplicada pelo preço de uma. O que as pessoas queriam fazer, na verdade, não era guardar suas memórias para a posteridade, mas compartilhá-las. Antes, a melhor forma de fazer isso era em fotos impressas, entretanto o meio digital é infinitamente mais prático.

Ao analisar a sucessão de eventos e elaborar um panorama geral sobre ascensão e queda da Kodak, percebe-se que, tendo fotos duplicadas, as pessoas enviavam uma dessas para alguém de quem elas gostassem. O poder de expressão da foto é tão grande que pode ser constatado pelo crescimento de empresas como Apple e Facebook, as quais possuem produtos que permitem capturar e compartilhar fotos facilmente, executando o job de compartilhar memórias.

Segundo Clayton Christensen, professor de Harvard Business School e criador do Jobs To Be Done Framework, os consumidores funcionam como empresas: demitem e contratam serviços e produtos o tempo todo para facilitar ou melhorar a forma como se faz algo (ULWICK, 2016).

Tome-se como exemplo outro caso de um job feito melhor de diferentes formas: o de assistir a filmes, uma das tarefas mais importantes que as pessoas têm como lazer.

Anos atrás, a melhor forma de fazer isso era pela Blockbuster. Hoje, a praticidade dos serviços de streaming na internet possibilitou que serviços como a Netflix tomassem o lugar de mercado que antes era ocupado pela locadora.

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No exemplo dado, as pessoas “demitiram” a Blockbuster porque a Netflix ocupou a segunda categoria da pirâmide ilustrada na figura abaixo, fornecendo não só filmes e entretenimento, mas também um passe para a participação da comunidade de seus assinantes, como se fosse um grupo fechado, em que só entra quem teve acesso a séries e filmes exclusivos da empresa, uma necessidade social.

MCLEOD, Saul. Maslow’s Hierarchy of Needs.

Disponível em: https://www.simplypsychology. org/maslow.html. Acesso em: 20 out. 2018.

2.5. SITUAÇÕES EM QUE O EMPREENDEDOR OBTEVE SUCESSO E ENCONTROU SEU JOB

Para que o empreendedor entenda mais sobre o Job To Be Done e sua aplicação, aqui vão alguns casos de utilização da ferramenta que ajudou o crescimento de empresas. É interessante começar com um exemplo a ser seguido, elaborado por Clayton Christensen (2007), que utilizou a ferramenta em um projeto de consultoria para uma rede de fast-food nos Estados Unidos, que focava mais especificamente na venda de milk-shakes.

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Sua equipe percebeu que não teria sucesso se perguntasse ao cliente se preferiria o milk-shake mais viscoso, com pedaços de chocolate, etc. Sendo assim, começou-se a observar o perfil do cliente: a que horas ele comprava o milk-shake, como ele agia, como se vestia, como falava, se comprava algo mais. Descobriu-se que, ali, a maioria

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dos milk-shakes era vendida antes das 8 da manhã, e as pessoas não costumavam comprar mais que aquilo, apenas pegavam seu milk-shake, entravam no carro e iam embora.

No outro dia, a equipe resolveu ficar do lado de fora do restaurante e perguntar aos clientes não o que eles queriam, mas o seguinte: “Pense na última vez em que esteve na mesma situação, tendo a necessidade de obter o mesmo trabalho feito e que você não veio até aqui comprar um milk-shake. O que você comprou?” (CHRISTENSEN, 2007). Ao juntarem as respostas, ficou claro que todos tinham o mesmo trabalho a ser feito: uma longa e chata viagem de carro até o trabalho pela manhã.

Eles precisavam de algo que os ajudasse na viagem, ocupasse suas mãos, ao mesmo tempo que fosse prático (coubesse no porta-copos, por exemplo). Eles não tinham fome tão cedo, mas, às 10 horas da manhã, teriam e precisavam de algo que a inibisse nesse horário, para suportar a viagem de carro. Os clientes haviam tentado bananas, mas estas não matavam sua fome; haviam tentado donuts, mas estes faziam uma grande bagunça, sujavam a roupa, eram impraticáveis. Tentaram pães, mas passar a geleia enquanto dirige também se tornava impraticável.

Sendo assim, perceberam no milk-shake um tipo ideal para sua viagem: ele não acabava muito rápido, durava cerca de 20 minutos; o copo cabia no porta-copos; era fechado, ou seja, prático de tomar enquanto se dirige, ocupando apenas uma mão e não sujando a roupa; e matava a fome. Sendo assim, o restaurante obteve informações importantíssimas sobre o job que seu produto executava e pôde trabalhar em cima disso de acordo com o perfil e a vida do cliente.

Outros exemplos, agora no Brasil, são as lojas como Cacau Show e O Boticário.

Inicialmente, a Cacau Show surgiu como

uma loja que vendia bons chocolates a um preço razoável, e O Boticário surgiu como uma loja de fragrâncias e perfumes a um preço também razoável, nem tão caro nem tão barato. Porém, com o tempo, os empreendedores responsáveis por essas lojas começaram a perceber que os seus produtos serviriam muito mais para “presentinhos”, principalmente em datas comemorativas, como o Natal. Em meio a tantas datas — ainda mais no Brasil, em que são muito comemoradas —, tais lojas encontraram um job que seu produto fazia para o cliente e investiram nele, incrementaram-no, popularizando-o e aumentando as vendas.

2.6. DEFININDO MERCADO CONSUMIDOR SOB ANÁLISE DO JOB TO BE DONE

tes de TI especializados (job executor) para que funcionários não técnicos (job beneficiary) pudessem ativar o uso seguro de dados por conta própria.

Tendo em vista que o mercado consumidor é um grupo de pessoas que busca ter seu job solucionado, é importante salientar que “pessoas não querem uma broca, elas querem um buraco” (Theodore Levitt apud HEMP, 2004), ou seja, elas não compram um produto, elas compram uma ferramenta que resolva um problema, no caso, furar um buraco na parede. O mercado deve ser definido fundamentalmente no problema. Logo, é possível desenvolver um processo que, perpassando pela definição de mercado anterior, execute o Job To Be Done.

[...

“PESSOAS NÃO QUEREM UMA BROCA, ELAS QUEREM UM BURACO” ...]

Em métodos tradicionais, empresas costumam usar o conceito de persona para definir seus clientes. A persona é um representante detentor de características dos contratantes da solução, ou seja, quem tem o job a ser executado. Contudo, as personas não distinguem duas características que podem apresentar grandes diferenças em mercados B2B (business to business): o job beneficiary (quem utiliza a solução e se beneficia diretamente dela) e o job executor (quem contrata o serviço) geralmente são os mesmos em mercados B2C (business to customer), como um motorista ao baixar um aplicativo de navegação.

Iniciando pela definição de cliente como o job executor (considerando um mercado B2C), progride-se à definição de um mercado consumidor como detentor das dores. Em seguida, é necessário analisar o JTBD a fim de definir as necessidades do cliente e projetar os resultados desejados, ditados pelo tipo de segmento. Dessa forma, é preciso que designers e publicitários entendam que o produto deve se encaixar nas dores do consumidor, e não o contrário. Para isso, deve haver uma compreensão profunda de suas características.

Já em mercados B2B, muitas vezes o contratante é um indivíduo diferente daquele que utiliza o produto.

Tomando como exemplo os aplicativos baseados no armazenamento em nuvem, percebe-se que permitiram que as empresas reduzissem ou eliminassem geren-

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3. CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

A conclusão a que podemos chegar é que o conhecimento sobre o cliente e seus desejos ou jobs atendidos por um produto vendido é de extrema importância para que qualquer empresa melhore suas vendas e cresça efetivamente. Por isso, o Job To Be Done é uma ferramenta imprescindível para que se enxergue o que realmente faz alguém comprar algo que é vendido, ou seja, qual objetivo o produto cumpre para com seu comprador.

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Tal ferramenta serve como método de análise de mercado que, se aplicado corretamente, ajuda vendedores a enxergar o que realmente devem aprimorar em seus produtos, para que satisfaçam os desejos inconscientes dos clientes, que devem ser descobertos por meio de pesquisas e dados em relação a vendas.

Por isso, diante de um cenário capitalista, em que há concorrência e as empresas precisam sempre se superar, a ferramenta criada por Christensen (2007) se torna cada vez mais popular no mundo do empreendedorismo, em diversas companhias no mundo todo.

40

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BIOLÓGICAS

CULTIVO DE HORTALIÇAS EM MEIO

AQUAPÔNICO EM AMBIENTE ESCOLAR

VEGETABLE GROWTH IN AQUAPONIC MEDIUM IN A SCHOLAR ENVIRONMENT

Orientador: Marcelo Fernando Silveira Rezende1

Orientandos: Ana Luiza Scarpelli Magalhães2 Camilla Laureano Marques3 Davi Shamash Amorim4 João Gabriel Malheiros Andrade de Carvalho5 Liliane Vilela Brandão6

1 Graduado em Ciências Biológicas e mestre em Genética pela Universidade Federal de Minas Gerais.

2 Estudante da 3ª Série do Colégio Santo Antônio.

RESUMO Foi montado e monitorado por alunos do ensino médio, com auxílio de orientador, um experimento em ambiente escolar com o objetivo de cultivar hortaliças em um sistema aquapônico. O modelo de cultivo une o desenvolvimento de plantas e peixes, de modo a buscar a economia de água e a reciclagem de nutrientes, por meio do uso das excretas nitrogenadas dos peixes como fonte de nutrientes para as plantas. O projeto obteve o resultado esperado, com o crescimento satisfatório e saudável das plantas e dos peixes.

Palavras-chave: aquaponia; agricultura urbana; ciclo do nitrogênio; hortelã.

3 Estudante da 3ª Série do Colégio Santo Antônio.

4 Estudante da 3ª Série do Colégio Santo Antônio.

5 Estudante da 3ª Série do Colégio Santo Antônio.

6 Estudante da 3ª Série do Colégio Santo Antônio.

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ABSTRACT Experiment in a school environment with the goal of growing vegetables in an aquaponic system, assembled and monitored by high school students, with the help of counselors. The growth model links the development of plants and fish in order to seek water saving and nutrient recycling, through the use of fish nitrogen excreta as a source of nutrient for the plants. The project obtained the expected result, with satisfactory and healthy growth of plants and fish.

Keywords: aquaponics; urban agriculture; nitrogen cycle; mint.

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1. INTRODUÇÃO

tido em nitrito e depois em nitrato por bactérias presentes no próprio sistema.

Dessa maneira, evidenciam-se umas das grandes vantagens da aquaponia: o prolongado reúso da água e a integração dos sistemas de produção, a qual permite a redução dos custos (ADLER et al, 2000) e do espaço utilizado para o cultivo, fator de extrema importância para o desenvolvimento da agricultura urbana.

A aquacultura é um sistema circulatório fechado que integra a piscicultura (cultivo de peixes em cativeiro) à produção de hortaliças em meio hidropônico. Os dois meios se mantêm isolados fisicamente, e fica permitida apenas a passagem da água entre eles para favorecer o funcionamento do sistema.

A hidroponia e a piscicultura são dois meios produtivos que necessitam de grandes volumes de água para que operem de forma harmônica, uma vez que, em sistemas hidropônicos, o crescimento das plantas depende exclusivamente das soluções nutritivas. Em tanques de cultivo, a água deve ser constantemente trocada para evitar sua degradação pelo acúmulo de excretas e sobras de ração dos peixes que, mais tarde, serão convertidas em materiais orgânicos suspensos, dióxido de carbono, nitrogênio amoniacal e outros compostos (VENÂNCIO & QUEIROZ, 1998).

[...

As práticas de plantio urbano envolvem uma grande variedade de cultivos que se situam, na maioria dos casos, próximos aos consumidores. Um dos métodos que se destaca é a horticultura, que engloba a produção de vegetais, plantas medicinais e aromáticas, frutos e flores, modelo que vem ganhando maior atenção por parte das populações urbanas por contribuir em questões como autoconsumo, redução do consumo energético, minimização do tempo de transporte, desenvolvimento de atividades econômicas (COMELLI, 2015) e da sustentabilidade urbana, por meio do aproveitamento dos espaços e do aumento da cobertura vegetal.

UMAS DAS GRANDES

VANTAGENS DA AQUAPONIA: O PROLONGADO REÚSO DA ÁGUA E A INTEGRAÇÃO DOS SISTEMAS DE PRODUÇÃO ...]

Em cultivos aquapônicos, as plantas crescem rapidamente utilizando como nutrientes os resíduos dissolvidos na água, provenientes dos dejetos dos peixes, diretos ou gerados pela degradação microbial; em troca, as plantas são responsáveis pela purificação da água que retornará para o ambiente em que se encontram os animais. Em tais sistemas, as concentrações do acúmulo de nutrientes dissolvidos se mostram similares àquelas usadas em soluções nutritivas para a hidroponia.

O nitrogênio dissolvido, essencial para o desenvolvimento das plantas, pode aparecer em altos níveis de concentração, uma vez que é liberado na água pelos peixes em forma de amônia e é conver-

Em ambiente escolar — e é o que se busca aqui —, as hortas podem ser usadas com finalidades pedagógicas como formas lúdicas de integrar conteúdos tradicionalmente isolados em situações de aprendizagem.

2. DESENVOLVIMENTO 2.1. OBJETIVOS Este trabalho teve como objetivo principal construir um sistema aquapônico em um aquário de peixes já existente no laboratório de ensino de Biologia do Colégio Santo Antônio.

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A construção de um sistema aquapônico em ambiente escolar também tem como objetivo ilustrar alguns dos vários princípios ecológicos estudados no ensino básico, como ciclo do nitrogênio, fluxo da matéria e energia. O sistema construído derivado deste trabalho poderá ser usado por alunos e professores em suas aulas.

2.2. METODOLOGIA Para construir o sistema, foram utilizados dois recipientes de vidro. O primeiro, para as plantas, com as dimensões 30 x 30 x 80 cm; e o segundo, para os peixes, com as dimensões 35 x 50 x 70 cm. Os dois recipientes eram ligados por mangueiras, e a circulação, feita por meio de uma bomba, que puxava a água dos peixes em direção às plantas. A bomba, ao transferir a água, fazia-a ser filtrada pelo filtro biológico montado no fundo do aquário, constituído de pequenas peças de plástico, feitas para abrigar bactérias nitrificantes.

No primeiro recipiente, foram plantadas mudas de hortelã, que se fixaram sobre pedras de argila expandida, e observadas durante um período de sete semanas (49 dias). No aquário, foram colocados três peixes-dourados, e a água foi monitorada semanalmente acerca do pH, da temperatura e das concentrações de amônia e nitrito.

A fim de regular a irrigação das plantas, foi construído um sistema de sifão em looping, regulado para iniciar a vazão assim que o nível da água atingisse as mudas de hortelã. Desse modo, as plantas passavam por períodos intercalados de seca e irrigação, modelo adotado a partir de revisão bibliográfica (SHETE et al, 2013).

Figura 1: Esquema do modelo aquapônico. Imagem autoral.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. RESULTADOS As imagens ilustram o vaso no dia da plantação das mudas e sete semanas depois, no dia da colheita. Foi obtido o desenvolvimento saudável e eficiente de hortelã.

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Figuras 2 e 3: Fotos do vaso de hortelã. Imagem autoral.

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De acordo com as análises feitas na água do aquário, a temperatura se manteve constante, em torno de 24 °C, durante todo o projeto.

Figura 4: Gráfico da variação de pH ao longo do tempo. Imagem autoral.

A concentração de nitrito permaneceu ideal (nula) durante todo o projeto. A de amônia foi analisada somente após a introdução dos peixes e se manteve entre 0,000 e 0,001, nível seguro para eles.

Dentre os valores registrados de pH da água do aquário, desde a introdução dos peixes, os números variaram de 6.6 a 8.1, mantendo uma média de 7.2, como visto no gráfico. É possível observar, também, que houve uma ligeira diminuição no valor do pH após a introdução da hortelã.

[... OS RESULTADOS VISUAIS POSITIVOS COMPROVAM A

EFICÁCIA DO SISTEMA AQUAPÔNICO EM SUPRIR AS NECESSIDADES

NUTRICIONAIS DOS VEGETAIS ...]

3.2. DISCUSSÃO Os resultados visuais positivos, observados ao longo do desenvolvimento da hortelã, comprovam a eficácia do sistema aquapônico em suprir as necessidades nutricionais dos vegetais, uma vez que esta foi a única fonte de nutrientes da hortaliça com um desenvolvimento saudável e normal. Além disso, as taxas de amônia se mantiveram sempre baixas ou nulas, o que evidencia o bom funcionamento do filtro biológico de fundo na função de transformar a amônia tóxica em nitratos.

Também foi observado o desenvolvimento de algas e plânctons, produtores primários, por meio da coloração esverdeada em partes do sistema — processo chamado de eutrofização. Este é um fenômeno bem conhecido, associado ao aumento excessivo da produção de biomassa de produtores primários, geralmente causada pela elevada concentração de nutrientes.

Portanto, pode-se afirmar que houve um superávit de nutrientes no sistema, ou seja, as hortaliças plantadas não conseguiram fixar a carga de nutrientes advinda do filtro biológico de fundo. A partir disso, sabe-se que a produção vegetal do aquário pode ser aumentada. Destaca-se ainda que a aparição de algas e fitoplânctons deve ser vista como um bioindicador de subutilização da capacidade produtiva do sistema aquapônico.

A respeito dos dados relativos às variações de pH e amônia no meio, pode-se dizer que, como a média de temperatura do aquário permaneceu constante durante todo o ano, essas variações se devem unicamente à capacidade de filtração do sistema aquapônico, em conjunto com o filtro biológico de fundo. É válido ressaltar que o projeto não teve como objetivo uma análise quantitativa da eficiência do sistema, nem a comparação do crescimento vegetal em meio aquapônico e em meio normal. Visou-se, sim, realizar uma análise qualitativa, voltada às imposições do ambiente e aos usos didá-

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ticos do sistema, levando em conta que o trabalho foi realizado em meio escolar.

Nesse aspecto, em ambiente escolar e urbano, com pouca área horizontal cultivável, a aquaponia é ainda uma maneira de contornar as limitações impostas pelo espaço e conseguir um desenvolvimento simultâneo de peixes e hortaliças, sem a necessidade de uma grande área plantável. É também uma forma de economizar água, já que, se comparada ao cultivo hidropônico, a aquaponia apresenta um consumo reduzido de recursos hídricos.

No âmbito educacional, como o sistema aquapônico constitui um ecossistema no qual nutrientes não são desperdiçados, o trabalho se apresenta como uma forma didática e interativa de apresentar aos alunos — tanto de ensino fundamental quanto de ensino médio — os conceitos do ciclo do nitrogênio. Portanto, o trabalho pode ser utilizado por professores como uma ferramenta para sedimentar conceitos lecionados em sala de aula e dar aos alunos uma iniciação científica, despertando curiosidade e interesse na área.

[...

VALE DESTACAR A

AQUAPONIA COMO UMA FORMA DE PROMOVER A CONSCIENTIZAÇÃO AMBIENTAL DOS ESTUDANTES. ...]

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4. CONCLUSÃO Diante do que foi visto, é necessário destacar as aplicações da aquaponia em prol da sociedade. Em primeira instância, é possível ressaltar o seu uso no ensino do ciclo do nitrogênio nas escolas. Apesar de esse ciclo biogeoquímico ser um assunto frequentemente cobrado em provas, muitos alunos apenas decoram as etapas do processo devido à complexidade do tema, que não é efetivamente compreendido.

Por isso, utilizando-se o sistema aquapônico como ferramenta escolar, o assunto poderá ser de fato assimilado pelos alunos, que verão a aplicação do ciclo de nitrogênio no funcionamento do sistema.

Em segunda instância, vale destacar a aquaponia como uma forma de promover a conscientização ambiental dos estudantes. Tendo em vista que esse sistema segue a lógica ambiental dos “três Rs” — reciclar, reutilizar e reduzir —, os alunos perceberão que o desenvolvimento sustentável e a produção de alimentos em casa em uma sociedade urbana é, sim, possível.

Em terceira instância, a educação alimentar também será promovida. O cenário brasileiro é marcado pelo demasiado uso de agrotóxicos, que, apesar de seus malefícios à saúde, promove alta produtividade de alimentos de consequente baixo custo.

Pela dificuldade de competir com esses produtos, os alimentos orgânicos não têm muita visibilidade no mercado, e, mesmo sabendo da sua importância, as pessoas não os compram por dificuldades financeiras. Por essa razão, o sistema aquapônico pode ser visto como uma alternativa financeiramente conveniente para se alimentar de uma maneira mais saudável e com menos aditivos químicos.

Finalmente, torna-se evidente que o sistema aquapônico é um instrumento viável na produção de alimentos no ambiente urbano e que pode ser facilmente manuseado.

REFERÊNCIAS ADLER, P. R.; HARPER, J. K.; WADE, E. M.; TAKEDA, F.; SUMMERFELT, S. T. Economic analysis of an aquaponic system for the integrated production of rainbow trout and plants. International Journal of Recirculating Aquaculture. 1 (1), 15–34, 2000.

COMELLI, J. Agricultura urbana: contribuição para a qualidade ambiental urbana e desenvolvimento sustentável: Estudo de Caso – hortas escolares no município de Feliz-RS. Dissertação.

Escola de Engenharia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.

ARAUJO, G.; BARBOSA, W.; CAMARGO, T.; KUHNEN, A.; SILVA, R. Recursos hídricos: Aquaponia como alternativa para o cultivo de peixes e hortaliças. Brasília, 2016.

MARINHO, J. et al. Hortas escolares, agricultura urbana e o ensino voltado à identidade terrena. Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza.

Disponível em: http://www.uece.br/setesaberes/ anais/pdfs/trabalhos/488-04082010-230905.pdf .

Acesso em: 21 dez. 2018.

LOSORDO, T.; MASSER, M.; RAKOY, J. Recirculating Aquaculture Tank Production Systems: Integrating Fish and Plant Culture. Southern Regional Aquaculture Center, n. 454, 2006.

SHETE, A. P. et al. Optimization of Water Circulation Period for the Culture of Goldfish with Spinach in Aquaponic System. Journal of Agricultural Science. v. 5, n. 4, 2013.

VENÂNCIO, R.; QUEIROZ, J. F. A relação do uso de rações com o ambiente. Alimentação Animal.

1998.

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TECNOLOGIA

COMO CRIAR UM

BOM NEGÓCIO?

HOW TO CREATE A GOOD BUSINESS? Orientador: João Paulo Guerra Vieira1

Orientandos: Amanda Freitas Pompeu dos Santos2 Ana Clara Melado Morais do Nascimento3 Júlia Abreu Oliveira Novaes4 Júllia Cardoso Guimarães5

RESUMO Alguns dos principais desafios do empreendedor atual são: não conseguir descobrir qual problema seu produto vai resolver, saber se o mercado precisa dessa solução, identificar a qual tipo de problema o consumidor dá mais valor ou o que ele pensa sobre o produto oferecido. Portanto, o objetivo deste artigo é conceituar algumas metodologias fundamentais para o desenvolvimento de um serviço ou produto que se encaixe com as necessidades do cliente. Os termos a serem conceituados são Customer Development e Entrevistas de Descoberta, apresentando sua importância para um desenvolvimento melhor e mais organizado do produto ou da empresa.

1 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; pós-graduado em Direito dos Contratos e em Direito Desportivo; Credential of Readiness e Disruptive Strategy pela Harvard Business School; Digital Product Leadership pela Tera; advogado; sócio do AppProva; gerente de projetos da SOMOS Educação (jpguerravieira@gmail.com).

Palavras-chave: Customer Development; Entrevista de Descoberta.

2 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio (amandapompeuhp@ hotmail.com).

ABSTRACT

3 Estudante da 1 Série do Colégio Santo Antônio (anaclarameladomdonascimento@gmail.com). a

4 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio (julia.novaes@hotmail.com.br).

5 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio (jullia26@icloud. com).

It is very common for a startup not being able to discover which problem will be solved by its product, if the market needs the solution, which problem the consumer values the most or even what he or she thinks about the product. Therefore, the aim of this article is to define some fundamental methods for the development of a product or a service that fits the clients necessities. The terms that will be defined are Customer Development and Discovery Interviews, presenting their importance for a better and more organized development of the company or product.

Keywords: Customer Development; Discovery Interviews.

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1. INTRODUÇÃO Neste artigo, algumas metodologias criadas para o desenvolvimento de um produto ou serviço serão conceituadas e explicadas, com base nos conhecimentos adquiridos em curso de empreendedorismo e em pesquisas externas. Serão apresentadas as vantagens em usar esses métodos para criar um produto de acordo com as necessidades e expectativas do mercado, visando à criação de um negócio.

A escolha desse tema foi baseada no cenário atual, de intensa instabilidade na economia brasileira, o que torna ainda mais importante fazer uma análise do mercado e do consumidor para que os riscos de um mau investimento sejam menores. Desse modo, por meio da orientação de uma ordem de desenvolvimento de um produto, pretende-se contribuir com novos empreendedores, a fim de que eles tenham mais segurança em seus investimentos.

2. DESENVOLVIMENTO 2.1. CUSTOMER DEVELOPMENT 2.1.1. O QUE É CUSTOMER DEVELOPMENT? Customer Development é uma técnica criada por Steve Blank (2005) que tem o objetivo de encontrar a solução com menor custo de tempo, recursos e capital, capaz de resolver o problema a que o cliente dá mais valor, ou seja, a maior necessidade dele. Seu aspecto mais importante é que o empreendedor considere as próprias ideias como apenas hipóteses a serem ainda testadas e comprovadas.

Portanto muitos ajustes são feitos nessa etapa para evitar a criação de um produto destinado ao fracasso (REKHI, 2015).

Esse processo tem quatro etapas: Customer Discovery1, Customer Validation2, Customer Creation3 e Company Building4, que estão representadas no esquema a seguir.

Imagem obtida na internet. Disponível em: https://medium.com/@sachinrekhi/the-state-of-customer-development-3eee4f9960e7. Acesso em: 13 nov. 2018.

2.1.2. CUSTOMER DISCOVERY Customer Discovery é a fase em que são desenvolvidas e testadas as hipóteses sobre o produto para garantir que ele resolva um problema do cliente e para saber se se trata de uma boa solução.

Nessa etapa, a startup deve encontrar o alinhamento entre o problema e a solução.

Há duas hipóteses que são essenciais: uma é a descoberta do maior problema do consumidor e se o produto pode resolvê-lo; a outra é saber quanto o cliente está disposto a pagar para resolver o problema e se ele acha viável a solução a ser apresentada.

Durante o Customer Discovery, a startup deve analisar quem é o público-alvo do produto, quais são suas necessidades, 1 Ou “Descoberta do Cliente” (tradução livre).

2 Ou “Validação do Cliente” (tradução livre).

3 Ou “Criação de Clientes” (tradução livre).

4 Ou “Construção da Empresa” (tradução livre).

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os concorrentes, as características do produto, o tipo de mercado e os benefícios que o produto oferece. Deve ser criado um plano de provável modelo de negócio que indique custos, preços e recursos necessários. Essa fase constitui um ciclo que só é finalizado quando se tem certeza de que o produto é necessário.

.

2.1.4. CUSTOMER CREATION Na etapa de Customer Creation, será iniciada a fase de criação de demanda por meio de marketing e vendas. Haverá a busca por investimentos e a definição de qual tipo de mercado a startup participará, por meio de análises da concorrência e dos riscos de investimento. Também ocorre o marketing launch, que é o anúncio do produto.

2.1.5. COMPANY BUILDING Company Building é o processo em que, com base nos dados obtidos durante as fases anteriores (de aprendizado sobre o mercado, o consumidor e o produto), a startup passa a se estruturar organizacionalmente de maneira mais sofisticada, como empresa.

2.1.3. CUSTOMER VALIDATION Customer Validation é uma continuação do Customer Development. Nessa fase haverá a validação do processo de venda e de marketing; o empreendedor analisará o seu ciclo de vendas e distribuição e o modelo financeiro da empresa, com o objetivo de descobrir se o seu produto é rentável, ou seja, se haveria clientes suficientes dispostos a pagar pela sua solução.

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Nesse processo, pode haver diversas mudanças, por exemplo, do público-alvo, o que é conhecido como pivot. Pivotar é renovar a ideia e promover mudanças no modelo de negócios para que a empresa volte a crescer depois que o mercado visado tiver se tornado desfavorável. Isso não significa que o empreendedor tenha errado ou feito um mau empreendimento, apenas é necessário constantemente reinventar o próprio mercado para que ele não fique estagnado.

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A importância do Customer Development é aumentar a chance de a startup prosperar no mercado, já que nesse processo haverá um acúmulo de dados testados e comprovados que vão contribuir para a tomada de decisões da empresa. Esse processo é uma forma rápida de saber se o produto terá mercado suficiente.

2.2. JOB TO BE DONE

“

TAREFAS

A SEREM REALIZADAS ”

2.2.1. O QUE É JOB TO BE DONE? O Job To Be Done é uma teoria criada por Clayton Christensen (2016), professor de Harvard, que entende que as pessoas não compram produtos, elas os contratam para realizarem uma tarefa, e esta precisa ser entendida a fundo para o sucesso de um produto. Além disso, Christensen acredita que o consumidor não compra um produto específico e sim um produto que tenha serviços específicos para o que ele esteja precisando. O nome “Job To Be Done” vem justamente do pensamento de que o produto realiza um serviço, já que significa “tarefas a serem realizadas”.

Muitas empresas deixam de dar a devida atenção aos serviços que seus produtos oferecem e focam muito nas características em comum dos seus clientes. O problema é que os consumidores não compram um produto porque “clientes-padrão” de sua categoria o compram, e sim porque eles querem resolver um problema por meio de seus serviços.

Por isso, Christensen diz que as pessoas não são a única forma de “entender” seus clientes, deve-se saber os motivos que levam o cliente à procura do produto.

Disponível em: https://designculture.com.br/job-to-be-done-o-que-e. Acesso em: 13 nov. 2018.

2.2.2. COMO USAR O JOB TO BE DONE? 1. Defina o produto ou serviço a ser trabalhado; 2. Interagindo com consumidores, descubra quais são as tarefas funcionais, operacionais, emocionais e, por fim, sociais que o produto executa para o consumidor; 3. Analise as funções e tarefas descobertas e junte-as em um grupo de benefícios; 4. Dê prioridade para tarefas que possam aumentar as vendas por meio de uma experiência diferente de consumo; 5. Podem existir produtos diferentes, que executam a mesma tarefa, como presentear alguém. Então, aprenda com outras soluções que tenham a mesma função; 6. Crie uma experiência de consumo que dê relevância para as tarefas priorizadas; 7. Crie protótipos do produto ou serviço e teste com os clientes para ter certeza de que sua experiência de consumo está relevante e pode realmente aumentar seu número de clientes (estágio inicial). Caso esse estágio não dê certo, pode ser necessária uma mudança de job, ou seja, a troca da tarefa priorizada.

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Então, o Job To Be Done é uma ferramenta para analisar as motivações dos consumidores ao comprar determinado produto e tem como base o fato de que não adianta perguntar diretamente aos clientes o que eles querem, pois eles responderão de acordo com o que já está presente no mercado. A partir disso, é possível compreender o valor que o serviço possui e quais são os produtos concorrentes que oferecem os mesmos serviços.

Disponível em: https://medium.com/@zbigniewgecis/8-things-to-use-in-jobs-to-be-done-framework-for-product-development-4ae7c6f3c30b.

Acesso em: 13 nov. 2018.

2.3. ENTREVISTAS DE DESCOBERTA As Entrevistas de Descoberta têm o objetivo de confirmar se as pessoas realmente possuem o problema que os desenvolvedores pretendem resolver com seu produto. Elas são importantes para verificar se o produto terá uma utilidade válida (GHISI, 2016).

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As pessoas entrevistadas devem fazer parte do público-alvo do produto, ou seja, aquelas que sentem uma insatisfação com a atual situação, e não aquelas

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que nunca praticaram a ação promovida. É importante fazer um primeiro contato com um número de pessoas acima do desejado para a entrevista, já que nem todas participarão dela, por desinteresse ou indisponibilidade.

Para a preparação, devem ser definidas as hipóteses, as perguntas e os resultados esperados para a validação das hipóteses. Assim, um roteiro básico é montado.

A quantidade de entrevistas varia de acordo com as necessidades de cada protótipo.

Na execução prática, é recomendado deixar o entrevistado à vontade e contextualizá-lo sobre o projeto, não falar em linhas gerais e evitar perguntas que podem ser respondidas por “sim” e “não”. Filmar ou gravar a entrevista pode deixar a pessoa desconfortável; o ideal é haver dois entrevistadores (um para conduzir a entrevista e outro para anotar os pontos importantes).

Ao final, é importante que os entrevistadores tenham em mente quais progressos a pessoa deseja, em quais circunstâncias e quais são os obstáculos que podem atrapalhar o processo.

3. CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

Para quem busca criar uma startup da forma mais segura e organizada possível, é recomendável buscar informações e fazer um planejamento, usando das metodologias apresentadas neste artigo. Isso vai contribuir para a criação de um produto que necessite menos capital e tempo e que solucione o problema de maior valor para o cliente. Por fim, com as entrevistas é possível descobrir se o produto realmente oferece uma solução aos clientes.

BLANK, Steve Gary. Do sonho à realização em 4 passos. Évora, 2005.

[... PARA QUEM BUSCA CRIAR UMA STARTUP DA

FORMA MAIS SEGURA E ORGANIZADA POSSÍVEL, É RECOMENDÁVEL BUSCAR INFORMAÇÕES E FAZER

CHRISTENSEN, Clayton; DILLON, Karen; DUNCAN, David; HALL, Taddy. Know Your Customers’ “Jobs To Be Done”, 2016. Disponível em: https://hbr.org/2016/09/know-your-customersjobs-to-be-done. Acesso em: 10 out. 2018.

GHISI, Julia. Get out of the building: validando a ideia de sua startup. Disponível em: http://catarinasdesign.com.br/get-building-validando-ideia-de-sua-startup/. Acesso em: 1º nov. 2018.

REKHI, Sachin. The State of Customer Development, 2015. Disponível em: https://medium. com/@sachinrekhi/the-state-of-customer-development-3eee4f9960e7. Acesso em: 2 nov. 2018.

SOCIAL GOOD BRASIL. Entrevistas de validação do problema e da solução: um guia de boas práticas, 2013. Disponível em: https://socialgoodbrasil.org.br/2013/entrevistas-de-validacao-do-problema-e-da-solucao-um-guia-de-boas-praticas. Acesso em: 1o nov. 2018.

WITTEL. Value Proposition: descubra por que a sua empresa precisa conhecer. Disponível em: https://blog.wittel.com/value-proposition/. Acesso em: 2 nov. 2018.

UM PLANEJAMENTO

...]

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HUMANAS

PERSPECTIVAS ECONÔMICAS INICIAIS SOBRE

AGRICULTURA PERIURBANA NO BRASIL

INITIAL ECONOMIC PERSPECTIVES ABOUT PERI-URBAN AGRICULTURE IN BRAZIL

RESUMO Orientador: Everton Sena Santos1

Orientandos: Isabella Bittencourt2 Lucas Mesquita Andrade3 Luiz Felipe Radic4

1 Bacharel e licenciado em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; mestre em Geografia pelo Programa de Tratamento da Informação Espacial da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

2 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

3 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

4 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

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A agricultura periurbana (AUP) é vista por diversos autores como um dos caminhos para a resolução do problema da fome mundial, mas há uma grande dificuldade em encontrar estudos que analisem a viabilidade prática da atividade. Nesse sentido, este trabalho objetivou discutir a rentabilidade da AUP, definindo-a. Especificamente, foram abordados os aspectos presença de espaço, financiamento e mercado. Ademais, neste artigo, foi tratada a questão fundiária, contextualizando o cenário da estrutura fundiária brasileira atual. Para tanto, foram realizadas entrevistas, visitas de campo e uma cuidadosa pesquisa bibliográfica, comparando diversos autores para garantir maior credibilidade aos argumentos. As considerações feitas no trabalho indicam que, no cenário atual, a AUP não cabe como solução definitiva para a questão de abastecimento alimentar dos centros urbanos, mas a prática ainda possui um inestimável valor na manutenção da diversidade alimentar.

Palavras-chave: agricultura periurbana; rentabilidade; mercado.

ABSTRACT Many authors see peri-urban agriculture as a possible solution for the world’s hunger problem, but there is a difficulty in finding literature that analyses the subject from an economic perspective.

Therefore, this article intends to discuss the profitability of peri-urban agriculture, defining it as well. Specifically, aspects as the existence of free space, the Brazilian land issue, financing options to the farmers and market were studied. To achieve our objective, interviews, field analysis and an extended research were made to give creditability to our statements. The considerations made reveal that peri-urban agriculture is not the answer to the hunger problem, but has a great participation in the safekeeping of alimentary diversity. High school students, guided by the geography teacher, have produced the article.

Keywords: peri-urban agriculture; profitability; market.

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1. INTRODUÇÃO Ao ler-se a respeito da agricultura periurbana (AUP), é perceptível que a tendência da comunidade acadêmica é propor a atividade como um novo setor a ser explorado, chegando a alegar que este poderia ser o remédio para a problematização da fome mundial. Contudo, é igualmente visível que os mesmos autores que defendem essa tese não apresentam algum tipo de prova que corrobore tal afirmação. Existe uma dificuldade de encontrar literatura acadêmica que faça uma análise da AUP quanto à sustentabilidade no mercado, quanto aos modelos de negócio empregados. A impressão é que tudo se baseia em premissas aceitas sem comprovação, euforicamente.

Mediante todos os recursos disponíveis na pesquisa, considerando as aulas expositivas, os seminários sobre os textos estruturantes, o trabalho de campo e a apreciação dos dados coletados, foi criado o embasamento necessário para as análises presentes no artigo. O roteiro para as discussões foi o seguinte: análise sucinta do cenário fundiário brasileiro; recorte do objeto de pesquisa (o estado de Minas Gerais); estudo das opções de financiamento disponíveis; panorama inicial do “nicho mercadológico” (destino final da produção). Neste último ponto, inclusive, reside parte considerável da resposta à problematização inicial: AUP é rentável?

A hipótese inicial era de que a citada modalidade agrícola não fosse um modelo sustentável de business, devido a uma série de pressupostos elaborados a partir de levantamento bibliográfico e discussões sobre o conteúdo. Ressalta-se que uma parte considerável da leitura disponível segue esses preceitos. Assim, tornou-se um desafio escrever sobre as perspectivas econômicas da AUP, considerando-a como um negócio rentável, com perspectivas de crescimento, uma vez que pesquisas sobre a temática são escassas.

Para cumprir os objetivos propostos pelo artigo, também foram feitas entrevistas com agricultores e representantes do setor varejista, a fim de embasar a argumentação na realidade e evitar um discurso demasiadamente abstrato.

2. DESENVOLVIMENTO 2.1. O CONCEITO E SUAS ESPECIFICIDADES Primeiramente, é preciso definir o que é a AUP. Para tanto, pode-se seguir o critério do Programa Nacional de Agricultura Urbana (PNAU): Conceito multidimensional que inclui a produção, a transformação e a prestação de serviços, de forma segura, para gerar produtos agrícolas (hortaliças, frutas, plantas medicinais, ornamentais, cultivados ou advindos do agroextrativismo,

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etc.) e pecuários (animais de pequeno, médio e grande porte) voltados ao autoconsumo, trocas e doações ou comercialização, (re)aproveitando-se, de forma eficiente e sustentável, os recursos e insumos locais (solo, água, resíduos, mão de obra, saberes, etc.). Essas atividades podem ser praticadas nos espaços intraurbanos, urbanos ou periurbanos, estando vinculadas às dinâmicas urbanas ou das regiões metropolitanas e articuladas com a gestão territorial e ambiental das cidades. (SANTANDREU & LOVO, 2007, p. 11).

Com a entrada na Era Contemporânea, a prática de atividades ligadas ao meio rural na cidade passou a assumir um papel de salvaguarda e perpetuação das tradições.

A memória coletiva do campo é, pelo menos em parte, mantida viva mediante a AUP. Vinculam-se, assim, as noções de identidade nacional e memória coletiva com as funções sociais pelas quais a modalidade já é reconhecida internacionalmente. A AUP é apoiada pela ONU (Organização das Nações Unidas), que oferece programas incentivando a atividade, como a “Iniciativa dos Jardins de Alimentos da ONU”, ainda em vigor.

[...

DEFINE-SE POR

No aspecto histórico-cultural, a AUP representa um fenômeno com grau elevado de complexidade quando analisada nesse âmbito. Apesar de a agricultura possuir raízes no cenário urbano, é só a partir de meados do século XIX — com o desenvolvimento do planejamento urbano e de estudos que consideram esta linha de pesquisa — que se tem o início de uma discussão academista sobre a AUP. Nesse contexto, diversos campos de pesquisa, entre eles, a Geografia, aprofundam as discussões sobre a temática, propondo metodologias para análises e técnicas para levantamento de dados.

“ESPAÇO RURAL”

A ÁREA QUE POSSUI AFINIDADE COM A PRÁTICA AGRÍCOLA. ...]

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Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), a primeira definição histórica para separação de um espaço urbano do espaço rural foi estabelecida a partir da afinidade com a prática da agricultura. Assim, define-se por “espaço rural” a área que possui afinidade com a prática agrícola. Por outra perspectiva, a criação de uma definição de “espaço urbano” ocorreu inicialmente na Inglaterra, com a Primeira Revolução Industrial. Mesmo em um cenário desfavorável, como o dessa Revolução, a agricultura ainda era consideravelmente presente naquele contexto histórico.

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No Brasil, a AUP já vem sendo discutida há algumas décadas. Os primeiros registros legais sobre ela datam de 1995, com a implantação do Programa de Verticalização da Pequena Produção Agrícola (Prove). No contexto:

O Prove — Programa de Verticalização da Pequena Produção Agrícola — foi desenhado para promover a pequena produção agrícola, seu processamento e sua comercialização. Inclui diversos tipos de sistemas agrícolas urbanos e periurbanos, como hortas, pomares e criação de animais. A intervenção é no nível individual e/ou coletivo, focalizando especialmente os grupos de menor renda. (CARVALHO, 2001, p. 1).

Num período de apenas três anos, de 1995 a 1998, o projeto desenvolveu por volta de 500 instalações em todo o Brasil, o que fez com que se quadruplicasse a renda per capita dos indivíduos envolvidos nele. Outro marco da atividade foi o primeiro seminário nacional da AUP, ocorrido em 31 de maio e 1o de junho de 2007, em que se estabeleceram diretrizes para a divulgação e promoção da prática que é seguida até hoje.

Segundo o Ministério da Agricultura, a AUP se destaca em três âmbitos. O primeiro é o da saúde, visto que não só reorganiza parte do tecido urbano, limpando-o e evitando o surto de doenças, especialmente as vetoriais, como garante uma segurança alimentar e nutricional em prol de uma melhor qualidade de vida.

foram submetidos a um processo de colonização com exploração e compartilhamento de terrenos de forma desigual.

2.2. BREVE PANORAMA DA QUESTÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL A questão agrária brasileira começou com o nascimento da colônia, ao desenvolver-se o conceito de propriedade. Desde então, estendem-se as disparidades na divisão das propriedades rurais e na ideia de valor que lhes é agregado no mercado (FURTADO, 1989).

Outro ponto é o ambiente. A prática permite um aprimoramento em técnicas básicas da agricultura, como as de compostagem, que promovem uma maior sustentabilidade e o desenvolvimento científico. Além disso, amenizam-se os impactos ambientais e diminui-se o uso abusivo de recursos naturais.

Por fim, considera-se o impacto na economia, sobre como a prática da AUP permite novas oportunidades de trabalho e a desmarginalização de áreas periféricas; porém, ignoram-se outros aspectos, por exemplo, a forma como o comércio flui, o que pode tornar tal análise incoerente segundo os lucros.

A fim de garantir a rentabilidade da AUP, é preciso tomar em consideração determinados pontos para direcionar a análise: a existência de espaço físico para cultivo, de opções de financiamento e de um mercado que absorva a produção. Conjugados, esses fatores permitem acenar considerações de custo-benefício da atividade.

Em relação ao espaço físico, é preciso analisar a estrutura fundiária do Brasil e seu respectivo contexto histórico. No que diz respeito ao modo como as propriedades são organizadas e distribuídas ao longo de um território, a configuração de terras brasileiras se enquadra no panorama dos países subdesenvolvidos, os quais

Segundo Asselin (1991), a partir dos descobrimentos, todo o território português no Novo Mundo pertencia à Coroa de Portugal. O sistema de capitanias hereditárias, período sesmarial, foi caracterizado pela concessão de vastas faixas de terra, denominadas “sesmarias”, a membros da Corte escolhidos pelo rei. Esses indivíduos deveriam então arcar com os custos da colonização das suas propriedades. É evidente a concentração fundiária que se deu nesse momento. A propriedade particular da terra inicia-se, portanto, com a implementação desse sistema, como afirma Silva (1997).

De acordo com as necessidades do mercantilismo, a partir desse momento, Portugal institui a colonização de exploração baseada no sistema de plantation, processo que transformou terras, até então intactas, em latifúndios monocultores com foco na exportação, atendendo, assim, à demanda da metrópole. Com isso, o intuito da metrópole era, através dessas concessões, ocupar o território e explorá-lo com fins econômicos, garantindo-se o cultivo sob pena de perda do domínio das terras por desobrigação das condições legais impostas pela Coroa. Por essa razão, o processo de concessões de terras era amplamente privilegiado. (FILHO & FONTES, 2009, p. 3).

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O intervalo sesmarial estendeu-se até 1822, quando se iniciou um novo período, conhecido como Império de Posses, momento em que o único modo de apropriar-se de terras era ocupando-as. Esse segundo período durou até 1850, ano em que foi criada a lei Euzébio de Queiroz, primeira lei que mencionava a regulamentação de propriedades passíveis de desapropriação. A lei explicitava a forma de se delimitarem as propriedades brasileiras e de se concederem novas terras.

