É com enorme satisfação que apresentamos a nova edição da Revista de Iniciação Científica do Ensino Médio, um marco contínuo na história do Colégio Ábaco. Este projeto nasceu do desejo de consolidar um espaço em que nossos alunos possam compartilhar suas descobertas, reflexões e investigações, promovendo o diálogo e o avanço do conhecimento científico.
O Ábaco sempre acreditou na importância de investir em diferentes dimensões do saber. A ciência, em especial, ocupa um papel central nesse compromisso — ela nos ensina a observar o mundo com curiosidade, a questionar o que parece dado e a transformar a realidade a partir do pensamento crítico. A Revista de Iniciação Científica expressa exatamente essa visão: a de que aprender e produzir ciência é um exercício de autonomia, descoberta e crescimento.
É também uma alegria realizar mais uma edição do Congresso de Iniciação Científica, um espaço de encontro entre estudantes e professores que permite a troca de experiências, o debate de ideias e a celebração do conhecimento em sua forma mais genuína.
Agradeço profundamente à equipe pedagógica e aos alunos que se dedicaram com empenho e entusiasmo para tornar este projeto possível. Desejo a todos uma leitura inspiradora e transformadora.
Rodolfo Saad
Diretor Geral do Grupo Ábaco
EDITORIAL
É com grande alegria que apresentamos a nova edição da RICEM, fruto do percurso de formação científica vivido pelos alunos ao longo do Ensino Médio. Esta publicação representa a culminância de um processo de aprendizagem que combina curiosidade, rigor metodológico e autonomia intelectual.
Durante os trimestres, os estudantes aprofundaram sua compreensão sobre o que diferencia o conhecimento científico de outros modos de pensar — seja o filosófico, o religioso ou o tradicional — e desenvolveram critérios sólidos para identificar fontes confiáveis, analisar dados e construir argumentos sustentados em evidências.
Cada tema aqui apresentado nasceu da escolha livre dos próprios alunos, sem direcionamentos externos, e reflete o olhar singular de cada jovem pesquisador sobre o mundo. Esse percurso, que envolve delimitar um problema, definir um recorte e estruturar uma investigação coerente, é o que transforma o aprendizado em experiência de autoria e descoberta.
A RICEM reúne, assim, uma amostra rica dessa diversidade de interesses e abordagens, revelando não apenas os resultados de cada pesquisa, mas o amadurecimento de uma geração que aprende a pensar cientificamente e a comunicar suas ideias com clareza e propósito.
Desejamos a todos(as) uma leitura prazerosa, instigante e inspiradora — e que esta revista continue a ser um convite para pensar, investigar e transformar.
FICHA TÉCNICA
Editor Chefe
Guilherme Bergaro Sagula de Almeida
Editores
Leandro Megna e Athos Poli
Revisão do texto em inglês
Equipe Access International School
Design e diagramação
Isabela Pascoaso
Rodrigo Fiorito
VERSÃO EM INGLÊS
O conteúdo desta revista também está disponível em inglês.
Os artigos foram revisados pelos professores da Access International School, e nós, do Colégio Ábaco, agradecemos o apoio de todos os profissionais da Access envolvidos nesse projeto.
As traduções foram realizadas com o intuito de ampliar as possibilidades de acesso ao material desenvolvido pelos alunos do colégio.
Para aqueles que desejam explorar a versão em inglês, basta clicar no link abaixo. Assim, você será direcionado para a edição completa em inglês, onde poderá navegar por todos os textos e descobertas científicas apresentadas por nossos alunos.
Read the English edition
SUMÁRIO
Infâncias conectadas: consequências do uso prolongado de telas digitais no processo de aprendizagem infantil
Flora Bonfanti, Gabriela Machado e Letícia Cardoso
Como a representação da psicopatia na mídia e a percepção pública de casos como o de Jeffrey Dahmer influenciam a aceitação do uso de biossensores no monitoramento e tratamento da psicopatia?