A medida foi um real interflúvio quanto à territorialização do país, detalhando conceitos sobre a legitimação da propriedade particular.

[... OS MILITARES COMEÇARAM UM PROJETO DE

REDISTRIBUIÇÃO DE TERRAS E ACABARAM POR FAZER A REVOLUÇÃO VERDE ...]

Novamente, segundo Silva (1997), no intervalo entre a proclamação da República e o ano de 1964, a questão fundiária não foi considerada uma prioridade. Na ditadura militar é que foi feita a primeira lei de reforma agrária no país, contudo, o projeto não prosperou, beneficiando a elite fundiária que dominava até então. Os militares começaram um projeto de redistribuição de terras e acabaram por fazer a Revolução Verde no Brasil. Logo, a reforma agrária nunca ocorrera no país.

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Assim, tudo indica que a alta concentração fundiária brasileira decorre não apenas de uma questão pontual na história, mas de uma conjuntura de fatores, dispersos nas várias fases da história. É preciso estudar como se deu o processo de ocupação e fixação da propriedade para entender o

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motivo pelo qual uma minoria detém cerca de um terço do território nacional.

Ao discutir a existência e distribuição de espaço físico destinado ao cultivo no Brasil, é imprescindível tratar das definições de propriedade. Considerando o processo histórico descrito, a maioria das terras foi destinada à agricultura de exportação, com alto investimento no sistema de plantation, de modo a favorecer a elite agricultora. Assim, houve uma grande concentração de terras, e os pequenos e médios agricultores foram deixados sem grande incentivo por parte do governo em um primeiro momento. Nessa situação, os pequenos agricultores não puderam investir em sua produção, dedicando-se apenas à agricultura de subsistência.

Atualmente, devido ao recurso dos subsídios governamentais e outras estratégias para aumentar a produção, a agricultura familiar no Brasil se tornou extremamente importante para a economia, com um faturamento anual de US$ 55,2 bilhões, segundo a ONG A Casa do Produtor Rural.

De acordo com a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, o Brasil seria capaz de manter-se no “top 10” do agronegócio mundial exclusivamente com o emprego de agricultura familiar, competindo com os maiores produtores de alimentos. Portanto, as menores propriedades têm um enorme valor econômico, além de social e histórico, pois contribuem para a preservação de tradições e produção de alimentos típicos de determinada cultura ou região e, por isso, devem ser reconhecidas e definidas pelo governo.

O Estatuto da Terra classifica a propriedade rural em propriedade familiar, minifúndio, latifúndio e empresa rural. A Constituição de 1988, todavia, introduziu novas categorias, que são: pequena propriedade, média propriedade e propriedade produtiva. Baseada na Carta Magna, a Constituição não trata a propriedade como um direito de caráter individual insuperável, mas define que o seu exercício esteja condicionado à promoção do bem comum.

Assim, o artigo 186 da Carta Magna determina quando é exercida a função social da propriedade: Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. (JUSBRASIL).

Ribeiro e Júnior (2015) destacam que, em relação à utilização adequada dos recursos naturais, conforme a lei, o foco é uma “exploração que mantenha o potencial produtivo da terra. A preservação do meio ambiente é a manutenção das características e qualidade dos recursos ambientais, de forma que se mantenha o equilíbrio ecológico da propriedade” (RIBEIRO & JUNIOR, 2015).

Visando a essas características, a propriedade familiar é definida como um imóvel rural, aquele que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, explorado direta e pessoalmente pelo agricultor e sua família de modo a absorver-lhes toda a força de trabalho e poder contar eventualmente com a ajuda de terceiros.

É também definido um limite territorial que usa o módulo rural como unidade de medida. Um módulo rural varia de região para região, podendo compreender de cinco até cem hectares. Essa variação se dá porque a unidade é definida por uma série de itens como renda obtida por cultura, distância dos grandes centros e culturas secundárias, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Assim, a propriedade familiar é tida como do tamanho aproximado de um módulo rural ou fiscal.

Já o minifúndio é definido pelo Estatuto da Terra em seu art. 4o, IV, como “imóvel rural de área e possibilidades inferiores às da propriedade familiar”, ou seja, deve ter dimensões menores que um módulo fiscal.

Na descrição apresentada por Marques (2015, p. 57), o minifúndio caracteriza-se como “uma pequena gleba que, não obstante trabalhada por uma família, mesmo absorvendo-lhe toda a força de trabalho, mostra-se insuficiente para propiciar a subsistência e o progresso econômico e social do grupo familiar”.

Segundo as palavras de Ribeiro e Júnior (2015), a palavra latifúndio já esteve relacionada a grandes extensões de terra pertencentes a uma só pessoa, sentido que não mais se emprega no ordenamento jurídico vigente. O sentido do latifúndio agora é mais relacionado ao uso que se dá à propriedade. Assim, o imóvel que é inadequadamente explorado, levando-se em conta as potencialidades que possui, recebe o tratamento jurídico de latifúndio. (RIBEIRO & JÚNIOR, 2015).

Nesse sentido, o Estatuto da Terra determina: Art. 4o Para os efeitos desta lei, definem-se: [...]

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V – “Latifúndio”, o imóvel rural que:

Nesse contexto, de maneira a fundamentar o estudo, foi analisada aqui a apropriação e distribuição da terra no território brasileiro por meio de informações obtidas do projeto Nera (Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária) na seção Atlas da Questão Agrária Brasileira e publicadas nos estudos de Girardi (2008).

As informações constantes no Nera são oriundas de fontes diversas, como o Incra e o IBGE. A primeira fonte baseia-se em dados oriundos de estatísticas cadastrais de 1992 e 1998, e a segunda, em Censos Agropecuários de 1996 a 2006.

a) exceda a dimensão máxima fixada na forma do artigo 46, § 1o, alínea b, desta lei, tendo-se em vista as condições ecológicas, os sistemas agrícolas regionais e o fim a que se destine; b) não excedendo o limite referido na alínea anterior e tendo área igual ou superior à dimensão do módulo de propriedade rural, seja mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com fins especulativos, ou seja, deficiente ou inadequadamente explorado, de modo a vedar-lhe a inclusão no conceito de empresa rural; (BRASIL, 1964).

Segundo Girardi (2008), o Incra estabelece seus estudos nas declarações dos proprietários e posseiros, possibilitando uma análise jurídica da estrutura fundiária, pois o imóvel pode ser uma propriedade ou uma posse. Já sobre o IBGE, a autor salienta que toda unidade de produção agrícola independe de suas variáveis (atividades exercidas, tamanho, localização, etc) e constitui uma unidade recenseável.

Por ser uma característica capitalista do campo, essa concentração é bastante comum, o que agrava a questão agrária no país. Dessa forma, ao analisar-se que a “propriedade coletiva da terra” se trata de algo inatingível dentro do cenário político e econômico atual, é preciso ao menos propor medidas que atenuem essa realidade.

A literatura que resgata a história agrária do país demonstra que, quando os interesses individuais se sobrepõem ao coletivo, no assunto de distribuição de terras há uma apropriação de renda pela produção capitalista, a partir de um modelo explorador, como estabelece Girardi (2008). Ainda segundo o autor, a concentração fundiária é o foco dos problemas da questão agrária brasileira e impõe uma disputa injusta entre o “capital” e o “campesinato”.

Seguindo os preceitos estabelecidos por Oliveira (2003), sobre os imóveis rurais, os seguintes conceitos serão utilizados: i) minifúndio (inferior a 200 hectares), ii) média propriedade (de 200 a 2000 hectares) e iii) latifúndio (superior a 2000 hectares).

De acordo com o autor, esses três grupos formam um tipo de padrão: os imóveis pequenos estão relacionados ao campesinato, e os médios e grandes associam-se à agricultura capitalista.

[...

A CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA É O FOCO DOS PROBLEMAS DA QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA E IMPÕE UMA DISPUTA

INJUSTA ENTRE O “CAPITAL” E O “CAMPESINATO”.

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...]

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A breve análise dos dados no Nera mostrou que, em 2003, o Brasil possuía 4 290 531 imóveis rurais, que ocupavam parcela considerável do território. As Regiões Sul, Sudeste e Nordeste apresentavam os maiores índices de concentração de imóveis rurais, seguidas das Regiões Norte e Centro-Oeste. Quanto à relação de área total dos imóveis, a Região Centro-Oeste apresentava maior índice de concentração, seguida das Regiões Norte, Sudeste e Sul. Sobre as áreas médias dos imóveis, a disparidade entre as Regiões acentua-se: a Região Centro-Oeste com 397,2 hectares (ha), e a região Sul com 33,5 ha.

A partir da análise da Figura 1, abaixo, é possível estabelecer uma relação espacial entre o número de imóveis rurais e de áreas totais. Sobre o número de imóveis, nota-se que a faixa litorânea brasileira (Nordeste, Sudeste e Sul) apresenta maior concentração, fato que está associado ao histórico de ocupação do território, à presença dos primeiros ciclos econômicos e à distribuição de terras. As Regiões Centro-Oeste e Norte apresentam menor índice de concentração de imóveis e extensões consideráveis de espaços vazios. (principalmente na Região Amazônica).

Figura 1: Mapa de imóveis rurais em 2003 GIRARDI, Eduardo Paulon. Atlas da questão agrária brasileira.

Quanto à área total de imóveis, explícita na Figura 1, nota-se que as Regiões Centro-Oeste e Norte apresentam imóveis com área maior, enquanto as Regiões Nordeste, Sudeste e Sul, mais adensadas, apresentam imóveis menores. Os mapas demonstram uma tendência, em que o número de imóveis presentes em determinada região pode influenciar diretamente na sua extensão. Outras variáveis podem condicionar número e área dos imóveis, como a própria especulação imobiliária, que atua fortemente onde a procura é maior que a oferta. Assim, por exemplo, as Regiões Nordeste, Sudeste e Sul apresentam valores mais elevados por hectare do que as Regiões Norte e Centro-Oeste.

A Figura 2, a seguir, extraída da obra de Girardi (2008), contribui para o entendimento da concentração dos imóveis. Estabelecendo uma relação entre os dados de Girardi e Oliveira (2003), temos minifúndios (menos de 200 ha), média propriedade (de 200 a 2000 ha) e latifúndios (mais de 2000 ha), em conformidade com a legenda da figura.

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fruto da supremacia da tradicional elite agrária e de um governo cujos projetos colaboraram para uma repartição desigual. Prevalecem, então, em detrimento dos anseios sociais, a reprodução ampliada do capital e suas variáveis.

2.3. A AGRICULTURA PERIURBANA E AS MODALIDADES DE FINANCIAMENTO

Figura 2: Gráfico da estrutura fundiária em 2003

GIRARDI, Eduardo Paulon. Atlas da questão agrária brasileira.

No gráfico da estrutura fundiária em 2003 (Figura 2), 92,6% do número de estabelecimentos rurais possuem menos que 200 ha, enquadrando-se na categoria de minifúndios, que marcam presença de maneira acentuada nas Regiões Nordeste, Sudeste e Sul do país. Também se vê no gráfico que 6,7% apresentam entre 200 e 2000 ha, ou seja, são médias propriedades, e 0,8% apresentam mais de 2000 ha (latifúndios), ambos presentes com maior relevância nas Regiões Centro-Oeste e Norte.

Quanto à área total dos estabelecimentos, o gráfico demonstra que a maior parcela, 36,4%, é de médias propriedades, 35,1% são latifúndios e 28,4% são minifúndios.

Mesmo em menor número de imóveis, as médias propriedades e os latifúndios possuem, juntos, 71,5% da estrutura fundiária brasileira.

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Os dados e análises demonstram uma distribuição desigual de terras inseridas na estrutura fundiária. Apesar de possuírem um número superior de estabelecimentos, os minifúndios têm menor área, em comparação com as médias propriedades e os latifúndios. Esse fato remete aos tempos da colonização e vigoram até hoje como

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No que diz respeito a recursos para financiamento, no Brasil o agricultor tem poucas alternativas. Há um único programa estatal de incentivo à agricultura de pequeno porte, ou familiar: o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), oferecido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e subdividido em diversos subprogramas, por linha de crédito. A concessão de créditos é bastante criteriosa; apresenta condições e pré-requisitos, como: que o agricultor não possua nenhuma atividade além do cultivo da sua produção e que não haja financiamentos paralelos além do estatal.

Somada a isso, existe, no país, uma lei pela qual agricultores familiares têm uma redução nos seus impostos, pela natureza do trabalho, e o Estado compra uma parcela mínima da produção.

Eduardo Rezende Esteves, agricultor familiar de alfaces hidropônicas há cinco anos, é subsidiado pelo subprograma Pronaf Mais Alimentos. Em uma entrevista1 explicou no que consiste, praticamente, o programa e como se dá o processo de obtenção da concessão. O benefício manifesta-se pela isenção de impostos, redução dos juros na compra de veículos e de adubos. Para chegar a desfrutar do crédito, é preciso passar por um processo seletivo em que um engenheiro da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG) visita a estrutura, calcula a produção potencial e redige um relatório que é entregue ao banco. A partir desse relatório e 1 Anexo

da análise de vários outros documentos, o BNDES decide se concede o financiamento ou não. Segundo o agricultor, o financiamento não deixa a desejar.

Os únicos problemas do Pronaf são a falta de fluidez no crivo de seleção do cliente e a imprecisão de certos termos. Por exemplo, o termo agroecologia, pilar de um dos subprogramas do Pronaf, tem significado lábil para a academia, logo, para o senso comum também. Para Gliessmann (2001), agroecologia consiste em pôr em prática a ecologia na realização de atividades agrícolas. Para Altieri (1989), esta é uma ciência emergente que une agronomia, economia e sociologia no estudo das atividades rurais. Já Guzmán (2002) contesta tal definição alegando que a agroecologia possui raízes no conhecimento popular que, por sua natureza, não é científico.

Para concluir, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, como dito por Feiden (2018), definiu agroecologia como uma ciência transdisciplinar em construção, que trata do modo de realização da agricultura. No final, a resposta à pergunta “o que é um cultivo agroecológico?” não é dada de maneira autoexplicativa. Em decorrência dessa falta de consistência na definição dos termos, os créditos do Pronaf Agroecológico não são facilmente concedidos, e o mais prejudicado é o cliente do banco.

Assim, é possível perceber que, mesmo escassos, os programas de apoio e incentivo servem a seu objetivo e são, de fato, capazes de colaborar para uma melhoria qualitativa e quantitativa da produção.

2.4. O MERCADO DA AGRICULTURA PERIURBANA Ao tratar-se agora do mercado para produtos da AUP, pode-se dizer com certa segurança que a produção tem diversos caminhos para ser escoada. Desde parcerias com supermercados e instituições tais como o Ceasa, os irredutíveis mercados e feiras, até a venda aos moradores locais, o agricultor pode escolher uma ou mais

dessas plataformas para comercializar o fruto de seu trabalho. É válido comentar o elo cada vez mais forte entre agricultores periurbanos e supermercados. Ao longo das últimas décadas, empresas — por exemplo, Carrefour ou Makro — estenderam-se ao setor de produção e não mais apenas à revenda de bens, criando marcas próprias. Esse costume espalhou-se principalmente na produção de alimentícios, com destaque para os setores de sucos de fruta naturais e lacticínios. Para facilitar a logística de processos parecidos, foi necessária uma parceria bem consolidada com produtores locais.

Neste ponto, entra a participação da AUP. Agricultores circunstantes às grandes metrópoles abastecem os supermercados com produtos frescos — que são posteriormente trabalhados pela própria loja — ou entregam os produtos já prontos para o consumo, sob encomenda (como o caso da rede belo-horizontina de supermercados Verdemar). Por isso, é dito que a AUP é a responsável por, de fato, alimentar a população das grandes cidades.

No que remete ao setor de hortifrúti, existe uma fortíssima presença de grossistas2 que intermedeiam a relação agricultor–supermercados. São eles que assinam os contratos com os varejistas e, depois, com os produtores. Nesse contexto, há uma 2 Grossista, ou atacadista, é aquele comerciante que compra mercadoria dos produtores e a revende aos vendedores finais, ou varejistas.

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preferência por grandes ou médios produtores. Segundo esses atacadistas, são mais confiáveis do que pequenos produtores, pois cumprem com mais certeza os combinados em termos de quantidade de produtos.

Logo, pequenos produtores se veem limitados às portas dessas relações com redes de supermercados. Para eles, então, resta o comércio em feiras agrícolas, com restaurantes ou com pessoas físicas que buscam diretamente o agricultor. A terceira opção é, normalmente, mais rentável que a segunda por não existirem intermediários de algum tipo e por a demanda dos restaurantes ser frequentemente limitada.

Já as feiras merecem um comentário à parte. Existem dois tipos de feiras agrícolas: as para agricultores e as “tradicionais”. Ambos os tipos têm o intuito de pôr o produtor em maior contato com o público, mas as feiras para agricultores têm o papel suplementar de servir de vitrine do agricultor para os atacadistas. É nesse tipo de evento que são vendidos veículos e maquinários agrícolas também. Feiras dessa natureza são, geralmente, sustentadas por produtores de maior influência que já possuem maior autonomia no mercado ou por cooperativas de pequenos agricultores que divulgam seu trabalho em conjunto.

[...

Essa cooperativa, junto com muitas outras pelo país, está presente no “Mapa de Feiras Orgânicas”, uma plataforma que possibilita o encurtamento da distância entre produtor e consumidor final. O projeto levado a cabo pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) baseou-se em pesquisas do próprio órgão público em 2012.

Segundo esse trabalho, os consumidores não adquiriam produtos orgânicos devido ao preço e ao desconhecimento sobre locais em que pudesse ser efetuada a compra de produtos desse tipo. Para alterar tal situação, criou-se esse mapa. Atualmente, mais de 850 instituições ou eventos estão registrados, estando 26 deles na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Existem diversos tipos de bem que o produtor pode vender. O mercado de produtos orgânicos, por exemplo, está florescendo de maneira considerável nos últimos tempos e promete muito em curto e longo prazo. De acordo com o Nutrition Business Journal, de 2004 a 2012, as vendas aumentaram em aproximadamente US$ 16 bilhões. E segundo o Capital Press (DUMAS, 2018), o setor cresceu 6,4% em 2017. O aumento deve-se principalmente à consciência que o público criou a respeito da qualidade da alimentação, dos abusos do agronegócio com agrotóxicos.

A AUP aproveitou para prosperar com o fortalecimento da cultura da alimentação orgânica.

Formaram-se setores anexos, nas bancadas das lojas, e, nas várias feiras agrícolas, os dois setores se fusionaram igualmente, com grande êxito.

NEM TUDO

QUE É VENDIDO COM O NOME DE Exemplo de cooperativa agrícola é a Asso- PRODUTO ORGÂNICO ciação de Agricultores Agroecológicos e BioÉ REALMENTE O QUE dinâmicos da Serra

APARENTA SER.

do Rola-Moça (AABD Rola-Moça).

Esse grupo, situado na divisa do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, no município de Ibirité, desenvolve desde 2014 suas atividades com uma missão social interessante para complementar a simples produção agrícola: o desenvolvimento pelo associativismo e pela capacitação gerencial.

...]

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Contudo, como confirmou Eduardo Rezende, nem tudo que é vendido com o nome de produto orgânico é realmente o que aparenta ser. Para poder ser chamado de orgânico, um produto deve possuir os selos da Emater que certificam que os processos adequados

foram seguidos, e a qualidade, garantida.

Esses processos, apesar do que defende o senso comum, não se limitam ao uso ou não de agrotóxicos. Trata-se muito mais do substrato de húmus que serve de base para o cultivo.

Segundo o agricultor, na produção orgânica, o substrato é produzido a partir de diversos tipos de restos vegetais, como cascas de arroz e outros. Cada vegetal posto no substrato leva a uma repercussão diferente no crescimento da planta, a ponto de o engenheiro da Emater que concede os selos de qualidade possuir uma lista específica de componentes do substrato orgânico, em função da cultura desenvolvida. Ademais, culturas orgânicas pressupõem o cultivo de plantas anexas, como o de vagens, para colaborar com a fixação do nitrogênio.

Em contraponto a isso, uma opção é a cultura hidropônica. Nessa vertente, são empregadas as formulações NPK (sigla que representa os elementos químicos N, P, e K, em condição ionizável, prontos para serem despejados na cultura).

Os mesmos produtos industriais que são empregados para correção do solo, em cultivos de chão, são a chave mestra da hidroponia. A composição dos nutrientes que são posteriormente pingados para alimentar a planta é feita a partir dessas espécies químicas. Em conseguinte, as culturas hidropônicas não se encaixam na definição de alimento orgânico, apesar de serem frequentemente vendidas nas mesmas estantes.

Nesse contexto, o agricultor que pratica AUP possui mais uma opção a seu dispor.

Além de todo o mercado de consumido-

res do setor de agricultura familiar, existe o vasto mercado de consumidores de produtos orgânicos. O desafio para o produtor rural, a fim de realizar tal expansão, seria encontrar uma forma de solucionar as questões: garantia da distribuição, qualidade e certificação adequadas.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após discorrer os principais pontos da questão econômica da AUP, percebe-se que o cenário fundiário brasileiro está bastante polarizado entre agronegócio e pequenos produtores. Existe uma diferença na concentração de terras do litoral em direção ao interior: a faixa mais próxima do oceano é saturada de pequenos e médios imóveis rurais, enquanto, no interior, a ocorrência do fenômeno é consideravelmente menor.

Foi constatado também que as poucas opções de financiamento disponíveis aos pequenos e médios agricultores já atendem de forma significativa às necessidades dos clientes, apesar de tratar-se de um processo moroso. A opinião internacional não está, portanto, correta ao defender que o Brasil não oferece subsídios aos produtores. O ponto é que o pouco que há já serve bem a seu propósito. Contudo, não significa que o Estado não precise melhorar; não se está aqui defendendo o comodismo estatal.

Por fim, as constatações a respeito do nicho mercadológico da AUP permitem sugerir que o setor é fértil para investimentos futuros. Existe uma diversidade importante de modos de produção e venda, ainda que não haja grande quantidade de clientela disponível. Mas é preciso estar sem-

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pre ciente de que a agricultura é o primeiro patamar e nunca seguirá o mesmo ritmo de outras etapas da produção.

Tendo em vista a explanação do tema, os estudos sugerem que a AUP é, de fato, rentável, como defende a comunidade acadêmica. É, porém, preciso fazer uma ressalva a essa afirmativa: a atividade é viável apenas se considerada como profissão oficial, em tempo integral. Assim como frisa Eduardo Rezende Esteves, a rotina do agricultor é maçante. Profissionais como ele estão sujeitos a acordar de madrugada para estarem nas estufas à uma hora da manhã e vendendo nas bancadas seis horas mais tarde. Não é um trabalho produtivo se feito como passatempo ou emprego conjugado.

Logo, os estudos apontam que, no cenário atual, a AUP não cabe como solução definitiva para a questão de abastecimento alimentar dos centros urbanos. É ilusória a ideia de criar cultivos comunitários para fins lucrativos em toda a cobertura. Muito provavelmente, os inquilinos não estariam dispostos a dedicar suas poucas horas de tempo livre do seu respectivo emprego

para irem trabalhar na horta condominial, sobretudo por ser árdua a tarefa em questão e por a lista de afazeres aparentar ser sempre mais extensa que o tempo.

Medidas mais realistas em direção à resolução do problema de fornecimento seriam a potencialização da produtividade do campo e uma reforma agrária efetiva que tornasse produtivas as terras mal aproveitadas. Ações parecidas seriam tomadas pelo Estado, via Ministérios da Fazenda e Agricultura. Muito provavelmente, surtiriam efeitos positivos no cotidiano de toda a população brasileira ao provocarem a queda dos preços de produtos agrícolas.

De qualquer forma, a AUP possui um grande valor quanto à segurança alimentar e variabilidade alimentícia. É graças a essa prática vinda do campo e através das gerações que linhagens ou até mesmo inteiras espécies de alimentos se perpetuaram. Com a constante pressão seletiva artificial exercida pelo agronegócio, a AUP é um bastião, um símbolo de resistência e continuidade das tradições. A AUP é muito mais que uma modalidade de trabalho: trata-se de uma cultura sempre viva.

[... COM A CONSTANTE PRESSÃO SELETIVA ARTIFICIAL EXERCIDA PELO AGRONEGÓCIO, A AUP É UM BASTIÃO, UM SÍMBOLO DE RESISTÊNCIA E CONTINUIDADE DAS TRADIÇÕES ...]

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REFERÊNCIAS

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Transcrição da entrevista feita ao senhor Eduardo Rezende Esteves, produtor de alfaces hidropônicas em Casa Branca, Brumadinho-MG, no dia 14 de outubro de 2018.

NOME E PROFISSÃO

ANEXO

Eduardo Rezende Esteves. Agricultor familiar há cinco anos, que é como nos enquadramos perante os órgãos do Governo.

O Governo vai proporcionando para a gente, que é agricultor, alguns benefícios: algumas taxas de imposto, em relação a produtos que compramos, são reduzidas.

O ICMS é menor para algumas coisas. Por exemplo, na parte de adubo a gente tem uma classificação diferenciada, em relação à aposentadoria também.

QUALIFICAÇÃO NO IMPOSTO DE RENDA Apenas produtores com contratos assinados estão inscritos no imposto de renda.

No meu caso, não acrescenta em nada.

O máximo que pode é ajudar a qualificar frente ao banco para obtenção de mais empréstimos. O Pronaf não exige que eu pague imposto de renda. O engenheiro da Emater é que vai confirmar que eu produzo.

FINANCIAMENTO Programa Pronaf Mais Alimentos. Nele você consegue a compra de veículo com taxas menores. Dão uma flexibilidade maior para pagar. Contudo, há todo um processo, uma seleção. Você não pode ter nenhuma renda que venha de qualquer outra atividade que não seja a agricultura.

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Participei do programa pela primeira vez agora. Aparentemente, é muito bom. Hoje, existem outros tipos de financiamento.

Esse Pronaf é o programa principal. Dentro dele tem os vários subprogramas. Tem todo um critério para poder participar: o banco estipula um valor inicial e aí um responsável da Emater vai calcular qual

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é a produção. Em cima disso, é feito um relatório que é encaminhado ao Banco do Brasil. Esse relatório reajustará o empréstimo em função do que for preciso para produzir.

O produtor só deve enfrentar um crivo muito complicado. Eu fui umas 15 vezes para Brumadinho para conseguir. Precisa de vários relatórios e documentos com diversos órgãos. Podia ser mais simplificado.

Não deixa de ser um programa que ajuda.

MÉDIA DE PRODUÇÃO Hoje a gente consegue produzir em torno de 10 mil pés de alface mensais. A produção se concentra em outro terreno.

Aqui [Casa Branca, Brumadinho], é o mínimo que a gente consegue produzir. A gente produz em outro terreno por questões de logística pra conseguir produzir e cuidar. Estávamos produzindo uma média de 3 a 4 mil pés por mês. Hoje deslocamos para um terreno maior, no distrito de Aranha, Brumadinho. Todo dia, 1h30min eu saio, vou fazer todo um cuidar de tudo e depois, 7h, eu volto e trago as verduras pra cá [para a venda, em Casa Branca].

Vai chegando essa época do ano, a produção de agricultores de chão vai diminuindo, devido ao clima e aí entra a verdura hidropônica. A produção é constante e o consumo de água é mínimo. É quando conseguimos uma venda importante. Então, assim, hoje, esses 10 mil pés que produzimos são totalmente vendidos. E se eu tivesse mais 10 mil pés, seriam vendidos também. Esse período vai de agora até maio do ano que vem.

CLIENTELA PRINCIPAL Hoje, é tudo para Casa Branca, entre moradores e sitiantes. 95% vêm para Casa Branca mesmo e 5% são distribuídos para outros locais. Temos uns parceiros que não conseguem ter produção constante aí a gente acaba dando um socorro para eles. Não é uma cooperativa, mas uma ajuda remunerada. Por exemplo: ele diz

“estou com um déficit de mil pés. Me ajuda no espaço de uma semana?”. Aí nós repassamos com um custo mais baixo para que ele supra seu mercado, que já não tenho ideia de quem seja.

RELAÇÃO COM SUPERMERCADOS E RESTAURANTES

No nosso nível o contato seria mais verbal.

São parcerias que são formadas verbalmente, sem contrato. Grandes redes têm contratos. Quem produz tem que cumprir condições de entrega diária de tudo. Aí é diferente. No meu caso eu não tenho, por causa do tamanho do nosso comércio mesmo. Atendemos o Empório de Casa Branca, uma média de 80 a 90% do comércio de Casa Branca. Em Aranha, eles preferem comprar de Brumadinho e esperar a próxima remessa.

FEIRAS DE AGRICULTORES Não participo por falta de tempo, não de vontade. Se trocam muitas experiências e conhecimento mesmo. Exemplo de um senhor, em Belo Horizonte, que começou a produzir para cima com duas bancas intermediárias. Em Casa Branca há feiras locais. Mas existem outras que atendem ao produtor. Lá você vai ter pessoas que mexem com restaurante, que vão procurar novos parceiros. É uma divulgação do seu trabalho. Existem dois tipos de feira, então. A prefeitura faz um processo de seleção para a exposição dos seus produtos por parte dos agricultores, mas, no final, quem é maior leva a melhor. É uma panelinha. Tem todo um processo licitatório para poder expor nesses pontos. Tem na Afonso Pena, por exemplo. Nós, agricultores de hoje, vamos para feiras na região metropolitana. É mais fácil.

reção do solo. Na hidroponia, através de proporções muito específicas, se faz o nutriente. No orgânico se faz uma cama com vários tipos de... tipo casca de arroz... Que o orgânico, orgânico mesmo, é caro pra você fazer esse substrato pra poder colocar a muda para ela poder crescer. Você tem a semelhança é na questão da pulverização contra pragas. Eu trabalho com os mesmos produtos que são usados no orgânico, da linha biológica. Eles são saudáveis para nós, mas matam os parasitas.

Aí tem o custo mais elevado. No orgânico você faz a cama, que é muito cara, e utiliza esses produtos muito caros. Na hidroponia você faz um investimento alto, mas uma vez só. Claro, tem produtores que usam agrotóxico também. É a cama onde você faz os canteiros que definem alimento orgânico. O engenheiro da Emater sabe exatamente quais são os elementos que compõem o substrato para cada alimento.

Alface, tomate, mostarda, cada um o seu.

E esse composto demora entre seis meses e um ano para ficar pronto. Ele tem que ficar fermentando pra ir enriquecendo.

Hoje o pessoal meio que se ilude de chamar tudo de orgânico, mas, para ser orgânico, tem ter um selo dado por um órgão específico e muito criterioso.

PRODUÇÃO ORGÂNICA Hidroponia não é orgânico. Na hidroponia se usa o NPK, que a indústria fabrica, o mesmo produto que era usado para cor-

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BIOLÓGICAS

A BIOMIMÉTICA APLICADA EM ESTRATÉGIAS E RECURSOS MILITARES BIOMIMETICS APPLIED IN STRATEGIES AND MILITARY RESOURCES LA BIOMIMÉTIQUE APPLIQUÉE DANS LES STRATÉGIES ET LES RESSOURCES MILITAIRES

RESUMO Orientador: Felipe Scalabrini Pinto1

Orientandos: Ariane Rodrigues Patrus Almeida2 Ingrid Luise Grube3 Iuri Jatobá Ferreira4 Marina Parreira Teixeira Leite5 Tomás Corrêa Assunção6 Yasmin Grigório Silva7 1 Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

2 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

3 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

4 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

5 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

6 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

7 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

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Neste artigo, foram comparados fenótipos animais com tecnologias militares desenvolvidas a partir de ou análogas a eles, bem como feito um paralelo entre a lógica da corrida armamentista evolucionária e a dos conflitos militares. Concluiu-se, relacionando-os de forma analítica, a falta de paralelismo entre os fatores determinantes do sucesso nas batalhas evolutivas biológicas vistas na natureza e os do sucesso visto nas batalhas evolutivas armamentistas que integram os conflitos militares da humanidade.

Palavras-chave: biomimética; militarismo; tecnologia.

ABSTRACT The objective of this article was to compare animal phenotypes with military technologies developed from them or analogous to them, as well as to draw a parallel between the evolutionary arms race and military conflicts. The conclusion consisted in analyzing the lack of parallelism between the determining factors of success in evolutionary biological battles seen in nature and the determining factors of success seen in evolutionary arms battles that integrate the humanity’s military conflicts.

Keywords: biomimetics; militarism; technology.

RÉSUMÉ Le but de cet article été de comparer des phénotypes animaux avec des technologies militaires développées à partir de ces ou similaires à lui et faire un parallèle entre la logique de la course aux armements évolutionnaire et de les conflits militaires. La conclusion obtenu à partir de la évaluation analytique était la manque de parallélisme entre le facteurs déterminants du succès dans les batailles biologiques observées dans la nature et le succès dans les batailles d’armements qui intègrent les conflits militaires humaines.

Mots-clés: biomimétique; batailles biologiques; technologies militaires.

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1. INTRODUÇÃO Para Rodrigues (2001), o ser humano é moldado por ações externas a si.

O ato de formar o ser humano se dá em dois planos distintos e complementares: um de fora para dentro, e outro, de dentro para fora. Pelo primeiro, ele “precisa ser educado” por uma ação que lhe é externa, de modo similar à ação dos escultores que tomam uma matéria informe qualquer, uma madeira, uma pedra, ou um pedaço de mármore, e criam a partir dela outro ser… (RODRIGUES, 2001, p. 240).

Por isso, o Homo sapiens é, em sua essência, um animal que aprende por meio de profunda habilidade de observação e assimilação de conhecimentos adquiridos do meio. Desde a antiguidade somos educados por outros, pela fauna, pela flora e pelos fenômenos da natureza para a construção de explicações sobre quem somos, de onde viemos e por que somos como somos. Seguindo essa corrente, estratégias e equipamentos militares foram desenvolvidos a partir da observação da natureza (RODRIGUES, 2001). É frequentemente observada na área militar a necessidade do contínuo aprimoramento da tecnologia visando à supremacia diante do inimigo, e, assim, a inspiração na physis se mostra uma boa opção.

Com base nisso, alguns objetos e armamentos militares têm sua origem especificamente na biomimética, nome utilizado para designar toda ação que se

assemelha a algo observado inicialmente na aparência física ou comportamental de seres vivos, imita-o ou deriva disso.

A evolução das técnicas e procedimentos militares pode ser analisada e comparada à evolução biológica, processo que — por meio de mecanismos como seleção natural, mutações e deriva gênica — resulta na modificação da frequência de alelos em determinada espécie. Como consequência, as aquisições evolutivas de predador criam uma pressão evolutiva sobre a presa e vice-versa. Contudo, não se pode fazer uma relação direta entre as lógicas biológicas evolutivas e militares — relação chamada de coevolução ou corrida armamentista (DAWKINS, 2009) —, por o processo natural ser fluido e imprevisível, diferentemente do armamentista.

[...

A EVOLUÇÃO DAS TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS MILITARES PODE SER ANALISADA E COMPARADA À EVOLUÇÃO BIOLÓGICA ...]

Para se compreender o conceito de coevolução, a Teoria da Rainha Vermelha, proposta por Leigh Van Valen em 1973, é de suma importância: “de acordo com essa hipótese, o ambiente dos seres vivos está em constante deterioração, formando as espécies e um eterno esforço para elas se manterem adaptadas” (VAN VALEN, 1973). Outro fato percebido é o Trade-off observado por Dawkins: “a natureza nunca favorece uma reprodução que leve a um excesso. A natureza leva à compatibilização” (DAWKINS, 2009).

Neste estudo, a fim de demonstrar a inspiração do militarismo em adaptações já presentes na natureza e a possibilidade de aprimoramento tecnológico militar que elas representam, foram utilizados como objetos de estudo as fibras,

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as armaduras, o sonar e, em momentos apropriados, outros instrumentos de caráter militar que também tiveram sua origem associada à biomimética.

2. DESENVOLVIMENTO 2.1. DEFENDENDO A BIOMIMÉTICA A adoção da metalurgia na indústria militar foi possibilitada pelos avanços tecnológicos e pela clara percepção do quão prejudicial poderia ser a dependência apenas de humanos ou animais no campo de batalha. Na Primeira Guerra Mundial, por exemplo, era comum o uso de cavalos nas ações militares, e os exércitos dependiam deles não só para lutar as batalhas, mas também para abastecimento, conforto psicológico dos soldados nos acampamentos e, em algumas instâncias, recuperação de armas perdidas em territórios a que os homens não ousavam voltar.

Os cavalos acabaram se tornando obsoletos a partir dessa guerra, que marcou a transição da cavalaria animal para a mecânica (HONG, 2015). Tal evento decorreu do fato de que, além de serem de difícil manutenção e reposição e de favorecerem a proliferação de doenças por piorarem o nível de higiene dos acampamentos, os cavalos levavam para a batalha um risco que nunca atingiria os tanques militares: entrar em pânico durante o combate.

Desse modo, conforme a maquinaria militar foi se tornando mais confiável, os cavalos foram substituídos, proporcionando uma maior dominância da metalurgia no cenário militar (HONG, 2015). Esta atingiu seu auge e ainda é amplamente utilizada, mas já existem inúmeras pesquisas que buscam transcender a esfera exclusivamente metalúrgica da tecnologia militar e aplicar a ela a biomimética, desenvolvendo um novo tipo de equipamento mais completo, adaptável e viável.

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A base da indústria militar moderna se apoia na metalurgia, todavia esta, quando comparada com a biomimética, se mostra

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vazia, e, segundo o Major Chao Hong, ela é apenas o meio para a obtenção de um fim (HONG, 2015). A metalurgia, para ele, é precisa e confiável, porém as máquinas que ela produz por si só não têm qualquer capacidade de se adaptarem às diversas condições que podem ser encontradas em um campo de batalha. Isso cria nos atuais equipamentos militares uma dicotomia que os torna máquinas não só previsíveis, mas também limitadas. As ações que elas realizam são sempre programadas e obedecem a duas possibilidades: atirar ou levar um tiro, atacar ou ser atacado, avançar ou recuar.

[... A BASE DA INDÚSTRIA MILITAR MODERNA SE APOIA NA METALURGIA, TODAVIA ESTA, QUANDO COMPARADA COM A BIOMIMÉTICA, SE MOSTRA VAZIA ...]

Não há espaço para os milhares de ações que configuram os conflitos observáveis na natureza e dão a eles o aspecto de naturalidade e realidade — por exemplo, o instinto de lamber uma ferida, o rugido de um felino ferido, entre outras características do mundo animal. Animais têm instintos que lhes permitem se adaptar às novas situações sem qualquer comando externo e que conferem ao combate muitos possíveis desfechos. Fica claro que a precisão ganhada pelo uso da metalurgia limita a adaptabilidade necessária para a batalha, sendo essa passível de ser promovida pela observação e imitação de características animais na indústria armamentista.

2.2. FIBRAS QUE FAVORECEM A TERMORREGULAÇÃO

Animais como alpacas, angorás, ovelhas e lhamas possuem em seus corpos fibras que oferecem uma proteção térmica (Figura 1). Esses animais conseguem viver em

ambientes de temperaturas muito baixas. Baseadas nessa adaptação, foram desenvolvidas fibras usadas na área militar para proporcionar uma proteção térmica aos soldados, tanto em ambientes de clima frio como em ambientes de clima quente.

Figura 1: Alpacas: possuem fibras que oferecem proteção térmica.

Disponível em: https://cdn.shopify.com/s/files/1/0010/0852/products/Alpacas_Alpaca_ Wool_Throw_ Blanket_5fa0a8a7-3ddc-428c-82bf664eb5727275_2048x.jpg?v=1447873 502). Acesso em: 3 dez.

2018.

Figura 2: Imagem que retrata o comportamento da membrana °eVent em relação à água líquida e ao suor.

Disponível em: http://motorfist.byteinception.com/. Acesso em: 3 dez. 2018.

Nos ambientes de clima frio, a grande quantidade de poros presentes nos tecidos das fibras é responsável por fazer com que a transpiração não fique retida no soldado, evitando uma queda na temperatura corporal, consequentemente, a hipotermia (GUISE et al,

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2011). Em relação à proteção térmica contra o calor, os materiais fibrosos apresentam uma grande quantidade de ar (Figura 2), responsável pelo isolamento térmico que impede o aumento da temperatura corporal e protege o soldado contra queimaduras (FREITAS, 2018).

2.3. ARMADURAS As origens das armaduras são um grande exemplo da biomimética; representavam a busca pelo equilíbrio entre proteção, peso e flexibilidade. Proteções naturais objetivam proteção contra lesões e predadores, mantendo a mobilidade. Armaduras seguem uma ideia análoga, sendo especialmente importantes contra armas (WHITE & VERNEREY, 2018).

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a armadura mais utilizada em Roma por décadas (WHITE & VERNEREY, 2018).

A malha de ferro é outro exemplo de biomimetismo em armaduras pesadas, a qual se inspira em escamas de peixes (Figura 3), uma forma de proteção natural muito eficiente. Pesquisas que estudam o funcionamento dessas escamas buscam um modo de replicar sua eficiência em armaduras artificiais, uma vez que essa é considerada a forma ideal de proteção (WHITE & VERNEREY, 2018).

Armaduras leves geralmente são designadas para a proteção contra ameaças de menor velocidade, como pistolas ou armas brancas. Na natureza, a técnica análoga de proteção é a pele grossa de grandes mamíferos (Figura 3), perceptível nas primeiras armaduras de que se tem registro, as quais eram feitas de algodão e fibras de seda (WHITE & VERNEREY, 2018). A absorção de energia e de impacto desse tipo de armadura é prejudicada em prol da liberdade de movimento.

Figura 3: Armaduras antigas e modernas e formas de defesa correspondentes no mundo biológico. Exoesqueleto de artrópodes e carapaça de quelônios que se assemelham a armaduras pesadas, e pele grossa de grandes mamíferos, que se assemelha a armaduras leves. Não há correspondente moderno às escamas (WHITE & VERNEREY, 2018).

As armaduras pesadas, por sua vez, foram planejadas para a proteção contra ameaças de maior velocidade, a partir da necessidade de aumentar as taxas de sobrevivência, assim como ocorre na natureza por meio da coevolução. A primeira armadura pesada a demonstrar traços claros de biomimética de que se tem registro foi denominada “lorica segmentata”. Era uma armadura romana, feita com bandas de metal que se sobrepunham a bandas de couro, semelhante a um tatu. Combinava locomobilidade com proteção e absorção de energia. Por seus benefícios, foi

Além das escamas, outra forma de proteção seriam armaduras espelhadas na seda da viúva-negra. A contradição durabilidade, resistência e proteção versus mobilidade e flexibilidade poderia ser solucionada com o desenvolvimento dessa inovadora forma de proteção. Os genes codificadores das proteínas presentes na seda já foram identificados pela Universidade da Califórnia, abrindo uma janela para o futuro uso da tecnologia na esfera militar. A seda seria útil por suas capacidades de absorção de quantidades enormes de energia e por ser forte e extensível.

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Historicamente, a seda foi usada pelos mongóis para proteção contra flechas e já desperta interesse da indústria militar americana (HONG, 2015).

Atualmente, novas e tecnológicas armaduras não são mais inspiradas em mecanismos biológicos. O desenvolvimento industrial e tecnológico permitiu ao ser humano pesquisas a respeito da taxa de sobrevivência, que passaram a guiar o desenvolvimento das formas de proteção.

Apesar disso, a biomimética nessa área ao longo da história não pode ser esquecida, visto que foi um ponto fundamental para alcançar o patamar atual.

2.4. SONAR O sonar é um instrumento que, no século XX, foi uma revolução para a detecção de objetos e obstáculos no fundo dos oceanos. O dispositivo funciona emitindo sons e, através da reflexão das ondas, constitui imagens da região, com a noção de tamanho e profundidade (D’AMICO & PITTENGER, 2009). Foi inventado analogamente ao biossonar, ou ecolocalização, encontrado em alguns animais.

Para compreender o biossonar, é preciso saber que ele é uma adaptação evolutiva

desenvolvida por animais que têm rotinas noturnas, como os morcegos, ou que vivem em lugares com pouca luz, como os golfinhos (DAWKINS, 2001). Segundo Dawkins (2001), a ecolocalização “é capaz de proezas de detecção e navegação que deixariam um engenheiro boquiaberto” (2001, p. 45). Os estudos do biossonar dos morcegos e golfinhos contribuíram e têm muito a contribuir para o desenvolvimento de sonares militares, pois, ao se compreender o seu funcionamento, consegue-se solucionar possíveis problemas que a tecnologia apresente (DAWKINS, 2001).

Sonar é uma sigla que significa Sounding, Navigation and Ranging, criada e usada pelos americanos para designar os projetos do Laboratório de Pesquisa Naval dos EUA. O nome acabou hegemônico, mas antes dele havia outros sistemas, como o ASDIC, dos britânicos. O primeiro modelo do que hoje chamamos de sonar ativo militar foi concebido em 1912 por Reginald A. Fessenden. Nesse momento, havia a necessidade de detectar objetos submersos e inimigos que, na Primeira Guerra Mundial, usariam o submarino como um recurso militar.

O som é uma energia transmitida que penetra a água a qualquer distância, ao passo que a luz só chega a uma parte superficial. Ao longo do século XX, pesquisas foram desenvolvidas e, a partir delas, descobriu-se a relação entre a frequência e o alcance dos mecanismos. Houve o advento dos sonares de varredura e dos ativos de baixa frequência; caminhos acústicos de maior alcance foram descobertos, e as frequências dos sonares, diminuídas, colocando muito menos “barulho” nas águas (D’AMICO

[...

O BIOSSONAR É UMA ADAPTAÇÃO EVOLUTIVA DESENVOLVIDA POR ANIMAIS QUE TÊM ROTINAS NOTURNAS, COMO OS MORCEGOS ...]

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& PITTENGER, 2009). É incontestável a contribuição do sonar para a área militar e, tardiamente, para fins civis e científicos (DAWKINS, 2001).

Em 1938, Griffin e Pierce detectaram sinais do biossonar de morcegos. Antes disso, já havia a hipótese de esses animais usarem a ecolocalização, mas até então não havia um material adequado para detectar os sons e comprovar que vinham dos morcegos, pois eram ultrassons — sons altos demais para serem ouvidos pelos seres humanos (AU, 2015). Uma vez validado, constatou-se o biossonar de outras espécies, dentre elas, os golfinhos-nariz-de-garrafa, que, junto com os morcegos, começaram a ser objetos de pesquisa após a metade do século XX e tomados como referência (AU, 2015).

Como os morcegos são animais de hábitos noturnos e precisam se movimentar no escuro, eles não podem usar a luz para se orientar e caçar, pois usar luz para isso “requer muito mais energia, uma vez que os olhos têm de detectar a minúscula fração da luz refletida em cada parte do cenário” (DAWKINS, 2001). Diante desse problema, a seleção natural favoreceu grupos de morcegos que tinham a ecolocalização desenvolvida, todavia nem todos os morcegos a utilizam, e aqueles que têm essa capacidade usam-na de modos distintos.

Para a análise da ecolocalização, os morcegos menores são os melhores exemplos, uma vez que são mais dependentes dos ecos. Nesse caso, o morcego marrom comum é a referência. Todo o seu design

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é adaptado às necessidades e problemas que a emissão dos ecos possa causar, caracterizado por faces distorcidas que funcionam como instrumentos de propagação de ultrassom em várias direções.

Eles variam a frequência se estão em um voo comum ou se aproximando do alvo; nesse momento, chegam a ter uma “visão” tão clara que, em ritmo de amostragem, seriam mais rápidos que uma metralhadora. São portadores de uma tecnologia de “emissor/receptor” para conseguirem emitir sons muito altos sem danificar os ouvidos; valem-se de técnicas de variação dos sons para distinguir os vários ecos emitidos e, de alguma forma ainda não bem explicada, conseguem evitar a interferência de outros sons de maneira muito eficiente (DAWKINS, 2001).

Todas essas adaptações derivam de problemas que eventualmente apareceram no radar e sonar. Para resolvê-los, os engenheiros apelaram para soluções que, coincidentemente, foram as mesmas adotadas por morcegos. Essa similaridade foi tratada como uma grande evidência de quanto o conhecimento do biossonar pode contribuir para o desenvolvimento da tecnologia (DAWKINS, 2001).

Acerca da existência do biossonar de golfinhos, comprovou-se através de testes que, mesmo depois de serem privados da visão, eles conseguiam nadar e se desviarem de obstáculos. Também foi descoberto que eles conseguem ouvir de 100 Hz a 150 KHz, a maior amplitude para qualquer mamífero.

3. CONCLUSÃO

A maioria dos estudos e experimentos iniciais sobre o biossonar de golfinhos foi conduzida por cientistas de universidades estadunidenses, apoiada pelo U.S Navy Marine Mammal Program. O objetivo dessas pesquisas era determinar como os golfinhos usam os sinais do biossonar, até que ponto eles conseguem ter um alto desempenho, como se organiza o seu sistema nervoso, quais estruturas utilizam, como funciona a relação entre som e profundidade bem como em qual situação eles usam cada tipo de som (AU, 2015).

A corrida armamentista militar não segue a lógica da corrida armamentista evolucionária. Inspirações provenientes da biomimética, na área militar, foram fundamentais à concepção de equipamentos de guerra para começo e término de importantes conflitos. Contudo, a coevolução não se aplica aos conflitos humanos.

Informações deturpadas e o otimismo presente nos atacantes são fundamentais para o começo e a persistência do conflito (FILSON & WERNER, 2002). Na natureza é diferente: a evolução biológica não só é considerada um fenômeno que ocorre sobre a espécie e não sobre o espécime, como também é um processo fluido, sempre em movimento, para assegurar a sobrevivência da espécie.

O biossonar de golfinhos e morcegos é muito relevante por ser extremamente sensível a alvos de curta distância. O sistema dos animais chega a ser tão à frente da capacidade da tecnologia do sonar militar que o US Navy, por exemplo, ainda usa golfinhos para detectar minas enterradas (AU, 2015).

[...

A EVOLUÇÃO

BIOLÓGICA E A DE EQUIPAMENTOS E TÉCNICAS MILITARES

Hoje, após as diversas pesquisas feitas para entender melhor o biossonar e seu funcionamento, ainda há muito a ser explorado e descoberto pelos cientistas que trabalham com a bioacústica e o melhoramento de tecnologias militares. De acordo com Whitlow W. L. Au, especialista em bioacústica e biossonar de Odontoceti, um dos maiores desafios na pesquisa sobre o biossonar dos golfinhos é, primeiro, determinar como eles conseguem fazer uma complexa diferenciação e reconhecimento de alvos e, depois, descrever matematicamente esse processo (AU, 2015).

EM NADA SE ASSEMELHAM

Para Richard Dawkins, em O relojoeiro cego, o biossonar dos morcegos funciona de uma forma complexa, mas perfeitamente encaixada. Assim, para a melhoria da tecnologia artificial, conclui-se que os estudos devem se basear na natureza (DAWKINS, 2001).

...]

A evolução biológica e a de equipamentos e técnicas militares em nada se assemelham. A biológica deriva de uma alteração genética aleatória que resulta em aprimoramentos e transformações na espécie. O tempo de resposta a essas mudanças é inconstante e incerto, fazendo com que não haja modo de estimá-lo.

[... A BIOLÓGICA DERIVA DE UMA ALTERAÇÃO GENÉTICA ALEATÓRIA ...] [... REAÇÕES DENTRO DE CONFLITOS MILITARES DERIVAM DE DIVERSOS FATORES ECONÔMICOS, POLÍTICOS, TECNOLÓGICOS E ESTRATÉGICOS ...]

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Reações dentro de conflitos militares, entretanto, derivam de diversos fatores econômicos, políticos, tecnológicos e estratégicos, influenciados por relações intersociais já consolidadas entre as nações envolvidas. À medida que um lado do conflito se mostra mais preparado ou avançado, o outro se encontra pressionado a sempre se superar, gerando uma condição de reação não existente nas mutações graduais entre predadores e presas (FILSON & WERNER, 2002). Ademais, a dependência da disponibilidade de recursos tecnológicos e naturais para a concepção de novos equipamentos úteis em combate varia muito tanto por fatores político-econômicos quanto por físicos.

Um exemplo a ser analisado é a Guerra do Vietnã (1959-1975), evento em que os vietcongues fizeram uso do conhecimento sobre o relevo e a vegetação do país com estratégias de camuflagem, construção de túneis e valas. Em resposta, foi desenvolvido o Agente Laranja, gás que desfolhava completamente a região onde era aplicado, para que pontos estratégicos dos inimigos fossem facilmente identificados. Com a identificação de uma vantagem armamentista e técnica do lado oposto, um aprimoramento foi desenvolvido não pelo acaso, mas a fim de superar uma dificuldade específica a partir de tentativa e erro.

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Tendo consciência do potencial da biomimética, os cientistas vêm realizando pesquisas não só para a criação de artefatos militarmente usáveis — como os sonares —, mas também para a melhoria da qualidade de vida da população, porém, a eficiência tecnológica atual pode não ser suficiente para a materialização dos resultados em utensílios palpáveis (FILSON & WERNER, 2002).

Apesar de a biomimética ter sido fundamental para o desenvolvimento de novas estratégias e modos de defesa e ataque durante a história humana, as lógicas biológica e militar não podem se misturar totalmente por se tratarem de processos com particularidades temporais e estruturais.

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[...

OS CIENTISTAS VÊM REALIZANDO PESQUISAS NÃO SÓ PARA A CRIAÇÃO DE ARTEFATOS MILITARMENTE USÁVEIS, MAS TAMBÉM PARA A MELHORIA DA QUALIDADE DE VIDA DA POPULAÇÃO ...]

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Acesso em: 3 dez. 2018.

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HUMANAS

ANÁLISE DAS SEMELHANÇAS FORMAIS E SEMÂNTICAS DE

OS LUSÍADAS E A JANGADA DE PEDRA COM ENFOQUE NA ALEGORIA DA VIAGEM ANALYSIS OF THE FORMAL AND SEMANTIC SIMILARITIES OF OS LUSÍADAS AND A JANGADA DE PEDRA WITH FOCUS ON THE TRIP ALLEGORY

Orientadora: Cleide Simões1

Orientanda: Cecília Barbosa de Lacerda2 1 Graduada em Letras pe-la Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; especialista em História da Arte pela Escola Guignard; professora de Português.

2 Estudante da 2a série do Colégio Santo Antônio.

RESUMO O presente artigo objetiva traçar paralelos entre duas grandes obras portuguesas: Os Lusíadas, publicada em 1572 por Luís Vaz de Camões, e A Jangada de Pedra, publicada em 1986 por José Saramago. Foram analisados os seguintes aspectos das obras: contexto histórico da narrativa, críticas do autor, linguagem, narrador, representação de Portugal, gênero e o sentido da alegoria da viagem presente nas obras. Dessa forma, buscou-se identificar semelhanças e intertextualidade entre tais produções, com o intuito de estabelecer relações entre elas.

Palavras-chave: literatura; Os Lusíadas; A Jangada de Pedra; Camões; Saramago; viagem; navegações; portugueses.

ABSTRACT The present article aims to draw parallels between two great Portuguese works: Os Lusíadas, published in 1572 by Luís Vaz de Camões, and A Jangada de Pedra, published in 1986 by José Saramago. The following aspects of the works were analyzed: historical context of the narrative, criticism of the author, language, narrator, representation of Portugal, gender and the sense of the allegory of the present journey in the works. In this way, we sought to identify similarities and intertextuality between such productions, in order to establish relations between them.

Keywords: literature; Os Lusíadas; A Jangada de Pedra; Camões; Saramago; travel; navigations; Portugueses.

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1. INTRODUÇÃO A Jangada de Pedra é um romance de José Saramago publicado em 1986 que narra ficcionalmente a separação geográfica da Península Ibérica do restante da Europa. A escrita é singular, típica do autor, com nuances fortes de estratégias da estética barroca no que tange ao processo de construção da linguagem que, entre outros fatores, foi elaborada em diálogos incorporados à narrativa, omitindo travessões e aspas, sinais comuns para indicação de diálogos, por exemplo. Essa obra foi adaptada para o cinema em 2002 por George Sluizer, que enfatizou certo viés surreal ao ideal pouco comum que a obra propõe.

A separação geográfica da Península Ibérica, chave da narrativa, é uma alusão ao que Saramago percebeu frente à integração da Espanha e de Portugal ao Mercado Comum Europeu (MCE), hoje União Europeia (UE), o que ocorreu em 1986 — o ano de publicação da obra. Para o autor, os países ibéricos no MCE estariam navegando à deriva, sem se identificar cultural, social ou economicamente com o restante do continente europeu.

O fenômeno da separação não se dá apenas por parte de Portugal, a Espanha segue o mesmo caminho. Além do percurso histórico e do viés político que ambos os povos tiveram em comum, não se pode

deixar de perceber e até mesmo explicar tais situações pela forte identificação cultural, a começar da árvore linguística, o latim. Essa realidade linguística tornou possível a fácil comunicação entre as nações, o que é idealizado na obra como a possibilidade de serem habitantes de um mesmo lugar ou como algo que os torna comuns. Isso pode ser comprovado no trecho destacado: É que, concluamos o que suspenso ficou, por um grande esforço de transformar pela palavra o que talvez só pela palavra possa vir a ser transformado, chegou o momento de dizer, agora chegou, que a Península Ibérica se afastou de repente, toda por inteiro e por igual, dez súbitos metros, quem me acreditará, abriram-se os Pireneus de cima a baixo como se um machado invisível tivesse descido das alturas, introduzindo-se nas fendas profundas, rachando pedra e terra até o mar, agora sim, poderemos ver o Irati caindo, mil metros, com o infinito, em queda livre, abre-se ao vento e ao sol, leque de cristal ou cauda de ave-do-paraíso, é o primeiro arco-íris suspenso pelo abismo, a primeira vertigem do gavião que com as asas molhadas paira, tingidas de sete cores. (SARAMAGO, 2006, p.

39).

Tem-se também outra obra em análise, Os Lusíadas, que é uma das produções literárias mais importantes e conhecidas da literatura de língua portuguesa, escrita pelo maior poeta português, Luís Vaz de Camões, e publicada em 1572. A história, conhecida mundialmente, trata, dentro do gênero épico, da navegação de Vasco da

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Gama, que saiu de Portugal até chegar às Índias. Ele contornou o sul da África, fato inédito até aquele momento, inaugurando uma importante rota comercial para o povo luso na época das Grandes Navegações.

Camões foi um poeta nacional de Portugal, considerado uma das maiores figuras da literatura lusófona e um dos grandes poetas da tradição ocidental. Apesar do grande alcance de suas obras, pouco se sabe com certeza sobre a sua vida. O que se tem hoje desse grande escritor é que foi um renovador da língua portuguesa e, atualmente, é um dos mais fortes símbolos de identidade da sua pátria.

2. DESENVOLVIMENTO 2.1. CONTEXTO HISTÓRICO DAS OBRAS E PREVISÕES PESSIMISTAS DOS AUTORES

Um primeiro paralelo a ser estabelecido entre as obras se trata do contexto histórico nos quais acontecem as narrativas. Os

Lusíadas se passa no século XV, período em que são empreendidas as primeiras Expansões Marítimas portuguesas. A história de A Jangada de Pedra situa-se no século XX, quando da adesão da Península Ibérica à atual União Europeia.

Esses eventos são reconhecidos como grandiosos na história portuguesa e foram enaltecidos por grande parte da população das respectivas épocas. No entanto, alguns autores visionários, como Camões e José Saramago, foram capazes de inferir as consequências desses eventos, não apenas sua superficial e imediata grandeza. Dessa forma, os autores operacionalizam suas obras como um portal para fazer, ora mais implicitamente, ora mais explicitamente, críticas e questionamentos referentes aos eventos pelos quais Portugal passava: as Grandes Navegações e a adesão ao Mercado Comum Europeu, respectivamente.

A previsão pessimista presente em Os Lusíadas está na imagem do Velho do Restelo, quem muitos estudiosos acreditam representar a própria visão crítica de Camões na obra. O Velho do Restelo alerta aqueles portugueses sob o argumento de que, movidos pela cobiça de fama, glória e riquezas, embarcariam nas naus e provvocariam desastres para si mesmos e para o povo português (D’ONOFRIO, 2002).

[... MOVIDOS PELA COBIÇA DE FAMA, GLÓRIA E RIQUEZAS, EMBARCARIAM NAS NAUS E PROVOCARIAM DESASTRES PARA SI MESMOS E PARA O POVO PORTUGUÊS ...]

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Com um olhar mais aprofundado que a maioria dos outros personagens, o Velho do Restelo não enxergava apenas os ganhos com o comércio de escravos, o acúmulo de metais preciosos ou a expansão das rotas comerciais, consequências mais imediatas da Expansão Marítima. Ele também questionava as consequências negativas da expansão, que se dariam em longo prazo — afinal milhares de portugueses, ao se aventurarem nas Grandes Navegações, nunca retornariam ao país, fosse pelas guerras ou pelos naufrágios.

Assim, muitas crianças ficariam órfãs, e muitas mulheres, abandonadas.

Sagaz consumidora conhecida

O Velho também representa a opinião conservadora da época. Havia uma corrente de opiniões em Portugal que condenava a política ultramarina do país, iniciada com D. João III, que sugeriu o abandono das conquistas africanas. Portanto, o Velho do Restelo representa os rumores do povo ou o ponto de vista de um partido adversário que se opunha àquilo que o poeta celebrava no restante da obra.

D’ouro, que lhe farás tão facilmente?

Por isso, o Velho do Restelo afirmava que, enquanto se concentrou enorme poder econômico nas mãos da burguesia e se fortaleceu a nobreza, as expansões portuguesas também fomentaram a miséria e a desigualdade de renda em outros setores sociais, além de elas terem sido um enorme custo para a Coroa portuguesa. Assim, os questionamentos do Velho do Restelo ficam claros no seguinte trecho de Os Lusíadas, Canto IV: Ó glória de mandar! Ó vã cobiça Desta vaidade, a quem chamamos Fama! Ó fraudulento gosto, que se atiça C’uma aura popular, que honra se chama!

Que castigo tamanho e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama!

Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles experimentas!

— Dura inquietação d’alma e da vida, Fonte de desamparos e adultérios,

De fazendas, de reinos e de impérios: Chamam-te ilustre, chamam-te subida, Sendo digna de infames vitupérios; Chamam-te Fama e Glória soberana, Nomes com quem se o povo néscio engana!

— A que novos desastres determinas De levar estes reinos e esta gente?

Que perigos, que mortes lhe destinas Debaixo dalgum nome preminente?

Que promessas de reinos, e de minas Que famas lhe prometerás? que histórias?

Que triunfos, que palmas, que vitórias?

(CAMÕES, Canto IV, p.190-191).

Salvatore D’Onofrio comenta muito bem o Canto IV de Os Lusíadas: A estância inicial (94) descreve a figura e o caráter do Velho. Ele é apresentado como um homem “de aspecto venerando”, “de experto peito” e “com saber só de experiência feito”, para dar-nos a ideia de que a sabedoria do Velho lhe provém da idade e não de um estudo adquirido [...].

O segundo momento compreende as estâncias 95 e 96, onde Camões põe na boca do Velho considerações gerais acerca da essência da “glória” humana e seus efeitos. O Poeta condena os conceitos de “glória”, de “fama” e de “honra”, que na realidade não são senão eufemismos para designar a “glória de mandar”, “a vã cobiça” e a “vaidade”, causas de inúmeros males físicos e morais.

A seguir, na estância 97, o Velho se pergunta a que desastrosas consequências levará o Reino e o povo português esta cobiçosa ilusão de riquezas e de glória. (D’ONOFRIO, 2002, p. 5).

Segundo exposto por Silviano Santiago, os portugueses, graças às Grandes Na-

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vegações, de fato conseguem o que tanto buscavam: a fama. Mas esta fama vem acompanhada da “ociosidade dos que ficaram em casa, com receio da aventura, medo do desconhecido, da luta, com a aceitação prudente e calada do status quo [...]” (SANTIAGO, 2002, p. 21).

Quanto à obra de José Saramago, A Jangada de Pedra, o autor não toma a forma de determinado personagem para expressar explicitamente suas críticas aos recentes acontecimentos por que Portugal passava, mas o faz metaforicamente durante toda a narrativa: Então, a Península Ibérica moveu-se um pouco mais, um metro, dois metros, a experimentar as forças. [...] Houve depois uma pausa, sentiu-se passar nos ares um grande sopro, como a primeira respiração profunda de que acorda, e a massa de pedra e terra, coberta de cidades, aldeias, rios, bosques, fábricas, matos bravios, campos cultivados, com sua gente e os seus animais, começou a mover-se, barca que se afasta do porto e aponta ao mar outra vez desconhecido. (SARAMAGO, 2006, p. 39).

Conforme mostrado no trecho acima, a própria separação geográfica da Península Ibérica demonstra a tese principal do autor: a de que Espanha e Portugal se distanciavam do resto dos países europeus em inúmeros aspectos, sendo alguns deles o cultural, o histórico e, principalmente, o econômico. Por isso, a entrada no Mercado Comum Europeu só colocaria as duas nações em uma posição de submissão perante os outros países europeus.

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A previsão pessimista de Saramago quando à integração ao MCE se confirmou, visto que, de fato, as diferenças econômicas entre os países europeus culminaram em uma grande crise iniciada em meados de 2011. Essa crise imobiliária, que teve seu princípio nos Estados Unidos da América, em 2008, impactou a Europa como um todo nos últimos anos, no entanto, os

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principais países atingidos foram Portugal, Itália, Grécia e Espanha, nações com mais desigualdade social e menor estabilidade financeira em relação ao restante da União Europeia. Por exemplo, a Grécia foi o primeiro país atingido pela crise e chegou a ter um rombo nas contas públicas de 113% do seu Produto Interno Bruto (PIB).

2.2. NARRADOR, GÊNERO E LINGUAGEM Outro ponto de interseção entre as duas obras em análise é o aspecto formal, referente a narrador, gênero, e linguagem.

Derivado do latim, narro (dar a conhecer), narrador é aquele que transmite a mensagem da narrativa. Além disso, a narração pode ser feita em primeira ou em terceira pessoa; no caso das obras em análise, ela ocorre em terceira, e os narradores variam.

Esse narrador tem como principais características ser onisciente e seletivo, ou seja, narrar sob determinado ponto de vista, influenciando o leitor a também seguir com aquela opinião. Esta parcialidade já foi matéria de análise de vários clássicos da crítica literária. É da premissa de que nem sempre o narrador relate os fatos de maneira imparcial que Walter Benjamin afirma: “são cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente [...] É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências” (BENJAMIN, 1994, p. 200).

[... É COMO SE ESTIVÉSSEMOS PRIVADOS

DE UMA FACULDADE QUE NOS PARECIA SEGURA E INALIENÁVEL:

A FACULDADE DE INTERCAMBIAR EXPERIÊNCIAS ...]

Ressalta-se que ambas se tratam de epopeias ou poemas épicos, um gênero literário que narra longas histórias de um povo ou de uma nação, envolvendo aventuras, guerras, viagens, gestos heroicos etc. Normalmente apresentam um tom de exaltação, ou seja, de valorização de seus heróis e dos feitos deles. Assim, apesar de em Os Lusíadas haver um herói principal, Vasco da Gama — uma metonímia para a nação portuguesa —, ambas as narrativas apresentam um grande número de personagens. O enfoque da narrativa não é concedido a um indivíduo, mas sim ao povo português, no caso de Os Lusíadas, e aos povos ibéricos, no caso de A Jangada de Pedra.

Também, ambas se valem de referências literárias e mitológicas marcantes para a cultura lusa. A presença dessas referências pode ser observada, por exemplo, no início da narração da viagem de Vasco da Gama, em que há um momento no qual os deuses se reúnem em conselho para discutirem o futuro do oriente: Quando os deuses do Olimpo luminoso, Onde o governo está da humana gente, Se juntaram em concílio glorioso, Sobre as cousas futuras do Oriente,

dos”, o que revela a forte carga temática do bardo português revisitada numa obra contemporânea (SARAMAGO, 2006, p.

80).

Por fim, as duas obras apresentam uma linguagem que reforça seu aspecto nacionalista: o uso do português lusitano, também conhecido como “a língua de Camões”, com expressões populares típicas de Portugal.

2.3. A ALEGORIA DA VIAGEM Os Lusíadas e A Jangada de Pedra tratam da história de Portugal, que, por sua vez, está intrinsecamente ligada com a história das viagens marinhas, tendo sido Portugal e Espanha países pioneiros a empreender a Expansão Marítima.

Em Os Lusíadas, apesar das poucas passagens que questionam o teor e as consequências das Grandes Navegações, é apresentada uma perspectiva positiva das viagens e do “desbravamento do novo mundo”, que levaria glória e riqueza para a nação portuguesa. Dessa forma, a aventura marítima faria dos portugueses um povo ainda mais admirado, ao fazê-lo corajoso, destemido e o grande conhecedor dos mares.

Pisando o cristalino céu fermoso, [...]

(CAMÕES, Canto I, estrofe 20) Especialmente na obra A Jangada de Pedra, José Saramago trabalha intensamente com intertextualidade, fazendo referência a Fernando Pessoa e ao próprio Camões e seus lusíadas, tais como “em mares, estes sim, nunca dantes navega-

[... EM OS LUSÍADAS, É APRESENTADA UMA

PERSPECTIVA POSITIVA

DAS VIAGENS E DO “DESBRAVAMENTO DO NOVO MUNDO ...] [...A JANGADA DE PEDRA SE CONSTITUI EM UMA

GRANDE METÁFORA

DA EXPECTATIVA POR UM LUGAR MELHOR ...]

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O fato de a Península Ibérica se soltar do continente europeu não é percebido de forma dramática, ao contrário: sinaliza um novo começo para os portugueses e os espanhóis; novo, pois, como outrora, lançam-se ao mar, tal qual um dia fizeram suas audaciosas embarcações em direção ao desconhecido. Ao se considerar que o resultado tinha sido bastante positivo — dadas as naus que retornaram repletas de riquezas em metais e as possibilidades de colonização de territórios —, a nova empreitada era vista como promissora em termos de aventura e da perspectiva de conhecimentos.

A Jangada de Pedra se constitui em uma grande metáfora da expectativa por um lugar melhor, em que homens, mulheres e a natureza convivam em harmonia e tenham a sensação de pertencimento. Por isso, o ato de deslocamento da Península sugere a construção de uma nova sociedade, que podemos chamar de ideal. (SILVA, 2011, p. 6).

Em contato com a natureza e vivendo no coletivo, os personagens vão concretizando o amor, a amizade, a solidariedade, valores novos e velhos, novos espaços e perspectivas, e vão encontrando sentimento de pertencimento à Península, segundo indica o seguinte trecho da obra: A Península parou. Os viajantes descansarão aqui este dia, a noite e a manhã seguinte. [...] A viagem continua. [...] os homens e as mulheres, estes seguirão o seu caminho, que futuro, que tempo, que destino. A vara de negrilho está verde, talvez floresça no ano que vem. (SARAMAGO, 2006, p. 291).

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Por isso, infere-se que, em ambas as obras, a alegoria da viagem, no contexto ibérico, representa a esperança e a causa da glória das nações, seja em uma primeira empreendida, que faz de Portugal um verdadeiro império, seja em um segundo e hipotético momento, que tem como intuito

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preservar a sociedade e a cultura lusas de serem submissas e alteradas pelo restante dos países europeus.

3. CONCLUSÃO Após as análises semânticas e formais realizadas no presente artigo, percebe-se que, apesar de escritas com uma diferença de cerca de quatro séculos, as obras A Jangada de Pedra e Os Lusíadas apresentam semelhanças, podendo ser consideradas duas das mais importantes obras lusas, cuja preocupação essencial é enaltecer o povo e a cultura portuguesa.

Entre tais semelhanças, destaca-se a visão de um povo empreendedor, com vocação para viagens exploratórias e gratificantes que favorecem a construção do ufanismo, embora sejam comuns às obras, em diferentes escalas, as críticas socioeconômicas e uma alegoria de viagem em comum: esperança e salvação do povo português. Dessa forma, A Jangada de Pedra pode ser considerada uma espécie de continuação contemporânea de Os Lusíadas, uma hipotética segunda vez em que os portugueses se lançam no oceano e, assim, alcançam novamente o esplendor.

Com relação às questões linguísticas, é bom ressaltar que a cultura, em seu aspecto mais representativo, favoreceu a aproximação das duas obras e da visão histórica como agente propulsor para o entendimento de um presente conflituoso, mas, ainda assim, rico em possibilidades sustentadas por dois vultos do imaginário na prosa e no verso: Camões e Saramago. A visão utópica de uma sociedade que está se reconstituindo

sobre os conflitos do passado é um dos mais instigantes pontos coincidentes entre as nações no período renascentista e a contemporaneidade.

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[... A JANGADA DE PEDRA PODE SER CONSIDERADA UMA ESPÉCIE DE CONTINUAÇÃO

CONTEMPORÂNEA

DE OS LUSÍADAS, UMA HIPOTÉTICA SEGUNDA VEZ EM QUE OS PORTUGUESES SE LANÇAM NO OCEANO ...]

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MÚSICA

MPB: UMA HISTÓRIA SOCIAL, GILBERTO GIL E

DOMINGO NO PARQUE

MPB: A SOCIAL HISTORY, GILBERTO GIL AND DOMINGO NO PARQUE

Orientadoras: Luzia Inês Antoniol1 e Sandra Maluf Duarte2

Orientandos: Ana Paula Alvim Pereira França Baptista3 Arthur Ferreira Martins4 Julia Rodrigues Koolé5 Luiza Grugel Raimundo6 Maria Luiza Gonzaga7 Tomás Corrêa Assunção8 Vinícius Percilio Reis Santos9 Yasmin Grigório Silva10 1 Bacharel em Música pela UFMG; professora de Música (luziantoniol11@gmail.com).

2 Normalista pela Escola Normal de Uberaba; possuidora de diploma nos cursos para professora de Música e de Piano pelo Conservatório Musical de Uberaba; professora de música (sandra.maluf@csa.g12.br).

3 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

4 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

5 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

6 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

7 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

8 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

9 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

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10 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

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RESUMO O objetivo deste estudo foi tratar dos impactos e do significado histórico da Tropicália. Para isso, foi tomada como exemplo a vida de Gilberto Gil, um dos principais compositores que fizeram parte do movimento, e a canção Domingo no Parque. Por fim, concluiu-se com a importância dos meios de comunicação para o movimento e com sua relevância até hoje.

Palavras-chave: Tropicália; Gilberto Gil; MPB; ditadura; Brasil.

ABSTRACT The purpose of this study was to address the impacts and the historical meaning of Tropicália. In order to achieve these goals, Domingo no Parque and Gilberto Gil’s life, one of the main songwriters who was a part of the movement, were chosen as the subjects of our analysis. The study was concluded by pointing out the relevance that modern means of communication had in this movement and the influence this movement still has today.

Keywords: Tropicália; Gilberto Gil; dictatorship; Brazil.

[... A MPB SE FORMOU A PARTIR DA MISTURA DE VÁRIOS ESTILOS, ORIUNDOS DE MANIFESTAÇÕES CULTURAIS INDÍGENAS, EUROPEIAS E AFRICANAS ...]

1. INTRODUÇÃO A música popular brasileira (MPB) foi e é até hoje um estilo musical que traz a crítica em sua essência. Desde o início, a sua função foi satirizar e chamar atenção para a realidade ou dar ênfase a eventos cotidianos.

A MPB se formou a partir da mistura de vários estilos, oriundos de manifestações culturais indígenas, europeias e africanas. Nos séculos XVIII e XIX, os ritmos que a marcaram foram o lundu e a modinha. O lundu era derivado da musicalidade dos negros de Angola e Congo, possuía um forte caráter sensual e uma batida rítmica dançante. Já a modinha é uma variedade da canção tradicional portuguesa, que tinha uma temática espirituosa e tratava de amor em uma batida calma e erudita.

Alguns anos depois, em meados do século XIX, surgiu no Rio de Janeiro o “choro” ou “chorinho”, derivado da mistura da modinha e do lundu, que pode ser considerado a primeira música urbana tipicamente brasileira. Apresentava um jeito lamentoso apesar de ser uma musicalidade inquieta e eufórica. Em 1899, Chiquinha Gonzaga compôs Ó Abre Alas, a primeira marchinha carnavalesca e uma das mais conhecidas da história.

No início do século XX, começou-se a misturar os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem aos orixás. O carnaval começou

a ter a participação de mulatos e negros que haviam deixado de ser escravos. Em novembro de 1916, o primeiro samba foi composto por Ernesto dos Santos (também conhecido como “Donga”) e se chamava Pelo telefone; foi um sucesso no carnaval de 1917. A palavra “samba” remete a diversão, a festa e à música Pelo telefone. Precursor de uma linhagem de composições, o estilo consagrou milhares de artistas nos anos seguintes.

Nas décadas de 1920 e 1930, a MPB cresceu ainda mais. De acordo com a socióloga Lilian Alvez, surgiram as primeiras distinções entre a música popular comercial, feita para atingir um público extenso, e uma música popular artística, apreciada por um público mais restrito, com dispositivos de apreciação mais racionalizados. Nessa época, destacavam-se Ary Barroso, Lamartine Babo, Dorival Caymmi e Noel Rosa. Surgiram também os grandes intérpretes da música popular brasileira: Carmen Miranda, Mário Reis e Francisco Alves.

Em 1940, destacou-se Luiz Gonzaga, que, em suas músicas, retrata o cenário da seca nordestina. O gênero que o consagrou foi o baião, sendo Asa branca o auge de seu sucesso. O baião ainda fazia sucesso quando surgiu o samba-canção, com os novos sucessos de Jackson do Pandeiro, Alvarenga e Ranchinho. Era um ritmo mais calmo e orquestrado, que tratava principalmente de amor.

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Na segunda metade da década de 1950, a partir da influência do jazz norte-americano e do samba, surgiu a bossa nova, que pode ser caracterizada como um movimento musical marcado por grandes nomes da música brasileira, como Tom Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto.

Depois, na década de 60, o surgimento da televisão também influenciou o mundo da música, proporcionando o lançamento de artistas como Milton Nascimento, Elis Regina, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso e Edu Lobo nos Festivais de Música transmitidos.

Foi também nessa época que se instalou a ditadura militar no Brasil, e, em um ato político como resposta ao momento que se vivia, a MPB descreveu, em suas músicas, os horrores da falta de liberdade de expressão e a vontade de um futuro melhor.

Essas mensagens perpetuam até hoje, trazendo à tona toda a covardia aplicada contra a população e não deixando serem esquecidas todas as atrocidades cometidas contra o país.

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Nos anos de 1967 e 1968, surgiu um movimento revolucionário cultural nas artes, principalmente na música, chamado Tropicália. Esse movimento buscava se afastar do intelectualismo da bossa nova e se aproximar dos aspectos da cultura popular.

Nascido em 1942, Salvador, Bahia, Gilberto Gil começou sua vida artística influenciado por Luiz Gonzaga, por músicas de rádio e por eventos musicais que aconteciam em sua cidade natal. Com essa inspiração, usava do acordeom e do vibrafone para se apresentar em festas e eventos.

Mais tarde, conheceu o estilo musical bossa nova, especialmente de João Gilberto e Dorival Caymmi, e adotou o violão como instrumento principal.

[...

TROPICÁLIA...

ESSE MOVIMENTO BUSCAVA SE AFASTAR foi muito influenciado DO INTELECTUALISMO Gil pela música internacional, DA BOSSA NOVA E tendo Os Beatles como grande exemplo. O artista SE APROXIMAR DOS também cita uma forte inspiração da cultura pernamASPECTOS DA bucana, muito singular em formação, pois passou CULTURA POPULAR sua bastante tempo em Recife. Todavia, no contexto de ...] mudança nos caminhos da

música em 1968, seu maior encontro foi com Caetano Veloso, músico que o acompanharia durante toda a carreira. Juntos, eles, Os Mutantes, Beat Boys e Rogério Duprat fundaram o movimento da Tropicália. Assim, Gilberto Gil é peça importante para se entender a manifestação diversa que é o tropicalismo.

Domingo no Parque foi uma surpresa para a época. O público era conservador e, por estar acostumado a um tipo de música que não usava os elementos dos quais Gilberto Gil se aproveitou, rejeitou a canção. O uso da guitarra elétrica, da bateria, do órgão elétrico e de novos compassos rítmicos remetia a uma cultura vinda dos países europeus e dos Estados Unidos, uma ideia de internacionalismo e imperialismo cultural que não era bem aceita pela sociedade da época. Entretanto, mesmo sendo alvo de críticas e ataques, Domingo no Parque e o movimento tropicalista ganharam força e inauguraram um novo modo de enxergar a música brasileira.

A repressão por parte do governo na ditadura culminou na prisão e exílio de Gilberto Gil para Londres, inaugurando sua fase pós-tropicalista. O exílio serviu para reforçar a internacionalização que ele já praticava no Brasil, uma vez que teve um contato ainda maior com Os Beatles, com o guitarrista Jimi Hendrix e toda a gama de artistas internacionais que estavam produzindo, em sua maioria, o rock europeu e norte-americano.

[... MESMO SENDO ALVO DE CRÍTICAS E ATAQUES,

Gilberto Gil retornou ao Brasil em 1972 e, a partir daí, construiu uma extensa discografia e realizou inúmeros shows e apresentações, continuando ativo mesmo depois de 50 anos de carreira. Rodeado de nomes famosos da música brasileira, ele tem faixas em inglês, português e espanhol, que contemplam um arsenal de estilos musicais como o samba-rock, o soul, o funk, o reggae, o rock progressivo e a música experimental, além da MPB.

2. DESENVOLVIMENTO 2.1. A DÉCADA DE 1960 NO BRASIL POLÍTICO No final dos anos 1950, com Juscelino Kubitschek, presidente da época, o país teve um período de grande fortalecimento econômico — aproximadamente 7% de aumento do PIB ao ano — ligado, porém, a um crescimento da dívida externa. Seu sucessor, Jânio Quadros, tratou de assuntos menores, como o uso de biquínis, e se aproximou diplomaticamente de países socialistas, desagradando as Forças Armadas e os anticomunistas (VICENTINO & DORIGO, 2012).

Após a renúncia de Jânio, seu vice — João Goulart (Jango) — foi constitucionalmente impedido de assumir o governo por militares que o alegavam uma ameaça à segurança nacional. O desenvolvimento dessa crise política levou à posse de Goulart em um sistema parlamentarista. Com o plebiscito de 1963, o país voltou ao presidencialismo, e, após o discurso de Jango na Central do Brasil, as elites conservadoras, com medo, apoiaram o golpe militar de 1964 (VICENTINO & DORIGO, 2012).

DOMINGO NO PARQUE E O MOVIMENTO TROPICALISTA

GANHARAM FORÇA E INAUGURARAM UM NOVO MODO DE ENXERGAR A MÚSICA BRASILEIRA ...]

O período de ditadura militar (1964 a 1985), conhecido como Anos de Chumbo, foi marcado pela cassação de mandatos, pelo autoritarismo e pela ruptura com o

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sistema democrático, além da suspensão de direitos. Decretados os AI-4 (1966) e AI-5 (1968), grupos radicais tentaram conflitos armados, enquanto artistas usavam suas obras como protestos (VICENTINO & DORIGO, 2012).

2.2. A DÉCADA DE 1960 NO BRASIL CULTURAL Durante a ditadura, os artistas seguiram as tendências internacionais e buscaram produzir obras politicamente engajadas.

Os principais movimentos foram: a Arena e Oficina no teatro, o Cinema Novo e a Tropicália (VICENTINO & DORIGO, 2012).

Os teatros de Arena e de Oficina foram analisados por Sonia Goldfeder. Ela leva em consideração as obras Arena Conta Tiradentes, cujos autores são Boal e Guarnieri, e O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, dirigido por José Celso Martinez Corrêa.

cinemas da Europa. Nossa geração tem consciência: sabe o que deseja.

Queremos fazer filmes anti-industriais; queremos fazer filmes de autor, quando o cineasta passa a ser um artista comprometido com os grandes problemas do seu tempo; queremos filmes de combate na hora do combate e filmes para construir no Brasil um patrimônio cultural. Não existe na América Latina um movimento como o nosso. A técnica é haute couture, é frescura para a burguesia se divertir. No Brasil o cinema novo é uma questão de verdade e não de fotografismo. Para nós a câmera é um olho sobre o mundo [...] a montagem não é demagogia mas pontuação do nosso ambicioso discurso sobre a realidade humana e social do Brasil!

Isto é quase um manifesto. (ROCHA, 1981, p. 17).

Propostas estéticas e ideológicas tanto do Arena quanto do Oficina: o primeiro atinge a forma mais bem estruturada de sua proposição em termos de um teatro político didático, como veremos, o seu grande objetivo enquanto arte participante da realidade brasileira; o segundo configura-se como o espetáculo que representou a ruptura e renovação mais profunda já sofrida pelo processo de desenvolvimento do movimento teatral, em nível nacional. (GOLDFEDER, 1977, p. 22).

O Cinema Novo focava em aspectos sociais; destaca-se o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol. O principal representante foi Glauber Rocha, que escreveu um livro sobre o tema:

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Nosso cinema é novo não por causa da nossa idade [...] Nosso cinema é novo porque o homem brasileiro é novo e a problemática do Brasil é nova e nossa luz é nova e por isso nossos filmes nascem diferentes dos

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2.3. O TROPICALISMO Foi então em 1968 que um grupo de “baianos ousados” lançou o disco Tropicália e, com ele, uma nova proposta estilística que transformaria a música brasileira. Quem eram esses “baianos”, afinal?

“Os baianos” eram, em verdade, muito mais do que um punhado de jovens que gostavam de aparecer criando polêmica e desafiando os cânones estéticos e morais da “boa família brasileira, católica, de classe média”. Eram intelectuais, artistas e visionários. Pessoas altamente críticas que tinham consciência dos estrondos provocados por aquilo que diziam e justamente por isso o diziam. E sabiam muito bem o que fazer para conferir consistência e legitimidade ao próprio discurso.

(GONZAGA, 2013, p. 53).

Gilberto Gil, o norte da pesquisa, fazia parte desse grupo de baianos ousados. Gil e sua paixão pela música pop contribuíram para a concretização do produto tropicalista, assim retirando o movimento do campo das ideias e tornando-o real. É importante destacar que todo processo criativo está inserido em um contexto que deve ser levado em conta para sua análise.

Voltando um pouco no tempo, em 1922, inaugurava-se o modernismo no Brasil. Na Semana de Arte Moderna — de 13 a 17 de fevereiro de 1922 — foram apresentadas obras literárias, plásticas e musicais que se opunham ao nacionalismo ufanista do romantismo e buscavam criar um novo conceito de identidade nacional:

genuinamente brasileira. Um upgrade cultural que consistia basicamente na apropriação dos mais variados elementos da então vanguarda modernista mundial e deveria desencadear a estruturação de uma unidade criativa e intelectual que sintetizasse a identidade nacional. (GONZAGA, 2013, p. 58).

Com o modernismo, surgem os signos ditos genuinamente brasileiros, contudo a interpretação desses signos, feita pelos artistas da época, ainda tinha como fundamento a estética clássica romana e o paradigma eurocêntrico. A proposta tropicalista era justamente fazer uma releitura de tais signos. Os modernistas partem do ponto de vista de um Brasil já consciente do seu subdesenvolvimento, porém, que não concebe com conformismo sua posição. Essa consciência é motor para o experimentalismo que permite a apropriação realizada pelos tropicalistas — a qual, quando ocorre em relação aos elementos do tradicionalismo nacional, tem cunho afetivo e, quando parte para o material do estrangeiro e do colonizador, tem caráter de protesto.

[...

OS MODERNISTAS PROPUNHAM UMA

RUPTURA RADICAL COM A LINGUAGEM E OS FORMATOS DO TRADICIONALISMO ACADEMICISTA. ...]

Os modernistas não aceitavam mais a mesmice parnasiana das tendências da época. Propunham uma ruptura radical com a linguagem e os formatos do tradicionalismo academicista. Uma espécie de atualização da produção artística brasileira em relação ao panorama internacional, o que deveria implicar o desenvolvimento de uma linguagem estética

O processo de apropriação possui duas principais concepções. Oswald de Andrade (modernista) propõe o conceito antropofágico, que faz referência a uma prática indígena. Sabendo-se que a antropofagia tem um teor místico e religioso nas comunidades indígenas — que consiste na aquisição das características positivas de um guerreiro derrotado a partir do consumo da sua carne —, pode-se perceber que a proposta oswaldiana pressupõe a digestão e associação orgânica de propriedades estilísticas. Essas ideias, defendidas no Manifesto Antropofágico, escrito por Oswald, são a principal referência para os estudos sobre o movimento tropicalista.

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Já o antropólogo argentino Néstor García Canclini propõe um conceito paralelo ao da antropofagia. García concebe as culturas híbridas por meio de processos plásticos de apropriação. A metodologia tropicalista também pode ser observada nesse sentido, como aponta a autora Clarita Gonzaga: Percebo a estética tropicalista, com todos os seus recortes e misturas, muito mais pela perspectiva dos processos de apropriação e colagem observadas por García Canclini do que pelo viés antropofágico. Primeiramente pela ausência de um efetivo processo de “digestão” dos elementos combinados. (Canclini apud GONZAGA, 2013, p. 69).

Anos mais tarde, no contexto da Guerra Fria e consequente polarização mundial, a influência norte-americana na América Latina era bastante notória. No Brasil, os EUA não foram apenas favoráveis ao golpe de 1964 como também presentes e influentes durante o período. Os militares deram licença para a injunção de toda uma cultura de massa norte-americana que passou a competir com a arte brasileira e suplantá-la. Nesse contexto, os tropicalistas “canibais” puderam “digerir” tudo aquilo que lhes era forçosamente apresentado, dando origem aos acordes dissonantes e às guitarras elétricas da Tropicália: O canibal emerge como ícone da crítica irreverente e parricida do artista brasileiro diante da imposição de tendências estrangeiras, então

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norte-americanas, impetradas pela estruturação de um mercado cultural que se alinhava às propostas desenvolvimentistas do governo militar.

(GONZAGA, 2013, p. 68).

Afinal, o movimento tropicalista foi meio de protesto e ação política. Os tais “baianos” ficaram para a história social que é a MPB não apenas pela qualidade de suas produções, mas também por serem os responsáveis pela ressignificação da música brasileira.

2.4. O FESTIVAL DE MÚSICA POPULAR BRASILEIRA DE 1967 O Festival de Música Popular Brasileira de 1967 foi a terceira edição do Festival de MPB realizado pela TV Record. Foram reunidos grandes nomes da música brasileira em prol de uma competição pela melhor canção. O evento aconteceu no Teatro Record Centro, em São Paulo, de 30 de setembro a 21 de outubro de 1967, com apresentação de Sônia Ribeiro e Blota Júnior. Além disso, foi televisionado ao vivo, o que era um grande desafio para a época.

Foram mais de 4 mil músicas inscritas, e somente 36 escolhidas para participar do evento. Após algumas fases eliminatórias, 12 músicas entraram na “finalíssima”. As principais canções apresentadas foram Ponteio, de Edu Lobo e Capinam (música vencedora), Roda Viva, de Chico Buarque, Domingo no Parque, de Gilberto Gil, e Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, esta últi-

ma considerada marco inicial da Tropicália.