Evellyn Andrelina da Silva, Heloisa Santos Andres e Julia Agostinho Silva
Em que medida fatores traumáticos na infância e padrões comportamentais precoces estão associados ao desenvolvimento da psicopatia e à formação de diferentes perfis de serial killers, e quais caminhos clínicos se mostram viáveis para a intervenção e tratamento desses indivíduos
Beatriz Brandão Rosian, Laura Adami Rodriguez, Maria Luiza Diniz Ramos, Mariana Perandini Paes e Victor Naoki Sampei
História dos videogames no Brasil: correlação entre a popularização dos videogames e o desenvolvimento econômico brasileiro
Jean Michel Dornelas Salem Sugui
O desenvolvimento de competências e habilidades socioemocionais por meio de simulações da ONU para alunos do ensino médio
Letícia dos Santos Alencar, Amira Sopri Salem e Arthur Mota da Silva
A diferença do tempo de absorção dos macronutrientes e estratégias para desenvolver melhor hipertrofia muscular nos treinos de musculação
Gabriela Guerra Micali, Gabriela Vieira Araújo, Isabela Lúcio de Oliveira e João Victor dos Santos Silva
Avaliação do método BLIAR: possível abordagem não invasiva para detecção precoce de Alzheimer via biomarcadores
Beatriz Calabria e Mariana Parussolo
Entre avanços biomédicos e desigualdades sociais: a complexidade do enfrentamento do hiv/aids no Brasil
Ozempic® e a cultura do corpo ideal: transtornos alimentares e dismórficos corporais, medicalização da estética e influência das redes sociais
Isadora de Oliveira Martins e Sofia Sayuri Ishizawa
Infância digital: o impacto das redes sociais na formação de crianças e adolescentes
Amanda Lessa, Beatriz Gregolin, Julia Turini e Sophia Fernandes
Abordagens terapêuticas para doença de Alzheimer: química verde, células-tronco e musicoterapia
Gabriel Rio, Giovana Borali, Vinícius Massao e Yasmim Dreos
Ambiente emocional familiar e desenvolvimento infantil: impactos neurais, hormonais e emocionais da primeira infância
Ana Luiza Alvarez Frugoli, Fernanda Fagundes Camara, Luiza Midori Florio Tsukamoto e Maitê
Pádua Galindo
O desenvolvimento psicossexual infantil e o consumo de pornografia: implicações nas relações afetivas adultas
Anne Cardozo, César da Costa, Natália Freitas e Rafaela Mees
01.
Infâncias
conectadas: consequências do uso prolongado de telas digitais no processo de aprendizagem infantil
Flora Bonfanti, Gabriela Machado e Letícia Cardoso
Este artigo analisa as consequências cognitivas, emocionais e comportamentais do uso precoce e excessivo de telas durante a primeira infância, fase crucial para o desenvolvimento das funções cerebrais e sociais. Com o avanço tecnológico e a ampliação do acesso à internet, especialmente após a pandemia de COVID-19, o tempo de exposição das crianças a dispositivos digitais aumentou de forma expressiva, resultando em impactos significativos sobre o desenvolvimento infantil. Os estímulos intensos provenientes das telas — como luzes, sons e recompensas imediatas — ativam repetidamente os circuitos de prazer e reforçam padrões de dependência digital. Essa superestimulação compromete a atenção, o raciocínio lógico, o sono e a autorregulação emocional, interferindo diretamente no aprendizado e nas interações sociais. O estudo destaca a importância do papel dos pais e educadores na mediação do uso da tecnologia, bem como na criação de ambientes equilibrados que favoreçam o desenvolvimento cognitivo saudável. Sugerese a adoção de práticas que estimulem a leitura, as interações sociais significativas e métodos pedagógicos que valorizem a criatividade e o aprendizado ativo, como o método Waldorf. Conclui-se que o uso consciente da tecnologia é essencial para garantir uma infância mais crítica, autônoma e emocionalmente estável.
INTRODUÇÃO
A Primeira Infância é uma período importante para o desenvolvimento e modificações no aspecto cognitivo, afetivo, social e motor (Madigan et al., 2019), no qual ocorre o desenvolvimento de estruturas e circuitos cerebrais que permitirão o aprimoramento de habilidades futuras mais complexas (BRETANI, et al., 2014). Crianças com desenvolvimento integral saudável durante os primeiros anos de vida têm maior facilidade de se adaptarem a diferentes ambientes e de adquirirem novos conhecimentos, contribuindo para que posteriormente obtenham um bom desempenho escolar, alcancem realização pessoal, vocacional e econômica e se tornem cidadãos responsáveis (Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância, 2014, Estudo nº 1).