[...O “FESTIVAL DOS FESTIVAIS” TINHA OS JOVENS COMO PLATEIA, EM SUA GRANDE MAIORIA

O “Festival dos Festivais”, como é conhecido, tinha os jovens como plateia, em sua grande maioria de classe média, universitários e politizados, vivendo sob a ditadura militar. É importante, assim, ressaltar a participação da plateia nas apresentações, que selecionava ou reprovava os artistas de acordo com o gosto musical e opiniões políticas através de fervorosos aplausos ou ensurdecedoras vaias. Isso provocou alguns acontecimentos, como a desclassificação de Sérgio Ricardo, que quebrou seu violão e jogou-o no público após não conseguir se apresentar devido às intensas vaias. Por outro lado, Caetano Veloso conseguiu parar as vaias do público com a música Alegria, Alegria, conquistando, no final, aplausos de toda a plateia.

DE CLASSE MÉDIA, UNIVERSITÁRIOS E POLITIZADOS,

VIVENDO SOB A DITADURA MILITAR ...]

A noite de 1967 foi muito importante para Gilberto Gil. Ele conseguiu o segundo lugar com sua música Domingo no Parque e o prêmio de melhor arranjo, mesmo acamado e ardendo em febre horas antes da apresentação.

2.5. LETRA Domingo no Parque narra uma história bem simples de um triângulo amoroso, que tem sua essência facilmente assimilada por aqueles que a ouvem. Como Marina Vaz afirma, “Gil consegue a façanha de ilustrar cenas que nos remetem a um universo puro e singelo, retratando, ao mesmo tempo, a frieza de um crime passional” (VAZ, 2009).

A letra começa contando sobre os personagens principais, José e João, ambos pertencentes à camada popular da socie-

dade. José, como a música diz, era brincalhão e trabalhava na feira, já João trabalhava na construção e tinha fama por ser “brigão”.

Isso induz o ouvinte a achar que José é o bom e João é o mau. Imagina-se um feirante como alguém simpático, que tem que cativar o cliente e o operário da construção como alguém forte, bruto, pois trabalha pesado. (NAGASAWA, 2015).

O comportamento das personagens, no decorrer da narração, acaba tomando caminhos contrários quando João resolve não brigar no domingo — em vez de ir jogar capoeira, ele preferiu namorar. A partir desse momento, todos os acontecimentos passam a ser não usuais, contando realmente a história de Domingo no Parque. E o clímax chega em “Foi no parque que ele avistou / Juliana / Foi que ele viu / Foi que ele viu / Juliana na roda com João”.

Assim como o resto do texto, essa parte também é fragmentada. Gilberto Gil faz muito uso de anáfora na música, deixando várias articulações invisíveis, como se o texto estivesse sendo dividido em partes.

O efeito almejado é provocar imagens da cena de forma descontínua, para ilustrar toda a história. Percebe-se isso na descoberta de José, que também ocorre por partes, descrita por Juliana da Mata Ribeiro Souza: “ele avista Juliana, mas ainda não vê tudo. O verbo ‘ver’ ganha o sentido de abarcar o conjunto, a totalidade, por oposição ao ‘avistar’, que indica olhar segmentado” (SOUZA, 2013).

Várias interpretações disponíveis na internet focam também em como o compositor ilustra a rosa e o sorvete: ambos “na mão” de Juliana.

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Eles não estão nas mãos ou, ainda, um em cada mão. Mais do que um recurso de rima, isso reforça a imagem de inocência atribuída a Juliana.

São dois elementos, a rosa (amor) e o sorvete (prazer infantil) convivendo em uma única mão (a mão de Juliana, que representa essa junção).

(VAZ, 2009).

A partir desse momento na narrativa, a relação entre João, José e Juliana pode ser interpretada de diferentes formas. É possível pressupor uma explicação mais direta a partir do escrito da canção: “Juliana e amigo João”. Logo, tanto João como José gostavam de Juliana, mas não é possível afirmar uma relação mais séria entre eles.

João deu uma rosa a ela como prova de amor, e José não teria causado tantos problemas sem um bom motivo. A ira de José ao ver Juliana com João se deve não a uma traição propriamente dita, mas, sim, à inveja e ao desejo por Juliana não concretizado: “Juliana, seu sonho [de José], uma ilusão” (VAZ, 2009). Portanto, não é possível afirmar que de fato uma traição tenha ocorrido.

“O espinho da rosa feriu Zé, e o sorvete gelou seu coração”: a rosa e o sorvete, antes atribuídos à inocência de Juliana, adquirem um novo significado nesse momento. O espinho mostra o impulso destrutivo do amor, que causa a frieza (“sorvete gelado”) no coração de José. A repetição desses objetos mostra o choque que lhe foi causado, e tudo começa a “girar”. Primeiro, eles começam a “dançar no peito”, o que se refere à emoção. Logo depois, “girando na mente” refere-se à razão. É como se, num primeiro momento, José estivesse dominado pela emoção, na medida em que ainda não havia assimilado bem seus sentimentos. Num segundo momento, ele se utiliza da razão para planejar suas ações.

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Tudo gira, inclusive a cabeça de José, que vai deixando de ser brincalhão. Há uma relação de proporção aqui: quanto mais brinca João,

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quanto mais gira a roda-gigante, mais José vai se tornando sério e mesmo beligerante. A seriedade de um aumenta conforme a disposição jovial e brincalhona do outro. A repetição do verbo “girar” mais o uso do gerúndio produzem um efeito hipnotizante. A roda-gigante, rodando, põe a girar também a cabeça e as ideias de José. (SOUZA, 2013).

[... É DADO FOCO AO VERMELHO DE AMBOS, PODENDO REPRESENTAR

O AMOR,

MAS PRINCIPALMENTE A RAIVA, O ÓDIO E O INCÔMODO DE JOSÉ ...]

Aplica-se uma nova simbologia à rosa e ao sorvete: é dado foco ao vermelho de ambos, podendo representar o amor, mas principalmente a raiva, o ódio e o incômodo de José com esses objetos, já que eles continuam girando no personagem. Até que chega a parte mais importante — o crime: “Olha a faca! (Olha a faca!) Olha o sangue na mão”. Nos versos seguintes, percebe-se que Juliana e João foram esfaqueados. Essa cena se dá com suspense, pois o sangue é mencionado e logo depois vem o verso: “Juliana no chão, outro corpo caído, seu amigo João”. Como sempre, as imagens são fragmentadas.

E, ao final, Gil canta: “Amanhã não tem feira, não tem mais construção, não tem mais brincadeira, não tem mais confusão”, fazendo referência com o coro a João e José, que não irão cumprir suas funções no dia seguinte. O autor deixa em aberto o que realmente aconteceu, porque o texto diz “amanhã”, podendo esse amanhã sig-

nificar somente “dia seguinte” ou “de agora em diante”. É possível somente especular o que aconteceu quando ele reanima cantando “Êh, Êh, Êh, Êh”. Após contar uma história trágica, ele não se prende ao pessimismo e segue em ritmo animado, até a música “sumir”. Isso pode significar que, apesar da história trágica presenciada, o dia a dia não para, as atividades não cessam, e a vida ainda continua.

2.6. MÚSICA Na versão original da música, no início se pode notar uma agitação, representando os conflitos vividos pelos dois personagens durante a semana. Era muito comum nesta época o uso de vinhetas, e Gil se utiliza desse artifício para dar a impressão de uma semana agitada e dos sons do parque para ambientar o ouvinte. Ouvem-se sorrisos e diversão, sons típicos de um fim de semana. Aparece o som característico

do berimbau, instrumento ligado diretamente à capoeira, que é jogada em uma grande roda. O clímax do conto acontece com a roda-gigante. A música foi feita de uma forma que o ouvinte sinta-se girando como se estivesse em uma roda-gigante ou em uma roda de capoeira.

A versão original de Domingo no Parque é tocada em ré maior, em um ritmo de baião, compasso 2/4, que é marcado por um berimbau ao longo de toda a música. No presente trabalho, optou-se por reproduzi-la em dois violões, em dó maior, utilizando os acordes C, Bb, F, G, F#m7, B7, Em7, A7, Dm7, G7, Gm7, Am7, A, D, Em, D7, G#, Dm, Eb, Bm. Gilberto Gil e Os Mutantes interpretaram Domingo no Parque pela primeira vez sobre um arranjo de vanguarda do maestro Rogério Duprat, que associava os sons da orquestra, composta de instrumentos como trompetes, trombones, violoncelos, violinos, e os sons das guitarras elétricas com os ruídos de um parque de diversões.

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DOMINGO NO PARQUE (original) Tom: D Intro: (D C D)

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(D C D) O rei da brincadeira (ê, José) O rei da confusão (ê, João) Um trabalhava na feira (ê, José) D CGAD Outro na construção (ê, João) G#m7 C#7 F#m7 A semana passada, no fim da semana B7 Em7 A7 D João resolveu não brigar G#m7 C#7 F#m7 No domingo de tarde saiu apressado B7 Em7 A7 D E não foi pra Ribeira jogar capoeira C Bm7 A7 (D C D) Não foi pra lá, pra Ribeira, foi namorar G#m7 C#7 F#m7 O José como sempre no fim da semana B7 Em7 A7 D Guardou a barraca e sumiu G#m7 C#7 F#m7 Foi fazer no domingo um passeio no parque B7 Em7 A7 D Lá perto da Boca do Rio Am7 Bm7 A7 Foi no parque que ele avistou Juliana (D C D) Foi que ele viu B7 E BAE Foi que ele viu Juliana na roda com João B A B Uma rosa e um sorvete na mão D G F#m Juliana seu sonho, uma ilusão B E7 A Juliana e o amigo João G O espinho da rosa feriu Zé

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Bb Em E o sorvete gelou seu coração (G F) O sorvete e a rosa (ô, José) A rosa e o sorvete (ô, José) Foi dançando no peito (ô, José) Do José brincalhão (ô, José) (C Bb C) O sorvete e a rosa (ô, José) A rosa e o sorvete (ô, José) Oi, girando na mente (ô, José) Do José brincalhão (ô, José) (E D E) Juliana girando (oi, girando) (A G A) Oi, na roda-gigante (oi, girando) (E D E) Oi, na roda-gigante (oi, girando) (A G A) O amigo João (João) B7 (E D E) O sorvete é morango (é vermelho) (C#m B7 C#m) Oi, girando e a rosa (é vermelha) (A G A) Oi, girando, girando (é vermelha) E Oi, girando, girando...

Olha a faca! (olha a faca!)

(A G A) Olha o sangue na mão (ê, José) Juliana no chão (ê, José) Outro corpo caído (ê, José) F#m7 Seu amigo João (ê, José) B7 E Amanhã não tem feira (ê, José) E/D A/C# Não tem mais construção (ê, João) B7 A Não tem mais brincadeira (ê, José) G#m F#m7 B7 E Não tem mais confusão (ê, João)

DOMINGO NO PARQUE

(versão do trabalho)

Tom: C Intro: (C Bb C) (C Bb C) O rei da brincadeira (ê, José) O rei da confusão (ê, João) Um trabalhava na feira (ê, José) C Bb F G C Outro na construção (ê, João) F#m7 B7 Em7 A semana passada, no fim da semana A7 Dm7 G7 C João resolveu não brigar F#m7 B7 Em7 No domingo de tarde saiu apressado A7 Dm7 G7 C E não foi pra Ribeira jogar capoeira Bb Am7 G7 (C Bb C) Não foi pra lá, pra Ribeira, foi namorar F#m7 B7 Em7 O José como sempre no fim da semana A7 Dm7 G7 C Guardou a barraca e sumiu F#m7 B7 Em7 Foi fazer no domingo um passeio no parque A7 Dm7 G7 C Lá perto da Boca do Rio Gm7 Am7 G7 Foi no parque que ele avistou Juliana (C Bb C) Foi que ele viu A7 D A G D Foi que ele viu Juliana na roda com João A G A Uma rosa e um sorvete na mão C F Em Juliana seu sonho, uma ilusão A D7 G Juliana e o amigo João F O espinho da rosa feriu Zé

G# Dm E o sorvete gelou seu coração (F Eb) O sorvete e a rosa (ô, José) A rosa e o sorvete (ô, José) Foi dançando no peito (ô, José) Do José brincalhão (ô, José) (Bb G# Bb) O sorvete e a rosa (ô, José) A rosa e o sorvete (ô, José) Oi, girando na mente (ô, José) Do José brincalhão (ô, José) (D C D) Juliana girando oi, girando (G F G) Oi, na roda-gigante oi, girando (D C D) Oi, na roda-gigante oi, girando (G F G) O amigo João (João) A7 (D C D) O sorvete é morango (é vermelho) (Bm A7 Bm) Oi girando e a rosa (é vermelha) (G F G) Oi, girando, girando (é vermelha) D Oi, girando, girando...

Olha a faca! (Olha a faca!)

(G F G) Olha o sangue na mão (ê, José) Juliana no chão (ê, José) Outro corpo caído (ê, José) Em7 Seu amigo João (ê, José) A7 D Amanhã não tem feira (ê, José) D/C G/B Não tem mais construção (ê, João) A7 G Não tem mais brincadeira (ê, José) F#m Em7 A7 D Não tem mais confusão (ê, João)

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo de transformação da MPB em manifestação de cunho social e político deve-se, em grande parte, ao movimento tropicalista. Esse movimento diminuiu o caráter romântico e ufanista da arte, trouxe para o debate os problemas do país e temas tabus. Até então, a música era muito formalizada e artificial se considerado o que realmente é o Brasil, país que carrega em sua formação diversas culturas e diversas formas de expressão. Foi o tropicalismo que finalmente popularizou a música e mostrou uma forma visionária de fazer uma arte engajada sem deixar de ser arte ou popular. É necessário ressaltar a importância do desenvolvimento dos meios de comunicação para o movimento. O Festival de Música em que Domingo no Parque foi lançada, por exemplo, só foi possível graças à chegada da televisão ao Brasil e sua guinada ao sucesso nos anos 1950, 1960.

Tinhorão (2010) argumenta que a imperialização cultural e econômica do Brasil na segunda metade do século XX trouxe à nação todo tipo de indústria estrangeira e foi necessária para o surgimento da Tropicália e para o novo modelo da disseminação de cultura, voltado para festivais, gravadoras e o empresariado musical, que estão diretamente ligados a empreiteiras mundiais. Na época, nas décadas de 1950 e 1960, empresas necessariamente estadunidenses e inglesas, estendendo-se no máximo às canadenses e europeias, aproveitaram-se dos anos de governos autoritários e politicamente neoliberais.

100

É exposto por Tinhorão (2010) que a maior parte da população tinha uma renda muito reduzida, sujeita ao que lhe era apresentado pelos meios de comunicação, desinformada, despolitizada e com péssimos níveis de escolaridade. O povo, sendo

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[...

FOI O TROPICALISMO QUE FINALMENTE POPULARIZOU A MÚSICA E MOSTROU UMA FORMA VISIONÁRIA DE FAZER UMA ARTE ENGAJADA SEM DEIXAR DE SER ARTE OU POPULAR. ...] desprovido de poder para manter suas tradições e para ter um protagonismo em seu consumo, foi submetido ao processo imperialista.

Até hoje o Brasil reconhece as consequências desse período. No âmbito musical, pelas décadas de 1960, 1970 e 1980, observa-se, por exemplo, o surgimento do rock e do metal brasileiro, que deixou de ser chamado “iê-iê-iê” para dar lugar a nomes internacionais (influência do tropicalismo): o samba-rock, a black e soul music, o funk e o rap.

Especialmente na década de 1990, houve uma celebridade pós-Tropicália, Chico Science & Nação Zumbi, que liderou um movimento na música muito parecido com a ideia da Tropicália. O grupo misturava a carga cultural de Recife, o maracatu, com o rock e o metal, e publicou um manifesto inspirado no Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade, dando origem ao Mangue Beat.

O grupo Tribalistas, formado por Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte, também teve relevância: Arnaldo, sendo um poeta concretista que compunha em cima de sons e temas de rock e punk; Brown, um percussionista baiano ligado à cultura afro-brasileira e que já fora parte da banda de acompanhamento de Caetano Veloso; e Marisa, uma grande cantora de MPB e samba. Os Tribalistas fizeram grande sucesso e influenciaram todo o país e seus músicos.

Entre 2000 e 2010, o sertanejo universitário, o funk brasileiro, o rap, o pop, a MPB e as músicas alternativas passam a ter o seu espaço no mercado musical brasileiro.

Um grande exemplo que Caetano Veloso dá em entrevista à BBC é do funk e do sertanejo, declarados por ele como a “nova Tropicália”, inclusive pensando em artistas como Anitta, que já produziu músicas de variados estilos latino-americanos. Afinal, o movimento tropicalista inaugurou uma nova época de música brasileira, abriu o país ao mundo, trouxe as questões do subdesenvolvimento e da subserviência do Brasil às potências nacionais e empresariais e, mesmo fora do campo político, o tropicalismo está presente na relação entre a população e a arte.

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BIOLÓGICAS

O USO DO JOGO “GUERRA OCEÂNICA” NO ENSINO DE CONCEITOS APLICADOS À CORRIDA ARMAMENTISTA EVOLUCIONÁRIA THE USE OF THE GAME “GUERRA OCEÂNICA” FOR MEANS OF TEACHING CONCEPTS APPLIED TO THE EVOLUTIONARY ARMS RACE

Orientador: Felipe Scalabrini Pinto1

Orientandos: Ana Laura Rodrigues Silvério2 André Oliveira Campos Calixto3 Bárbara Brandão de Morais4 Clara Batistelli Mateus Ribeiro Miranda5 Daniela Lopes Vieira6 Júlia Corrêa7 Leonardo Salles Franco da Silveira8 Letícia Cypriano Pereira9 Lucas Mesquita Andrade10 Maria Spínola Ramos11 Marina Bueno de Castilho Silva12 Matheus Farnese Lacerda Senna13

1 Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

2 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

3 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

4 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

5 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

6 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

7 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

8 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

9 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

10 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

11 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

12 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

13 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

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RESUMO Este artigo apresenta proposta de ensino dos conceitos aplicados à corrida armamentista evolucionária. Para isso, foi desenvolvido o jogo “Guerra Oceânica”, que consiste em disputa de cartas que simulam a relação entre predadores e presas, explicitando a pressão seletiva que um exerce sobre o outro e evidenciando a coevolução entre as espécies. O recurso pedagógico foi aplicado em 147 alunos do 7o Ano do Ensino Fundamental do Colégio Santo Antônio (Belo Horizonte), divididos em grupo controle e grupo teste. Foi proposto um questionário e, ao se avaliarem suas respostas, concluiu-se que o jogo contribuiu para a aprendizagem dos alunos.

Palavras-chave: coevolução; corrida armamentista; predadores; presas; jogos.

ABSTRACT This article proposes manners of teaching the concepts applied to the evolutionary arms race.

Therefore, the game “Guerra Oceânica” was developed. It consists on a cards confrontation that simulates the relationship between predators and preys, putting in evidence the selective pressure that one of those types of animals exerts on the other one and demonstrating the coevolution between species. The pedagogical resource was applied to 147 students in 7th grade of Elementary School (Colégio Santo Antônio, Belo Horizonte).

They were divided in control group and group for testing. A questionnaire was created and, when its answers were evaluated, we concluded that the game contributed to the students’ learning.

Keywords: coevolution; arms race; predators; preys; game.

1. INTRODUÇÃO Na segunda metade do século XIX, surge o embrião da teoria evolutiva moderna com o darwinismo. De acordo com essa teoria, a biodiversidade é resultado da pressão seletiva do meio sobre os seres que o habitam. Somam-se, ao efeito do meio, as próprias relações entre espécies para a origem da heterogeneidade biológica. Essas relações moldam as adaptações de predadores e presas, parasitas e hospedeiros e seres em competição, de modo que os seres vivos coevoluam.

A coevolução pode ser entendida como as constantes transformações evolutivas sofridas pelos seres vivos que, ao longo da história, ocorrem a fim de permitir a manutenção da relação entre os indivíduos sem que um supere o outro em demasia (BIAZOLI)1.

[...

AS VARIAÇÕES ADAPTATIVAS SOFRIDAS PELOS SERES VIVOS ATUAM PARA MANTER O

INDIVÍDUO EM HARMONIA COM O OUTRO SER ENVOLVIDO NA RELAÇÃO ...]

A Teoria da Rainha Vermelha afirma que os seres, em uma corrida armamentista evolucionária — assim como a personagem Rainha Vermelha, na obra Alice através do espelho —, sofrem constantes transformações para continuar no mesmo lugar. Dessa forma, entende-se que as variações adaptativas sofridas pelos seres vivos atuam para manter o indivíduo em harmonia com o outro ser envolvido na relação, sem que um supere demasiadamente o outro. Com isso, 1 Disponível em: http://www.biologia.bio.br/curso/ Introdu%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20 Biologia%20Evolutiva/Hipotese%20da%20Rainha%20Vermelha.pdf. Acesso em: 11 dez. 2018.

evita-se um desequilíbrio que levaria ambos os seres vivos à extinção. Assim, a biodiversidade das espécies em relações de predação, parasitismo e competição é mantida constante, sem que uma espécie predomine sobre a outra e a leve à extinção.

Na natureza, vários seres coexistem em um mesmo meio, e, para sobreviverem, há um processo natural de predação, no qual predadores caçam presas que, por sua vez, tentam não ser capturadas.

Esse processo de eterno e mútuo aprimoramento denomina-se corrida armamentista evolucionária (DAWKINS, 2009), que se trata de um processo coevolutivo no qual, quando um dos lados adquire uma novidade evolutiva, é colocada uma pressão seletiva sobre o outro.

Com isso, também há uma competição interna entre os próprios predadores/ presas. Não basta ser melhor do que o outro lado, mas o indivíduo precisa ser mais apto a caçar/fugir do que seus companheiros de mesma espécie, pois assim ele conseguirá melhores resultados. Se um predador se tornar mais veloz, haverá uma pressão seletiva sobre a presa, selecionando indivíduos com maior velocidade ou maior capacidade de se camuflar e se esconder daquele.

Em situações normais, os lados estão em equilíbrio entre si, ou seja, uma espécie não se sobressai perante a outra (DAWKINS, 2009). Uma mutação benéfica no predador faz com que ele comece a capturar presas com mais facilidade.

Ocorrerá, assim, uma maior pressão seletiva sobre as presas, selecionando as mais adaptadas a escapar do predador.

Apesar de serem da mesma espécie, os indivíduos são diferentes entre si no que tange a habilidades e morfologia. As presas que, por acaso, tiverem algo que rebata o desenvolvimento do predador sobressairão em relação aos companheiros de mesma espécie (DAWKINS, 2009).

Dessa forma, o equilíbrio é restaurado, pois as selecionadas procriar-se-ão e

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a evolução do predador não surtirá efeito destruidor sobre a presa (DAWKINS, 2009).

O número de repetições tende ao infinito (desconsiderando agentes externos). Por isso, o que acontece é uma eterna corrida armamentista entre predadores e presas.

Entretanto, paradoxalmente, é uma corrida que leva sempre ao ponto zero, pois o equilíbrio sempre será mantido (DAWKINS, 2009).

2. DESENVOLVIMENTO 2.1. A VARIAÇÃO GÊNICA COMO EVIDÊNCIA DA SELEÇÃO

As variações genéticas são as diferenças entre indivíduos na composição de seus genes e podem ser quantificadas pela porcentagem média de loci que são heterozigotos. A variação se origina quando uma mutação, duplicação gênica ou outros processos produzem novos alelos e novos genes (PERUQUETTI, 2014).

Em organismos diploides, os alelos prejudiciais, por exemplo, que são recessivos, podem ser “escondidos” da seleção.

A “proteção do heterozigoto” mantém um grande conjunto de alelos que podem não ser favoráveis nas atuais condições dos seres, mas podem vir a ser úteis caso tais condições mudem (CHARLESWORTH & WILLIS, 2009).

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Nesse contexto, tem-se a seleção balanceadora, que se apresenta em duas formas: vantagem do heterozigoto e seleção dependente da frequência de alelos.

Nesta, o valor adaptativo de um fenótipo depende do quão comum ele é na população, e, naquela, os indivíduos heterozigotos em determinado locus possuem maior valor adaptativo que os dois tipos de homozigotos (MEYER, 2014).

2.2. O MEIO COMO RESPONSÁVEL PELA PRESSÃO SELETIVA

A ideia de evolução biológica foi articulada pelo cientista e pesquisador Charles Robert Darwin (1809-1882) em sua obra On The Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life (24, Nov.1859), simplificada em On the Origin of Species. O livro aborda ampla discussão e diversas evidências que caracterizam a Teoria da Evolução das Espécies, ou, como é comumente conhecida, a Teoria Darwinista.

Segundo a discussão iniciada por Darwin e posteriormente incrementada por diversos cientistas e pesquisadores, as espécies surgiram e evoluíram por meio da seleção natural conforme ocorrem mudanças ambientais e genéticas (AMABIS & MARTHO, 2004). Assim, algumas espécies se extinguiram, outras se perpetuaram e muitas surgiram no decorrer dos milhões de anos.

[...

OS INDIVÍDUOS MAIS APTOS PARA O MEIO PERPETUARIAM, JÁ QUE ESTE PROMOVE PRESSÃO SELETIVA ...]

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[... O TERMO

“PRESSÃO SELETIVA” REMETE AO EFEITO CAUSADO POR UM AJUNTAMENTO DE CONDIÇÕES AMBIENTAIS QUE ORIGINA O FAVORECIMENTO DE CERTOS GENES EM RELAÇÃO A OUTROS

...]

A seleção natural foi o princípio utilizado para basear a teoria: os indivíduos mais aptos para o meio perpetuariam, já que este promove pressão seletiva. A partir do século XX, a Teoria Sintética da Evolução, ou o Neodarwinismo, apresenta o “mecanismo genético da hereditariedade, mutação e recombinação gênica como fatores espontâneos ou causais dessa pressão” (PAZZA, 2013).

O termo “pressão seletiva” remete ao efeito causado por um ajuntamento de condições ambientais que origina o favorecimento de certos genes em relação a outros em determinada população. “É uma influência ambiental, que causa este desbalanceamento ou desigualdade nas chances de sobrevivência dos vários alelos que disputam um locus no genoma” (BARCELLOS, 2008). O meio, caracterizando-se como executor da pressão seletiva, pressiona e, eventualmente, molda o pool gênico.

A expressão pool gênico, também conhecida como fundo genético, trata-se do conjunto total de cópias dos alelos únicos de determinada população ou espécie que troca e recombina entre si seus genes,

formando a base (ou fundo) genética para a próxima geração. Ao se observarem todas as cópias de todos os genes em determinada população ou espécie, pode-se analisar de forma abrangente a expressão da variação genética. “Se houver mais variação, são maiores as chances de que haverá alguns alelos presentes que permitam aos organismos sobreviverem e se reproduzirem efetivamente sob as novas condições” (RYE et al, 2018).

2.3. TÁTICAS DE DEFESA E DE CAPTURA 2.3.1. TÁTICAS DE DEFESA As táticas de defesa estão presentes, principalmente, entre presas. Os predadores costumam usar suas próprias técnicas de captura para se defenderem. Por serem constantemente atacadas, as presas buscam sempre maneiras diferenciadas para se defenderem desses ataques. Uma das estratégias mais utilizadas é possuir mecanismos que também causem feridas nos agressores. Cita-se como exemplo a raia-pintada (Aetobatus narinari) (FERREIRA, 1986).

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Outro mecanismo defensivo comum é a utilização de substâncias venenosas, presentes em animais, porém, muitas vezes, o veneno pode não ser suficiente, então, muitos animais apresentam-no associado a algum outro método, como se observa no peixe-pedra (Synanceia verrucosa) (MCGROUTHER, 2010). O mimetismo é outra forma bastante popular, que consiste na mudança da estética para aparentar ser outra espécie ou fazer parte do próprio ambiente; essas mudanças vão de camuflagem até alteração da cor do corpo. Um animal que se utiliza do mimetismo é o polvo-mímico (Thaiumsoctopus mimicus) (HARMON, 2013).

rém, produz um muco que o protege da cnida, permitindo a ele se esconder dentro desses animais cnidários (TALARICO & RAMOS, 2006).

2.3.2. TÁTICAS DE CAPTURA Muitos predadores usam ataques físicos para capturarem a presa de interesse. Fortes mordidas, uso da cauda como chicote e espinhos são exemplos desses ataques físicos. O tubarão-charuto (Tsistius brasiliensis) (REVISTA OASIS – Brasil 247, 2014) é um exemplo de animal que utiliza sua forte mordida para capturar seu alimento.

[... É IMPORTANTE RESSALTAR COMO A RELAÇÃO ENTRE OS SERES PODE SE TORNAR UMA TÁTICA DE DEFESA. ...]

Instintos e características naturais também podem ser vistos entre os animais como métodos para se defenderem. Um instinto natural muito comum é o de fuga.

Dentro do ambiente aquático, temos como exemplo o peixe-bolha (Psychrolutes marcidus), que é capaz de atingir velocidades muito acima do padrão quando em fuga (SOARES, 2013).

Muitas vezes o próprio corpo do animal funciona como uma proteção, o que exemplifica o uso de uma característica natural para a defesa. A baleia-jubarte (Megaptera rovaeanglia), por exemplo, possui um porte muito grande e se torna, consequentemente, difícil de ser predada (LODI & BOROBIA, 2013).

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Por fim, é importante ressaltar como a relação entre os seres pode se tornar uma tática de defesa. O mutualismo entre a anêmona (Actiniaria) e o peixe-palhaço (Amphiprion ocellaris) é o principal exemplo disso: as anêmonas liberam uma substância chamada cnida, que é tóxica à maioria dos animais; o peixe-palhaço, po-

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Outros predadores fazem o uso de venenos, que deixam os animais incapacitados. O veneno pode estar associado a espinhos, muco e tentáculos. Dentro desse grupo, encontram-se animais como a vespa-do-mar (Chinorex fleckeri) (FENNER, 2000).

Predadores habitantes de ambientes mais escuros, como as regiões abissais dos oceanos, costumam ter a bioluminescência como método de atrair e capturar as presas; o peixe-pescador (Lopnius piscatoris) é um exemplo desse grupo (LUNA & BAILY, 2006).

Ainda são métodos usados para a captura: camuflar-se, liberar cargas elétricas e ter um abdômen elástico, que possibilita ao animal engolir outros de maior porte.

2.4. USO DE JOGOS E ATIVIDADES LÚDICAS COMO MÉTODO DE ENSINO

Verifica-se que jogos e brincadeiras apresentam um papel relevante na vida das crianças, contribuindo para seu desen-

volvimento intelectual, e, ao decorrer da vida, a prática lúdica as auxilia a adquirir experiências e aprendizado. Com o grande interesse das crianças pelos jogos, o uso destes é uma forma muito eficaz para o ensino, pois os pequenos já são acostumados com o modelo, sendo assim mais fácil entenderem e memorizarem a matéria escolar. Além disso, as atividades lúdicas atuam de maneira efetiva para a formação e melhoria do raciocínio lógico e dedutivo, assim como a análise e interpretação de dados, a fim de obter-se uma conclusão.

As crianças se interessam mais por jogos do que por aulas teóricas, e sua utilização contribui para que os estudantes passem a gostar da experiência de aprendizado e, consequentemente, comecem a entender melhor o que lhes for apresentado durante as aulas. Imagens e cores, comuns nos jogos, consistem em verdadeiros atrativos para tal recurso.

aprendizado social através das regras, que impõem limites e mostram a importância de se respeitar o próximo.

Nesse sentido, as atividades lúdicas devem ser criadas considerando o público ao qual vão ser destinadas. Aquelas que requerem mais uso da criatividade são interessantes para as crianças, que ampliam o seu campo de visão e de entendimento do assunto. As atividades de maior conhecimento intelectual serão mais bem trabalhadas com os mais velhos, já que esses tendem a ter um desenvolvimento maior de suas capacidades cognitivas.

[... OS JOGOS NÃO SÓ AUXILIAM

NO APRENDIZADO CONCEITUAL DA MATÉRIA, COMO TAMBÉM NO APRENDIZADO SOCIAL ...]

2.5. APRESENTAÇÃO DO JOGO “GUERRA OCEÂNICA”

Os jogos são uma forma melhor de aprendizagem, principalmente por terem como fundamento o exercício da mente. Assim como atividades de perguntas e respostas passadas pelos professores, o treino provido do ato da competição lúdica também ajuda no entendimento e na memorização, tal como o estabelecimento de relações entre objetos de estudo e de analogias às informações fornecidas em classe.

Os jogos não só auxiliam no aprendizado conceitual da matéria, como também no

Para esta pesquisa, foi desenvolvido o jogo “Guerra Oceânica” a fim de contribuir para o ensino de relações ecológicas e evolutivas entre diferentes espécies. O jogo elaborado consiste em uma atividade lúdica envolvendo cartas que relacionam predadores e presas no ambiente marinho, estabelecendo entre os animais uma relação de competição. Esta leva em consideração o nível de adaptação dos seres ao ambiente em que se encontram, as características dos animais (alimentação e fraqueza, por exemplo) e as estratégias de predação e de fuga.

Com isso, procura-se demonstrar a influência do meio e das relações animais no processo de coevolução, explicado

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pela Teoria da Rainha Vermelha, entre esses seres. No decorrer do jogo, o aluno perceberá claramente que o nível de adaptação do animal em relação às condições impostas nas disputas é de extrema importância para a sobrevivência e sucesso das espécies.

[... EM CASO DE EMPATE, O PREDADOR E A PRESA SÃO IGUALMENTE BEM OU MAL ADAPTADOS ÀS CONDIÇÕES COLOCADAS PELO JOGO ...]

O jogo contém 24 cartas de predadores (vermelhas) e 24 cartas de presas (azul-marinho), um dado e um manual de regras. Cada carta apresenta informações referentes a características dos animais, como nome científico e popular, alimentação, fraqueza, ataque e defesa e ambiente onde o ser vive. Com o dado se sorteia um dentre três ambientes marinhos: superfície, águas intermediárias e profundezas. O manual contém as normas que norteiam as jogadas.

Em cada rodada, são postas em confronto duas cartas, uma de predador e outra de presa, cada qual pertencente a um dos jogadores. A disputa consiste em o jogador analisar as características dos animais apresentadas nas cartas, em relação ao ambiente selecionado pelo dado, para definir o animal que se sobrepõe ao outro nas condições impostas.

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A vitória de um predador demonstra que este é bem adaptado para predar aquela presa devido a suas características preda-

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tórias sobressaírem às de fuga/defesa (da presa) e/ ou devido a ele ser mais bem ambientado ao meio selecionado.

Em contraposição, o triunfo de uma presa mostra que esta é bem adaptada para fugir/defender-se do predador em razão de suas estratégias de fuga/ defesa serem melhores que as de ataque (do predador) e/ou de ela ser mais apta a sobreviver no meio definido.

Em caso de empate, o predador e a presa são igualmente bem ou mal adaptados às condições colocadas pelo jogo. Isso evidencia que, em situações como esta, a sobrevivência e o sucesso do animal são dificultados.

O jogo acaba após 15 minutos ou quando um jogador perde todas as suas cartas.

Vence quem tiver o maior número de cartas na mão.

2.6. APLICAÇÃO DO JOGO: TESTE DA EFETIVIDADE DO MATERIAL ELABORADO

2.6.1. MÉTODO DE APLICAÇÃO E INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE A PRÁTICA

Com o objetivo de comprovar que o jogo pode ser utilizado como recurso didático, contribuindo para a aprendizagem dos alunos sobre relações ecológicas e evolu-

tivas entre diferentes espécies, foi realizado um experimento com os alunos do 7o Ano do turno da manhã do Colégio Santo Antônio, de Belo Horizonte. Para a realização do experimento, as turmas foram divididas em um grupo controle (com 76 alunos no total) e um grupo teste (com 71 alunos no total).

A experiência consistiu na aplicação do jogo e de um questionário, sendo que, no grupo controle, o questionário foi aplicado anteriormente ao jogo e, no grupo teste, o questionário foi aplicado posteriormente ao jogo. O formulário de questões continha quatro perguntas cujo objetivo era mensurar o conhecimento de cada aluno acerca dos conceitos aplicados à corrida armamentista evolucionária. A aplicação do questionário foi feita de modo que cada aluno respondesse às questões individualmente e sem qualquer consulta a materiais extras, como celulares e livros didáticos.

De modo geral, em todas as turmas os alunos se mostraram animados e eufóricos com a oportunidade de jogar “Guerra Oceânica”. Um dos alunos da turma C chegou a comentar que gostaria de ter, ele próprio, uma cópia do jogo.

2.6.2. RESULTADOS OBTIDOS COM A APLICAÇÃO Os resultados serão explicitados a partir da apuração das respostas a cada pergunta do questionário. As questões 1 e 2 apresentam cinco itens cada. A avaliação dessas foi feita a partir do número de itens acertados (0 a 5). O resultado do levantamento pode ser visto nas tabelas abaixo (Tabelas 1 e 2): *QUESTÃO 1 (5 ITENS) - Cite cinco maneiras diferentes de uma presa fugir de um predador.

Modo de aplicação/ Aplicação anterior ao jogo Aplicação posterior ao jogo Nº de acertos 0 1 2 3 4 5

(grupo controle) 4% 3% 24% 34% 25% 10%

(grupo teste) 0 0 1% 10% 28% 61%

Tabela 1: Resultado da primeira questão respondida no questionário.

*QUESTÃO 2 (5 ITENS) - Cite cinco maneiras diferentes de um predador caçar sua presa.

Modo de aplicação/ Aplicação anterior ao jogo Aplicação posterior ao jogo Nº de acertos 0 1 2 3 4 5

(grupo controle) 7% 13% 33% 31% 9% 7%

(grupo teste) 1% 3% 11% 23% 30% 32%

Tabela 2: Resultado da segunda questão respondida no questionário.

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Como se pode observar, nas turmas em que a aplicação do questionário foi posterior ao jogo, o número de itens acertados pelos alunos se mostrou maior. No grupo controle observou-se um conhecimento restrito por parte dos alunos em relação a este tema, com a maior parte deles tendo acertado três das cinco maneiras que deveriam ter sido propostas na questão 1, e duas das cinco maneiras na segunda pergunta. Por sua vez, os alunos do grupo teste demonstraram um amplo conhecimento acerca das táticas predatórias e de fuga; em ambas as questões, a maior parte dos alunos apresentou corretamente as cinco maneiras que deveriam ser propostas.

Percebe-se que a aplicação do jogo levou os alunos a incorporarem as informações expostas nas cartas acerca do tema das duas primeiras questões e a responderem mais adequadamente ao que foi proposto nas perguntas.

A questão 3 apresenta um único item e procura observar como cada aluno enxerga a aplicabilidade de uma teoria evolutiva quando contextualizada. Os resultados obtidos em cada grupo podem ser vistos na tabela que segue (Tabela 3): *QUESTÃO 3 – Explique como as características do meio influenciam na chance de determinada espécie sobreviver ou ser extinta ao longo do tempo.

Modo de aplicação/

Aplicação anterior ao jogo

Aplicação posterior ao jogo

(grupo controle)

(grupo teste)

Lamarckista

17%

17%

Darwinista

32%

57%

Não souberam responder

51%

26%

Adequação da resposta a uma teoria evolutiva

Tabela 3: Resultado da terceira questão respondida no questionário.

Analisando-se a tabela acima, fica claro que a postura Darwinista prevaleceu em relação à Lamarckista. Já no grupo teste, o número de indivíduos que respondeu conforme a teoria de Darwin foi superior ao do grupo controle, em que houve maioria incapaz de responder.

Os resultados obtidos no grupo controle mostram que a maior parte dos alunos não respondeu adequadamente à questão. Isso demonstra o pouco conhecimento dos integrantes acerca das relações evolutivas. Em contraste, no grupo teste, os estudantes em maioria responderam corretamente, de acordo com a Teoria Darwinista. Desse modo, “Guerra Oceânica” foi importante para que os alunos compreendessem a relação dos seres vivos com o meio e o impacto dessa relação sobre o processo evolutivo.

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Por fim, a questão 4 apresenta item único e visa avaliar a compreensão dos alunos sobre o tema da coevolução. Seguem os resultados obtidos em cada grupo (Tabela 4):

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[...

“GUERRA OCEÂNICA” FOI IMPORTANTE PARA QUE OS ALUNOS COMPREENDESSEM A RELAÇÃO DOS SERES VIVOS COM O MEIO E O IMPACTO DESSA RELAÇÃO SOBRE O PROCESSO EVOLUTIVO. ...]

*QUESTÃO 4 - A ideia da seleção natural afirma que mudanças no meio selecionam os seres com melhores condições para sobreviver. Explique como as características dos predadores e presas também podem selecionar os seres que possuem maiores chances de sobrevivência.

Modo de aplicação/ Adequação da resposta à teoria da coevolução

Aplicação anterior ao jogo

Aplicação posterior ao jogo

Adequado Não se aplica

(grupo controle) 41% 59%

(grupo teste) 68% 32%

Tabela 4: Resultado da quarta questão respondida no questionário.

A tabela acima (Tabela 4) mostra que, quando a aplicação do jogo foi posterior à do questionário, as respostas dadas pelos alunos eram, em maioria, adequadas ao proposto na questão. No grupo controle, uma maioria significante não soube responder de maneira adequada ao exercício proposto, mostrando o desconhecimento dos estudantes em relação ao tema da questão. Já os resultados no grupo teste foram muito melhores: pouco menos de 70% dos integrantes desse grupo responderam de maneira apropriada ao que foi proposto pelo exercício.

as atividades lúdicas contribuem para a formação educacional dos alunos.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como demonstrado no decorrer do desenvolvimento deste artigo, jogos e brincadeiras, em geral, contribuem para aumentar o interesse e o desempenho dos estudantes no tema abordado pela atividade. Os estudos realizados pela aplicação do jogo e do questionário aos alunos do 7o Ano do Colégio Santo Antônio (Belo Horizonte) corroboram o que havia sido pesquisado:

[...

AS ATIVIDADES LÚDICAS CONTRIBUEM PARA

A FORMAÇÃO EDUCACIONAL DOS ALUNOS. ...]

Ao compararem-se os resultados obtidos nos grupos controle e teste, observa-se nas apurações uma significativa diferença entre os grupos. Essa diferença mostra que, ao jogarem “Guerra Oceânica”, os alunos incorporaram o conhecimento trazido pelo jogo e demonstraram, portanto, uma capacidade maior para responder satisfatória e adequadamente ao questionário proposto.

A análise dos resultados leva à conclusão de que o jogo desenvolvido para esse estudo foi extremamente efetivo para que os alunos demonstrassem melhor entendimento dos conceitos trabalhados por “Guerra Oceânica”. Isso mostra que a atividade é um excelente método para ensinar aos alunos conteúdos relativos à relação entre predadores e presas, as relações entre ambiente e seres vivos e o impacto destas para a evolução e a teoria da corrida armamentista evolucionária.

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HUMANAS

SOCIEDADE SELVAGEM,

UMA LEITURA DE

NA NATUREZA SELVAGEM WILD SOCIETY, A READING OF INTO THE WILD

Orientadora: Cleide Simões1

Orientandas: Fernanda Cavalcanti Michelutti2 Isabella Bittencourt3

1 Graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; especialista em História da Arte pela Escola Guignard; professora de Português.

2 Estudante da 2 Série do Ensino Médio do Colégio Santo Antônio.

RESUMO

a

3 Estudante da 2a Série do Ensino Médio do Colégio Santo Antônio.

116

Na sociedade atual, a felicidade é tida como o objetivo último na vida das pessoas, e por isso é recorrente a dúvida sobre como alcançá-la. Seguindo essa visão, o presente artigo se trata da análise do filme Na Natureza Selvagem sob a perspectiva de identificar as críticas existentes à sociedade e propor uma reflexão em torno do verdadeiro significado da felicidade. Para a realização do artigo, foi feita uma densa pesquisa bibliográfica e uma análise minuciosa do filme. Desse modo, o trabalho objetiva discutir a construção de conceitos e críticas sociais presentes na obra, relacionando-os com a peregrinação. Por meio dos assuntos relativizados na obra, é possível abordar as questões da sociedade materialista, de consumo e de aparências, além da solidão e do comportamento social sob a ótica de um personagem viajante. Pôde-se concluir que a sociedade é repleta de valores que tendem a se tornar negativos e, como uma forma de se ver livre deles, é possível pensar no afastamento do mundo social e na idealização de uma vida solitária. Entretanto o compartilhamento de momentos entre as pessoas é essencial para que a felicidade seja alcançada.

Palavras-chave: Na Natureza Selvagem; sociedade; felicidade.

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ABSTRACT In today’s society, happiness is regarded as the ultimate goal in people’s lives, and so there is recurrent doubt about how to achieve it. Following this vision, the present article is about the analysis of the movie Into the Wild from the perspective of identifying the existing criticisms of society and proposing a reflection on the true meaning of happiness. For the accomplishment of the article, a dense bibliographical research and a detailed analysis about the film was made. In this way, the work aims to discuss the way of constructing concepts and social critiques present in the work relating them to the pilgrimage. By means of the relativized subjects in the work, it is possible to approach the questions of the materialistic society, of consumption and of appearances, besides the solitude and the social behavior from the perspective of a traveling person. It can be concluded from the article that society is replete with values that tend to become negative and, as a way of getting rid of them, it is possible to think of the estrangement from the social world and the idealization of a solitary life. However, the sharing of moments between people is essential for happiness to be achieved.

se, o enredo é de um garoto que decide buscar a felicidade plena por meio do isolamento da sociedade e da vida perante a natureza, fazendo diversas críticas ao comportamento humano e possibilitando a aplicação da filosofia de Rousseau: os homens são bons e a sociedade os corrompe pregando, por exemplo, valores artificiais.