No contexto da ampliação do acesso à internet e às transformações de um mundo globalizado, os aparelhos eletrônicos foram incorporados na rotina de pessoas de diversos grupos sociais e etários, inclusive de crianças (NOBRE et al., 2021). Concomitantemente, com o período
da pandemia de COVID-19, em março de 2020, as escolas fecharam e as aulas migraram para o ambiente online. Além das aulas, a comunicação cotidiana entre amigos e familiares passou a depender muito dos dispositivos digitais diante da impossibilidade de encontros presenciais. Com isso, a média geral do uso de telas por crianças subiu de 2,7 h/dia pré-pandemia para 4,1 h/dia durante a pandemia (Sheri Madigan et al., 2022).
O uso de telas é elencado como fator de risco para interferências no desenvolvimento neuropsicomotor infantil, podendo estar relacionado aos déficits e atrasos na linguagem, comunicação, habilidades motoras e saúde socioemocional (Madigan et al., 2019). Dessa forma, o tema se torna relevante visto que grande parte da rotina de crianças e jovens é vivida em torno de tecnologias e da internet, o que representa, por vezes, um consumo abusivo que pode interferir diretamente na saúde e no desenvolvimento infantil (CARDOSO et al, 2007).
Este trabalho busca, por meio de estudos científicos, compreender as consequências e danos cognitivos causados em crianças na
fase da primeira infância pela precoce exposição às telas. A partir dessas considerações, pretende-se promover uma conscientização dos pais acerca dos riscos envolvidos, com o objetivo de contribuir para a formação de uma geração mais analítica e crítica. Ressalta-se a importância do papel dos adultos na orientação e na criação de um ambiente equilibrado que favoreça o desenvolvimento integral da criança, destacando que as escolhas feitas no presente podem influenciar significativamente o futuro cognitivo e emocional das novas gerações.
2. DESENVOLVIMENTO
O uso de telas no desenvolvimento infantil tem se tornado cada vez mais comum, com um aumento significativo entre 2015 e 2024, segundo a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. A pesquisa aponta que crianças de 0 a 2 anos tiveram um aumento de 9%, em 2015, para 44%, em 2024; de 3 a 5 anos, houve aumento de 26% para 71% e crianças de 6 a 8 anos de 41% para 82%. Esse acesso a telas começou a se intensificar nas últimas décadas, especialmente com
o avanço da tecnologia como os smartphones (CETIC.br, 2025).
A Primeira Infância compreende a fase de zero aos três anos e é um período crucial no qual ocorre o desenvolvimento de estruturas e circuitos cerebrais, bem como a aquisição de capacidades fundamentais que permitirão o aprimoramento de habilidades futuras mais complexas (SOUSA; CARVALHO, 2023, p. 2).
Por isso, crianças e adolescentes são mais vulneráveis em relação ao uso do celular devido seus sistemas nervosos ainda estarem em desenvolvimento e ao potencial de maior exposição cumulativa à radiofrequência (RF) durante suas vidas (THOMAS et al., 2010, p. 108). Também se observa que o aumento das exposições acarreta ao cérebro infantil diferentes respostas em relação ao cérebro adulto e, tal suscetibilidade pode prejudicar o desenvolvimento do sistema nervoso na adolescência (VRIJHEID et al., 2010, p. 107).
Crianças expostas de forma excessiva às telas digitais frequentemente enfrentam dificuldades no desenvolvimento da
atenção sustentada e do raciocínio lógico (LIN et al., 2019, p. 9). Esse prejuízo está ligado, em grande parte, à forma como o cérebro responde aos estímulos intensos e constantes proporcionados por esses dispositivos (KRUPA et al., 2019, p. 9). Vídeos com cortes rápidos, jogos altamente interativos e notificações frequentes criam um ambiente de estímulo contínuo que sobrecarga os sistemas neurológicos envolvidos na concentração e no controle inibitório (SOUSA; CARVALHO, 2023, p. 2).
Durante o uso das telas, há uma liberação acentuada de dopamina, um neurotransmissor relacionado à sensação de prazer e recompensa. Essa liberação constante induz um padrão de reforço imediato, fazendo com que o cérebro passe a buscar repetidamente esse estímulo prazeroso (ARANTES; MORAIS, 2021, p. 114). Com o tempo, a criança pode desenvolver uma espécie de dependência neurológica um "vício digital" que torna difícil o engajamento em atividades que exigem foco contínuo, como a leitura, a resolução de problemas matemáticos ou mesmo a escuta
atenta em sala de aula (VAIDYANATHAN et al., 2021, p. 6).
O conteúdo disponibilizado por meio de celulares e outros dispositivos móveis é acessado com apenas alguns toques na tela, oferecendo à criança um universo de vídeos, jogos e interações sem a necessidade de esperar por carregamentos demorados ou anúncios longos. (ROCHA et al., 2022, p. 2). Essa característica de imediatismo digital reduz significativamente a tolerância à frustração, uma vez que o cérebro da criança passa a associar o uso da tecnologia à gratificação instantânea (ROCHA et al., 2022, p. 2). Estudos em psicologia do desenvolvimento apontam que, quando expostas frequentemente a recompensas rápidas, as crianças tendem a ter mais dificuldade em construir habilidades como paciência, autorregulação e persistência (SOUSA; CARVALHO, 2023, p. 2).
Juntamente, a ausência de pausas no consumo de conteúdo, muitas vezes acelerado por funções como “autoplay” que consiste em reprodução automática de conteúdos em sequência sem ação
direta do usuário (STEINER; MAGUIRE, 2020, p. 213) e algoritmos de recomendação, cujo seu principal objetivo consiste em analisar comportamentos e padrões do usuário e personalizar conteúdos que agrade-os e direcione exclusivamente a atenção do usuário a estes conteúdos (Gomez-Uribe; Hunt, 2016) , o que pode estimular um padrão de comportamento caracterizado por alta rotatividade de atenção e baixa capacidade de manutenção de foco (LIN et al., 2019, p. 9). Essa antecipação contínua por estímulos novos pode reconfigurar, ao longo do tempo, os circuitos cerebrais relacionados à concentração, dificultando o envolvimento da criança em atividades que exigem espera, reflexão ou esforço gradual (SOUSA; CARVALHO, 2023, p. 2). Além disso, o acesso imediato a recompensas digitais pode inibir o desenvolvimento do chamado controle inibitório, uma função executiva fundamental para um progresso acadêmico e social (KRUPA et al., 2019, p. 9). Quando não há recompensas visíveis ou imediatas, como acontece em tarefas escolares mais abstratas ou em interações sociais mais
complexas, essas crianças podem demonstrar inquietação, desinteresse ou frustração precoce (VAIDYANATHAN et al., 2021, p. 6).
Como resultado, o ciclo de gratificação imediata fornecido pela tecnologia pode comprometer não apenas a qualidade do aprendizado, mas também o amadurecimento emocional e a capacidade de lidar com desafios reais.(VICTORIN, 2018, p. 7). A longo prazo, isso pode gerar impactos significativos no desempenho escolar, na capacidade de resolução de conflitos e na construção da resiliência (VICTORIN, 2018, p. 7) .
Os sons emitidos por dispositivos móveis como notificações, efeitos sonoros de jogos, trilhas sonoras animadas e interjeições vocais de personagens funcionam como reforçadores potentes da experiência sensorial digital especialmente para crianças. (PREVITALE, 2006, p. 115). Ainda que a maioria dos estudos sobre telas foque nos estímulos visuais, deve-se considerar a importância dos estímulos auditivos no engajamento e na ativação emocional dos usuários (PREVITALE, 2006, p. 115). Quando
combinados com imagens vibrantes e em constante movimento, os sons criam uma experiência multimodal que intensifica a imersão da criança, ativando regiões do cérebro ligadas à recompensa,(ARANTES; MORAIS, 2021, p. 114) como O núcleo accumbens, considerado uma estrutura fundamental no circuito de recompensa, promovendo a liberação de dopamina em resposta a estímulos prazerosos ou recompensadores. A ativação dessa via está diretamente relacionada às sensações de prazer, motivação e excitação, influenciando a busca por experiências que reforcem esses estados emocionais (Volkow; Morales, 2015, p. 720).