A felicidade também se mantém como uma temática importante por ser o fim último dos objetivos humanos, como já se refletiu por grandes filósofos como Aristóteles, segundo os quais as ações dos homens estão todas voltadas para que alcancem este fim. Então, a discussão sobre a temática da felicidade, seu real significado e o modo de conquistá-la compete a todos os indivíduos. É necessário incitar o questionamento de como verdadeiramente se conquista tal estado, e o artigo termina justamente com uma reflexão a respeito disso.

Keywords: Into the Wild; society; happiness.

[...

OS HOMENS SÃO BONS E A SOCIEDADE OS CORROMPE PREGANDO, POR EXEMPLO, VALORES ARTIFICIAIS. ...]

1. INTRODUÇÃO

2. DESENVOLVIMENTO

Este artigo se trata de uma análise do filme Na Natureza Selvagem a partir da reflexão sobre qual seria o real significado de felicidade e a forma de alcançá-la.

Também são abordadas as críticas à sociedade, as quais compõem o enredo do filme. Tal temática é relevante devido à grande necessidade de se discutir a maneira como a sociedade está vivendo os próprios valores. É possível inserir o questionamento que se faz na teoria “O Bom Selvagem”, de Rousseau, porque, na história em análi-

2.1. O FILME Na Natureza Selvagem é um filme biográfico, lançado em 2007, escrito e dirigido por Sean Penn. A obra é uma adaptação do livro de mesmo nome, publicado em 1992, pelo jornalista John Krakauer, e conta a história verídica do norte-americano Christopher Johnson McCandless (Emile Hirsch), que foi encontrado morto aos 24 anos em um ônibus abandonado, próximo ao Parque Nacional Denali, após uma longa jornada até o Alasca. Em sua

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viagem por todo o Oeste da América do Norte, Christopher nos convida a uma peregrinação em busca do sentido último da vida humana.

Com um cenário que vai desde o Lago Mead, Grand Canyon, até o Parque Denali, no Alasca, o filme traz diversas reflexões ao longo de seu enredo, as quais fazem repensar a sociedade, os valores cultivados e, principalmente, o conceito de felicidade. O assunto deste artigo é exatamente a sociedade e sua relação com a busca pelo estágio máximo de plenitude do protagonista.

2.2. FASE 1: IMPOSIÇÃO DA SOCIEDADE O filme é uma história de peregrinação em que um jovem, revoltado com a sociedade patriarcal e consumista, abandona família, amigos e estudos para viver uma vida simplista, sem ligação com o mundo civilizado. É possível dividir a história em duas fases: a de controle e imposição na qual o protagonista se encontra inicialmente, e a de liberdade que ele conquista ao abandonar a primeira condição.

"

Seguindo esse viés, o primeiro contraste se dá quando, após cumprir seu dever de passar na faculdade, os pais lhe oferecem um novo carro como retribuição de seu esforço. Surpreendentemente, McCandless recusa o presente, de forma rude, dizendo que não precisa do carro e prefere ficar com o velho. Após o ocorrido, o jovem doa todo o seu dinheiro a uma instituição de caridade, queima e corta suas fotos e seus documentos, muda de nome e decide viver uma vida longe do materialismo.

Nessa cena, o protagonista destrói todos os objetos que representam uma ligação com o mundo social. As fotografias de família são cortadas como se ele não pertencesse mais a ela; os documentos de registro pessoal são queimados como se Christopher não existisse mais para os padrões da sociedade e as exigências formais dela; a mudança de identidade representa o abandono de sua vida anterior para se tornar um novo homem.

No filme, toda a vontade de se tornar livre é expressa pela fala da irmã (Carine McCandless): “Cumprindo o absurdo e tedioso dever de formar na faculdade. E agora ele se emancipava daquele mundo de abstração, falsa segurança, pais e excesso material, as coisas que o afastavam da verdade de sua existência” (NA NATUREZA SELVAGEM, Cap. 1, 28min48s).

Portanto, esse momento é extremamente importante por marcar a ruptura com a primeira fase do filme.

A RIQUEZA DE UM HOMEM É PROPORCIONAL ÀS COISAS [DE] QUE TEM CAPACIDADE DE ABRIR MÃO

Na primeira fase, o filme retrata Christopher McCandless recebendo sua aprovação na faculdade de Direito, em Havard, aos 22 anos, namorando e com uma boa condição financeira. Entretanto ele se encontra em um meio familiar problemático e carrega consigo um trauma decorrente de todos os abusos e violências que a mãe sofreu.

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Assim, um gatilho para o sentimento de recusa da sociedade pode ter começado em sua infância, marcada por um pai agressivo. Apesar de que esse fato possa ter ajudado Chris em sua decisão de se distanciar da sociedade, o principal motivo que se quer discutir aqui não é o drama pessoal do jovem, mas, sim, os contrastes presentes no filme que fazem uma crítica às imposições sociais vividas por ele.

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Segundo Thoreau (apud CARVALHO, 2017), “a riqueza de um homem é proporcional às coisas [de] que tem capacidade de abrir mão”. Christopher McCandless, inspirado nas ideias desse pensador e para buscar a própria liberdade, abstém-se de muitos dos seus bens materiais e desassocia-se da sociedade que o abrigava até então. Segundo o protagonista, “coisas são apenas coisas” (NA NATUREZA SELVAGEM, Introdução, 16min17s) e

tudo que o garoto queria era se libertar de um mundo de exigências impessoais.

A cena na qual Christopher inicia sua jornada, queimando o dinheiro que estava consigo e abandonando o seu antigo carro, explicita o pensamento do personagem e a intenção de fuga de uma sociedade capitalista na qual, segundo Marx (2015), “A desvalorização do mundo humano aumenta em proporção direta com a valorização do mundo das coisas”. Para Christopher, conforme a escrita em seu diário, pode-se dizer que dinheiro e poder são uma ilusão. Nesse ponto, inicia-se a segunda fase do filme.

2.3. FASE 2: LIBERDADE Em um primeiro momento, Christopher enxerga a viagem como um passo para se libertar e entende que a melhor forma de colocar seu objetivo em prática é chegando à natureza que o ser humano ainda não dominou. Assim, o Alasca é estabelecido como uma referência não só geográfica mas existencial. Esse lugar dialoga com o objetivo de Chris e, apesar de se localizar bem longe do ponto de origem do protagonista, é perseguido com vigor e é para onde todas as trilhas percorridas apontam.

Christopher, então, deixa o conforto da casa paterna e coloca os pés na estrada, o que irá simbolizar sua busca pela ple-

na liberdade. O primeiro capítulo do filme, “Identidade”, pode trazer a discussão sobre o que representa essa identidade.

Seria um mero documento? Não, para Christopher ela começa a se formar exatamente com a perda desse documento. A partir daí, ele forja um nome — Alexander Supertramp — e todas as suas novas vivências. Nesse capítulo inaugural, o seu (re)nascimento deixa de ser uma mera consequência de suas notas na escola, opção de carreira e interpretações de outros.

Christopher, agora Alexander, estabelece uma rota até o México, aventurando-se a partir de várias possibilidades de deslocamento, como a pé e por carona de barco.

Em cada localidade, pede trabalhos esporádicos para se manter, o que lhe proporciona ricos diálogos, embora não se fixasse nesse locais por muito tempo. Nessa travessia, ele se aproxima da natureza como nunca tinha feito antes, encontra lugares incríveis e belas paisagens, anda de canoa, caminha por montanhas, sempre vivenciando experiências únicas.

Assim, é elaborada a ideia de “mãe natureza”, que se mostra acolhedora, como se fosse uma casa para o jovem. Ela influencia seu modo de viver e, de forma simbólica, ajuda-o a crescer como pessoa ao vencer medos, como o da água.

O filme contrasta tudo isso com a vida em sociedade, mostrando que, ao sair para o ambiente natural, Chris

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constata o quanto a burocracia e a cultura urbana são opressoras. Um viés de associação possível com tal experiência é a visão de J. J. Rousseau sobre o sentido da relação do homem com a natureza, como comenta a filósofa Dalma Fulgeri: Para Rousseau, filósofo suíço, nascido em Genebra em 1712, a civilização e a sociedade corrompem o homem, é necessário recorrer ao sentimento, voltar à natureza, que é boa. Rousseau entende a natureza como sendo o estado primitivo, originário da humanidade, isto é, entende-a no sentido espiritual, como espontaneidade, liberdade contra todo vínculo antinatural e toda escravidão artificial. Segundo ele, a sociedade impõe ao homem uma forma artificial de comportamento que o leva a ignorar as necessidades naturais e os deveres humanos, tornando-o vaidoso e orgulhoso. O homem primitivo, entretanto, por viver de acordo com suas necessidades mais legítimas, é mais feliz. Ele é autossuficiente e satisfaz suas necessidades sem grandes sacrifícios, daí não sente grandes angústias; através do sentimento inato da piedade, ele evita fazer o mal desnecessariamente aos demais. (FULGERI, 2018, p. 1).

2.4. O VALOR DA SOLITUDE NA OBRA

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Nesse período, o protagonista conhece diversas pessoas com as quais mantém contato por um curto tempo; a maior parte de sua jornada é feita solitariamente. É necessário ter em mente que estar solitário não lhe causava sentimentos negativos, mas, sim, fazia-o aproveitar essa condição para conhecer-se melhor. Isso

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singulariza o protagonista, pois o comum é criar uma identidade a partir da relação com os demais. O jovem, no entanto, buscou o caminho da ciência de andar consigo mesmo.

Em nenhum momento do filme ele se sente incompleto por não ter companhia; pelo contrário, sua solitude contrasta com a solidão dos outros personagens: Jam, apesar de estar com Rainey, não deixa de se sentir só após ter perdido o contato com o filho; Carine narra, no filme todo, como se sente sozinha com o desaparecimento do irmão; Ron, veterano de guerra que perdeu a esposa e os filhos em um acidente de carro, vive completamente só, chegando ao ponto de fazer o pedido de adoção para Chris. Assim, como Max Valarezo diz, A gente vê as pessoas sofrendo sempre que Chris parte, e ele se mostra insensível ao sofrimento dos personagens porque a solitude dele vem de um ponto de vista muito particular sobre o que é a verdadeira felicidade. Por mais que pense que a felicidade total não vem das relações interpessoais, vemo-lo estabelecendo um equilíbrio bastante delicado entre estar sozinho e estar acompanhado, pois, mesmo ele querendo ir para o Alasca, onde não há nenhuma influência da sociedade, deixa claro que pretende voltar e encontrar as mesmas pessoas. (VALAREZO, 2016).

A natureza humana, espelhada no ambiente e na sociedade em torno, segundo a visão do protagonista corrobora, mais uma vez, o pensamento de Rousseau, pois é da sua liberdade e da disciplina natural das paixões que nascem os verdadeiros valores morais: “O estado de natureza caracterizava-se pela suficiência do instinto, o estado de sociedade pela suficiência da razão” (ROUSSEAU, 1978, p.

247). Os sentimentos próprios, intrínsecos ao ser, levam os homens a um espírito altruísta, a pensar no bem comum, ao passo que a razão, crivada pela relação econômica, leva-os ao egoísmo.

Nesse sentido, basta o desenvolvimento das virtudes para que o homem vivencie os sentimentos naturais em maior proporção que a razão. Para Rousseau, a natureza não é boa porque algum homem assim o quis, ela é boa por consequência de uma ordem necessária na qual não impera a vontade ou os caprichos humanos: a natureza é boa porque é da sua condição primeira.

2.5. O VERDADEIRO SIGNIFICADO DE FELICIDADE O filme termina quando Chris chega ao Alasca, mas não ao local exato onde ele queria. Sua vontade era de continuar caminhando até chegar às montanhas, mas o alto volume do rio faz com que ele não consiga permanecer em movimento e o obriga a estabelecer-se em um ônibus abandonado no meio da trilha. Nesse meio-tempo, Christopher tenta manter-se vivo com o que a natureza podia lhe prover e o pouco que carregava consigo. Após um bom período no local sem encontrar comida, ele acha frutos venenosos que confunde com batata silvestre, e essa é a causa de seu falecimento.

periências que influenciam no modo como ele enxerga sua vida e o significado dela.

Dessa maneira, é necessário refletir sobre o que Chris modifica e desenvolve em seus pensamentos ao longo da trajetória do filme.

O enredo nos apresenta um garoto que buscava chegar ao Alasca para afastar-se da sociedade e viver perante os sentimentos reais e humanos, sem qualquer artificialidade induzida pelo social. Apesar disso, no final do filme, Chris, no leito de morte, após ter finalmente chegado ao Alasca e se envenenado com a ingestão de frutos tóxicos, conclui que a felicidade só é verdadeira quando compartilhada, ou seja, ele descobre que o que realmente fez com que tudo valesse a pena foram os pequenos encontros e contatos que ele teve com as pessoas, e não o seu objetivo final de chagar ao Alasca.

[...

ELE CONCLUI QUE A FELICIDADE SÓ É VERDADEIRA QUANDO COMPARTILHADA ...]

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Eis a fala de Chris: Você sabe, falo de livrar-se desta sociedade doente… Sabe o que eu não entendo? Por que as pessoas, todas as pessoas, são sempre tão más umas com as outras. Não faz sentido. Julgamento. Controle. Todas estas coisas… De que pessoas estamos falando? Você sabe, pais, hipócritas, políticos, canalhas. (NA NATUREZA SELVAGEM, Cap. 2, 38min).

Observa-se que, desde o momento em que resolve deixar para trás sua vida na cidade até a morte, Chris vive muitas ex-

Era o grande objetivo de Chris viver na natureza, longe da civilização e suas amarras, a verdadeira liberdade, a alegria na apreciação das coisas criadas por Deus.

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Ele precisava chegar ao Alasca. Ali experimentaria a felicidade. Ali se desintoxicaria.

Ali, e somente ali, ele seria pleno. Chris indaga se as pessoas percebem os paradoxos em que estão inseridas, se percebem como isso as aproxima de um terrível estado de ansiedade, o modo como estão sempre esperando para serem felizes, para alcançarem algo, considerando estudar e se formar como únicos caminhos para a felicidade.

Segundo o protagonista, os homens se veem descontentes, esperando que o destino por si mesmo ofereça alguma espécie de plenitude. Assim, esquecem-se de aproveitar cada passo da caminhada, de aproveitar a jornada e sentir-se completo com ela; normalmente, só depois de “chegar lá” é que o homem se conscientiza de que a caminhada foi bonita.

Foi essa a conclusão de Chris no Alasca, seu destino. Só então ele entendeu que havia experimentado a felicidade verdadeira na sua caminhada, com as pessoas que conheceu, que ele afetou e que o afetaram, sem ego, sem mentiras e sem vaidade. Chris compartilhou genuinamente com aquelas pessoas um estado de felicidade. Tem-se, portanto, o fim do retrato de uma sociedade materialista, egocêntrica, de aparências e com valores alterados. É possível, aqui, questionar o real significado da vida. Será necessário formar-se, fazer pós-graduação, trabalhar das 8 às 18 horas, fazer hora extra, ter filhos, comprar uma casa, fazer uma boa poupança para garantir o aproveitamento da vida?

Destaca-se exatamente a fuga do que é premeditado ao homem, para que ele se conheça, deixe de agir segundo a má-fé e desenvolva-se como humano.

A trilha sonora incrível composta por Eddie Vedder explicita esse sentimento ao dizer: “Society your crazy breed, I hope you’re not lonely without me” (“Sociedade, você é uma criação louca / Espero que não esteja solitária sem mim”). (Eddie Vedder, Society, J. Records – Sony Music, 2007, faixa 8). Portanto, fica o convite para se sair do padrão desta “sociedade selvagem” e se aproveitar a jornada da vida.

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[... NORMALMENTE, SÓ DEPOIS DE “CHEGAR LÁ”

122

É QUE O HOMEM SE CONSCIENTIZA DE QUE A CAMINHADA FOI BONITA ...]

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BIOLÓGICAS

AGRICULTURA URBANA ESCOLAR — ESTUDO DE CASO: COLÉGIO SANTO ANTÔNIO

URBAN AGRICULTURE — CASE STUDY: COLÉGIO SANTO ANTÔNIO

Orientador: Marcelo Fernando Silveira Rezende1

Orientandos: Ana Paula Alvim Pereira Baptista2 Ana Raquel Linhares Bello de Araújo 3 Arthur Morato Moreira Fonseca4 Bruna Dias Diniz Silva5 Cecília Barbosa de Lacerda6 Júlia Akemi Neves Kawashima7 Júlia Silva Souza8 Laura Batista Cwienk9 Letícia Guimarães Barbosa10 Tomás Corrêa Assunção11 Elisa Reis Bicalho12 Luis Emílio Gonzales Berbel13 1 Graduado em Ciências Biológicas e mestre em Genética pela Universidade Federal de Minas Gerais.

2 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

3 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

4 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

RESUMO A agricultura urbana é uma proposta inovadora e conciliadora com os novos panoramas da sociedade vigente. Assim, este trabalho propõe a observação e a reflexão sobre os limites e os desafios oriundos de tentativas de cultivo em uma escola urbanizada. Sob uma análise dos resultados obtidos e a explicação dos métodos utilizados, o trabalho investiga as causas dos escassos produtos obtidos do plantio e constata a importância da manutenção eficaz de substanciais elementos para o crescimento dos vegetais, como a umidade e a nutrição. Além disso, há uma análise do espaço escolar utilizado para o cultivo e dos obstáculos gerados pela falta de um espaço, principalmente verde, em tal colégio, configurado em uma estética de concreto. Ao se notarem as dificuldades e tentar solucioná-las, este artigo tem como fim último ressaltar o desenvolvimento de práticas agrícolas em ambiente estudantil como uma fundamental atividade para o aprendizado prático dos alunos e para a aprimoração e a consolidação de modos de plantio eficientes e produtivos em um contexto de ascensão urbana.

Palavras-chave: agricultura urbana; escola; hidroponia; ervilha; cenoura; rúcula.

5 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

6 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

7 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

8 Estudante da 3a Série do Colégio Santo Antônio.

9 Estudante da 3a Série do Colégio Santo Antônio.

10 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

11 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

12 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

13 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

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ABSTRACT The urban agriculture is an innovative proposal that conciliates with the new societal context. Therefore, this article proposes an observation and a reflection about the limits and the challenges originating from the attempts of cultivation in a urbanized school. In an analysis of the obtained results and the explanation of the used methods, this article investigates the causes of the scarce products achieved and emphasizes the importance of an efficient maintenance of the substantial elements for plant development, like moisture and nutrition. Besides that, it analyzes the school space used in the cultivation and the obstacles created by the lack of a “green” place in a school fundamentally built on concrete. By noticing the difficulties and trying to solve them, this article has, as its purpose, the goal of emphasizing the development of agricultural practices in school as a fundamental activity for practical learning to the students and for the improvement and consolidation of efficient cultivation methods in a context of an urban expansion.

Keywords: urban agriculture; school; hydroponics; pea; carrot; arugula.

1. INTRODUÇÃO A agricultura surgiu há cerca de 12 mil anos, durante a Pré-História, quando indivíduos de povos caçadores-coletores notaram que alguns grãos — coletados da natureza para a sua alimentação — poderiam ser enterrados, ou seja, semeados, a fim de produzir novas plantas.

Desde então, a agricultura revolucionou

a vida do homem, não apenas permitindo que ele se fixasse na terra e formasse pequenas aldeias em locais férteis, como também sendo um dos principais meios de controle e domínio do tempo de acordo com as necessidades de uma população. Afinal, permitiu que o ser humano não gastasse tanto tempo colhendo ou caçando para sobreviver, o que lhe concedeu oportunidades de desenvolver novas atividades e nova relação com a terra. Assim, práticas como cerâmica, técnicas de construção civil e produção de ferramentas despontaram no cotidiano dos indivíduos (DIAMOND, 2003).

Atualmente, o plantio e o abastecimento em larga escala são desenvolvidos fora do meio urbano, sendo 70% de todos os alimentos consumidos hoje no Brasil produzidos por agricultura familiar, de acordo com a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, em um levantamento feito em outubro de 2017. Isso se dá pelo fato de o meio urbano brasileiro, caracterizado por grandes metrópoles, tais quais São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte, não apresentar espaço suficiente para extensas produções agrícolas. Afinal, com o crescimento populacional, o desenvolvimento de novas tecnologias, a concentração dessas em polos urbanos e o êxodo rural, iniciados no século XIX, a população urbana aumentou exponencialmente e continua aumentando.

Na arquitetura urbana vigente, não há espaço suficiente dentro das grandes cidades para colheitas capazes de abastecer todos os habitantes do local. Tal preocupação é analisada por Comelli (2015):

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[... O ALIMENTO É UMA DE NOSSAS NECESSIDADES MAIS BÁSICAS ...] [...] o alimento é uma de nossas necessidades mais básicas. Reconectar as cidades aos seus sistemas alimentares é uma forma de aumentar o acesso aos alimentos, sendo o conceito de Agricultura Urbana um dos componentes fundamentais de assentamentos urbanos mais sustentáveis. (COMELLI, 2015, p. 23).

Assim, a urbanização é um dos principais problemas da humanidade (FAO), na medida em que apresenta uma alta demanda alimentícia. Estima-se que, em 2050, a população passe a ser de 9,8 bilhões, 29% a mais do número atual. Para alimentar essa grande população urbana, a produção de alimentos deverá aumentar em 70% (FAO).

A associação quase instantânea entre agricultura e meio rural pode levar a uma sensação de incompatibilidade entre agricultura e meio urbano. A agricultura se expressa timidamente nas áreas urbanas, sendo elevado e crescente o interesse que essa atividade tem despertado nos urbanistas, nos pesquisadores e nos setores administrativos, como a FAO. Um exemplo foi o seminário realizado na Câmara dos Deputados em 2004, que apresentou a proposta de integração da agricultura urbana no Brasil como um potencial instrumento de segurança alimentar, geração de renda e inclusão social para a população, dando foco à importância que as medidas políticas têm em fixar esse tipo de agricultura no país (Professor explica a importância da agricultura urbana, 2004).

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Além disso, a ideia defendida pelo autor do seminário (CARVALHO, 2004) é comprovada pela FAO. Sabe-se que, onde esse tipo de agricultura foi integrado e se estabeleceu com eficiência, desempenhou um papel muito importante na alimentação das populações urbanas, garantindo sua sobrevivência (FAO).

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Também, com a concentração da produção agrícola em zonas rurais, crianças e adolescentes criados em grandes centros urbanos estão perdendo o contato com a terra, como aponta Comelli (2015): “Atualmente, com o crescimento desordenado dos centros urbanos, o homem vem se distanciando cada vez mais da natureza”.

Uma atividade que antes era tão natural tornou-se um conhecimento difícil de ser adquirido, graças à falta de pessoas com experiência na produção de alimentos nas cidades.

Cada vez mais, as escolas percebem a importância de ensinar os jovens de onde vêm os alimentos e promover a integração com a natureza. Conforme Marinho et al (2010), agricultura nas escolas é um dos meios utilizados para o ensino: “A escola que estimula a formação de pequenos agricultores urbanos dá um passo rumo à criação de sentidos existenciais em seu fazer pedagógico e estimula a associação entre o aluno e seu lugar”.

Afinal, a prática do cultivo pode trazer diversas vantagens, que incluem: (1) acessibilidade a alimentos frescos — “a produção agrícola doméstica é um passo rumo à autossustentabilidade alimentar […]; a agricultura urbana deve se inserir nos ecossistemas urbanos como instrumento de sustentabilidade alimentar das cidades” (MARINHO et al, 2010); (2) melhoria da atmosfera ambiental urbana — “ ações em escala de bairro ou de cidade que beneficiam o microclima; (3) geração

de conhecimento acerca das condições ambientais; (4) ensino de técnicas de cultivo, preparação e plantio de vegetais; (5) estímulo ao trabalho em equipe; (6) conscientização sobre a importância da agricultura e o desenvolvimento sustentável para o país; (7) proporcionamento de prazer estético — “dá novas funções ao lugar, tornando-o colorido pelo mosaico ornamental que qualquer conjunto botânico apresenta” (MARINHO et al, 2010).

Com o crescimento da população e da urbanização, a escala de produção de alimentos foi redimensionada, de forma que o grande objetivo das produções passou a ser abastecer as populações urbanas em quantidade suficiente.

Assim, em nome da quantidade, justificaram-se grandes mudanças no sistema produtivo, incluindo substituição de matéria-prima e uso de aditivos para tornar os alimentos mais saudáveis e duráveis. Por isso, muitos produtos que consumimos hoje podem conter grande quantidade de químicos, e é, então, essencial que haja um controle de sua qualidade nutricional (CRUZ, 2010).

A agricultura urbana ainda não é de tanto interesse para muitos pesquisadores no Brasil, o que gera desconhecimento acerca dela, cuja origem se dá na relação dicotômica estabelecida entre o crescimento das cidades e a extinção do meio rural.

Isso faz com que, geralmente, o meio acadêmico de estudo do espaço não se dedique muito a pesquisar sobre a agricultura urbana, justamente por acreditar que essa relação da urbanização iguala-se ao declínio das atividades rurais (RESENDE, 2004).

2. DESENVOLVIMENTO 2.1. OBJETIVO GERAL Considerando a necessidade de mudanças na forma como a agricultura é vista atualmente, no presente artigo serão discutidas novas tecnologias e técnicas que circundam o meio das plantações e o seu uso em lugares quase impensáveis, como centros urbanos, apartamentos e, principalmente, o alvo deste trabalho: as escolas. Assim sendo, tem-se como objetivo primordial avaliar a possibilidade e a capacidade da produção de alimentos dentro do Colégio Santo Antônio, que é o espaço de observação e análise deste artigo.

O presente estudo foi desenvolvido também com o intuito de conhecer mais sobre a agricultura, além de garantir o contato dos alunos com ela. Isso porque muitas vezes o conhecimento adquirido pelos estudantes se torna útil somente em situações envolvendo sala de aula e provas. A realização do estudo torna possível a aplicação direta desses conhecimentos, algo vantajoso para os jovens por garantir-lhes o contato com a terra.

2.2. LOCAL DE ESTUDO: CSA O Colégio Santo Antônio é uma escola com menos de um quarteirão de 13 mil m2 e altamente urbanizada: há pouquíssimo espaço para a agricultura e não há área verde, apenas concreto. A luminosidade nem sempre é propícia para o cultivo vegetal, devido à quantidade de prédios ao redor; muitos alunos circulam nos possíveis locais de plantio, comprometendo a

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segurança da agricultura. Adaptar o local para o plantio de vegetais se mostra um desafio, proposto no estudo.

2.3. OBJETIVO ESPECÍFICO Para a aplicação prática da agricultura urbana no Colégio Santo Antônio, local de estudo, foram adotadas técnicas hidropônicas de plantio, com as seguintes plantas: ervilha (no caso, ervilha torta de flor roxa, Pisum sativum); cenoura (Daucus carota, dos tipos esplanada e planeta); e, mais adiante, rúcula (Eruca sativa).

Com base nesses plantios, nosso objetivo específico foi aplicar nossos estudos sobre o tipo de cultivo e, assim, estudar a capacidade e o potencial que o Colégio tem em abrigar a agricultura urbana, além de tentar garantir um cultivo rentável dessas plantas.

2.4. METODOLOGIA

Assim, cada grupo de alunos selecionou o vegetal que gostaria de plantar nesse tipo de sistema de cultivo. Duas espécies foram escolhidas: a ervilha (Pisum sativum) e a cenoura (Daucus carota). A seleção de ambas se deu principalmente por terem crescimento rápido e por serem adaptadas ao clima de inverno, estação em que foram plantadas, além de estarem presentes na alimentação cotidiana brasileira. Mais tarde, verificou-se que, com o espaço e os materiais disponíveis, essas plantas eram, ao mesmo tempo, as mais adequadas.

[...

A HIDROPONIA É UMA TÉCNICA DE CULTIVAR PLANTAS SEM SOLO ...]

O método de cultivo escolhido para o estudo foi com base na hidroponia em substrato estéril. A hidroponia é uma técnica de cultivar plantas sem solo, em que as raízes recebem uma solução nutritiva balanceada com água e todos os nutrientes essenciais a seu desenvolvimento. De acordo com Bezerra Neto & Barreto (2011-2012), algumas das principais vantagens do cultivo hidropônico são: melhor controle sobre a composição dos nutrientes fornecidos às plantas (criação de solução nutritiva específica); menor

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consumo de água e de fertilizantes; melhor controle fitossanitário (ambiente com menos pragas que o meio rural); redução em alguns tratos culturais (área reduzida).

Isso se encaixa perfeitamente na situação de recursos reduzidos desta pesquisa, como já descritos.

Por princípio, todas as espécies vegetais podem ser cultivadas hidroponicamente, no entanto, em termos agronômicos e econômicos, as espécies mais adequadas ao cultivo hidropônico são as de pequeno porte (BEZERRA NETO & BARRETO, 2000).

2.4.1. CULTIVO DE ERVILHA A espécie de ervilha adotada para o cultivo foi a ervilha torta de flor roxa, e a data de sua plantação foi o dia 28 de maio. Como referência utilizou-se de Maguire (2017) para o conhecimento das características do plantio dessa espécie. Além disso, para a formulação das técnicas de cultivo e a compreensão dos mecanismos e manejos do plantio hidropônico, tomou-se como base a circular técnica da Embrapa sobre os princípios de hidroponia1.

1 Disponível em: https://www.embrapa.br/horta licas/busca-de-publicacoes/-/publicacao/principios-de-hidroponia. Acesso em: 20 dez. 2018.

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Na disposição do cultivo, como requisitos básicos, levou-se em conta o espaçamento de 10 cm e 15 cm entre cada ervilha e o uso de vasos com 20 cm de profundidade.

Para testar os espaços mínimos necessários ao crescimento da planta, foram usados vasos de diferentes escalas, assim descritos: dois vasos de 47 cm de largura e 15 cm de profundidade; um vaso de 9,5 cm de largura e 15 cm de profundidade — com espaçamento de 1 cm entre as sementes como teste limite —; dois vasos de 5,5 cm de largura e 10 cm de profundidade; e um vaso de 14,7 cm de largura e 5 cm de profundidade.

Na convecção do plantio, preparou-se o substrato com a utilização de argilas expandidas, colocadas no fundo dos vasos, e a deposição suave de Tropstrato HT para hortaliças, composto por casca de pinus, turfa, vermiculita expandida e enriquecido com macro e micronutrientes, a fim de evitar a sua compactação. Em seguida, formulou-se a solução nutritiva.

Para a ervilha, a solução do feijão-arranca do artigo As técnicas de hidroponia, de Egídio Bezerra Neto e Levy Paes Barreto, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, embasou a formulação de solução própria desta pesquisa. As medidas tidas como base foram as seguintes: Nitrogênio: 30-50 g\kg Fósforo: 2-3 g\kg Potássio: 20-25 g\kg Cálcio: 15-20 g\kg Magnésio: 4-7 g\kg Enxofre: 5-10 g\kg

PH: 6,5 Condutividade: 3 250 μs\cm Todavia, essa solução apresentou insuficiência de nutrientes por conta do uso do hidróxido de amônio (composto de veloz dissociação em amônia, substância extremamente volátil), que diminui rapidamente a concentração de nitrogênio (macronutriente primordial para o desenvolvimento das plantas). Com isso, o hidróxido foi substituído por ureia para a manutenção das concentrações de solutos adequadas na solução. Também, a condutividade apresentou baixos índices em relação à solução ideal, como o valor de 2240, registrado no dia 12 de julho. Tendo como pilar o mesmo artigo, para uma solução de 10 L, cálculos foram refeitos e novos valores foram obtidos: MKP: 2,05 g Nitrato de potássio: 5,05 g Nitrato de cálcio: 8,2 g Sulfato de magnésio: 2,4 g Micronutrientes: 2 g Ferro: 0,2 g Essa nova formulação apresentava uma concentração de nutrientes mais próxima do padrão, entretanto, as ervilhas continuaram a apresentar sinais de fragilidade e má nutrição, como exposto na figura abaixo.

Assim, foram obtidos para cada composto em uma solução de 10 L a partir de produtos presentes no laboratório: Krista MKP: 12,215 g Sulfato de magnésio: 15,3 g Nitrato de cálcio: 18,141 g Ferro: 0,404 g Micronutrientes: 0,014 g Hidróxido de amônio: 2 500 g

Figura 1: Folhas de ervilha, em que é perceptível a presença de manchas brancas em torno da superfície verde.

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No dia 2 de agosto, notou-se a presença característica de uma película fina de esporos brancos em torno das folhas. Assim, foi averiguada — com base em um estudo dos fungos que afetam cultivos de leguminosas e de provável profusão no plantio em questão — a possível presença do fungo Oidium erysiphoides nos vasos do estudo, como evidenciado pela figura 2, o que ocasionou um veloz enfraquecimento do cultivo.

Figura 2: Foto tirada com microscopia eletrônica, em que se pode perceber a presença do fungo por toda a extensão da folha.

Na pesquisa sobre a doença, constatou-se que ela se manifesta, principalmente, em ervilhas após seu período de floração (SANTOS et al, 1991 e EMBRAPA, 2000).

Assim, ficou decidido não retirar o cultivo das cenouras das proximidades, eliminar as ervilhas contaminadas e desinfetar o local com água sanitária e enxofre em pó diluído em água — esta última medida receitada pela UFRGS. Dessa forma, como resultado final, a plantação rendeu apenas cinco ervilhas. Logo após a colheita, todas foram colocadas em placas de Petri e congeladas.

.

2.4.2. CULTIVO DA CENOURA O objetivo inicial com a realização do plantio da cenoura era investigar a interferência do atrito gerado pela terra no crescimento de cenouras. Para isso, foram idealizados inicialmente dois tipos de plantio: um em substrato inerte, e outro em meio de flutuação, usando para tal espuma fenólica.

No dia 28 de junho de 2018, foram colocadas de três a quatro sementes de cenoura, das espécies esplanada e planeta, em cada unidade da espuma. A espuma foi submersa em solução durante o período de três semanas, no final do qual foi observada a proliferação de mofo, impossibilitando a germinação da semente. Por fim, diante do fracasso de uma segunda tentativa, resolveu-se abandonar a ideia do cultivo em meio de flutuação.

Quanto ao plantio em substrato, realizado no dia 14 de junho de 2018, as sementes das espécies esplanada e planeta foram utilizadas em dois vasos (um de 42 cm de profundidade por 31 cm de diâmetro, e outro de 19 cm de profundidade por 39 cm de diâmetro). No fundo dos vasos foi colocada argila expandida para servir de dreno, com o objetivo de não deixar que a terra ficasse muito compactada. O substrato utilizado foi o Tropstrato HT, acrescido de vermiculita. Os vasos foram irrigados com solução nutritiva duas vezes ao dia, elaborada a partir da leitura do artigo As técnicas de hidroponia, de Egídio Bezerra Neto e Levy Paes Barreto, da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Para uma solução de 5 L, os valores dos macronutrientes alcançados foram: Krista K: 29,9 g Krista MKP: 3,1 g Sulfato de magnésio: 4,3 g Nitrato de cálcio: 24,0 g Além desses, foram adicionados 2,85 g para cada 5 L de solução dos micronutrientes QuelMax.

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Figura 3: Ervilhas e folhas de ervilha congeladas.

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pH: 7,0 Condutividade: de 1500 a 2000 μcm/s

Começaram a ser observadas complicações com o cultivo quando o fungo oídio (Erysiphe diffusa) se espalhou a partir da ervilha cultivada ao lado da área de cultivo da cenoura.

Figura 6: Amostras recolhidas no dia 6 de setembro de 2018.

2.4.3. CULTIVO DE RÚCULA

Figura 4: Folhas da cenoura infestadas pelo fungo oídio (Erysiphe diffusa). Pode ser observada a formação de uma camada esbranquiçada de esporos do fungo.

Todas as amostras precisaram ser colhidas prematuramente no dia 6 de setembro de 2018. Delas foram retiradas as folhas onde se proliferava o fungo, e a amostra foi enfim congelada para futura possível análise.

O plantio foi feito em vasos cilíndricos de 47 cm de diâmetro por 15 cm de profundidade. Foram feitas duas fileiras de vasos.

Na primeira, um vaso foi colocado dentro do outro, de maneira que o vaso interno continha o substrato e a planta, e o vaso externo tinha como propósito a retenção do restante da solução. Nesse mesmo vaso, foi feito um furo para ser instalada uma pequena torneira ligada a uma mangueira preta, que tinha retorno no depósito da solução, formando, assim, um sistema de escoamento.

Figura 7: Sistema hidropônico de cultivo de rúcula.

Figura 5: Cenoura esplanada após colheita.

Algo semelhante foi feito na segunda fileira, porém com um disco de plástico no lugar do vaso externo. Nos vasos internos, foi feita uma camada de aproximadamente 3 cm de argila expandida, e sob ela foi

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colocado o substrato. O substrato usado foi Tropstrato HT para hortaliças, feito à base de casca de pinus, turfa, vermiculita expandida, enriquecido com macro e micronutrientes, e preenchidos até que restassem de 3 a 5 cm livres no topo do vaso.

g de Dissolvine. Além da irrigação normal, as folhas da planta passaram a ser borrifadas com solução uma vez por dia.

3. AVALIAÇÃO DE QUALIDADE

[...

2.4.3.1. PLANTIO E SOLUÇÃO Foram feitos furos rasos no solo de cada vaso para efetuar o plantio, em padrão circular, e um furo no centro do vaso, com aproximadamente nove furos por vaso.

Em cada furo, foram depositadas de quatro a cinco sementes de rúcula cv. Apreciatta folha larga. O plantio e a solução específica foram realizados no dia 13 de setembro.

UM DOS PROBLEMAS APONTADOS NOS ESTUDOS PRÉVIOS SOBRE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS EM

HIDROPONIA É O POSSÍVEL

ACÚMULO DE NITRATO

NO TECIDO VEGETAL ...]

Figura 8: Rúculas em crescimento.

Inicialmente, foi usada uma solução com condutividade de aproximadamente 1,56 mS/cm, que continha, em um volume de 60 litros totais, 43,2 g de Maxsol, 32,4 g de nitrato de cálcio, 2,4 g de Ferrilene e 1,2 g de Dissolvine. A solução era aplicada por meio de um sistema de irrigação automatizado. Nele, uma mangueira preta foi passada em torno dos vasos, com dois ou três furos por vaso, e a solução foi bombeada duas vezes por dia através dessa mangueira.

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A partir do dia 27 de setembro de 2018, a condutividade da solução foi aumentada, passando para 2 mS/cm. Nesta nova solução, foram usados, no mesmo volume de 60 litros, 57,6 g de Maxsol, 43,2 g de nitrato de cálcio, 2,4 g de Ferrilene e 1,2

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Também é necessário mencionar o controle de qualidade do alimento, fator importante para se verificar a prosperidade no cultivo do local.

Ela se trata tanto de verificações das práticas de higiene de sua produção quanto da quantidade de nutrientes, sais minerais e vitaminas do alimento. Do ponto de vista da nutrição, há uma principal importância de se nutrir com alimentos de alta qualidade, sendo ela a manutenção da saúde (FOOD INGREDIENTS BRASIL, 2014).

Um dos problemas apontados nos estudos prévios sobre produção de alimentos em hidroponia é o possível acúmulo de nitrato no tecido vegetal (SANTOS et al, 1991; EMBRAPA, 2000). O nitrato acumulado corresponde ao nitrogênio não assimilado, ou seja, que não fora transformado em compostos orgânicos fundamentais para a planta, como proteínas e ácidos nucleicos.

Esse nitrato não assimilado é carcinogênico em determinadas doses (MANTOVANI

et al, 2005; EMBRAPA, 2000). Assim, uma importante variável a ser testada, em relação à qualidade do alimento produzido, é a taxa de acúmulo de nitrato em uma planta cultivada em hidroponia, com fertirrigação química, um problema que raramente ocorreria caso fosse realizada uma adubação orgânica.

4. RESULTADOS A partir do dia 6 de setembro de 2018, foi registrada a ocorrência de um fungo nas cenouras, o que levou à necessidade da retirada prematura dessas plantas, então devidamente tratadas e congeladas para futura inspeção. Após uma análise superficial, surgiu a hipótese de que se trataria de oídio de cenoura (Erysiphe heraclei) ou a provável proliferação do oídio de ervilha (Oidium erysiphoides), tendo em vista o que fora descrito anteriormente no cultivo de ervilha e a proximidade entre os vasos, que eram vizinhos. Essa ideia é reforçada quando os sintomas são comparados com casos dessa doença (GLAWE, 2008), que incluem a formação de um pó esbranquiçado sobre as folhas e sua consequente morte.

As condições climáticas também reforçam essa ideia, pois havia pouquíssima umidade, ideal para a proliferação do fungo.

O método de irrigação, porém, foi o maior intensificador dessa proliferação, uma vez que a solução foi feita por gotejamento diretamente na terra e com poucas ocasiões em que as folhas foram corretamente lavadas. Uma irrigação na qual as folhas fossem propriamente molhadas seria o mais eficiente para evitar tais pragas, como expresso pelo material fornecido pela Embrapa — Doenças de ervilha —, que indica a irrigação por aspersão como meio de combate ao fungo.

Conforme mencionado, o cultivo acabou sendo prejudicado pela provável proliferação do fungo Oidium erysiphoides e Erysiphe diffusa. Desse modo, devido à quantidade insuficiente de ervilha e cenoura, não foi possível realizar a análise da

qualidade desses alimentos, comprometendo-se os resultados. Entretanto, tendo em vista o conhecimento obtido acerca da prevenção de pragas no cultivo, é possível afirmar que o projeto apresenta um grande potencial para o alcance do objetivo principal aqui: avaliar a possibilidade e a capacidade da produção de alimentos dentro do Colégio Santo Antônio.

[...

DEVIDO À QUANTIDADE INSUFICIENTE DE ERVILHA E CENOURA, NÃO FOI

POSSÍVEL REALIZAR A ANÁLISE DA QUALIDADE DESSES ALIMENTOS ...]

Por esse aspecto, após alguns ajustes na execução do cultivo — por exemplo, alteração do sistema de irrigação para um em que as folhas possam ser devidamente lavadas —, infere-se que o plantio poderá trazer resultados satisfatórios e estar efetivamente protegido contra os fatores prejudiciais para a sua conclusão. Em consequência desses resultados, o mesmo sistema de cultivo poderá ser reproduzido em todo o espaço disponível no Colégio (cerca de 170,4 m2), tornando-se, dessa forma, um meio eficiente de obtenção de alimentos numa área altamente urbanizada.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo como enfoque primordial o ambiente escolar e seus possíveis artifícios para uma produção alimentícia, este trabalho teve como fim último a discussão sobre técnicas hidropônicas capazes de gerar um cultivo rentável e sobre a relevância da agricultura urbana no contexto mundial contemporâneo.

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Em virtude do que foi mencionado, conclui-se que, com a experiência adquirida ao longo deste projeto, será dada continuidade às pesquisas em busca de se expandir e aprimorar nossa metodologia para que, no futuro próximo, seja possível colocar em prática tudo o que foi projetado a partir do levantamento dos resultados obtidos.

Pretende-se aplicar o conhecimento adquirido no cultivo hidropônico de ervilhas e cenouras e, se possível, estendê-lo a outras culturas. Com o propósito de produzir em larga escala e de maneira satisfatória, a busca será por atender a maiores demandas, dentro de um ambiente controlado e limitado, de acordo com os fundamentos da agricultura urbana.

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CORRIDA ARMAMENTISTA EEVOLUCIONÁRIA NA RELAÇÃO PREDADOR–PRESA ENTRE

BIOLÓGICAS

INDÍCIOS DA INDÍCIO

ARANHAS E BARATAS EVIDENCE OF THE EVOLUTION EVOLUTIONARY ARMS RACE IN THE PREDATOR–PREY RELATIONSHIP BETWEEN SPIDERS AND COCKROACHES

Orientador: Felipe Scalabrini Pinto1

Orientandos: Ana Carolina Carneiro B. de Oliveira2 Bernardo de Araújo Alvarenga3 Carolina Mourão Filgueiras4 Esther Faria Sousa Santos5 Henrique Nunes Neumann6 Henrique Placedino e Marques7 João Sérgio da Fonseca Guimarães8 Lucas Werlang Moreira9 Marcelo David de Miranda e Silva10 Osvaldo Braga Tolentino Veloso11 Pedro Lacerda Garcia Pereira12 Sílvio Mendes de Magalhães13 1 Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

2 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

3 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

4 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

5 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

6 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

7 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

8 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

9 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

10 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

11 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

12 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

136

13 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

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RESUMO A teoria da corrida armamentista evolucionária implica um processo constante de adaptação de predadores e presas. Isso se mostra presente quando uma mudança no predador gera pressão evolutiva na presa, assim como uma mudança na presa gera pressão no predador. É possível reconhecer na natureza diversas estratégias usadas por diferentes espécies para capturar sua presa ou fugir de um predador (VALEN, 1973).

Com o intuito de analisar como as estratégias de predação e fuga geram pressão seletiva sobre predadores e presas, foi realizado um experimento com aranhas e baratas para identificar as possíveis mudanças nessa relação ecológica. Foram adicionados cor e cheiro às presas na tentativa de simular o impacto na captura das baratas pela aranha. Apesar da necessidade de novos testes, os resultados revelam indícios de que a identificação pela cor e pelo cheiro não é essencial.

Palavras-chave: aranha; barata; corrida armamentista; Rainha Vermelha; predador; presa.

ABSTRACT

[... O CONCEITO DE CORRIDA

ARMAMENTISTA EVOLUCIONÁRIA

The theory evolutionary arms race implies a constant process of adaptation of predators and preys. This is evident when a change on the predator causes an evolutionary pressure on the prey, just as a change on the prey generates pressure on the predator. It is possible to recognize in nature several strategies used by different species to capture their prey or escape from their predator.