Todos esses elementos, cores, sons, transições rápidas e acesso imediato, convergem no mesmo ponto: a liberação recorrente de dopamina e a criação de padrões comportamentais repetitivos. (SOUSA; CARVALHO, 2023, p. 2). Revisões sistemáticas mostram que a relação entre maior tempo de tela e déficits em atenção e autocontrole, especialmente em crianças e adolescentes, são diretamente proporcionais (SOUSA; CARVALHO, 2023, p. 2). O modelo
I-PACE (Person-Affect-CognitionExecution) descreve como fatores emocionais e cognitivos interagem, resultando em busca constante de gratificação e enfraquecimento do controle inibitório (SANTOS et al., 2020, p. 113).
O córtex pré-frontal exerce funções executivas fundamentais, como a retenção e a manipulação de informações (GARCÍA-MOLINA et al., 2009, p. 48). Alterações precoces, associadas à busca por recompensas imediatas, podem levar as crianças a apresentarem dificuldades em lidar com novas situações e mudanças (GARCÍAMOLINA et al., 2009, p. 48). Tais alterações comprometem o desenvolvimento cognitivo, favorecendo decisões impulsivas e dificultam a aprendizagem a partir das consequências, além de prejudicarem a adaptação de escolhas com base em valores (Kennerley; Walton, 2011. p. 688). Nesse sentido, o uso abusivo pode comprometer as relações familiares as quais constituem a base da socialização primária, sendo responsáveis, segundo Homans (1950), pela formação dos primeiros vínculos afetivos e pela
internalização de normas sociais. Além de modificar padrões de comportamento, o qual pode ser modelado de acordo com as contingências sociais e emocionais, (PubMed, 2006) e favorecer o isolamento social, que constitui-se na ausência de vínculos interativos durante longo período, o que acarreta disfunções cognitivas e emocionais (PubMed, 2014).
Esses dispositivos reforçam repetidamente esse mecanismo por meio de diversos estímulos digitais (KÜHN; GALLINAT, 2011, p. 87), gerando um esforço positivo e contínuo do cérebro. Para as crianças, isso cria uma diferença em relação ao livro, que não oferece recompensas instantâneas capazes de ativar o sistema dopaminérgico (KÜHN; GALLINAT, 2011, p. 88).
Enquanto os livros contribuem para o desenvolvimento cognitivo, exigindo que o cérebro trabalhe sem apoio de recompensas imediatas (PEKUCONIS et al., 2025, p. 44), os celulares, além de impactarem negativamente o cognitivo, ativam o sistema dopaminérgico ao oferecer gratificações instantâneas (PEKUCONIS et al., 2025, p. 45).
Essa diferença cria uma desvantagem para os livros, já que a atratividade e a conveniência proporcionadas pelas telas, alinhadas aos interesses dessa faixa etária, tendem a superar o engajamento com a leitura física, configurando uma preferência pela exposição digital em detrimento das práticas tradicionais de leitura (PEKUCONIS et al., 2025, p. 50).
Além de afetarem a formação do cérebro, as telas podem induzir ao consumismo, visto que muitos vídeos, jogos e influenciadores digitais incluem práticas de publicidade disfarçada, como unboxings que consiste na apresentação detalhada do processo de abertura de um produto, destacando suas características e gerando uma experiência de consumo indireta que estimula o desejo de aquisição (LEE; WATKINS, 2016, p. 5758). Desafios de marcas que amplamente disseminados em plataformas digitais, utilizam a lógica da gamificação e da viralização para incentivar a participação ativa de crianças e adolescentes, ampliando o alcance das campanhas publicitárias (Nouri, 2018, p. 333) e
produtos inseridos no conteúdo representa uma técnica de publicidade indireta, na qual itens de consumo aparecem de forma integrada ao enredo, reforçando sua atratividade de maneira sutil e contínua.(BELLONI, 2005, p. 115).
Crianças pequenas têm dificuldade de distinguir entretenimento de propaganda, tornando-se alvos fáceis para a indução ao consumo. Isso levanta questões éticas sérias sobre a exposição infantil ao marketing (BELLONI, 2005, p. 115).