In order to analyze how predatory and escape strategies generate selective pressure under predators/preys, an experiment with spiders and cockroaches was carried out to identify the possible changes in this ecological relationship.

Color and smell were added to the prey in the attempt to simulate the impact on the capture of cockroaches by the spiders.

Despite the need of new tests, the results reveal indications that the identification by color and smell is not essential.

Keywords: spider; cockroach; arms race; Red Queen; predator; prey.

1. INTRODUÇÃO 1.1. CORRIDA ARMAMENTISTA EVOLUCIONÁRIA Ao descreverem a influência mútua de plantas e insetos herbívoros na evolução um do outro, Paul Ehrlich e Peter H. designaram como coevolução o processo em que duas ou mais espécies possuem um relacionamento ecológico próximo, e isso resulta na sua evolução simultânea. É coevolução a relação evolutiva entre predador e presa cujo processo recebe o nome de corrida armamentista evolucionária (VALEN, 1973).

O conceito de corrida armamentista evolucionária remete a um processo constante de adaptação de predador e presa.

Isso se mostra presente quando uma mudança no predador gera pressão evolutiva na presa, assim como uma mudança na presa gera pressão no predador (VALEN, 1973).

REMETE A UM PROCESSO

CONSTANTE DE ADAPTAÇÃO DE PREDADOR E PRESA ...]

Os espécimes que se apresentam mais aptos a sobreviver — devido a mutações favoráveis — garantem maior sucesso reprodutivo e dominância espacial. Dessa forma, geram mais descendentes e selecionam os espécimes que expressam os fenótipos mais bem adaptados. Contudo, o ecossistema permanece equilibrado, uma vez que todos podem adquirir adaptações benéficas, a qualquer momento, que lhe garantirão domínio temporário do ambiente e maior número populacional.

Em uma análise detalhada desse processo, é possível estudar a corrida armamentista evolucionária microscopicamente. Ao adquirir uma mutação benéfica, determinada espécie tende a gerar mais indivíduos e perpetuar os genes modificados. Ao se medir essa frequência, consegue-se indicar quais deles trouxeram maior valor adaptativo para a linhagem. É possível calcular o valor adaptativo de um gene conhecendo sua frequência antes e depois da seleção natural. O quanto cada genótipo irá contribuir para a próxima geração pode ser determinado pela divisão da frequência após a seleção pela frequência antes da seleção, ou seja: AA = 0,50/0,30 = 1,66 Aa = 0,40/0,30 = 1,33 aa = 0,10/0,40 = 0,25 Pares de alelos

AA

Aa

aa

Antes da seleção

0.3

0.3

0.4

Depois da seleção

0.5

0.4

0.1

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137

Já que esse processo está presente em todas as espécies, é possível concluir que presas e predadores estarão em constante ganho de aptidão através de suas adaptações, geradas por mutações aleatórias que são positivas. Essas garantem maior sobrevivência e sucesso reprodutivo nos predadores e em suas respectivas presas simultaneamente, permitindo um equilíbrio ecossistêmico que evita um domínio restrito das espécies em determinada região geográfica. Dessa forma se trava uma corrida armamentista evolucionária que se estende indefinidamente, visto que as mutações que geram esse cenário são aleatórias e imprevisíveis (LIMA, 2016).

Portanto, a corrida armamentista é uma batalha evolutiva entre conjuntos de genes em coevolução que desenvolvem adaptações e contra-adaptações em relação aos demais. Essa luta ecológica pode-se dar como predadores vs presas, parasitas vs hospedeiros, predador vs predador, presa vs presa, sendo evidenciada até mesmo entre seres da mesma espécie (VERMEIJ, 1987).

Uma das explicações mais aceitas sobre a relação predador–presa é a Teoria da Rainha Vermelha, descrita por Leigh Van Valen. Inspirada no livro Alice no país das Maravilhas, ela consiste na ideia de que é necessário correr sempre, mas sem, de fato, sair do lugar, ou seja, espécies de predador e presa evoluem simultaneamente fazendo com que nenhuma de fato obtenha vantagem sobre as outras (CARROLL, 1960).

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Vermeij (1987) sugeriu que, ao longo do tempo, a briga evolutiva entre presa e predador vem se tornando mais forte, pois predadores desenvolvem adaptações cada vez mais eficientes para capturar a presa, e, ao mesmo tempo, as presas melhoram suas defesas com o surgimento de características que elevam seus valores adaptativos. Em seu trabalho, Vermeij propôs o termo escalada evolutiva, tentando ilustrar que, mesmo ao longo da evolução, os predadores atuais não são mais nem

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menos eficientes em capturar as suas presas se comparados aos predadores ancestrais.

Em outras palavras, não se pode dizer que o leão atual é um predador mais eficaz que o seu ancestral, uma vez que sua presa, o antílope, por exemplo, também adquiriu melhores práticas para a sua defesa/escapatória (VERMEIJ, 1987). Considera-se, então, que a evolução do predador não ocasiona a extinção de sua presa diretamente, visto que eles coevoluem. No entanto, na maioria das vezes, há mais de um predador para a mesma presa e vice-versa. Logo, eles competem entre si para obter melhor êxito nessa relação predatória (DAWKINS, 1979).

[...

ELES COMPETEM ENTRE SI PARA OBTER MELHOR ÊXITO ...]

A seleção natural favorece espécies cujos valores adaptativos são superiores aos dos seus concorrentes. Por exemplo, se há duas espécies de gavião em determinado local, que competem entre si para a predação de cobras, e uma delas obtém maior valor adaptativo, a tendência é que essa sobressaia à outra na predação, reproduzindo-se com mais frequência e deixando-a sem alimento, o que provoca a sua extinção. O mesmo ocorre quando uma presa obtém melhores valores adaptativos em relação a outra presa (DAWKINS, 1979).

1.2. TÁTICAS DE PREDAÇÃO DAS ARANHAS As aranhas-caranguejeiras (Theraphosidae) são animais de hábitos noturnos e sedentários, tendo um território de área limitada, na maioria dos casos. A exceção são os machos adultos, que, durante o período de reprodução, caminham muito procurando as fêmeas (PRESTON, 1998).

Esse sedentarismo explica algumas características do nicho alimentar da aranha, que prefere sempre se alimentar de insetos presos em suas teias, pois assim não é necessária muita energia para esse tipo de predação. Como várias evidências sugerem, as aranhas evoluíram em situações de privação alimentar e, desse modo, elas podem passar períodos longos de tempo sem se alimentar, mas, em ambientes com abundância de presas, podem comer com maior frequência (PRESTON, 1998).

As aranhas, no geral, possuem um mecanismo de predação semelhante, utilizando suas teias e veneno como principais ferramentas para alimentação. A teia tem função de capturar o alimento, e o veneno, junto com as enzimas digestivas, é usado para imobilizar e deteriorar a presa, liquefazendo-a.

As aranhas-caranguejeiras estudadas neste artigo possuem um mecanismo de defesa extra, presente apenas na família Theraphosidae; trata-se das cerdas urticantes. Elas estão, na maioria das vezes, localizadas na face dorsal do abdômen, em uma mancha visível, mais ou menos redonda e extensa. Essa característica torna muito fácil sua identificação e diferenciação de outras espécies.

Outro tópico de relevância é a identificação de presas no ambiente pelo aracnídeo. Ele conta com órgãos sensoriais bem desenvolvidos para tal. Na maioria das espécies, a visão exerce um papel secundário no seu comportamento, pois são capazes, por exemplo, de capturar presas na total ausência de luz, o que foi evidenciado em gravações do experimento (CODDINGTON & SOBREVILA, 1987).

1.3. TÁTICAS DE FUGA E DEFESA DAS BARATAS As baratas são uma das criaturas mais antigas do planeta, apresentando cerca de 4 mil espécies distintas. Durante todo esse tempo, elas mantiveram preservadas características biológicas primitivas muito eficientes, que lhes permitiram tanto sobreviver às profundas modificações ambientais ocorridas no planeta nesse período quanto ser presas difíceis de capturar.

Dentre as táticas e características de defesa das baratas, encontram-se: a visão noturna (como são animais noturnos, as baratas possuem maior quantidade de células do tipo bastonete nos olhos, o que permite que elas enxerguem mesmo com pouca luminosidade); as antenas (que servem como sensores olfativos, táteis e gustativos); a carapaça (seu design é equivalente à blindagem dos tanques de guerra, pois a estrutura protege todo o corpo do animal); o cerci (pequenos pelos localizados por baixo do abdômen, que medem o movimento do ar a sua volta, permitindo ao inseto saber quando um inimigo se aproxima), e as patas (com articulações e pelos sensíveis às menores variações ambientais,

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que servem como uma espécie de alarme, dando à barata velocidade e flexibilidade necessárias para fugir dos predadores em 40 milésimos de segundo).

Sua audição, localizada nas juntas, é tão sensível que o animal pode detectar tremores de terra ínfimos, como 0,07 grau na escala Richter. Algumas espécies possuem adesivos no meio das unhas das patas traseiras, que lhes permitem andar por superfícies extremamente lisas, como o vidro. Além de tudo isso, ainda possuem o feromônio, uma substância liberada quando dormem, usada para atrair o maior número de baratas para perto de si, pois desse modo cresce a probabilidade de que alguma delas detecte a aproximação de um predador (COPELAND, 2003).

2. OBJETIVOS O objetivo deste artigo é verificar os processos descritos acima, com o foco na relação de coevolução entre aranhas-caranguejeiras (família Theraphosidae) e baratas cinéreas (Nauphoeta cinerea), por meio de um experimento in vivo.

O experimento teve como objetivos constatar a influência da coloração e da essência de bálsamo passada na barata caçada pela aranha, para assim ser possível compreender e observar as estratégias e comportamentos de aranhas e baratas quando em um mesmo ambiente.

[...

COMPREENDER E OBSERVAR AS ESTRATÉGIAS E COMPORTAMENTOS DE

ARANHAS E BARATAS

140

QUANDO EM UM MESMO AMBIENTE ...]

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3. METODOLOGIA O terrário foi montado em um recipiente de vidro quadrado, com o chão coberto apenas de terra, sem desníveis e sem pedras. A aranha-caranguejeira usada foi doada para o Colégio Santo Antônio, e as baratas foram compradas no Mercado Livre.

No primeiro experimento, colocou-se em um terrário de vidro uma aranha e 20 baratas: 10 delas estavam pintadas de azul, e as outras 10 eram o grupo controle, sem nenhuma alteração.

No segundo experimento, foram unidas no mesmo terrário a mesma aranha do primeiro experimento e 40 baratas, com 20 integrantes do grupo controle, e outras 20 marcadas com uma mistura da tinta azul com a essência de bálsamo, apresentando, portanto, um odor bem diferente do das demais.

Os terrários foram colocados em um local com pouca luminosidade no laboratório da escola, tampados com uma placa de vidro para evitar a fuga da aranha. Para se realizar uma contagem mais precisa e real do número de baratas vivas em cada terrário, o experimento foi acompanhado com intervalos de um a dois dias, conforme sua progressão.

Os resultados foram analisados após a aplicação do teste estatístico Qui Quadrado. O Qui Quadrado é um teste matemático não paramétrico que busca avaliar a associação entre duas variáveis quantitativas, por meio da comparação de proporções, entre variáveis independentes, que revela se há um desvio da frequência esperada. Caso o valor calculado seja maior que o tabelado, a hipótese testada é válida (BEIGUELMAN, 1996).

No experimento realizado, o grupo controle foi utilizado como a frequência esperada, enquanto o grupo teste forneceu os dados para a frequência observada.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Tabela 1 contém os resultados obtidos durante o acompanhamento do primeiro experimento. Nele, a mudança da coloração das baratas foi testada para verificar se essa variável alterava a capacidade de predação da aranha ou de fuga das baratas. De acordo com os resultados, observou-se que a cor das baratas não afeta nenhuma das capacidades, portanto este não é um fator que favoreça um dos lados.

Inicialmente pode-se observar uma queda muito significativa no número de espécimes do grupo controle e uma leve queda no do grupo pintado. Com o passar de uma semana, não havia mais baratas do grupo controle, e restava somente uma do grupo pintado, que logo foi comida após 24 horas da última contagem.

Data de observação

Número de baratas

Número de baratas

Total

(grupo controle)

(grupo pintado)

28/08/2018

10

10

20

30/08/2018

3

7

10

31/08/2018

3

7

10

03/09/2018

0

1

1

Tabela 1. Número de baratas x tempo decorrido

Aplicando-se o teste Qui Quadrado com uma probabilidade de 95% e 3 graus de liberdade, encontrou-se um valor de 0.1344282716 para um valor tabelado de 0,352, o que revela que a hipótese testada não é válida, pois a detecção da cor não foi selecionada como adaptação para predação de baratas por aranhas.

A Tabela 2 contém os resultados do experimento 2. Considerando que a cor das baratas não afetava a relação predador–presa de maneira significativa, neste experimento foi utilizada uma mistura de tinta com essência de bálsamo nas baratas para verificar se o odor interferiria nessa mesma relação.

Data da observação

Número de baratas

Número de baratas

Total

(grupo teste)

(grupo controle)

19/09/2018

20

20

40

21/09/2018

20

18

38

22/09/2018

20

18

38

24/09/2018

16

18

34

25/09/2018

14

18

32

26/09/2018

10

18

28

27/09/2018

10

17

27

28/09/2018

10

17

27

29/09/2018

10

17

27

30/09/2018

10

16

26

01/09/2018

9

16

25

02/09/2018

9

16

25

Tabela 2. Número de baratas x tempo decorrido

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Aplicando-se o teste Qui Quadrado com uma probabilidade de 95% e 12 graus de liberdade, encontrou-se um valor de 0,02551777922 para um valor tabelado de 5,226, o que revela que a hipótese testada não é válida, pois a detecção do odor não foi selecionada como adaptação para predação de baratas por aranhas.

Além disso, em relação às baratas, foi possível analisar um fenômeno que se repetiu diversas vezes, no qual elas, ao serem colocadas no terrário, sempre buscavam os locais com baixa luminosidade. Nesse aspecto, o local mais escuro era embaixo da aranha, que se encontrava imóvel. Assim, conclui-se que as presas estavam em constante procura por abrigo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após uma análise dos dados coletados juntamente com a utilização do teste Qui Quadrado, foi possível concluir que nem a alteração de coloração nem a adição de um modificador de odor das baratas representou uma mudança significativa nas taxas de mortalidade. Porém esse resultado negativo não invalida o experimento, já que através dele conseguimos cumprir alguns objetivos esperados, como observar as táticas utilizadas pela aranha para capturar suas presas.

A aranha utilizou principalmente a sua teia. De forma estratégica, colocou-a em locais de maior trânsito das baratas e naqueles em que as presas costumam se alojar, como nas paredes dos terrários. Isso se deve à economia de energia que a aranha tem com esse mecanismo de predação.

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Conforme observado e documentado em vídeo, as baratas, logo após serem inseridas no terrário, buscam se alojar em locais com baixa luminosidade, que, teoricamente, seriam propícios para que elas se escondessem de predadores. No entanto, não possuem capacidade para identificar visualmente o seu predador, e, no experimento, isso é evidenciado quando as baratas vão em grupo para debaixo da aranha como forma de se sentirem seguras.

Esse comportamento, junto aos resultados dos testes 1 e 2, mostra que a corrida armamentista evolucionária não foi aplicada à relação predador–presa de aranhas-caranguejeiras e baratas, posto que a alteração das variáveis testadas não influenciou na taxa de mortalidade das baratas. Isso revela que as adaptações defensivas das baratas não foram selecionadas por uma pressão seletiva proveniente das aranhas-caranguejeiras, assim como as táticas de predação das aranhas não foram adaptadas pela pressão das baratas.

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HUMANAS

O IMPERIALISMO EM VERNE E A INFLUÊNCIA DO NEOCOLONIALISMO

NA NARRATIVA DE VIAGEM L’IMPERIALISME DANS L’ŒUVRE DE VERNE ET L’INFLUENCE DU NÉOCOLONIALISME DANS LE RÉCIT DE VOYAGE VERNE’S IMPERIALISM AND THE INFLUENCE OF NEOCOLONIALISM IN TRAVEL NARRATIVES

Orientadora: Cleide Simões1

Orientando: Gabriel Figueiredo Denigris2

1 Graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; especialista em História da Arte pela Escola Guignard; professora de Português.

2 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

RESUMO Este documento discorre sobre a influência do imperialismo, da religião e das teorias raciais do final do século XIX na obra de Verne. Nele se faz também uma análise de elementos e motivações eurocêntricos característicos do autor, relacionando-os com seu contexto histórico e indicando como tais enredos eram fiéis espelhos do pensamento etnocêntrico e imperialista da Europa naquele período.

Palavras-chave: Verne; viagem; colonialismo, África; imperialismo; Europa.

RÉSUMÉ Cet article traitera de l’influence de l’impérialisme, de la religion et des théories des races dans l’œuvre de Verne. On y analysera aussi les éléments et les motivations eurocentriques caractéristiques de l’auteur, en les reliant à leur contexte historique et en expliquant comment ces intrigues étaient des miroirs fidèles de la pensée ethnocentrique et impérialiste de l’Europe à cette époque.

Mots-clés: Verne; voyage; colonialisme; Afrique; imperialisme; Europe.

ABSTRACT This paper will discuss the influence of imperialism, religion and racial theories in Verne’s work. There will be also an analysis of the characteristic Eurocentric elements and motivations of the author, relating them to their historical context and indicating how such narratives were faithful mirrors of the ethnocentric and imperialist thought in Europe during that period.

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Keywords: Verne; travel; colonialism, Africa; imperialism; Europe.

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1. INTRODUÇÃO As viagens são um fenômeno que pode ser facilmente observado em contextos históricos e sociais muito distintos. Tal abrangência se justifica no fato de esses deslocamentos se darem por motivos também muito variados, que vão desde a busca por recursos escassos, num contexto de atender a uma necessidade biológica básica, à busca do lazer acompanhada da fuga da rotina, como pode ser o caso do turismo.

Individualmente, as viagens, muitas vezes, geram consequências não esperadas, podendo causar mudanças radicais na visão de mundo e nos ideais do viajante sem que este tivesse previamente essa intenção. Já num ponto de vista estrutural, podem ser planejadas para representar e reforçar um ideal sociopolítico ou mesmo religioso de seu tempo, como foi o caso das cruzadas medievais e das bandeiras e entradas da América Colonial.

Na obra Cinq Semaines en Ballon (1863), Júlio Verne conta a história do genial aventureiro inglês Samuel Fergusson, seu colega caçador Dick Kennedy e o criado Joe, que planejam uma viagem com um intuito um tanto peculiar: encontrar a fonte do rio Nilo. Como as tentativas anteriores fracassaram na sua totalidade em virtude dos perigos representados pelo que o autor chama de ferocidade dos animais e dos povos nativos, o doutor Fergusson, intelectual que é, decide sobrevoar o território com o auxílio de um balão, que fora nomeado Victoria numa homenagem à então monarca inglesa.

Ao se relacionar o enredo com o momento histórico de publicação da obra, em que ocorria a expansão territorial das potências europeias em direção à África e à Ásia, é possível fazer a análise de que tal viagem fora movida, numa perspectiva focalizada, pelo desejo prévio dos europeus de se tornarem célebres e equiparáveis aos grandes aventureiros de seu tempo e, de forma estrutural, por uma necessidade coletiva da Europa de desvendar os mistérios desse continente desconhecido, a África, a fim de conseguir subjugá-lo.

Como as personagens percorrem o continente pelos céus com o objetivo único de evitar o contato com os nativos e com a fauna local, Verne mostra ao leitor o desprezo do europeu de seu tempo à condição humana dos povos africanos. Isso fica visível quando o autor os equipara aos animais selvagens que habitavam o local e os representa na obra como figuras animalescas e perigosas que pretendiam unicamente impedir, com suas armas rudimentares, o sucesso dos heroicos aventureiros europeus.

2. DESENVOLVIMENTO Para Vicentino (2015), a expansão territorial europeia do fim do século XIX apresenta como motor as razões econômicas provenientes do advento da industrialização em muitos países europeus, que tinham necessidade de buscar fora da Europa a matéria-prima escassa ali, expandir seus mercados consumidores de manufaturados e aplicar em novos lugares o capital excedente da economia in-

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dustrial. Pleiteando tal expansão econômica, a Europa avançou contra a África e a Ásia para suprir as necessidades de mercado, ignorando a presença das civilizações que lá existiam (VICENTINO, 2015).

De forma semelhante, em Imperialismo: fase superior do capitalismo, Lênin trabalha com um conceito de imperialismo baseado, sobretudo, na ótica econômica. Adepto de muitas ideias do economista alemão Karl Marx, apontava as contradições dessa nova fase monopolista do capitalismo como responsáveis pelo avanço imperialista, sendo este, portanto, mera consequência do desenvolvimento de tal sistema econômico.

reno fértil para o investimento eficiente do capital em longo prazo.

Para tanto, era vital que se conhecesse bem o território a ser explorado, e é justamente nesse sentido que veio à tona a figura do explorador. Em seu livro Cinq Semaines en Ballon, Verne escolheu como objetivo central dos seus protagonistas, financiados pelo Estado inglês, o suposto “descobrimento” da nascente do Nilo — o coração da África. Tal escolha de palavras está longe de ser aleatória: simboliza precisamente a derrota do continente africano para a Europa.

[...

SIMBOLIZA PRECISAMENTE A

DERROTA

DO CONTINENTE AFRICANO PARA A EUROPA ...]

Para o russo, os europeus foram colonizar a África e a Ásia numa espécie de pacto entre os monopólios e as potências. Isso foi feito para assegurar a exportação de capital, que se mostrava necessária em razão de sua acumulação dentro dos mercados internos das potências.

Esses mercados passavam por um momento de menor lucratividade em razão da nova configuração socioeconômica de desenvolvimento dos sindicatos, da maior dificuldade para a contratação de trabalhadores no campo, bem como pelo que Lênin julgava ser uma constante tendência capitalista para o crescimento da composição orgânica do capital.

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Em razão de esses fatores não caracterizarem as regiões que viriam a se tornar o novo mundo colonial, tornou-se muito evidente a grande vantagem da dominação colonialista, que permitiria também um aumento da coerção sobre o trabalho que só tinha a favorecer a burguesia e o Estado das grandes potências europeias (Lênin, 1979 apud MARIUTTI, 2001). Nessas colônias se poderia encontrar não só mão de obra (inclusive rural) a baixo custo e ausência de organizações sindicais operárias fortalecidas, como também um ter-

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Assim, constata-se especialmente a representação dos desejos neocolonialistas europeus, atenuados e justificados por uma série de segundas intenções postas como de igual relevância à dos reais objetivos econômicos que eram responsáveis pelo processo, numa tentativa de mascará-los de legitimar as atrocidades imperialistas.

A África vai enfim entregar o segredo de seus vastos ermos; um Édipo moderno nos dará palavra desse enigma que os eruditos de sessenta séculos não puderam decifrar. Outrora, investigar as fontes do Nilo, fontes Nili quarere, era visto como uma tentativa insensata, uma quimera irrealizável. [...] onde ainda nenhum viajante chegou, é o coração mesmo da África. É lá que devem convergir todos os esforços. Ora, o trabalho desses ousados pioneiros da ciência será retomado pela tentativa audaciosa do doutor Samuel Fergusson, cujas belas explorações nossos leitores já puderam muitas vezes apreciar.

Este intrépido descobridor propõe atravessar de balão toda a África, de leste a oeste. (VERNE, 2018, p. 12).

2.1. A RELIGIÃO

[... UMA DAS HISTÓRICAS JUSTIFICATIVAS PARA O SAQUE COLONIAL: A PROPAGAÇÃO

DO CRISTIANISMO E DA CIVILIZAÇÃO ...]

Em determinado ponto do enredo, o doutor Fergusson e seus companheiros se deparam com um missionário cristão de origem francesa que fora ao continente em missão evangelizadora e acabou capturado por uma feroz tribo antropofágica, que o havia ferido gravemente e desejava matá-lo. Sacrificando provisões valiosas para o bom andamento da viagem em nome do respeito à vida de seu semelhante, os exploradores conseguem levá-lo consigo a bordo do Victoria, onde tentam, em vão, salvá-lo da morte.

Ao narrar o resgate do catequista, Verne exalta, utilizando-se de um forte apelo emocional, sua bravura e santidade, imor-

talizando-o enquanto herói e relembrando enfaticamente sua origem europeia, o que se evidencia em trechos do romance como no seguinte diálogo entre os britânicos e o missionário: — Como está? — perguntou-lhe Fergusson.

— Melhor, talvez — respondeu. — Mas, meus amigos, só os havia visto como se fosse um sonho! Apenas com muita dificuldade pude dar-me conta do que se passava! Quem são vocês, afinal, para que seus nomes não sejam esquecidos em minha última oração?

— Nós somos viajantes ingleses — respondeu Samuel. — Nós tentamos atravessar a África num balão, e, durante nossa travessia, tivemos a felicidade de salvá-lo.

— A ciência tem seus heróis — disse o missionário.

— Mas a religião tem seus mártires — respondeu o escocês [Kennedy].

— E o senhor é um missionário? — perguntou o doutor.

— Sou um padre da missão dos lazaristas. O céu os enviou até mim, o céu seja louvado! Meu sacrifício já estava feito! Mas os senhores vêm da Europa. Falem-me da Europa, da França! Há cinco anos que não tenho notícias de lá.

— Cinco anos, sozinho, e entre os selvagens! — exclamou Kennedy.

— São almas a serem libertadas — disse o jovem padre —, irmãos ignorantes e bárbaros que apenas a religião pode instruir e civilizar.

(VERNE, 2018, p. 132).

Esse episódio passa a representar, portanto, uma das históricas justificativas para o saque colonial: a propagação do cristianismo e da civilização.

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No advento das Grandes Navegações, Caminha, em sua carta ao rei português após o país ter invadido as terras brasileiras pela primeira vez, pontua a existência de uma população de gentios que desconhecia o pecado, afirmando que o melhor que se poderia fazer era salvá-los com a conversão (CORTESÃO, 2003). Essa motivação, ainda que por trás de um interesse expansionista movido pelo metalismo e pela necessidade de matéria-prima, foi essencial para garantir o apoio da Igreja Católica às invasões, que as legitimou enquanto instrumentos de propagação da fé, enviando hordas de missionários para catequizar a população indígena.

Com o fortalecimento da Ciência no fim do século XIX, a religião em si perdeu o posto de principal justificativa à expansão colonial — como fora no século XVI — para um motivo muito similar e igualmente eurocêntrico: a missão civilizadora.

Por isso, missionários eram enviados para converter as populações da África dentro da retórica etnocêntrica do evolucionismo social daqueles considerados bárbaros, como os africanos, em direção à civilização. Isso consistia, segundo a teoria, na assimilação da cultura europeia, incluindo o cristianismo nela predominante. Portanto, o padre do romance de Verne pode ser interpretado de forma metonímica, personificando todos os missionários da disseminação da fé cristã na África.

2.2. TEORIAS RACIAIS

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[...

A MISCIGENAÇÃO ERA CONSIDERADA UM FATOR DE ENFRAQUECIMENTO DE GENES E DA CAPACIDADE DE REPRODUÇÃO ...]

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Gobineau, em 1869, arraigou-se ao Brasil com o cargo de ministro plenipotenciário. A experiência deu-lhe sustentação para elaborar pareceres um tanto polêmicos, mas comuns àquele período, como afirmar que as famílias brasileiras, na sua totalidade, possuíam sangue negro ou índio em suas veias. Na interpretação do europeu, isso justificaria a compleição mais frágil e até repugnante aos seus olhos.

Ainda ousado, mas embasado nos princípios cientificistas da época, o nobre vaticinou o fim do povo brasileiro, pois a miscigenação era considerada um fator de enfraquecimento de genes e da capacidade de reprodução: Ouvi estimativas muito mais baixas quanto ao total da população do Brasil, e alguns observadores que me pareciam competentes e que apoiavam seus cálculos em deduções sensatas não indicavam mais do que nove milhões de almas. Mais ainda, no espaço de trinta anos, o número de nove milhões foi o que sobrou de um total anterior de dez milhões.

Consequentemente, em trinta anos um milhão desapareceu. É interessante conhecer este fato totalmente inexplicável.

A grande maioria da população brasileira é mestiça e resulta de mesclagem contraída entre os índios, os negros e um pequeno número de portugueses. Todos os países da América, seja no norte ou no sul, hoje mostram, incontestavelmente, que os mulatos de distintos matizes não se reproduzem além de um número limitado de gerações. A esterilidade nem sempre existe nos casamentos; mas os produtos das raças gradualmente chegam a ser tão mal sãos e inviáveis que desaparecem antes de darem à luz, ou então deixam rebentos que não sobrevivem.

O que se observa em São Domingos é o superlativo desta situação: mas, em todos os lugares onde o sangue mulato tende a se espalhar e a dominar os outros elementos étnicos, observa-se situação análoga. É inquestionável que, antes de cinquenta anos, todos os mulatos do Haiti terão desaparecido. No Brasil acabamos de ver que um período de trinta anos roubou um milhão de almas. (Gobineau apud RAEDERS, 1938 p. 240-241).

hereditariedade não só de características físicas e raciais, mas também das propensões morais que, segundo o autor, eram provenientes daquelas. Uma vez que se acreditava estarem cientificamente comprovados o refinamento e a excelência moral da raça branca e a indecência e animalidade das demais, a eugenia foi utilizada, posteriormente, para legitimar ações fortemente agressivas e discriminatórias, como a esterilização compulsória e até mesmo o extermínio de pessoas de classe social baixa, pessoas com deficiência e pessoas acusadas de promiscuidade, por exemplo. Todos esses fatores eram considerados igualmente herdáveis. Esse sistema era denominado eugenia negativa, muito comum na Alemanha nazifascista. Ocorreu também, em alguns países, a “limpeza racial” promovendo a união de casais de pessoas com características eugenicamente desejáveis — exemplo de eugenia positiva —, algo similar à prática da seleção artificial de cães por critérios de raça.

Tal linha de pensamento é típica de intelectuais europeus do fim do século XIX, que, visando embasar no critério de raça seu preconceito contra povos de etnias diferentes da sua, criaram teorias pseudocientíficas que estabeleceram uma relação de superioridade da Europa em relação ao restante do mundo.

Outro exemplo de tal corrente de pensamento é a criação da Antropologia Criminal pelo médico Cesare Lombroso. A teoria propõe que o crime, antes de ser um fenômeno social, é um fenômeno biológico. Por conseguinte, o criminoso é uma espécie de pessoa inferior e perigosa que esteve naturalmente inclinada à criminalidade desde seu nascimento em razão de suas características físicas inerentes.

Similarmente, foi concebida em 1883 a teoria da eugenia de Galton, que defende a

Entre todas as teorias de raça desse período, a mais influente em Cinq Semaines en Ballon é certamente o evolucionismo social. Esse modelo, que propõe a hierarquização de diferentes tipos de sociedade, serviu como base para todo o enredo e discurso presentes no romance, pois sustentava a missão imperialista etnocida ao estabelecer a cultura europeia como o escol do refinamento social e a

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africana como a mais bárbara. Assim, permitiu-se que Verne, grande adepto do cientificismo, pudesse simplesmente catalisar essa linha de pensamento em forma de literatura — meio de veiculação de ideias bem mais atrativo e inteligível que livros teóricos.

— Um ataque, vejam só! — disse Joe. — Nós o julgávamos cercado por indígenas.

— Eram apenas macacos, felizmente! — respondeu o doutor.

— De longe, a diferença não é grande, meu caro Samuel.

— Nem mesmo de perto — replicou Joe. (VERNE, 2018, p.

76).

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[...

PARALELAMENTE, SAQUEAVA, EXPLORAVA E DESUMANIZAVA

OS POVOS AFRICANOS QUE JURAVA ESTAR SALVANDO ...]

Segundo Santiago (1989), a colonização marcada pela expansão imperialista e pela imposição de aspectos culturais — como a religião — de um povo em relação a outro pode ser vista como reflexo do grande narcisismo europeu, que despreza o outro, seus valores e sua cultura em prol do desejo de ver um mundo construído à sua própria imagem.

Ainda segundo o autor, o europeu convive com os seus, com os outros e com as coisas utilizando-se do conceito de propriedade.

Tendo em vista que o mundo não possui proprietários naturais, o europeu cria uma ideia de propriedade que começa com a usurpação de um território que não lhe pertence e, em seguida, estabelece um sistema jurídico que protege a sua nova aquisição contra futuras inves-

tidas, ignorando o caráter exploratório que originou todo esse processo.

Destarte, pode-se verificar a ilegitimidade e arrogância dos processos colonialistas promovidos pela Europa, que nada mais são que uma reafirmação de sua cultura e etnia à custa do sangue de quem não pode se defender de tal massacre.

3. CONCLUSÃO Ao se analisarem os conjuntos de teorias abordadas no decorrer deste artigo, percebe-se uma nítida relação de complementariedade entre estas, já que foram utilizadas em conjunto para moralizar e viabilizar uma aventura colonialista etnocêntrica promovida pelo capital monopolista em pacto firmado com o Estado das grandes potências europeias no século XIX. A Europa atenuou o impacto de seu desejo egocêntrico de ter um mundo à sua imagem ao apresentar uma intenção filantrópica e generosa de trazer a civilização a quem estava chafurdado na barbárie, enquanto, paralelamente, saqueava, explorava e desumanizava os povos africanos que jurava estar salvando.

A fim de representar tal linha de pensamento, Júlio Verne criou uma narrativa permeada de elementos que glorificavam esses aspectos humanistas e a curiosidade científica típicos dos colonizadores.

Sempre que possível, procurou retratar as pessoas negras nativas do continente africano como seres muito mais próximos dos animais do que dos brancos, no intuito de diminuir o impacto das crueldades do imperialismo e etnocentrismo europeu e heroificar as glórias e supostas qualidades de seu povo. Para tanto, tratou de usar com abundância argumentos raciais, religiosos e um forte teor sentimental, bem como sempre conduzir sua narrativa sob uma perspectiva inteiramente eurocêntrica a fim de persuadir o leitor a tomar o lado do invasor.

Apesar de possuir intenções que, atualmente, são passíveis de forte criticismo, Cinq Semaines en Ballon é uma obra de qualidade literária excepcional, que cativa o leitor desde o princípio e é capaz de trazer à tona inúmeros questionamentos históricos e sociais que são essenciais para a boa compreensão da realidade dos povos provenientes das ex-colônias europeias e a dos europeus. Por isso, trata-se de um romance de grande importância, que deve ser analisado com cuidado por todos que desejarem conhecer mais profundamente a história do mundo — fator decisivo de nossas próprias realidades.

REFERÊNCIAS CORTESÃO, J. Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel sobre o Achamento do Brasil.

Texto integral. São Paulo: Martin Claret, 2003.

MARIUTTI, E. Interpretações clássicas do imperialismo. Disponível em: https://marxismo21.org/ wp-content/uploads/2013/03/Mariutti-Imperialismo.pdf. Acesso em: 22 nov. 2018.

RAEDERS, G. D. Pedro II e o conde de Gobineau. São Paulo: Cia. Editora Na- cional, 1938.

SANTIAGO, S. Nas Malhas da Letra. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

VERNE, J. Cinco Semanas num Balão. São Paulo: Via Leitura, 2018.

VICENTINO, C. História Geral. 11. ed. 3. imp. São Paulo: Scipione, 2015.

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TECNOLOGIA

ATITUDES EMPREENDEDORAS E OS DIVERSOS MODELOS DE NEGÓCIO ENTREPRENEURIAL ATTITUDES AND THE DIVERSE BUSINESS MODELS

Orientador: João Paulo G Guerra uerra Vieira1

Orientandos: Daniela Lopess Vieira2 Felipe Lacerd Lacerda da Garcia Pereira3 Matheus Vieir Vieira ra Gomes4 Pedro Vartuli Yokoo5 Rafael Nery Farah6 Vitor Pires Bastos7 1 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; pós-graduado em Direito dos Contratos e em Direito Desportivo; Credential of Readiness e Disruptive Strategy pela Harvard Business School; Digital Product Leadership pela Tera; advogado; sócio do AppProva; gerente de projetos da SOMOS Educação (jpguerravieira@gmail.com).

2 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio (danielalv2001@ gmail.com).

RESUMO Na sociedade contemporânea, para atender às novas tendências do mercado, diversas empresas (principalmente startups) passaram a aplicar novas formas de agir para garantirem um cenário escalável. Para isso, devem ser desenvolvidos modelos de negócio eficientes, utilizando-se de extrema organização e de análises que podem levar a empresa à prosperidade. Este artigo visa organizar e exemplificar diversas teorias, modelos e metodologias que podem ser de grande utilidade a futuros empreendedores.

Palavras-chave: modelo de negócio; Canvas; startup; Mínimo Produto Viável; liderança.

3 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio (felipe.lacerda@ icloud.com).

ABSTRACT

4 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio (mvg127@outlook. com).

In our contemporaneous society, in order to fulfill the new tendencies of the market, many corporations (specially start-ups) started to implement new approaches to guarantee a scalable scenario. To make this possible, new efficient business models must be developed, using extreme organization and analysis that may bring a business to prosperity. This article aims to organize and to exemplify multiple theories, models and methodologies that may have major relevancy to upcoming entrepreneurs.

5 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio (pvyokoo@gmail. com).

6 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio (rafael. neryfarah@gmail.com).

7 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio (vitorpbastos2002@gmail.com).

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Keywords: business model; Canvas; start-up; Minimum Viable Product; leadership.

1. INTRODUÇÃO

Um modelo de negócio é a base lógica de como uma organização cria, entrega e captura valor. Este constitui o esqueleto de uma empresa, com todos os seus pilares, além de mostrar como ela se envolve no contexto de mercado e como as receitas são geradas (BOLINA, 2016).

Em tal documento, busca-se evidenciar as práticas necessárias que as empresas devem adotar visando a um melhor gerenciamento, tendo em vista os mecanismos fundamentais para a execução do negócio, assim como seus diversos pontos positivos e negativos e seus planos de ação e entrega.

Ao longo da história, foram observadas diferentes fases do expansionismo capitalista. A partir da década de 70, o neoliberalismo se estabeleceu e a dinâmica econômica mundial mudou drasticamente. Nesse cenário, surgem novos setores de produção, novas formas de fornecimento de serviços e novos mercados, prontos para serem explorados.

Outra face dessa fase é o acelerado avanço tecnológico, que trouxe mudanças significativas para a sociedade. Esse processo de desenvolvimento iniciou-se na Terceira Revolução Industrial e, atualmente, verificam-se inovações tecnológicas dos campos de automação, controle e tecnologia da informação, aplicadas aos processos de manufatura.

A partir de Sistemas Ciber-Físicos, Internet das Coisas e Internet dos Serviços, os processos de produção tendem a se tornar cada vez mais eficientes, autônomos e customizáveis, na chamada “Indústria 4.0”, possibilitando também a fragmentação total das produções.

O modelo de negócio é a maneira pela qual uma empresa elabora e analisa o valor para os públicos de interesse, levados em conta diversos elementos do empreendimento, englobando questões econômicas e referentes à execução. Uma forma de instrumentalizar o modelo de negócio é o uso do Canvas, uma ferramenta administrativa de planejamento estratégico, que serve de apoio para o empreendedor avaliar e organizar os mais diversos aspectos referentes ao seu projeto, como sua estrutura, sua viabilidade no mercado, seus diferenciais e até mesmo seus objetivos.

[...

O ESTABELECIMENTO DESSAS NOVAS TÉCNICAS DE PRODUÇÃO LEVOU MUITAS EMPRESAS E INDÚSTRIAS

TRADICIONAIS À FALÊNCIA

Entretanto, o estabelecimento dessas novas técnicas de produção levou muitas empresas e indústrias tradicionais à falência, já que elas não conseguiram se atualizar para atenderem de forma sustentável às diferentes demandas que surgiam. Paralelamente, muitas pessoas que conseguiram encarar o novo mercado e explorá-lo corretamente (principalmente por meio do setor de serviços) foram capazes de fazer seus negócios florescerem nesse meio.

Um exemplo disso é o surgimento de diversas empresas emergentes conhecidas como startups, que, quando aplicam um bom modelo de negócio, conseguem crescer e se destacar.

...]

Entre as possibilidades de framework para a representação de um modelo de negócio, existem o Business Model Canvas e o Lean Canvas. Ambas as ferramentas apresentam perspectivas diferentes de um mesmo modelo de negócio, sendo assim, a escolha de qual adotar depende do estágio de desenvolvimento da ideia a ser implantada. Essas se distinguem à medida que o Business Model Canvas, concebido por Alexander Osterwalder (2011), traz uma visão mais tradicional da empresa, enquanto o Lean Canvas, adaptado do anterior por Ash

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Maurya (2012), é mais apropriado ao cenário de incerteza característico de startups. A proposta desenvolvida pelo segundo autor foi de criar um modelo para que empresas iniciantes (conhecidas também por early stage) com ideias inovadoras evitassem perder recursos — como tempo e dinheiro — em ciclos longos de aprendizado no mercado.

Para desenvolver um modelo de negócio verdadeiramente escalável e conseguir executar quaisquer aspectos do planejamento, é fundamental que a pessoa (ou grupo) que conduz o processo assuma um papel de liderança exemplar, possibilitando a aplicação plena do projeto e o surgimento de um espírito essencialmente empreendedor.

A fim de construir esse comportamento, é fundamental o aperfeiçoamento de diversas competências, como saber assumir riscos, buscar oportunidades, apresentar iniciativa, estabelecer metas e administrá-las. No caso, ser empreendedor exige total autonomia de pensamento e ousadia, sabendo reconhecer qualquer tipo de potencial em fatores específicos.

Afinal, segundo Peter Drucker (considerado pai da administração moderna), um empreendedor é aquele que causa mudanças, mas também sabe aproveitar as oportunidades que as mudanças criam (DRUCKER, 2005).

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Com isso, o atual cenário socioeconômico é marcado pelo desenvolvimento de novos grupos e empresas escaláveis, conhecidas como startups, que conquistam cada vez mais espaço à medida que os grupos possuem como base para seus princípios a constante otimização de seus produtos e de seus processos de criação, implementados graças à aplicação direta de tecnologia e ao uso de métodos e mecanismos que garantam maior produtividade.

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A partir desse cenário, observa-se uma gestão adaptada à realidade de tais empresas — que se distinguem dos grandes grupos e empresas tradicionais —, sendo assim responsável por transformá-las em verdadeiros expoentes. Nas startups, ao contrário de uma empresa tradicional, em que acontece de maneira mais lenta a tomada de decisões para implementação e melhorias em um novo produto, o desenvolvimento das transformações é muito mais rápido. Isso também serve para os erros e para a absorção de aprendizados provenientes destes.

[...

ERRAR RÁPIDO PARA APRENDER E PODER CRESCER O QUANTO ANTES ...]

Dessa forma, origina-se o conceito lean startup, desenvolvido pelo livro Startup Enxuta (RIES, 2011) e que propõe uma melhor gestão dos recursos disponíveis. Tal conceito disseminou a cultura de errar rápido para aprender e poder crescer o quanto antes.

A partir do modelo tradicional, majoritariamente os demais negócios demoram tanto para serem lançados esperando a “perfeição”, que, quando o produto chega ao mercado, não atendem às necessidades reais do consumidor.

Assim, a metodologia lean startup estabelece-se em contraposição, apresentando ao empreendedor medidas como o desenvolvimento de um Mínimo Produto Viável, conjuntamente com o conceito de pivotar e com a implantação de métodos que au-

mentem a interação com clientes e com o mercado.

Verifica-se então o estabelecimento de inúmeras estratégias que auxiliam no lançamento de uma early stage de forma bem-sucedida. Com isso a lean startup aparece como uma representação do modo como determinada empresa gera e entrega valor para os seus clientes. Isso é feito a partir de uma ferramenta pela estruturação de elementos e etapas que tornam uma empresa elementar, a fim de demonstrar os meios pelos quais empresas assim atingem seus objetivos e aspirações.

2. DESENVOLVIMENTO 2.1. PLANO DE NEGÓCIO Reconhece-se como mecanismo válido e poderoso para o andamento de um empreendimento o desenvolvimento de um plano de negócio, que é um documento totalmente detalhado utilizado para compreender a exequibilidade de determinado projeto, através de análises econômicas, processuais e de mercado.

Enquanto toda empresa possui um plano de negócio, é possível apresentar concomitantemente diversos modelos de negócio, separados por cada uma das entregas de valor. O modelo de negócio corresponde, de modo geral, a um guia desprovido de uma descrição aprofundada e sujeita a alterações de maneira simples e rápida, sempre que haja modificação em qualquer dos fatores descritos nos quadros (BOLINA, 2016).

Contudo, as modificações em um plano de negócio costumam acontecer em menor frequência e têm caráter mais burocrático. Isso se dá pelo fato de tal documento possuir correlação com inúmeros outros envolvidos e interessados em entender todos os detalhes do empreendimento: sócios, gestores e investidores, por exemplo.

Dessa forma, o modelo de negócio deve preceder o plano de negócios e pode ser

usado inclusive como base e inspiração para os primeiros passos de um plano.

[...

A IMPLEMENTAÇÃO DE UM MODELO DE NEGÓCIO

NÃO SUPRE

AS NECESSIDADES DE ADOÇÃO DE UM PLANO DE NEGÓCIO ...]

Deve-se salientar que a implementação de um modelo de negócio não supre as necessidades de adoção de um plano de negócio, sendo ambos essenciais para o desenvolvimento de um projeto emergente. A implantação de tais recursos apresenta um papel de complementariedade, de modo que, enquanto uma ferramenta se propõe a desenvolver uma visão macro do valor entregue aos clientes, a outra propende a documentar minuciosamente tudo o que diz respeito a sua empresa.