As crianças apresentam uma absorção limitada das informações transmitidas pelos dispositivos, o que compromete a efetividade do aprendizado (J Pediatr, 2007). Apesar dessa baixa captação de conteúdos, é comum que elas lembrem sequências de comportamentos ou emoções veiculadas nas mídias e tentem imitá-las, demonstrando certa retenção superficial (J Pediatr, 2007). A dificuldade dessas crianças em compreender o caráter persuasivo do marketing compromete a efetividade do aprendizado, levando-as a reter de forma superficial sequências de comportamentos ou emoções
transmitidas pelas mídias, que acabam sendo imitadas sem plena compreensão de seu significado. No entanto, essas crianças podem enfrentar dificuldade em transferir tais comportamentos para o mundo real, o que resulta em uma aprendizagem pouco funcional e com baixa aplicabilidade prática (J Pediatr, 2007). Além disso, embora os bebês possuam capacidade limitada de assimilar, processar e reter de forma significativa os conteúdos digitais, os estímulos visuais e sonoros presentes nesses materiais são eficazes em captar e manter sua atenção por períodos prolongados, mesmo sem a plena compreensão do que está sendo apresentado (Brown et al., Pediatrics. 2011;128(5):1040-104).
Isso revela uma discrepância entre o engajamento sensorial promovido pelas mídias e a real qualidade do aprendizado gerado por elas.
Por se encontrarem em sua fase inaugural de interação com o meio, essas crianças apresentam uma exposição primária ao mundo ao seu redor, possuem certa sensibilidade com sistemas de recompensas instantâneas (Marciano, 2021, p. 222), o que ativa em seu cérebro
com baixa capacidade cognitiva (J Pediatr, 2007) , prazer e felicidade por receber recompensas imediatas o que instiga a conduta adictiva. (CHENG; CAO, 2023, p. 45). O uso dos dispositivos vem se tornando um vício o que se trata de um problema social novo e cada vez mais proeminente (Zou et al; 2017, p. 111), estudos mostram que um em cada cinco pré- escolares possuem um grande vício em celulares (Park; Park 2021, p. 152), por oferecem variados estímulos (CHENG; CAO, 2023, p. 47), trazendo uma recompensa emocional para as criança como: telas com brilho, cores, mudanças repentinas e gatilhos positivos usais e contínuos, o que ocasiona a dependência e se torna prejudicial a está faixaetária (CHENG; CAO, 2023, p. 47).
As cores vibrantes, os sons constantes e as mudanças rápidas presentes nos dispositivos digitais atuam como estímulos que mantêm o cérebro das crianças em estado de alerta, prolongando a sensação de recompensa imediata (MORA, 2004, p. 35). Essa mesma estimulação intensa pode dificultar a transição natural para o repouso, tornando-se um fator de interferência direta no
sono, que é uma função biológica essencial para o crescimento e o desenvolvimento cognitivo infantil (RIBEIRO, 2007, p. 4).
Desta forma, a exposição de telas interfere de forma significativa no sono, que não é apenas um momento de repouso, mas uma função biológica essencial para o equilíbrio do organismo. Durante as fases mais profundas do sono, o corpo realiza importantes processos regenerativos, como a síntese de proteínas, que são fundamentais para a manutenção e expansão das redes neuronais responsáveis pela memória, pelo aprendizado e pelo desenvolvimento cognitivo (MORA, 2004, p. 35). Esse processo é especialmente relevante em crianças, cujos cérebros ainda estão em formação e exigem um sono de qualidade para consolidar o que foi aprendido ao longo do dia (RIBEIRO, 2007, p. 4).
É durante o sono mais profundo (sono REM) que ocorre o fortalecimento de determinadas memórias e o enfraquecimento ou extinção de outras (Stickgold et al., 2008, p. 121). Neste sono também ocorre a expressão de genes que
ajudam a perenizar conexões sinápticas recém-utilizadas. (RIBEIRO, 2007, p. 34). Ele é necessário para filtrar as informações adquiridas, eliminando ou armazenando os dados. Este processo pode ficar comprometido quando o sono REM não se efetiva gerando sintomas de fadiga, baixa qualida de de raciocínio, incapacidade pa ra tomar decisões corretamente e dificuldade de concentração (RIBEIRO, 2007, p. 4).
Por emitirem luz azul, uma faixa de radiação luminosa que, quando absorvida, interfere na produção de melatonina - o hormônio que regula o sono - as telas prejudicam o início e a manutenção do sono, afetando especialmente o sono profundo (PREVITALE, 2006, p.115). Além disso, os conteúdos acelerados e altamente estimulantes a que muitas crianças são expostas com cores vibrantes, sons intensos e ritmo rápido podem aumentar os níveis de excitação cerebral antes de dormir (PREVITALE, 2006, p.115), favorecendo episódios de pesadelos e até terrores noturnos (LIN et al., 2019, p. 9) . Com isso, o ciclo
circadiano, responsável pelo ritmo biológico do sono e da vigília, acaba sendo desregulado, o que compromete o desenvolvimento neurológico, comportamental e emocional ao longo do tempo (ROCHA et al., 2022, p. 2)
Diante desse cenário, é interessante promover o uso consciente da tecnologia desde a infância, com limites claros e estímulo a atividades que desenvolvam a paciência, a concentração e o pensamento lógico de forma gradual e equilibrada (ROCHA et al., 2022, p. 2).
Os pais expõem cada vez mais seus filhos as telas (GARRISON; CHRISTAKIS, 2005; LINEBARGER; WALKER, 2005; ZIMMERMAN et al., 2007) por diversos motivos como babá, crença de programas divertidos, meios de relaxamento que podem trazer conforto nos momentos de angústia (RADESKY et al., 2014, 2016; NEVSKI; SIIBANK, 2016; LEVINE et al., 2019; DARDANOU et al., 2020). De acordo com Guellai et. al. (2014), este uso contínuo dos dispositivos móveis traz grande influência negativa na fase pré-
escolar, podendo desenvolver déficit de atenção, o que pode gerar a grande falta de interesse nestas crianças, fazendo com que possuam menos interações com seus responsáveis o que é predominante em seu cognitivo, podendo deixar cada vez mais preguiçoso e desinteressado em seu aprendizado. Uma das soluções para resgatar o interesse da criança por atividades ativas e não tecnológicas é a presença constante de um responsável durante o uso das telas, atuando como mediador da experiência. Essa participação ativa favorece o resgate das relações interpessoais, muitas vezes enfraquecidas pelo excesso de estímulos digitais. Conforme Barr et al. (2008), outras das diversas soluções encontradas para gerar o interesse em atividades que aprimorem habilidades mentais, seriam interações sociais significativas pois a presença de um responsável faz com que a criança fortaleça vínculos afetivos e incentive a criança a explorar o mundo de maneira interina, experiências sensoriais, podem ser um grande exemplo para despertar a curiosidade tais experiências podem despertar
curiosidade, (Christakis et al., 2004; Linebarger & Vaala, 2010), o engajamento sensorial favorece a ativação de áreas do cérebro ligadas à atenção e à aprendizagem ativa (Christakis et al., 2004; Linebarger & Vaala, 2010). E fazer com que as crianças estejam em um ambiente seguro que envolve não apenas segurança a riscos físicos, mas também ao favorecimento do desenvolvimento cognitivo e emocional como por exemplo oportunidades de aprendizado, assegurando vínculos estáveis e experiências positivas. (Souza, 2020) para que estejam mais propícios a explorar e não se restringir com telas (Ainsworth et al., 1978).
Dessa forma, estímulo à leitura vindo diretamente dos responsáveis é uma alternativa para os danos cognitivos no desenvolvimento das habilidades (Bus, van IJzendoorn & Pellegrini, 1995). A leitura compartilhada entre familiares e crianças fortalece os laços afetivos, além de promover a motivação intrínseca para a aprendizagem, criando um ambiente rico em linguagem e estímulos (Bus, van IJzendoorn & Pellegrini, 1995).
Para que o processo de aprendizagem seja efetivo, é fundamental que o estudo seja prazeroso e divertido (Guthrie & Wigfield, 2000), pois o engajamento lúdico está associado à maior interesse e retenção do conhecimento (Guthrie & Wigfield, 2000). Nesse sentido, o método Waldorf destaca-se por sua abordagem pedagógica centrada no desenvolvimento integral do aluno, (Tyson, 2024) que valoriza a criatividade, a imaginação e a experiência prática como elementos essenciais para a construção do conhecimento.