Dessa forma, alterações em um dos demais documentos ocasionam uma real necessidade de o outro ser conjuntamente revisto, a fim de garantir que ao longo do tempo os objetivos de tal empreendimento persistam alinhados com os seus propósitos, com os valores entregues aos clientes e, sobretudo, aos seus ideais.

2.2. CANVAS Ter uma ideia genial para um projeto não significa, de forma automática, obter sucesso e se tornar um “novo Bill Gates”. A ideia pode até ser revolucionária, porém, se o público não se interessar, o projeto não tem valor. Muitos gênios formularam propostas inovadoras que poderiam ter mudado o mundo, mas não conseguiram organizar seus dados e planilhas num sim-

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ples papel. Há algum tempo, não existia um consenso entre os criadores de projetos para formular um negócio, não havia uma ferramenta para ser um ponto de partida do projeto.

Isso mudou com a representação de modelos de negócio por meio de frameworks denominados Canvas (ADMINISTRADORES, 2016).

O intuito de um Canvas é que o modelo de negócio, ou seja, todo o alicerce do projeto, contendo as principais ideias, seja representado em apenas uma folha, sendo basicamente o rascunho da futura empresa. Nele, são colados recortes de papel adesivo (post-it), nos quais são escritos pequenos textos que expressam, de forma breve, o conteúdo de cada categoria. Essa folha que abrevia o projeto em questão nunca chegará às mãos de um cliente ou investidor, destinando-se exclusivamente a facilitar a organização das ideias do criador.

2.2.1. BUSINESS MODEL CANVAS

O que é o Business Model Canvas. Disponível em: http://inkubator.biz/startap-lekcije-poslovni-model/ business-model-canvas/. Acesso em: 3 nov. 2018.

Criado como um mecanismo para planejar uma empresa de modo a poupar tempo e recursos, o Business Model Canvas (OSTERWALDER, 2011) consiste em uma ferramenta de gerenciamento estratégico, que permite desenvolver e esboçar modelos de negócio novos ou já existentes.

Essa ferramenta admite que todo o negócio seja visualizado em uma única página.

Isso significa que não é mais necessário percorrer um documento cheio de texto e alguns números, passando página por página para compreender as diferentes estratégias definidas.

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Outro excelente aspecto é o Business Model Canvas permitir que um “encaixe

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estratégico” que existe entre diferentes áreas seja facilmente visualizado. Documentos textuais não permitem esse tipo de análise. Além disso, a facilidade de prototipação proporciona a análise de novos negócios de forma mais rápida e intuitiva.

Verifica-se que o Business Model Canvas apresenta um conjunto de pilares comuns que possibilitam a elaboração de tal modelo de negócio. Eles são nove: 1. Segmento de clientes: definição de determinado nicho do mercado como clientes para os quais os produtos em desenvolvimento serão destinados.

2. Oferta de valor: definição sucinta dos benefícios oferecidos pelo produto ou serviço empreendido; vale salientar a necessidade de tal mensagem ser coerente com as necessidades de seus segmentos de clientes e também se diferenciar das demais soluções existentes no mercado.

financeiro e são derivados da operacionalização do negócio. Eles serão provavelmente oriundos dos blocos de recursos, atividades e parcerias-chave. Também será possível que custos de canais sejam considerados como, por exemplo, comissão de vendedores.

3. Canais: descrição dos caminhos pelos quais a empresa comunica e entrega valor para os potenciais clientes.

Observa-se, além do Canvas, a existência de diversas ferramentas de modelos de negócio que lapidam as ações empresariais. Em seu livro, Osterwalder (2011) se debruça sobre distintos modelos, como o long tail, que se baseia em colocar à venda uma grande variedade de produtos personalizados para um mercado de massa de compradores. Um exemplo interessante é a Amazon, que possui milhões de produtos e assim consegue atingir todo tipo de consumidor, sem depender de nenhum produto exclusivamente.

4. Relacionamento: criação do plano de como manter viva a relação com os diferentes segmentos de clientes; assim, busca-se transformar possíveis clientes em consumidores leais.

5. Fontes de renda: o fluxo de receitas é o bloco que determina a maneira como o cliente pagará pelos benefícios recebidos.

6. Recursos-chave: o primeiro bloco do lado esquerdo é o de recursos-chave, que, como os demais, relaciona-se à parte operacional do investimento. Esse bloco deve ser limitado a descrever o que realmente importa dentro dos ativos de uma empresa, isto é, a matéria-prima necessária para o desenvolvimento do serviço ou produto.

7. Atividades-chave: de forma complementar aos recursos-chave, esse bloco deve tratar das atividades mais importantes a serem realizadas para satisfazer as demandas dos clientes; para o Google, por exemplo, uma atividade-chave é sempre investir nos seus algoritmos de busca para que os usuários tenham sempre boas respostas ao utilizar sua pesquisa.

Os modelos freemium também são destacados na obra, os quais consistem em dar produtos ou serviços de entrada gratuitos para certos clientes para assim atrair outros. Essa é uma realidade para empresas, como a Google, que oferecem uma ferramenta de busca gratuita para seus usuários, mas cobram das empresas para exibir sua publicidade nesses resultados de busca. Outro exemplo de freemium é o aplicativo do Evernote, que é gratuito para quem o utiliza em até dois dispositivos, mas passa a ser pago para usuários que querem usá-lo em mais de dois dispositivos.

8. Parcerias-chave: referem-se primordialmente às terceirizações (fornecedores); o bloco “Parcerias” lista outras empresas que ajudam o negócio a entregar a oferta de valor. Qualquer tipo de tarefa ou matéria-prima essencial fornecida por outra empresa e que garanta o funcionamento do negócio deve ser listada neste quadrante.

9. Estrutura de custos: o último bloco desse modelo descreve todos os principais custos que têm peso no

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2.2.2. VALUE PROPOSITION CANVAS (OU MAPA DE EMPATIA DO CONSUMIDOR)

O que é o Business Model Canvas. Disponível em: https://resultadosdigitais.com.br/blog/mapa-da-empatia/. Acesso em: 3 nov. 2018.

No processo do desenvolvimento de um negócio, um ponto muito importante para o sucesso do empreendimento é conhecer o cliente. Dentro da metodologia do Business Model Canvas, há uma ferramenta chamada de Mapa de Empatia do Consumidor (KORDUPLESKI, 2003), que busca ampliar e organizar os conhecimentos sobre os clientes para que eles possam ser entendidos e ter as reais necessidades atendidas.

Nesse recurso é criado um personagem, um avatar, para representar o cliente, e, preenchendo informações sobre ele, o empreendedor pode se colocar em seu lugar com mais facilidade. O Mapa de Empatia do Consumidor é especialmente útil em relações comerciais B2C (business to customer, quando o consumidor é uma pessoa física), mas também pode se mostrar eficiente em relações B2B (business to business, em que o consumidor é uma pessoa jurídica), uma vez que empresas têm donos e são compostas por seres humanos.

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Quando aplicada ao B2B, a metodologia funciona de maneira análoga ao B2C: uma empresa é “fragmentada” em diversas personas, que a representam em diversas

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instâncias. Assim é possível ter um panorama mais próximo da realidade, uma vez que a empresa, em si, não tem dores ou objetivos, mas seus funcionários, sim.

Além disso, é preciso lembrar que o Mapa de Empatia enfoca ajudar a solucionar problemas que a empresa enfrenta ao trabalhar com determinado produto ou solução, e que não necessariamente coincidem com os objetivos financeiros da organização ou de seus acionistas.

O Mapa de Empatia é construído a partir de sete perguntas básicas sobre o cliente. Não é preciso conhecer a fundo a vida dele; respostas simples, obtidas de entrevistas ou questionários, são suficientes.

São as perguntas: 1. O que ele vê? A quais programas de TV assiste? Quais redes sociais usa? Que sites da internet frequenta? Que jornais consome? Com que pessoas convive? O que acontece diante dos olhos dele?

2. O que ele pensa? Qual é o seu humor?

O que ele pensa do mundo e das notícias?

3. O que ele ouve? O que as pessoas falam para ele? O que ele ouve no dia a dia em geral?

4. O que ele fala? O que ele fala para as pessoas? Ele faz o que fala? Sobre quais assuntos ele fala?

5. O que ele faz? Quais atividades ele faz? Como é a vida dele?

6. Quais são as dores dele? Quais problemas ele tem? Quais são suas insatisfações e frustrações?

7. Quais são suas necessidades e desejos? O que ele quer? Quais são os sonhos dele? O que o faz feliz?

Com as perguntas respondidas, é necessário realizar um exercício de empatia,

colocando-se no lugar do cliente ou potencial cliente para tentar entender onde se concentram suas dores, a que ele dá valor e até que ponto ele está disposto a gastar dinheiro para solucionar aquilo que o incomoda.

2.2.3. LEAN CANVAS Como demonstrado anteriormente, o Business Model Canvas é um guia visual constituído por um diagrama recortado em nove fases que possibilitam ao empreendedor formatar o objetivo de seu projeto, as estruturas de custos, as receitas e os segmentos de clientes. Dessa forma, as ideias puderam ser traduzidas para o papel de modo coerente, permitindo que qualquer pessoa conseguisse acessar de maneira simples e objetiva o projeto criado. Esse guia tão acessível modificou o modelo de negócios anterior, no qual constava, em várias páginas de textos, uma apresentação de ideias com todas as entrelinhas e complexidades.

Não tardou muito para que Ash Maurya, um jovem engenheiro, questionasse a obra de Alexander, alegando ter apenas exemplos de empresas bem-sucedidas

e retratar somente o apogeu destas. Assim, Ash criou o Lean Canvas, uma versão do Canvas que retratava, desde seu nascimento e antes do sucesso, o desenvolvimento do projeto de uma startup. Ash escreveu, então, o livro Running Lean, no qual explicitou sua nova tese, complementando o Business Model Canvas.

Segundo os ensinamentos de Ash Maurya: Running Lean fornece uma maneira melhor e mais rápida de obter novas ideias de produtos e criar produtos de sucesso.

Running Lean é sobre velocidade, aprendizagem e foco.

Running Lean trata de testar uma visão medindo como os clientes passam pelo ciclo de desenvolvimento do produto.

Running Lean aborda a validação do produto e do mercado em paralelo usando iterações curtas.

Running Lean é um processo disciplinado e rigoroso.

(MAURYA, 2012, p. 25)

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Dessa maneira, novas categorias substituíram alguns boxes do guia visual Business Model Canvas, como: Problema no lugar de Parcerias-chave, Solução em vez de Atividade-chave, Métricas em vez de Recursos-chave e Vantagem injusta substituindo Relacionamento. A imagem abaixo explicita essas modificações.

MAURYA, Ash. What is the key difference between Lean Canvas and Business Model Generation Canvas? Is one geared more to startups and the other for businesses?. Disponível em: https://www.quora. com/What-is-the-key-difference-between-Lean-Canvas-and-Business-Model-Generation-Canvas-Is-one-geared-more-to-startups-and-the-other-for-businesses. Acesso em: 9 maio 2017.

O resultado é um novo Canvas, batizado por Maurya (2012) de Lean Canvas, representado na imagem a seguir:

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MAURYA, Ash. Sketch out a business plan by Lean Canvas. Disponível em: https://schwalbe10.github. io/thinkage/2017/05/09/canvas.html. Acesso em: 9 maio 2017.

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A ordem em que o Lean Canvas é preenchido deve ser levada em conta pelo empreendedor. Segue abaixo cada etapa do Lean Canvas representado na imagem anterior.

do ou copiado. Geralmente, no início do desenvolvimento do produto, é difícil se ter uma vantagem desleal.

Com o Lean Canvas preenchido, a etapa seguinte é passar o negócio da teoria para a prática, mas, para isso, é necessário validar as hipóteses apresentadas no Canvas, verificando se o público realmente se comporta como foi proposto e, principalmente, se o negócio será aceito no mercado. A validação de hipóteses consta na realização de pesquisas e entrevistas nas quais os alvos sejam os supostos clientes do produto/negócio. Questionários em campo e/ou on-line serão instrumentos dessa validação; os questionamentos devem verificar se o entrevistado possui os problemas imaginados para que o produto possa resolvê-los.

1. Problema: o empreendedor deve primeiro observar um problema que seja recorrente na sociedade para ser resolvido por seu produto.

2. Segmento de clientes: é basicamente uma lista do perfil de clientes para o produto que se deseja vender.

3. Proposta única de valor: consiste em uma mensagem única, clara e convincente que ateste o motivo pelo qual o produto em questão é diferente e merecedor de atenção.

4. Solução(ões): neste passo, são listadas possíveis soluções para cada problema.

[...

QUALQUER MICROEMPREENDEDOR NECESSITA GASTAR O MÍNIMO E ATINGIR, EM TERMOS DE PRODUTIVIDADE,

Com os resultados obtidos nos questionamentos anteriores, é possível traçar planos mais realistas para o andamento do projeto, utilizando, com o menor nível de desperdício, os recursos financeiros existentes, uma vez que qualquer microempreendedor necessita gastar o mínimo e atingir, em termos de produtividade, o máximo.

O MÁXIMO

5. Canais: nesta etapa, são listados os caminhos que o empreendedor vai ter que seguir para levar seu produto até os possíveis clientes.

6. Fonte de receita: são listadas as possíveis formas de arrecadação do produto em questão.

7. Estrutura de custos: aqui, são listados todos os possíveis custos fixos e variáveis que possam afetar o produto.

...]

8. Principais métricas: são os números principais que indicam quão bem o negócio vai indo.

9. Vantagem desleal: não pode ser facilmente compra-

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2.3. (LEAN) STARTUP Entende-se como startup uma empresa emergente que tenha como objetivo desenvolver um modelo de negócio escalável, marcado pela incerteza, em torno de um produto ou serviço. Como o objetivo é alcançar o sucesso, ou seja, resultados financeiros positivos para o empreendimento, é fundamental que a pessoa que empreende siga determinadas orientações essenciais para garantir uma gestão bem-sucedida (RIES, 2011).

Logo, essas empresas acabam apresentando um alto grau de inovação. Criar, testar e avaliar são consequentemente alguns dos pontos cruciais para fazer uma startup caminhar, ganhar força e depois alçar voos maiores até se tornar uma empresa forte, respeitada e, acima de tudo, consolidada no mercado.

o ato de errar em uma startup é muito necessário.

Portanto, marcados por incertezas, desenvolvem-se determinados grupos de pessoas à procura de um modelo de negócios repetível e escalável, tendo como fim último diversos investimentos para transformar o projeto empreendido em um negócio sustentável.

2.4. MÍNIMO PRODUTO VIÁVEL O entusiasta Alexander Osterwalder (2010) aproveitou a tendência de cocriação das redes sociais, criou engajamento ao redor de uma nova teoria de administração e chamou outros respeitados consultores e empresários do mercado criando uma nova metodologia, simples, direta e prática, para desenvolver ideias de negócios e a consequente concepção de um Mínimo Produto Viável.

Numa época em que as empresas precisam cada vez mais inovar seus modelos de negócio e desenvolver novos modelos, foi imprescindível o desenvolvimento colaborativo entre mais de 200 consultores de todo o mundo e de inúmeras ferramentas para modelos de negócio.

Esse processo de criação permitiu a edificação do conceito posteriormente enunciado por Eric Ries: o Mínimo Produto Viável (RIES, 2011).

[... O ERRO É, NA VERDADE, UM CAMINHO PARA O ACERTO ...]

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Porém, não é só na base desses pontos que se erguem os pilares de uma startup.

Existe outro tão importante quanto esses: o erro. Este, dentro do mercado empreendedor, não é o mesmo que fracasso.

O erro é, na verdade, um caminho para o acerto. Já a hora do fracasso é também a hora de avaliar a capacidade empreendedora. Nesse momento, o empreendedor pode ter uma real dimensão do quanto está disposto a continuar empreendendo — e pode até acabar percebendo que aquele não é seu estilo de trabalho. Então,

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Portanto, o Mínimo Produto Viável é a versão mínima de um novo produto. Por meio dela, é possível capturar mais informações e aprender sobre as necessidades e expectativas do cliente final. O intuito é evitar esforços na criação de produtos desnecessários ou que não sejam do interesse para o consumidor.

2.5. LIDERANÇA Além disso, é indiscutível a necessidade de um bom líder para o progresso de uma

startup no mercado sob ampla concorrência. Verifica-se ser essencial desenvolver continuamente a habilidade de liderança, porque um bom líder é aquele capaz de ser flexível e, ao mesmo tempo, ter foco inalienável nos resultados; é aquele que consegue resolver diversos problemas que ameaçam o empreendimento, que sempre organiza a equipe, analisa o desempenho do negócio e empenha-se para garantir um futuro lucrativo, abrindo-se para novas experiências por meio de riscos calculados e seguindo os propósitos próprios (GREGOIRE, 2014).

Outro aspecto relacionado a uma liderança bem-sucedida é a capacidade de estabelecimento de relações interpessoais saudáveis e eficazes com a própria equipe. O líder deve servir sempre como uma figura que transmita inspiração e reconhecimento, e não que imponha “medo” ou que se restrinja ao exercício exclusivo da autoridade. Para isso, é recomendável a manutenção de uma comunicação aberta e de total transparência, reforçando a empatia e a confiança para com a equipe.

Assim, torna-se possível a construção de um ambiente de trabalho mais eficiente e produtivo, permeado pela confiança e motivação e beneficiando o negócio.

Uma maneira eficiente de criar esses hábitos é estabelecer com frequência planos e metas relacionadas a essas práticas, mas sem abandonar a objetividade, muitas vezes elaborando a imposição de gatilhos para lembrar a manutenção dessas posturas. Com a automatização dessas ações, é possível torná-las mais naturais. No caso, a autoavaliação também é importante, pois permite que o indivíduo reconheça os próprios erros e trabalhe a partir disso.

Além da liderança tradicional, uma empresa pode optar pela autogestão, um modelo em que as atribuições e a autoridade são distribuídas entre os funcionários, capaz de fazer com que cada um

seja mais autônomo e responda a normas preestabelecidas, em vez de a um chefe.

Consequentemente, é criado um ambiente mais integrado, com maior engajamento e desempenho. Na prática, é desenvolvida uma visão mais democrática e conjunta sobre o trabalho.

Consequentemente, é possível perceber que um maior envolvimento dos colaboradores com o produto que desenvolvem pode beneficiar a própria produção. Entretanto, é importante notar que, para que isso ocorra, é indispensável a existência de um elevado grau de organização e consenso na empresa, principalmente no que diz respeito a decisões importantes.

Assim, com o aprimoramento da capacidade de liderança e o desenvolvimento de uma visão empreendedora, além da aplicação sustentável dos métodos e logísticas escolhidos, torna-se possível adquirir a competência para desenvolver corretamente um modelo de negócio e possibilitar que um projeto consiga prosperar e se destacar no mercado flexível contemporâneo, mostrando-se perfeitamente viável.

3. CONCLUSÃO Após a análise dos temas explorados ao longo do artigo, percebe-se que atualmente o empreendedorismo tem grandes raízes nos princípios da agilidade e eficiência.

Produtos e serviços inovadores ganham rapidamente o mercado, mas é importante manter-se constantemente atualizado para não se tornar obsoleto ou perder mercado. É relevante ressaltar que, com o surgimento diário de centenas de milhares de startups, a concorrência nunca foi tão acirrada, de forma que, como nunca antes, tornou-se imprescindível aprender com os próprios erros, além de aprender com os erros dos outros.

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No geral, é fundamental desenvolver atitudes empreendedoras, as quais permitam a construção de uma visão favorável a uma atuação escalável dentro do mercado, reconhecendo as diversas oportunidades que surgem. Isso pode se aliar à estruturação de uma organização baseada na logística com que cada empresa se identificar mais.

[...

APRENDE-SE COM QUAISQUER DESLIZES E

ERROS DE ESTRATÉGIA

Nesse contexto, deve ser avaliada a aplicação de diversos métodos, como a autogestão ou a própria liderança tradicional. No caso, é indispensável o aperfeiçoamento de uma postura salutar de liderança para que o negócio seja administrado da melhor forma possível e com um envolvimento intenso da equipe.

De qualquer forma, entende-se que a organização é um fator fundamental para qualquer negócio.

A partir disso, a montagem de um bom modelo de negócio é extremamente favorecida e aumenta significativamente quaisquer chances de êxito. Assim, esse fator deve se aliar ao uso consciente de outras ferramentas também enunciadas — como o plano de negócio, os diferentes tipos de Canvas e o Mapa de Empatia, o qual ajudará o empreendedor a se conectar com o consumidor e a atender de forma sustentável às diferentes demandas que surgem.

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EVITAM-SE ...]

Com a aplicação consciente dos passos em questão e das suas mais diversas abordagens trabalhadas ao longo deste artigo, uma startup se fortalece e se torna consideravelmente mais competitiva no mercado mundial contemporâneo. Aprende-se com quaisquer deslizes e evitam-se erros de estratégia e organização que levaram muitas empresas tradicionais à falência diante das novas demandas, principalmente no que diz respeito à tecnologia.

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HUMANAS

O SIMBOLISMO NAS VVIAGENS DE SAINT-EXUPÉRY E ROBYN DA DAVIDSON PELO DESERTO THE SYMBOLISM INSIDE THE DESERT VOYAGES OF SAINT-EXUPÉRY AND ROBYN DAVIDSON

Orientadora: Cleide de Fátima Simões1

Orientanda: Yasmin Grigório Silva2

RESUMO 1 Graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; especialista em História da Arte pela Escola Guignard; professora de Português.

2 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

O livro Terra dos Homens, de Saint-Exupéry, e o filme Tracks, de John Curran, compartilham ideias relacionadas a viagem e, principalmente, ao deserto. Este é, em ambas as obras, mais que um mero espaço: permite reflexões e mudanças para as personagens de Robyn Davidson e do próprio Saint-Exupéry. Então, através de uma análise das experiências de cada um e do simbolismo que as figuras do deserto e da viagem adquirem, estabeleceu-se uma relação entre as obras.

Palavras-chave: viagem; deserto; experiência; Saint-Exupéry; Robyn Davidson.

ABSTRACT The book Wind, Sand and Stars (in French Terre des Hommes),

by Saint-Exupéry, and the film Tracks (2013), by John Curran, both share ideas related to the voyage and, manly, the desert. It is, in both works, more than a space, since it brings reflections and changes for the characters of Robyn Davidson and Saint-Exupéry himself. So, throught an analysis of the experiences of each one and the symbolism that the figures of desert and the voyage acquire, a connection between these works is stablished.

Keywords: voyage; desert; experience; Saint-Exupéry; Robyn Davidson.

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1. INTRODUÇÃO O filme Tracks (2013), de John Curran, e o livro Terra dos Homens, de Antoine Saint-Exupéry, apresentam elementos decisivos para a construção do sentido da história: a viagem e o deserto. As obras se diferenciam pela forma, tempo e espaço, mas levam em sua essência a concepção filosófica na relação do homem com o espaço e a sua capacidade de simbolização das experiências mais cruciais de sua existência, o que contribui para o adensamento das personagens.

A análise das obras, numa perspectiva mais focada em tal princípio, faz com que se perceba melhor a experiência e a reflexão de cada uma das personagens e como elas se relacionam com essa realidade.

O filme Tracks é uma adaptação cinematográfica dirigida por John Curran do livro de mesmo nome, escrito e protagonizado por Robyn Davidson. O livro foi lançado em 1995, adaptado em 2013, traduzido para o português brasileiro em 2015, tendo chegado ao serviço de streaming da Netflix em 2017. A obra dramatiza a peripécia de Davidson, que, no final dos anos 70, decidiu atravessar 3 200 km do deserto australiano até chegar ao Oceano Índico, acompanhada por quatro camelos e sua adorável cachorra.

Ela alcançou seu objetivo com o auxílio financeiro da revista National Geographic, que designou um fotógrafo para registrar o percurso, mas apenas uma parte dele — uma exigência da viajante, que precisava da solidão e da experimentação de si mesma para realizar a empreitada.

Concluída a viagem, a revista internacional fez uma edição especial, riquíssima em relatos e fotos, contando toda a trajetória dela. Hoje, Davidson tem 78 anos e é uma escritora reconhecida por seus livros sobre as viagens que fez, sendo Tracks o principal deles.

Terra dos Homens é um livro de memórias do escritor e aviador francês Antoine Marie Jean-Baptiste Roger de Saint-Exupéry

(1900-1944), autor do clássico O Pequeno Príncipe, dedicado a seu amigo Henri Guillaumet, escrito em 1939. Saint-Exupéry traz, em sua experiência como piloto do correio aéreo francês, tanto os perigos da profissão numa época em que o avião era muito primitivo quanto o convívio com outros pilotos e amigos. Ele descreve, de maneira singular, suas impressões sobre o mundo e o homem que nele habita.

A obra expõe uma mistura constante, mas precisa, entre realidade e filosofia, entre a natureza e o homem, e aborda temas como a amizade, a morte e a busca por um significado para a vida, tendo o céu como cenário. O monomotor é conduzido pelo deserto — visto que a rota do piloto é uma região da África — e por outros territórios considerados longínquos ou inóspitos para a cultura europeia, mas diversos e imensamente ricos em experiências e significados para o jovem piloto e escritor francês.

[...

A OBRA EXPÕE UMA MISTURA CONSTANTE, MAS PRECISA, ENTRE REALIDADE E FILOSOFIA, ENTRE A NATUREZA E O HOMEM ...]

2. DESENVOLVIMENTO 2.1. A EXPERIÊNCIA DE ROBYN DAVIDSON A trajetória de Robyn Davidson tem dois momentos profundamente emblemáticos no filme, a serem marcados primeiro pela férrea vontade de realizar o intento e depois pela capacidade de abstrair valores, ao ponto de fazê-la se empenhar no registro literário passado algum tempo, o

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que posteriormente foi adaptado para a linguagem cinematográfica. Mas, entre uma situação e outra, vale a tentativa de entendimento, ainda que dolorosa, da protagonista do seu real motivo em se oportunizar tamanha aventura, pois a empreitada é um desafio e oferece grandes riscos.

Seu plano inicial era ir de Alice Springs até o Oceano Índico pelo deserto da Austrália, Outback, a pé, sendo acompanhada por camelos e sua cachorra Diggity. Seriam cerca de 3 200 km percorridos em seis ou sete meses. No início do longa, Davidson afirma que essa ideia não era uma aventura, que ela não queria provar nem conquistar nada, apenas que estava cansada da rotina da cidade, de seu emprego e de seus estudos, que não aguentava mais a negatividade egoísta que afligia sua geração, seu sexo e sua classe. A pureza do deserto sempre a atraíra e ela sentia a necessidade de movimento.

Até partir de vez, Davidson se preparou ao longo de alguns anos, aprendeu a domar camelos e traçou a sua rota. No entanto, certo nível de preparação, como a compra dos animais, necessitava de recursos em dinheiro, o que ela teve dificuldades em aceitar, já que a viagem em si era, justamente, uma tentativa de buscar outros referenciais para a sua vida, longe do devorador meio capitalista.

A solução veio quando sua amiga foi lhe visitar junto de alguns amigos e um fotógrafo americano. O rapaz gostou do projeto, considerou-o viável ao perfil da revista para a qual trabalhava e sugeriu a tentativa de um patrocínio. Convencida, ela escreveu para a National Geographic, que aceitou o projeto; a condição imposta por Robyn foi que o acompanhamento pelo fotógrafo Rick Smolan se desse em pontos esporádicos do percurso, afinal a decisão dela havia sido a de não ter uma companhia humana.

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Foi um trajeto difícil: Robyn enfrentou problemas como a falta de água, alucinações, queimaduras de sol, a morte de Diggity, a solidão e inospita-

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lidade do deserto. Em alguns momentos, ela acreditou não ter forças para continuar e esteve a ponto de desistir, mas, enfim, depois de quase sete meses, completou a sua rota.

Como se vê, o deserto é o ambiente em que se passa a história. Num primeiro momento, Robyn ainda está em lugares habitados e segue uma rota definida. Após parar em uma vila de aborígenes, a rota mais direta a se tomar seria pelo meio do deserto, passando em áreas sagradas; para isso, ela precisaria do acompanhamento de um ancião da cultura do lugar.

Entretanto, Smolan, que nesse momento se encontrava no local, provocou problemas com os nativos, fazendo com que Robyn não obtivesse ajuda e continuasse o caminho por um desvio. Nesse ponto, é muito evidente a relação complicada entre a viajante e o fotógrafo; ela queria ficar sozinha e ele parecia muito invasivo e inconveniente, mesmo fazendo o seu trabalho de registro, chegando ao ponto de Robyn classificar a situação como “uma farsa ridícula e sem sentido”.

A história entra em uma nova fase quando, fazendo o desvio, Robyn encontra outros aborígenes, que decidem ajudá-la. Eddy se torna seu acompanhante e começa a ensinar Robyn sobre a região e alguns costumes. Como os aborígenes não são fluentes em inglês, ele passa a

maior parte do tempo falando aleatoriamente, e Robyn se esforça para entender o que ele pretende comunicar de forma intuitiva. É aí que o deserto se torna mais familiar e liberta Robyn de alguns pensamentos que ela tinha até então.

Na última e mais difícil parte da viagem, Robyn está completamente sozinha no trecho mais árido do deserto. Não existem mais limites, recursos ou vida. Todas as suas dificuldades ficam piores e, se não fosse por Smolan deixar galões de água pelo caminho e uma família viver nessa parte do trajeto, Robyn não teria conseguido completar a viagem. Em muitos momentos, ela deixa de caminhar e apenas fica parada no deserto. Também aparecem muitos flashes do passado de Davidson, sua infância, seus pais, a vida em uma fazenda do interior da Austrália.

Falta a ela tudo, mas a verdadeira solidão provoca, aos poucos, mudanças.

Nessa travessia, a “moça dos camelos”, como Robyn ficou conhecida, mudou sua visão de vida e, no deserto, encontrou respostas que as outras pessoas não seriam capazes de lhe dar. Trata-se de uma mudança muito íntima que só é absorvida pela interpretação do espectador, pois Robyn não a cita diretamente, veem-se apenas suas reações. Depois de tanta resistência, ao fim da viagem, ela se entende com Smolan — o que evidencia uma descoberta da tolerância —, conclui seu objetivo, expandindo o aprendizado, inaugurando uma nova relação com as pessoas e a natureza. “Alguns nômades estão em casa em qualquer lugar; outros, em lugar nenhum. Eu era um destes”, citação de Robyn Davidson em trecho do filme.

2.2. A EXPERIÊNCIA DE SAINT-EXUPÉRY

]

A história de Saint-Exupéry é dividida em seis capítulos nos quais se contam diferentes momentos de sua carreira na Aéropostale, tendo a viagem como tema onipresente. O deserto aparece aos poucos até haver um capítulo inteiro dedicado a ele, no caso, o Deserto do Saara.

Junto da narrativa histórica se misturam os pensamentos que o deserto evoca, perceptíveis nas muitas vezes em que é citada a admiração do autor pela paisagem e pela imensidão. Para ele o deserto era a crosta nua do planeta e representava o isolamento dos primeiros anos do mundo.

“ALGUNS NÔMADES ESTÃO

Na costa do Saara, entre o cabo Juby e Cisneiros, o piloto sobrevoa, de longe em longe, platôs em forma de troncos de cone cuja largura varia de algumas centenas de passos até mais de trinta quilômetros. A altitude, notavelmente uniforme, desses platôs, é de trezentos metros.

Além dessa igualdade de nível, eles apresentam a mesma coloração, a mesma composição do solo, o mesmo feitio de suas escarpas. Como as colunas de um templo, emergindo solitárias da areia, mostram ainda os vestígios da cúpula que desabou,

EM CASA EM QUALQUER LUGAR; OUTROS, EM LUGAR NENHUM.

EU ERA UM DESTES.”

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assim esses pilares distantes trazem até nós o testemunho de um vasto planalto que os unia outrora. (SAINT-EXUPÉRY, 2016, p. 53).

A primeira das vivências de Saint-Exupéry no deserto foi devido a uma pane em uma das tripulações daquela viagem, então todos foram obrigados a parar e esperar o próximo dia, vivendo entre o medo dos mouros revoltosos e a esperança de completar a linha (SAINT-EXUPÉRY, 2016).

Em seguida, ele conta que os aviões daquele tempo eram de material frágil, e muitas vezes os pilotos tinham de pousar no meio do deserto por conta de uma pane ou para socorrer alguém.

Em outra pane, ele passa a noite no deserto, sentindo-se nu entre a areia e as estrelas, conectado à terra, tendo consciência apenas do seu ser e enchendo-se de sonhos e lembranças da infância. Nesse momento, a solidão do deserto se transforma em encantamento (SAINT-EXUPÉRY, 2016). No sexto capítulo, Saint-Exupéry conta sobre os três anos que passou morando no deserto, indo de um fortim a outro.

Três dias mais tarde, quando, em estado de semidelírio, decidimos abandonar definitivamente o aparelho e caminhar em linha reta até cair, foi ainda o leste que escolhemos. Ou mais exatamente: o leste-nordeste. E isso contra toda razão, contra toda esperança. E descobriríamos, uma vez salvos, que nenhuma outra direção nos permitiria voltar ao mundo [...] (SAINT-EXUPÉRY, 2016, p. 106).

SEU AMOR PELO SAARA SE MODIFICA ...]

A parte mais marcante das memórias se inicia quando o protagonista está no coração do deserto — entre Benghazi (Líbia) e

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[...

Nesse momento, a viagem que ele tem de fazer no deserto é a pé, ao contrário das vezes que viu tudo estando nas nuvens ou que ficou em um mesmo lugar.

Todo o seu amor pelo Saara se modifica; Saint-Exupéry se junta à paisagem e tem de ir em busca de salvação. Sem recursos e sem referências, o piloto calcula que demoraria algumas horas para ambos ficarem esgotados, ao passo que o resgate poderia chegar em dias ou meses. Eles começam a caminhar para leste, conforme é relatado:

NESSE MOMENTO, A VIAGEM QUE ELE TEM DE FAZER NO DESERTO É A PÉ, AO CONTRÁRIO DAS VEZES QUE VIU TUDO ESTANDO NAS NUVENS .. TODO O

O piloto ama o deserto, inicialmente um lugar sem vida, de silêncio e solidão, mas que se transfigura nos viajantes e adquire significados únicos, fantasiosos. Saint-Exupéry rememora os símbolos de sua infância, os brinquedos, o parque em que povoara de deuses e fundara um reino sem limites (SAINT-EXUPÉRY, 2016). Na paisagem mineral, há uma constante ameaça dos mouros e uma dificuldade em se perceber a passagem do tempo; há um general que espera por longos meses a visita de alguém e um escravo que busca a liberdade.

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Cairo (Egito) — e sofre um acidente junto de seu companheiro, Prévot. Isso ocorre devido à perda de referência dos pilotos, que ficam presos à areia por três dias, com seu avião destroçado e sem as reservas de água e comida. É um milagre eles terem sobrevivido à queda. Essa passagem ocorre em 1935 e o tempo é marcado por elementos da natureza.

Algumas das dificuldades que eles enfrentam são o calor extremo, a falta de água e comida, os delírios, a inospitalidade do deserto e o grande risco de não serem encontrados a tempo, pois o deserto é muito extenso. A passagem a seguir ilustra esse momento: Desde ontem já caminhei uns oitenta quilômetros. Sem dúvida é a sede

que me dá vertigem. Ou o sol. Ele brilha nesses troncos que parecem cobertos de óleo. Brilha sobre essa carapaça universal. Aqui não há mais areias nem raposas. Apenas uma bigorna imensa. E eu caminho sobre essa bigorna, sentindo, na cabeça, as pancadas do sol. Ah, mas ali…

— Olá! Olá!

— Ali não há coisa alguma; não se agite, é delírio…

Falo a mim mesmo, porque preciso fazer um apelo à minha razão. É difícil negar o que vejo [...]. (SAINT-EXUPÉRY, 2016, p. 113).

Saint-Exupéry usa de todo o seu conhecimento sobre o deserto para tentar sobreviver o máximo de tempo possível, afinal ele e Prévot já estavam esgotados, mas não podiam parar nem transpirar (SAINT-EXUPÉRY, 2016). Após tanto martírio e a quase loucura, eles encontram um beduíno no deserto, que é sua salvação. Bebem água e se enchem de vida novamente.

Ele conclui a experiência com a seguinte reflexão: Mais uma vez andei ao lado de uma verdade sem compreendê-la. Pensei que estava perdido, pensei que havia chegado ao fundo do desespero. E, uma vez aceita a renúncia, conheci a paz. Em horas assim, parece que um homem descobre a si mesmo e se torna seu próprio amigo. Nada mais prevalece contra um sentimento de plenitude que satisfaz em nós não sei que necessidade essencial que nem sabíamos possuir [...]. (SAINT-EXUPÉRY, 2016, p. 131).

2.3. O SIMBOLISMO DA VIAGEM E DO DESERTO E COMO ELES SE APLICAM

Para o Dicionário de Símbolos (CHEVALIER, 1991), o simbolismo da viagem, particularmente rico, resume-se na busca da verdade, da paz, da imortalidade,

na descoberta de um centro espiritual. A viagem enquanto progressão espiritual — que encontramos no budismo sob a forma de vias, veículos, travessias — exprime-se muitas vezes como um deslocamento ao longo do eixo do mundo. Ela expõe um desejo profundo de mudança interior, uma necessidade de experiências novas, mais do que de um deslocamento físico.

Segundo Jung, a viagem indica uma insatisfação que leva à busca e à descoberta de novos horizontes. Em todas as literaturas, a viagem simboliza, portanto, uma aventura e uma procura, quer se trate de um tesouro, quer se trate de um simples conhecimento, concreto ou espiritual. Essa procura, no fundo, não passa de uma busca e, na maioria dos casos, uma fuga de si mesmo.

[...

A VIAGEM SIMBOLIZA, PORTANTO, UMA AVENTURA E UMA PROCURA, QUER SE TRATE DE UM TESOURO, QUER SE TRATE DE UM SIMPLES

CONHECIMENTO, CONCRETO OU ESPIRITUAL. ...]

No entanto, embora ato solitário, a viagem muitas vezes permite em última instância um conhecer-se para ampliar a capacidade de se relacionar com o outro. Esta sempre foi a grande meta do homem desde tempos remotos, como exemplificam os registros dos livros sagrados, dos diários de viagem de conquistas territoriais, entre outros: A viagem no espaço simboliza a passagem do tempo; o deslocamento físico o faz para a mudança interior; tudo é viagem, mas trata-se de um tudo sem identidade. A viagem transcende todas as categorias, incluindo

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a da mudança, do mesmo e do outro, pois desde a mais remota antiguidade são acumuladas viagens de descobrimento, explorações do desconhecido, e viagens de regresso, reapropriação do familiar [...] (TODOROV, 1996, p. 231).

No filme Tracks, esses simbolismos se aplicam primeiramente no motivo que leva Robyn ao deserto, depois em sua insistência em estar sozinha e caminhando, demonstrando a introspecção que ela faz.

Já no livro Terra dos Homens, a viagem faz parte do emprego de Saint-Exupéry, mas adquire o símbolo da busca a partir do momento em que o caminho se torna mais importante que o destino e ele passa a pensar no deserto como um lugar de reflexão, de lembranças, e estabelece novos padrões de relacionamento.

Deserto no Dicionário de Símbolos comporta dois sentidos simbólicos essenciais: a indiferenciação inicial ou a extensão superficial, estéril, debaixo da qual tem de ser procurada a realidade: Terra árida, desolada, sem habitantes, o deserto significa para o homem o mundo afastado de Deus [...]. [Com o passar dos séculos e a evolução das civilizações] se deixou de achar necessário ir materialmente para o deserto, a fim de levar uma vida de eremita. (CHEVALIER, 1991).

[ .. . C

172

ABE AO E

R EITO L U O SPECTADOR

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Assim, o deserto vai assumir, em ambas as obras, principalmente o segundo sentido simbólico. Em Tracks, isso fica ainda mais evidente conforme se aproxima a última fase da viagem, na qual Robyn, ao mesmo tempo em que faz mais reflexões, encontra menos vida. Já para Saint-Exupéry, o deserto representa um encanto até o dia do acidente com Prévot; depois, essa extensão de terra se torna palco da busca deles por uma salvação e acaba sendo também lugar de reflexão.

3. CONCLUSÃO Tracks e Terra dos Homens podem se diferenciar por aspectos como o formato da obra, o motivo que leva a personagem ao deserto, o objetivo da viagem, o tempo e espaço da narrativa. É inegável, entretanto, que elas tenham pontos em comum, e estes se iniciam pela forma como as histórias são contadas.

Segundo Walter Benjamin, em suas considerações sobre a obra de Nikolai Leskov, existem dois tipos fundamentais de narradores: “um é exemplificado pelo camponês sedentário, e outro, pelo marinheiro comerciante” (BENJAMIN, 1987, p. 199).

Em ambas as obras, os narradores se aproximam mais do marinheiro, ou seja, aquele que viaja e a partir das experiências tem o que contar. E narrar é uma arte, toda história tem em si um fim último,

R ITA E OV R P A

UE Q O

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ADO...]

S S A EÉP

“essa utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja numa sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de vida” (BENJAMIN, 1987, p. 200).

anda pelo deserto da Austrália; ele, pelo Deserto do Saara. Ela está ali por escolha; ele, por acidente.

Afinal, ambos concluem seus objetivos, e a passagem pelo deserto traz reflexões em comum sobre a realidade, o relacionamento com as pessoas e o próprio significado de deserto. Pode-se resumi-lo nas palavras de Saint-Exupéry: “Que era o deserto para nós? Era aquilo que nascia em nós. O que sentíamos em nós mesmos”.

Nos casos de estudo, as obras trazem ensinamentos, mas não explicitamente; cabe ao espectador ou leitor aproveitar o que lhe é passado. Esse aproveitar é relacionado à conservação da história, de modo que a relação narrador–ouvinte e a memória se tornem essenciais para a narrativa.

Para Benjamin, “quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais profundamente se grava nele o que é ouvido” (BENJAMIN, 1987, p. 205).

REFERÊNCIAS

Tracks, ao contrário de Terra dos Homens, tem como personagem principal uma mulher que não possui uma inclinação natural à reflexão e ao pensamento como Saint-Exupéry, ela aprende a fazer essas atividades durante a viagem. Logo, a história dela parece mais centrada e objetiva que a de Terra dos Homens apesar de ser tão subjetiva quanto. Enquanto Terra dos Homens se passa em meados do século XX, Tracks já está em fins do mesmo século, sendo, assim, considerado mais moderno, até mesmo pela adaptação à linguagem cinematográfica.

As histórias narradas apresentam também o deserto e a viagem como pilares para o desenvolvimento psíquico e espiritual das personagens.

Durante o caminho, são compartilhados a falta de recursos, o sol escaldante, os delírios, a esperança de completar o objetivo e o conformismo com a ausência de referenciais mais concretos.

A companhia de Robyn Davidson eram os camelos e sua cachorra; Saint-Exupéry tem Prévot.

Robyn passa sete meses em martírio; Saint-Exupéry, alguns dias. Ela

BENJAMIM, Walter. Obras escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. 3. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987.

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 5. ed.

Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.

DA REDAÇÃO. Livro da semana: “Trilhas” – Robyn Davidson. Blogdescalada, 19 mar. 2018.

Disponível em: http://blogdescalada.com/trilhas-robyn-davidson/. Acesso em: 17 nov. 2018.

SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. Terras dos homens. Tradução: Rubem Braga. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.

TODOROV, Tzvetan. A viagem e seu relato. Tradução de Lea Mara Valezi Staut. Revista de Letras. São Paulo, v. 46, n. 1, p. 231-244, jan./jun. 2006.

[...

A PASSAGEM PELO DESERTO TRAZ REFLEXÕES EM COMUM SOBRE

A REALIDADE,

O RELACIONAMENTO COM AS PESSOAS E O PRÓPRIO

SIGNIFICADO DE DESERTO ...]

_________________. As categorias da narrativa literária.

In: BARTHES, Roland. Análise estrutural da narrativa: pesquisas semiológicas. Rio de Janeiro: Vozes, 1976.

TRACKS. Diretor: John Curran. Produtor: Emile Sherman, Iain Canning. Intérpretes: Mia Wasikowska, Adam Driver. Roteiro: Marion Nelison. Baseado em um livro de Robyn Davidson. Inspirado pelas fotos de Rick Smolan.

Sul da Austrália, The Weinstein Company, 2013. 112 min, colorido. Lançamento: 19 set. 2014. Distribuído pela Netflix.

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BIOLÓGICAS

A OBESIDADE INFANTIL

E SUA RELAÇÃO COM DIFERENTES REALIDADES ESCOLARES X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X

COMPARAÇÃO DE HÁBITOS ALIMENTARES ENTRE ALUNOS DE ESCOLA PÚBLICA E PRIVADA ORIENTADORA: Ana Carolina de Aguiar Vasconcelos Carneiro1

Orientandos: Ana Paula Isnard2 Beatriz Chiari Messias3 Cecília Hoffmann Villar4 Ciro Labruna Linhares5 Esther Cristine Amaro de Souza6 Gabriel Porto Coelho7 Gustavo Ribeiro Madruga de Castro8 Iara Constantino Ferreira Capelão Morais9 Isabela Teixeira Barreto10 Ísis Magalhães Fujii11 Júlia de Mendonça Queiroz12 Lucas Drummond Savassi Stehling13 Maria Clara de Oliveira Lima14 Mariana Alves Leite Pinheiro15 Mateus Brito Chalub16 Paloma Cristina Silva Ribeiro17 Pedro Almeida Rezende18 Pedro Chabot Barroso19 Thiago Magalhães de Aroeira Salles 20

CHILDHOOD OBESITY AND ITS RELATIONSHIP WITH DIFFERENT SCHOOL REALITIES COMPARISON OF ALIMENTARY HABITS BETWEEN STUDENTS OF A PUBLIC AND A PRIVATE SCHOOL

1 Mestre e doutora em Parasitologia e Ciências pela Universidade Federal de Minas Gerais; pós-doutora pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela Fiocruz Minas Gerais.

2 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

3 Estudante da 3a Série do Colégio Santo Antônio.

4 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

5 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

6 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

7 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

8 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

9 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

10 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

11 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

12 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

13 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

14 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

15 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

16 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

17 Estudante da 1a Série do Colégio Santo Antônio.

18 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

19 Estudante da 3a Série do Colégio Santo Antônio.

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20 Estudante da 2a Série do Colégio Santo Antônio.

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RESUMO A obesidade tem se apresentado como um grande problema populacional, e sua ocorrência vem aumentando, inclusive em crianças. Hábitos alimentares ruins, como a ingestão excessiva de alimentos industrializados e ricos em carboidratos, e a ausência de atividades físicas podem levar ao desenvolvimento da obesidade.

Esses fatores estão relacionados às condições sociais em que as crianças vivem e à influência dos pais. Neste trabalho, estudaram-se os hábitos alimentares de crianças com idade de 6 a 8 anos de uma escola pública e outra privada na cidade de Belo Horizonte-MG, Brasil, visando entender se as realidades escolares têm realmente influência no estado de saúde das crianças. Para a coleta dos dados, elaborou-se um questionário sobre a alimentação dos escolares; foram obtidos o peso e a medida de altura, de circunferência de cintura e de braço.

Os resultados mostraram diferenças significativas entre as crianças das duas escolas envolvidas no estudo.

Palavras-chave: obesidade infantil; escolas; hábitos alimentares.

ABSTRACT

naire asking about the alimentation, we weighed the children and measured the height and circumference of their arms and waist with a measuring tape. The obtained results showed significant differences between the two schools involved in the study.

Keywords: childhood obesity; schools; alimentary habits.

[...

A OBESIDADE INFANTIL TORNOU-SE UMA CRISE MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA, PRINCIPALMENTE NOS PAÍSES INDUSTRIALIZADOS, PORÉM AUMENTOU SIGNIFICATIVAMENTE NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO ...]

Obesity has been presenting itself as a major populational problem and the number of cases has been increasing, including in children. Bad alimentary habits, such as an immoderate and excessive ingestion of industrialized food which are also rich in carbohydrates and the lack of physical activities can possibly lead to an obesity development. These factors are related to the children’s social condition and to their parents influence. In this article we studied the alimentary habits of children between 6 and 8 years old of a public and a private school in Belo Horizonte, Brazil, aiming to understand if the school’s realities has any influence in the children’s health status. For the data collection, we prepared a question-

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1. INTRODUÇÃO A obesidade no século XXI vem se tornando um dos maiores desafios a serem superados, visto que tem se apresentado como um grande problema populacional. Ela ocorre quando há um acúmulo anormal e excessivo de tecido adiposo, representando riscos à saúde do indivíduo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), foi constatado que, em 2016, houve mais de 1,9 bilhão de casos de sobrepeso em adultos de 18 anos ou mais. Desse 1,9 bilhão de pessoas, mais de 650 milhões foram consideradas obesas. Tais dados tornam a obesidade uma das maiores epidemias globais.

O diagnóstico de obesidade dá-se pela realização de exames físicos gerais tais como testes respiratórios, escuta do funcionamento do coração e dos pulmões e medição da pressão sanguínea, da frequência cardíaca e do IMC (Índice de Massa Corporal), obtido pela divisão do peso pelo quadrado da altura.

A obesidade apresenta alto índice de prevalência no Brasil. De acordo com dados adquiridos no site do Hospital Israelita Albert Einstein, a moléstia acomete mais de 20 milhões de pessoas no país, e cerca de 50% da população brasileira adulta têm excesso de peso, 12,5% dos homens e

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Mondini et al (2007) estudaram a condição do sobrepeso e fatores associados em crianças ingressantes no ensino fundamental em um município da região metropolitana de São Paulo. Esse estudo observou prevalência de sobrepeso entre os alunos de 1o ano de escolas da rede pública em Cajamar, sem, contudo, que seus realizadores tenham feito qualquer tipo de pesquisa com alunos da rede privada.

[...

A OBESIDADE É A CAUSA DE DIVERSAS SÍNDROMES METABÓLICAS ...]

A constatação da obesidade infantil, em específico, de acordo com o site do Centro de Controle de Doenças, é feita por uma análise diferenciada do IMC, levando em conta os percentis relacionados à faixa etária e ao sexo. Caso o IMC esteja abaixo do percentil 5, a criança está abaixo do peso; se estiver entre os percentis 5 e 85, ela tem o peso saudável; se estiver acima do percentil 95, a criança é considerada obesa.

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16,9% das mulheres são indivíduos obesos. Em um estudo realizado em Salvador-BA (LEÃO et al, 2003), foi avaliada a obesidade em escolares e constatada prevalência de crianças obesas de 7 a 9 anos de idade nas escolas privadas, enquanto os indivíduos obesos da faixa etária de 9 e 10 anos foram mais abundantes na rede pública.

A obesidade é a causa de diversas síndromes metabólicas — definidas como um conjunto de doenças cuja base é a resistência insulínica — que ascenderam e se tornaram preocupações globais. O excesso de tecido adiposo (superior a 20% no peso total do indivíduo) está diretamente relacionado a doenças crônicas como diabetes e doenças cardiovasculares (hipertensão, arteriosclerose e colesterol alto), que são responsáveis pelos maiores índices de mortalidade e morbidade no Brasil (SILVA, 2017). A diabetes mellitus é definida pela Organização Mundial de Saúde como uma doença crônica e metabólica caracterizada por elevados níveis de glicose no sangue, que pode causar, com o passar dos anos, sérios danos ao coração, vasos sanguíneos, olhos, rins e nervos (site da OMS).

A obesidade infantil tornou-se uma crise mundial de saúde pública, principalmen-

te nos países industrializados, porém aumentou significativamente nos países em desenvolvimento. Esse fato é preocupante, já que, em crianças, a obesidade tem mais consequências em longo prazo no que tange às taxas de mortalidade e morbidade. As crianças obesas tendem a manter o sobrepeso quando adultas, e, com isso, o risco de desenvolver as doenças crônicas previamente citadas é maior (LIM & WANG, 2015).

Os fatores de risco para a obesidade são diversos. Andreyeva et al (2010) destacam o alto consumo de fast-food e refrigerantes, bem como a constante exposição de jovens a publicidades de grandes empresas do ramo alimentício. O sedentarismo também vem aumentando e contribui para o crescimento do número de indivíduos obesos; pesquisas revelam que o número de pessoas que não dedicam o tempo mínimo sugerido para exercícios físicos sofreu um aumento e essas pessoas tendem a desenvolver síndromes metabólicas com mais facilidade (HARDUS et al, 2003). Além disso, segundo Caballero (2007), a formação educacional da população também pode ser considerada um fator de risco, pois aqueles com melhor formação educacional tendem a ser mais magros.

Considerando as inúmeras complicações que a obesidade pode causar e a alta probabilidade de uma criança acometida por ela permanecer obesa durante sua idade adulta, trabalhos epidemiológicos são comumente realizados com o intuito de se observarem as condições de saúde física do público infantil por meio da realização de medições corporais para cálculo de IMC, bem como pela aplicação de questionários sobre os hábitos das crianças.

Os escolares constituem, portanto, um dos principais grupos-alvo para o entendimento da obesidade infantil; trata-se de um grupo importante para prevenção e controle de sobrepeso e obesidade.

Visto isso, o objetivo deste trabalho é comparar tanto os hábitos alimentares de crianças de 6 a 8 anos de idade de dife-

rentes grupos sociais — alunos de uma escola pública e uma privada do município de Belo Horizonte — quanto a qualidade da alimentação fornecida a eles, dentro e fora do ambiente escolar. Pretende-se também relacionar tais fatores com as distinções de condição física observada nas crianças de cada rede, levando em consideração as diferenças existentes entre os dois grupos sociais analisados.

2. METODOLOGIA 2.1. TIPO DE ESTUDO, POPULAÇÃO E AMOSTRA Este é um estudo transversal observacional, desenvolvido a partir da análise de dados coletados em duas escolas localizadas no município de Belo Horizonte. A amostra estudada foi a de crianças de 6 a 8 anos de idade, matriculadas no 1o e no 2o ano do ensino fundamental I das redes pública e privada do município de Belo Horizonte. A escola privada foi representada pelo Colégio Santo Antônio, localizado na região Centro-Sul de Belo Horizonte, e a escola pública, representada pela Escola Municipal Jorge Ricardo Salum, localizada na Zona Leste do município.

2.2. INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS Durante a visita às escolas selecionadas, foi realizada a coleta de dados antropo-

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métricos de acordo com a metodologia proposta pela OMS (1995). Os dados coletados foram peso corporal, altura, circunferência de cintura e de braço. O peso foi aferido em quilogramas, com precisão de 100 gramas utilizando balanças digitais das marcas OMRON e Geratherm. A estatura, os dados da circunferência de cintura e de braço foram aferidos em centímetros, com precisão de 1 milímetro, utilizando uma fita métrica. As medidas foram coletadas e registradas sem arredondamentos.

O IMC foi calculado como a razão da massa corporal (kg) pelo quadrado da estatura (m2).

Depois de finalizada a coleta de dados antropométricos, cada criança foi encaminhada ao entrevistador, que utilizava, com algumas modificações, o questionário elaborado segundo Faria (2008). Os questionamentos eram sobre hábitos alimentares de cada aluno: o número de refeições por dia, o que lanchava no período da aula, se realizava atividades físicas além das oferecidas pela escola, com que frequência consumia fast-food, vegetais e legumes, onde costumava almoçar e se já havia tido contato com a educação alimentar (ANEXO 1).

2.3. PROCESSAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS Foram calculadas as frequências de todas as variáveis. A determinação da normalidade da distribuição dos valores individuais para cada variável bem como as análises estatísticas foram realizadas através do programa GraphPadPrism (GraphPad Software Inc.), versão 8.0. O teste de Mann-Whitney foi empregado para a comparação das medianas, já que as variáveis

de interesse apresentavam um comportamento não gaussiano, ou distribuição não normal, denominados de dados não paramétricos.

A realização do estudo foi autorizada oficialmente pela direção e coordenação das escolas incluídas neste estudo. Todas as crianças participantes da pesquisa receberam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO 2) que retornaram assinado pela família, permitindo a participação no estudo.

3. RESULTADO E DISCUSSÃO A identificação da obesidade infantojuvenil através de estudos transversais em escolares tem se tornado uma prática comum (LEÃO et al, 2003). No presente estudo, foram avaliadas, no total, 338 crianças, sendo 248 da rede privada e 90 da rede pública. Todas essas crianças das duas escolas passaram pela avaliação antropométrica e responderam às perguntas presentes nos questionários aplicados.

Em relação à caracterização dos hábitos alimentares, os dados estão apresentados na Tabela 1. Observou-se que o número de refeições feitas pelos alunos de ambas as escolas foi semelhante. No que tange à variável de as crianças lancharem ou não na escola, houve notável diferença: na escola privada, a maioria dos alunos (77,4%) leva o lanche de casa; o oposto foi observado na escola pública, em que 75,6% das crianças lancham na cantina (Tabela 1). Esse resultado já era esperado, visto que a Lei nº 11.947/2009 determina como direito da criança e dever do Estado a alimentação escolar.

[...

A IDENTIFICAÇÃO DA OBESIDADE INFANTOJUVENIL

ATRAVÉS DE ESTUDOS

178

TRANSVERSAIS EM ESCOLARES

TEM SE TORNADO UMA PRÁTICA COMUM ...]

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Tabela 1. Perfil alimentar das crianças incluídas neste estudo.

Em relação a atividade física, ambas as escolas participantes da pesquisa fornecem duas aulas semanais de Educação Física a seus alunos. Em contrapartida, foi observada grande diferença quanto à realização de atividades físicas fora do horário de aula. Na escola privada, a maioria (78,2%) as realiza, enquanto na escola pública, mais uma vez, o comportamento é o oposto, 77,8% das crianças não realizam atividades físicas de maneira sistêmica (Tabela 1). Tal resultado pode ser explicado pela disparidade socioeconômica entre os dois grupos. As crianças de escola privada geralmente têm família com poder aquisitivo suficiente para custear atividades extracurriculares, como aulas de natação, judô, academia etc., e muitos dos alunos da escola pública não apresentam tais condições (CELESTRINO & COSTA, 2006). Entretanto, é possível que a frequência de atividades extracurriculares desse tipo não influencie na diferença de IMC porque estas crianças — da rede pública — podem realizar alguma atividade física informalmente, como caminhadas espontâneas ou até mesmo para ir à escola.

Segundo Andrade (2014), “É na infância que as crianças aprendem as bases necessárias para o seu desenvolvimento nos aspectos físicos, motor, social, emocional, cognitivo, linguístico e o comunicacional”. Considerando esse fator, a atividade física pode ser de grande contribuição para o desenvolvimento desses aspectos na vida das crianças. Por isso, era desejável que pelo menos a maioria das crianças das duas escolas praticasse essas atividades com frequência.

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Para entender melhor o consumo de alimentos industrializados, foi perguntado aos entrevistados se costumavam abrir algum pacote ao lanchar. Na escola pública, 70% dos escolares responderam que sim, enquanto na escola privada essa frequência foi 47,6% (Tabela 1). Alimentos industrializados tendem a apresentar maior índice de gorduras e carboidratos (SILVEIRA, 2006), substâncias que, em excesso, são responsáveis pelo processo de ganho de peso e, futuramente, por um desenvolvimento da obesidade.

Outro dado importante foi a frequência com que os escolares afirmaram comer em redes de fast-food. Nas escolas públicas, 22,2% dos alunos comem sempre, contrapondo com apenas 1,2% dos alunos da escola privada (Tabela 1). Uma possível explicação para tal resultado seria a provável diferença da condição socioeconômica entre as crianças, uma vez que o fast-food é uma comida mais barata e de fácil acesso. Outra possível explicação para a discrepância observada se baseia no fato de grande parte das franquias de empresas que comercializam fast-food se localizarem em shoppings centers, locais de lazer. Dito isso, pessoas de grupos sociais mais desfavorecidos, ao visitarem tais lugares, optariam por se alimentarem nessas franquias, pois a comida é frequentemente mais barata se comparada a outros estabelecimentos na mesma praça de alimentação.

[...

A PROVÁVEL DIFERENÇA DA

CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA ENTRE AS CRIANÇAS,

Ferreira (2010) explica esse fenômeno: as comidas ricas em açúcar e gordura são idealizadas pelas famílias de baixa renda por um aspecto cultural. Esse tipo de alimentação tem menor custo e possibilita maior sensação de saciedade do que a alimentação saudável; além disso, as redes de fast-food são atraentes por representarem uma “comida especial”, diferente do dia a dia. Por fim, as comidas saudáveis, como frutas e legumes, são consideradas de luxo por estarem bem acima do orçamento familiar mais básico (FERREIRA, 2010).

[...

SAUDÁVEIS,

AS COMIDAS COMO FRUTAS E LEGUMES, SÃO CONSIDERADAS DE LUXO POR ESTAREM BEM ACIMA DO ORÇAMENTO FAMILIAR ...]

Em relação à educação alimentar, importa destacar que é essencial para a criança uma boa formação nesse aspecto. Ela deve ser feita em casa, tendo os pais o papel de primeiros educadores nutricionais e principais responsáveis pela formação do comportamento alimentar da criança através da aprendizagem social (RAMOS & STEIN, 2000).

UMA VEZ QUE O FAST-FOOD É UMA COMIDA MAIS BARATA E DE FÁCIL ACESSO ...]

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Além da influência dos pais, é também importante o contato com a educação alimentar no ambiente escolar. Neste estudo, foi observado que 56,8% dos alunos da escola privada e 67,8% dos alunos da escola pública disseram ter tido algum tipo de contato com a educação alimentar (Tabela 1). Apesar disso, esse resultado deve ser avaliado com cautela, pois foram as crianças as responsáveis por responder às perguntas, e muitas delas entendem a educação alimentar como, por exemplo, saber que consumir alimentos saudáveis é importante. Isso pode não refletir resultados totalmente confiáveis, mas é relevante para obter-se uma noção de como as crianças avaliam os próprios conceitos de sua alimentação.

Como mencionado anteriormente, os pais têm grande influência no comportamento alimentar das crianças, o que faz com que consumam apenas o que lhes é fornecido por eles. Consequentemente, a ingestão de vegetais e legumes também é influenciada por isso. A partir dos resultados dos questionários, pode-se perceber que o número de crianças tanto da escola pública quanto da privada que não consomem vegetais e legumes diariamente foi bem baixo.

Em relação às medidas antropométricas, utilizamos os dados de peso e altura para calcular o IMC. A mediana do IMC na escola privada foi de 15,42 e na pública foi de 15,66.

Após análise estatística das medidas obtidas, pode-se concluir que o IMC dos alunos das escolas pública e privada não apresentou diferenças estatisticamente significantes: as medianas das duas escolas ficaram na faixa dos 16 kg/m2 (Figura 1). Colocando o valor da mediana no gráfico fornecido pelo Ministério da Saúde (Figura 2), foi possível concluir que esse valor, tanto da escola pública como da privada, encontrou-se no percentil 50, em que a criança é considerada eutrófica ou com o peso ideal para a idade.

Apesar dos distintos hábitos alimentares desses dois grupos, a diferença do IMC não foi realmente significativa, porém, houve casos extremos de obesidade e também de crianças bem abaixo do peso esperado para a idade em ambas as escolas. É válido chamar a atenção para o fato de que o diagnóstico de obesidade deve ser feito observando-se não apenas o IMC, mas também o sexo e a idade (DAMASCENO, 2010).

Figura 1. Valores de IMC das crianças das escolas pública e privada incluídas neste estudo. (p = 0,7282). Mediana da escola privada: 15,42. Mediana da escola pública: 15,66.

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Figura 2. Gráficos disponibilizados pelo Ministério da Saúde do Brasil para cálculo de IMC de meninas e meninos de 5 a 19 anos.

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Em relação à medida da circunferência abdominal das crianças, foi observada diferença estatisticamente significante (p = 0,0228) entre os alunos das escolas estudadas. A mediana de circunferência de cintura na escola pública foi 56 cm e, na escola privada,

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57 cm (Figura 3). Os resultados observados corroboram Carneiro et al (2011), que também observaram maior diâmetro da circunferência abdominal das crianças das escolas privadas.

Essa alteração na circunferência abdominal pode levar a uma obesidade futura se os hábitos não mudarem. No entanto, de acordo com Damasceno (2010), nem toda criança com sobrepeso ou obesa apresenta obesidade central. Portanto, o uso isolado dessas medidas ou do IMC não é eficaz na determinação do padrão de gordura infantil. Para que se obtenham resultados mais precisos, é necessária uma análise mais aprofundada.

sica não são fundamentais para a diferenciação efetiva de IMC na faixa etária que foi analisada, dados que corroboram Mello et al (2004).

Os hábitos familiares são fundamentais na influência sobre a alimentação das crianças. Dessa forma, os pais devem dar a opção de lanches saudáveis e balanceados para os filhos escolherem a quantidade que vão comer. Assim, o incentivo ao consumo de determinados alimentos pode se tornar determinante para o desenvolvimento de uma futura obesidade (MELLO et al, 2004).

4. CONCLUSÃO Após a análise dos dados obtidos pelos questionários, foi possível observar que há uma grande diferença entre os hábitos alimentares dos alunos de escolas privadas em relação aos de escolas públicas. As atividades esportivas foram mais presentes nos resultados dos alunos de escola privada, sugerindo que teriam uma taxa de IMC mais baixa.

Contudo, ao contrário das expectativas, a comparação de IMC entre os alunos de ambas as escolas não permitiu perceber-se uma diferença significativa, colocando-os em uma média de aproximadamente 16 kg/m². Apesar de esse valor demonstrar que a maioria das crianças é eutrófica, elas apresentaram alguns casos de sobrepeso e também de baixo peso.

Figura 3: Diâmetro de cintura das crianças referentes às escolas privada e pública incluídas neste estudo (p = 0,0228). Mediana da escola privada: 57,0. Mediana da escola pública: 56,0.

Analisando os resultados e contraposições dos dados deste estudo, percebe-se que os fatores alimentação e atividade fí-

É relevante retomar a influência dos pais e dos responsáveis pela alimentação das crianças, uma vez que elas tendem a seguir um modelo que pode ser referência para o resto de suas vidas. Para evitar que cresçam obesas, portanto, é preciso ensinar-lhes hábitos saudáveis e permitir que se alimentem de forma balanceada desde cedo, para que se evite uma possível obesidade, assim como as doenças que decorrem dela.

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ANEXO 1 IDENTIFICAÇÃO: 1-

Nome da criança:_______________________________________________

2-

Escola:_________________________________________________________

3-

Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino

4-

Data de nascimento: __/__/____

5-

Idade: ____

6-

Ano: ( 1º ) ( 2º ) ( 3º ) ( 4º ) ( 5º )

7-

Cor/Grupo étnico: ( ) Preto ( ) Branco ( ) Pardo ( ) Amarelo ( ) Outro:________

ANEXOS

MEDIDAS: 8-

Peso:_________

9-

Altura:________

10-

Circunferência cintura:____________________

11-

Circunferência braço dominante: ___________

IMC:________

ALIMENTAÇÃO / ATIVIDADE FÍSICA: Quais refeições você faz diariamente?

12-

Café da manhã: ( )

13-

Lanche da manhã: ( )

14-

Almoço: ( )

15-

Lanche da tarde: ( )

16-

Jantar ou lanche: ( ) Na escola, em geral, você:

186

17-

Come merenda escolar? ( ) Sim ( ) Não

17.1-

AVALIE A MERENDA DA ESCOLA: (0-10) ______

18-

Traz lanche de casa? ( ) Sim ( ) Não

18.1-

Quem faz seu lanche? ______________

18.2-

Você normalmente abre algum pacote? ( ) Sim ( ) Não

19-

Compra lanche? ( ) Sim ( ) Não

19.1-

Quantas vezes por semana? (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7)

20-

Você tem aula de Educação Física? ( ) Sim ( ) Não

20.1-

Quantas vezes? (1) (2) (3) (4)

21-

Você faz atividade física fora do colégio? ( ) Sim ( ) Não

21.1-

Quantas vezes por semana? (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7)

22-

Com que frequência você come fast-food? (Sempre) (Às vezes) (Raramente)

23-

Onde você normalmente almoça? (Casa) (Restaurante)

24-

Você já teve algum contato com a educação alimentar? ( ) Sim ( ) Não

25-

Você come muitos vegetais/legumes? ( ) Sim

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( ) Às vezes

( ) Não

ANEXO 2 Caros pais, mães e/ou responsáveis, Nós, alunos do ensino médio do Colégio Santo Antônio, estamos realizando um projeto do CSA Avançado sobre a obesidade. Parte desse projeto inclui uma pesquisa sobre as diferenças sociais e sua relação com dietas alimentares e doenças metabólicas e, para isso, decidimos fazer uma comparação entre os hábitos alimentares de alunos de escola pública e privada. E, para representar a escola privada, escolhemos os alunos do 1º e 2º Anos do Ensino Fundamental.

Decidimos realizar um questionário perguntando sobre os hábitos e costumes alimentares das crianças no dia a dia. Para completar a pesquisa, tiraremos medidas das circunferências da cintura e do braço dominante de cada criança e calcularemos o IMC (Índice de Massa Corporal) com os valores de peso e altura das crianças. Para isso, precisamos da autorização dos pais ou responsáveis dos alunos. Lembramos que a identidade da criança não será revelada em nenhuma circunstância.

Atenciosamente, Equipe do CSA Avançado sob a orientação da professora Ana Carolina Carneiro

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HUMANAS

O SIMBOLISMO DA VIAGEM E DO DESERTO EM TRACKS THE SYMBOLISM OF THE JOURNEY AND THE DESERT IN TRACKS

RESUMO Orientadora: Cleide Simões1

Orientanda: Marina Fernandes Alves2

1 Graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; especialista em História da Arte pela Escola Guignard; professora de Português.

2 Estudante da 2 Série do Colégio Santo Antônio.

O artigo apresenta uma análise do filme Tracks (John Curran, 2014) a partir de conceitos que norteiam e dão suporte às experiências da protagonista ao longo de sua jornada pelo deserto da Austrália, como o de peregrinação, deserto e oceano. O filme trata de uma jornada terrestre por meio do deserto australiano até atingir o Oceano Índico, abrindo espaço para diversos simbolismos que serão tratados ao longo do trabalho.

Palavras-chave: Tracks; viagem; deserto; peregrinação.

ABSTRACT

a

The article is an analysis of the movie Tracks (John Curran, 2014), based on concepts that guides and support the protagonist’s experience through the australian desert, such as ocean, desert and peregrination, that will be introduced throughout the text. The film is about a land journey through the australian desert reaching the Indian Ocean, which gives space to numerous symbolisms that will be discussed during the course of the essay.

Keywords: Tracks; journey; desert; peregrination.

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1. INTRODUÇÃO

2. O FILME TRACKS

Fernando Pessoa, no seu magistral poema “Viagem”, contempla-nos com versos arquetípicos, como “viajar é preciso, viver não é preciso” (2012, p. 19), lembrando-nos de que a existência sem a tentativa de um autoconhecimento é um sem-sentido, uma angústia para o homem. Arguir-se a partir de experiências profundas — como entender a relação do homem com o meio, ainda que tão inóspito quanto o deserto — e desenvolver virtudes como a persistência, a busca além dos supostos limites físicos, a coragem e o sonho tornam o deserto uma escola.

Lançado em 2014, o filme Tracks conta a história real de Robyn Davidson, uma australiana que decidiu fazer uma viagem um tanto quanto arriscada. Aos seus 25 anos, mudou-se para Alice Springs, local que escolheu como ponto de partida e de onde começou os preparativos para a jornada. De lá, Davidson se lançou em uma aventura por meio do deserto australiano, até chegar ao Oceano Índico, um caminho de aproximadamente 3 200 km, em que suas únicas companhias permanentes eram quatro camelos e sua cadela, Diggity.

O aprendizado vai além de um fim pragmático, de inserção do indivíduo nas malhas de um frágil tecido social, homogeneizador, castrador; ele permite uma percepção mais profunda da humanidade do ser, da sua condição de agente de libertação de si mesmo e da própria sociedade. Uma jornada de autoconhecimento traz muito mais do que apenas uma paz interior e harmonia consigo mesmo: traz uma harmonia com aquilo que é externo e um maior entendimento do mundo que nos rodeia.

Muitos duvidaram de sua capacidade para realizar o trajeto ou até tacharam-na de louca; diziam que ela não sobreviveria ou até que não haveria necessidade para uma ação tão radical. Com apenas cinco minutos de filme, a aventureira deixa clara a própria insatisfação com a sociedade em geral e suas estruturas e diz que “a decisão de agir foi em si mesma o início da jornada” (TRACKS, 2014, 5:23).

Às vezes, para uma pessoa visualizar melhor o que a rodeia, deve dar um passo para trás e observar de fora, tentando não se afetar tanto com o que acontece.

Como já dizia Robyn Davidson, é cansativo carregar para todos os lados essa negatividade sufocante e egoísta (TRACKS, 2014, 5:03).

O planejamento incluiu trabalhar em uma fazenda de camelos para aprender a treiná-los e, mais tarde, trabalhar com um tratador de camelos. Em seu segundo trabalho, conseguiu que seu patrão, Sallay Mahomet, desse-lhe um camelo, Zeleika, que estava grávida e deu à luz Goliath, que também foi de grande ajuda na viagem. Na fazenda em que trabalhou primeiro, a aventureira conquistou dois camelos, Dookie e Bub, completando o grupo que lhe daria assistência.

[... ÀS VEZES, PARA UMA PESSOA

VISUALIZAR MELHOR

O QUE A RODEIA, DEVE DAR

UM PASSO PARA TRÁS E OBSERVAR DE FORA ...]

2.1. MOTIVAÇÕES No começo do enredo, Robyn expõe seus motivos para a realização da viagem. Mesmo sendo questionada diversas vezes, até por si própria, ela segue firme em sua decisão.

Ainda em Alice Springs, perguntam-na do porquê de ela estar fazendo a viagem, e ela responde com um simples “Por que não?”. Para ela, o

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deserto é símbolo de pureza, vento quente e espaço aberto, significando, assim, um local de reflexão em que ela poderia ficar sozinha. Além disso, diz estar cansada da vida na cidade, que representa, para ela, apenas um ar negativo e consumidor de suas energias, como dito por Zygmunt Bauman: O deserto significava colocar uma distância entre si e “aqui” — seus deveres e obrigações, o calor e a agonia de estar com os outros, de ser observado por eles, ser enquadrado e moldado por seu controle, suas exigências e expectativas. Ali, no dia a dia mundano, as mãos estavam atadas, e também os pensamentos.

O deserto [...] era a terra da autocriação. [...] O deserto é o arquétipo e a estufa de uma liberdade nua, crua, primitiva e realista que é apenas ausência de limites. (BAUMAN 1995, p.

116).

Por trás de tudo, ainda há seu histórico familiar. Quando tinha apenas 11 anos, sua mãe suicidou-se, fazendo com que ela fosse criada pela tia, na mesma época em que viu seu cachorro sendo sacrificado. Apesar dessas dificuldades, alega que seu pai configurou uma inspiração para a sua jornada: ele atravessou a África Oriental e dizia ser mais feliz sozinho na natureza; além disso, presenteou-a com uma bússola que acumularia ainda mais valor sentimental porque seria usada durante a viagem.

[...

O DESERTO SIGNIFICAVA COLOCAR UMA DISTÂNCIA ENTRE SI E “AQUI” ...]

190

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A protagonista também tem como inspiração o explorador Ludwig Leichhardt, que tentara cruzar a Austrália até o mar, em 1848, mas desapareceu e nunca foi encontrado. Desde quando escutou sua história, ela ficou inspirada a fazer o mesmo: “Eu me lembro de imaginá-lo no deserto só com os animais, e isso me parecia um sonho” (TRACKS, 2014, 10:38).

Durante a viagem, Robyn se questiona várias vezes sobre o motivo de ela estar ali, mencionando inclusive que a viagem tinha perdido seu significado e que era uma farsa. Após cada crise e dificuldade, a aventureira cogitava a possibilidade de voltar, chegando a dizer que não deveria nem ter começado a jornada. A principal crise enfrentada por ela foi a perda de sua cachorra, Diggity, que a fez se sentir sozinha e abandonada, pois era especial e uma de suas únicas companhias na viagem.

Depois desse acontecimento, Robyn enfrentou um difícil período e chegou a ter um rápido diálogo sobre o assunto com Rick Smolan — o fotógrafo que esporadicamente se encontrava com a protagonista a serviço da National Geographic — a quem ela afirmava se sentir absolutamente sozinha depois da morte de Dig. Ela recebeu, além de um abraço, a resposta de que “estaríamos todos sozinhos”.

2.2. A JORNADA Partindo de Alice Springs, onde trabalhava em um bar, Robyn vai até uma fazenda de camelos, chamada Posel, e trabalha por oito meses em uma tentativa de aprender a cuidar dos animais e conseguir dois de seu patrão. Depois de perceber que o acordo firmado não seria cumprido, Davidson se dirige a um tratador de camelos, Sallay Mahomet, que promete lhe dar um camelo caso ela trabalhe por um mês. Após esse período, ela recebe Zelly, camelo que dá à luz Goliath. Recebendo notícias de que a fazenda onde ela trabalhava havia sido vendida, Davidson volta para conversar com o novo dono e o convence a lhe dar mais dois camelos, Bub e Dookie.

Antes de conseguir os camelos, Robyn encontra uma casa abandonada, onde se hospeda por um tempo, durante o qual recebe a visita de um grupo de amigos. Ao longo da estadia ela se sente mal e desconfortável, visto que aquela não é mais a vida que quer levar. Junto com sua amiga, a australiana também recebe o fotógrafo Rick Smolan, que menciona a possibilidade de um patrocínio à viagem.

Tendo sido convencida, ela decide enviar uma carta à revista National Geographic, que concorda em dar recursos para a viajante, contanto que ela aceitasse se encontrar com Smolan em determinadas partes do trajeto, para que sua viagem fosse documentada. No início, essa promessa é um fardo para ela, visto que sua intenção era fazer a viagem isolando-se da sociedade em geral.

para a revista, Rick é flagrado e faz com que nenhum dos anciões, que se sentem desrespeitados e invadidos, queira acompanhar Davidson. Por não ter outra escolha, ela resolve seguir caminho, mas acaba encontrando um grupo de anciões; Eddie decide ajudá-la, mesmo que não entenda inglês.

Depois de um tempo, eles encontram Glendle, um orientador que a ajudaria com a logística da viagem. Mesmo sendo um homem branco e falando inglês, ele diz para Robyn que as palavras são superestimadas, fazendo-a refletir sobre sua comunicação com Eddie, que ficava cada vez melhor, assim como a relação entre eles. A partir desse ponto, Robyn dá seu tênis a Eddie para que ele possa acompanhá-la no trajeto até Warburton.

Mais para frente, Robyn e Eddie se enNo decorrer da jornada, Robyn e Rick contram com Rick em uma área de alojaaproximam-se, inclusive permitindo que mento de nativos. A partir desse momento, ele a acessore em diversos momentos, Eddie ficaria para trás, mas se preocupa como quando seus recom uma parte do trajeto cursos estão limitados ou [... CENAS COMO ESSAS de Robyn caracterizada quando ela é assediada como um ambiente hosCOMPROVAM O por repórteres e turistas, til. Por ser uma área mais CONTRASTE ENTRE o que a deixa assustada seca e sem movimento, A VIDA QUE ELA e vulnerável. Nessas duas Rick promete levar água ESTAVA LEVANDO E A em pontos estratégicos situações, Davidson se sente invadida e perseguiCONFUSÃO URBANA, para que Davidson não da, chegando a aparentar passe sede.

QUE INVADE pânico fisicamente.

SUA JORNADA ...]

Inserida em um caminho Cenas como essas comsem volta e com péssimas provam o contraste entre a vida que ela condições, Robyn começa a ter alucinaestava levando e a confusão urbana, que ções e miragens, fazendo-se claro que ela invade sua jornada nessas duas ocasise encontra em uma situação deplorável. ões. Buscando encontrar a paz e ouvir o Além de diversos machucados no corpo e silêncio, a viajante se vê ameaçada por queimaduras nas costas, sua água tamaquelas interferências, como se elas fosbém acaba e ela quase perde a bússola. sem impossibilitar o momento de encontro Com a possibilidade da realização dos espiritual com o seu verdadeiro ser. seus sonhos, a aventureira fica preocupada, mas encontra um casal que resolEm certo ponto da viagem, Robyn enconve hospedá-la por um dia, fornecendo-lhe tra uma comunidade de anciões e descomida, banho, uma cama para dormir e cobre que, para continuar o caminho que acolhendo-a com carinho depois de 124 ela havia planejado, teria que ser acomdias no deserto. panhada por algum deles, considerando que atravessaria diversas áreas sagradas.

Alguns dias depois de retomar seu trajeEntretanto, ao tentar tirar fotos de um ritual to, Davidson acorda no meio da noite com

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Diggity tendo uma convulsão por ingestão de veneno. Quando o sol nasce, ela não vê outra opção senão sacrificar sua companheira com a arma que levava.

Posteriormente a esse acontecimento, a viagem aparenta ficar muito mais difícil e desgastante. Robyn começa a ter mais alucinações, se sente sozinha, aumenta o descuido com o corpo e a própria saúde, adquirindo queimaduras e machucados.

Já muito assustada, ela se depara com um grupo de repórteres querendo documentar sua jornada, que, a este ponto, já virara manchete no mundo inteiro. No filme, é possível perceber o medo em seus olhos e o alívio e agradecimento direcionados a Rick por tirá-la daquela situação.

Continuando a viagem, Robyn e Rick encontram várias famílias nativas, que brincam muito com os dois e com os camelos, fazendo Robyn aparentar estar feliz de novo. Após isso, ela decide fazer o último trecho da viagem, mas está determinada a não ser interrompida por repórteres, o que é garantido por Smolan. No 195o dia, Robyn finalmente se depara com o Oceano Índico a sua frente. Suas águas cristalinas e seu horizonte azulado fazem com que ela entre na água com Goliath, que, naquele momento, torna-se a personificação de alegria e realização.

2.3. O ESPAÇO E SEU SIMBOLISMO Peregrinar pelo deserto para chegar ao oceano é a empreitada a que se propôs a protagonista de Tracks. Mas, além do cumprimento de uma meta com referentes geográficos bem definidos, há uma disposição em vencer-se ou conhecer-se, pois esse é o propósito maior da personagem.

192

No ambiente citadino, familiar, ela se vê absorvida por rotinas e demandas que a sufocam, impedem de vivenciar ou conhecer as próprias emoções. Tudo corre em um torvelinho, e distanciar-se tornou-se um imperativo, tendo a solidão como agenciadora nesse processo. A tradição da viagem se inaugura como possibilidade, mas a relação dela com o espaço sele-

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cionado como ideal inspira novas leituras, novos significados.

[...

“VOCÊ NÃO VAI PARA O DESERTO

ENCONTRAR

A IDENTIDADE, MAS PERDÊ-LA, PERDER SUA PERSONALIDADE, TORNAR-SE ANÔNIMO” ...]

2.4. DESERTO Para diferentes autores, o deserto apresenta diferentes significados. Pode-se citar sua inicial indiferenciação e homogeneidade: detentor de uma paisagem intensamente uniforme, qualquer diferenciação ou forma de vida no deserto não passa de uma miragem, uma ilusão.

Consequentemente, qualquer tentativa, vinda de um viajante, de reencontro com sua própria personalidade por meio de uma jornada no deserto se torna infrutífera, como disse Edmond Jabès, citado por Baumann (1995, p. 118): “Você não vai para o deserto encontrar a identidade, mas perdê-la, perder sua personalidade, tornar-se anônimo”.

Fundindo-se à essência do deserto, cada um que ali se encontra se torna igual e unificado, sendo todos parte de uma só paisagem, pronta para ter seu significado construído de forma conjunta ao espaço que ele ocupa. Por ser um ambiente ini-

cialmente uniforme, o deserto obriga qualquer pessoa que passe por ele a se aprofundar além da superfície para encontrar a realidade. Em uma jornada, é necessário entender o deserto e abraçar tudo aquilo que ele significa, para só então realmente extrair o que ele pode proporcionar.

No filme em questão, a protagonista passa por períodos muito variados durante sua jornada. No primeiro momento, ela enxerga apenas a camada mais superficial, levando-a a acreditar que seria uma jornada simples e na qual ela encontraria paz interior. Entretanto, ao longo do desenvolvimento da trama, obstáculos e dificuldades aparecem, inclusive por ter sua própria estabilidade mental sendo colocada em jogo. Aplicado ao conceito, esse segundo momento corresponderia à procura pela verdadeira face do deserto, simbolizando uma proximidade maior da personagem com seu suposto objetivo.

Para se encontrar dentro de si, Robyn Davidson teria que se desligar de quem era anteriormente, utilizando as percepções vindas de sua experiência para reconstruir sua personalidade como um projeto futuro, construindo uma nova realidade para si, a partir das próprias experiências. Segundo Chevalier, “o deserto comporta dois sentidos essenciais: é a indiferenciação inicial ou a extensão superficial, estéril, debaixo da qual tem de ser procurada a realidade” (CHEVALIER, 1991, p. 331).

2.5. PEREGRINO A falta de identificação ou de aceitação da realidade em que até então vivia fez com que a protagonista elaborasse a viagem como alternativa para a construção de novos paradigmas, de um movimento em favor de si mesma, até porque sentia que estava em uma espécie de suspensão, de imobilidade psíquica. A decisão de percorrer espaços concretos coaduna-se com a de peregrinar internamente; perceber-se como viajante implica perceber uma força capaz de mudar a paisagem também íntima.

Nesse momento, ela restaura a tradição milenar da peregrinação, não no sentido religioso, da busca do sagrado, mas do exercício da vontade da mudança. Baumann já sinalizou para essa característica no contexto pós-moderno: Ser local num mundo globalizado é sinal de privação e degradação social. Os desconfortos da existência localizada compõem-se do fato de que, com os espaços públicos removidos para além do alcance da vida localizada, as localidades estão perdendo a capacidade de gerar e negociar sentidos e se tornam cada vez mais dependentes de ações que dão e interpretam sentidos, ações que elas não controlam — chega dos sonhos e consolos comunitaristas dos intelectuais globalizados. (BAUMAN, 1999, p. 8).

Peregrinar, portanto, não é somente sair do local da insatisfação, mas buscar-se a si mesmo, aceitando-se como um ser em mudança. O peregrino é aquele que se vê estrangeiro dentro do meio em que vive, de forma a se sentir deslocado e sempre à procura do local ideal, assim como Robyn se via no meio urbano e entre seus próprios amigos e conhecidos.

[...

O PEREGRINO É AQUELE QUE SE VÊ

ESTRANGEIRO

DENTRO DO MEIO EM QUE VIVE ...]

Além de expressar o caráter passageiro de todas as situações, o ato da peregrinação demonstra a necessidade de despren-

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dimento interior e desapego do presente, preparando-se sempre para a natureza transitória das situações. A simplicidade da peregrinação é consequência da sua ideia de purificação, pois, ao se desprender de todas as exigências sociais e se prender ao espírito, a desnecessária posse de objetos ostensivos fica visível e comprovada pelo fato de a viajante só levar consigo o essencial, carregando tudo nas costas de seus camelos.

Muito comum nas histórias bíblicas, a peregrinação não poderia ser feita como um prazer, ou seja, representava penitência por algo feito ou purificação para se aproximar de Deus. Em suma, não poderia ser algo recheado de regalias. Exige-se, por definição, um destino que promova reflexão e espiritualidade, como é o caso do deserto.

Ambos em construção, o significado do deserto e a essência do peregrino se erguem em conjunto, considerando, principalmente, que o último nunca apresenta forma fixa, devido ao seu constante movi-

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mento. Em Tracks, Robyn nos mostra que seu jeito de ser muda de forma enquanto enfrenta diferentes situações e contextos, estando aberta a todos e nunca apegada a nenhum.

2.6. OCEANO Em meio às suas diversas formas e metáforas, o simbolismo da água não se distancia. Dentre seus vários sentidos, tudo se resume a apenas uma palavra: renovação. Como um símbolo de renascimento, a água relaciona-se à ideia de um novo início e o fim de algo; de forma cíclica, tudo sai do mar e tudo retorna a ele. Em diversos mitos e histórias, o mar foi símbolo de renovação, purificação e recomeço, como na história de Morran, em que a criança cega é jogada ao mar e a máscara que a impede de ver é rompida, permitindo um grandioso futuro ao protagonista do conto.

No enredo do filme, a última cena é apenas a chegada da peregrina ao mar, que representa, caso seja analisada sob essa ótica, um recomeço para Robyn. Deixando sua antiga vida para trás, ela está disposta a traçar um novo caminho já pensando na pessoa em que ela se tornou depois de

tudo pelo que passou. Sempre em movimento, o mar representa o estado transitório entre uma realidade e outra, e não há como prever os acontecimentos seguintes, pois o oceano é imprevisível e nunca se sabe qual rumo tomará. “O oceano, o mar são, em virtude de sua extensão, aparentemente sem limites, as imagens da indistinção primordial, da indeterminação original” (CHEVALIER, 1995, p. 650).

REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. Vida em Fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro: Zahar, 1995.

CHEVALIER, Jean. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.

NUNES, Benedito. A viagem. O dorso do tigre.

São Paulo: Perspectiva, 1976. p. 173–179.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: Saraiva, 2012.

O filme Tracks ganha um significado ainda mais profundo que o esperado. Com uma análise embasada em autores conhecidos, como Zygmunt Bauman, é possível perceber diversos simbolismos presentes no enredo e concluir que ele é muito mais do que uma narrativa sobre uma viagem, mas tudo que essa viagem representa.

No que tange às motivações e consequências, a jornada se trata de uma busca espiritual pela descoberta e construção de seu próprio caráter, e não só de um ato irresponsável. Agonizada pelo sufoco que sentia na cidade, a protagonista escolhe passar alguns meses sozinha para se descobrir e poder construir, sem interferências externas e sociais, o que ela julgava ser sua personalidade própria.

LITERATURA DE VIAGENS in Artigos de apoio Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora, 20032017. Disponível em: https://www.infopedia.pt/ apoio/artigos/$literatura-de-viagens. Acesso em: 10 dez. 2018.

Seu destino por si só representa um grande simbolismo. Sinônimo de anonimato, o deserto permite que a viajante se perca em si mesma e posteriormente se encontre, sendo capaz de montar a própria individualidade a partir de suas experiências.

Após períodos de desespero e de felicidade, Robyn termina sua jornada se jogando ao mar, um ato puramente simbólico de recomeço, demonstrando que, a partir daquele momento, ela era uma nova pessoa, (re)construída durante meses, desde quando se impôs o desafio tão sofrido para o corpo como para o psiquismo, mas, sem dúvida, mais satisfeita com o cumprimento de uma meta existencial.

TRACKS. Direção: John Curran. Produção: Iain Canning. Austrália, See-Saw Films, 2013. DVD (113 min).

[...

APÓS PERÍODOS

DE DESESPERO E DE FELICIDADE, ROBYN TERMINA SUA JORNADA SE JOGANDO

AO MAR,

UM ATO PURAMENTE

SIMBÓLICO

DE RECOMEÇO ...]

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