Originado na filosofia antroposófica de Rudolf Steiner, o método enfatiza o ensino em ritmos e fases naturais da criança, incorporando atividades artísticas, manuais e narrativas que tornam o aprendizado mais significativo e conectado à vida real (Tyson, 2024). No contexto da leitura, o método promove o contato precoce com histórias e contação oral, estimulando o interesse pela linguagem e pela literatura de forma gradual e integrada com o desenvolvimento emocional e social da criança.(Tyson, 2024) Além disso, a interação em sala de aula é
fundamental para tornar o ensino mais estimulante,(Alexander, 2020) por meio de diálogos produtivos, perguntas abertas e atividades colaborativas que incentivam a participação ativa dos alunos e o desenvolvimento do pensamento crítico (Alexander, 2020). A combinação do apoio familiar, da ludicidade no processo de aprendizagem, dos princípios do método Waldorf e da interação dinâmica na sala de aula cria um ambiente educativo rico e motivador, (Alexander, 2020) que favorece o desenvolvimento das competências leitoras e cognitivas das crianças de maneira holística e sustentável (Tyson, 2024).
3. CONCLUSÃO
Este trabalho tem como principal objetivo analisar as consequências causadas pelo uso desproporcional do celular essas consequências, destacando a necessidade de uma postura mais consciente por parte dos pais e responsáveis, a fim de garantir que o uso das tecnologias ocorra de maneira equilibrada. Assim, reforçase que o presente tem um papel determinante na formação das novas
gerações, já que as experiências vivenciadas nesse período moldam diretamente suas capacidades futuras de aprendizado, convivência e adaptação.
Os estímulos constantes das telas como cores intensas, sons repetitivos, mudanças rápidas de imagem e o acesso imediato a recompensas criam um ambiente de gratificação contínua. Esse padrão ativa de forma recorrente os circuitos de prazer no cérebro infantil e favorece a formação de hábitos repetitivos, que enfraquecem o autocontrole e a atenção. Diversas análises apontam que, quanto maior o tempo gasto diante dos dispositivos digitais, maiores são os prejuízos em funções cognitivas essenciais, resultando em dificuldades de concentração, tomada de decisão e autorregulação.
Além da compreensão dos danos, este trabalho também teve como propósito estimular reflexões sobre alternativas saudáveis que possam minimizar os efeitos negativos da tecnologia. Incentivar práticas de leitura, interação social significativa e metodologias educativas que valorizem a
criatividade e a experiência prática representa uma estratégia fundamental para equilibrar o avanço tecnológico com o desenvolvimento humano. Criar ambientes ricos em vínculos afetivos e oportunidades de aprendizado fora das telas é, portanto, uma forma de proteger a infância e preparar as crianças para uma vida mais crítica, autônoma e resiliente.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ALEXANDER, R. Teaching through dialogue: philosophy, pedagogy, practice. London: Routledge, 2020.
ARANTES, D. R.; MORAIS, R. C. Psicologia do prazer digital: dopamina e recompensas imediatas. São Paulo: Atlas, 2021.
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BRETANI, R. R. et al. Primeira infância e desenvolvimento cerebral. Revista de Pediatria, v. 86, n. 2, p. 125-132, 2014.
BUS, A. G.; VAN IJZENDOORN, M. H.; PELLEGRINI, A. D. Joint book reading makes for success in learning to read: a meta-analysis on intergenerational transmission of literacy. Review of Educational Research, v. 65, n. 1, p. 1-21, 1995.
CARDOSO, C. et al. Crianças e tecnologia: impactos no desenvolvimento infantil. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 23, n. 1, p. 4553, 2007.
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02.
Como a representação da psicopatia na mídia e a percepção pública de casos como o de Jeffrey Dahmer influenciam a aceitação do uso de biossensores no monitoramento e tratamento da psicopatia?
Evellyn Andrelina da Silva, Heloisa Santos Andres e Julia Agostinho Silva
Nos últimos anos, a psicopatia tem recebido atenção crescente na literatura científica devido à sua complexidade neurobiológica e comportamental, bem como à influência das representações midiáticas na percepção pública do transtorno. O presente estudo investiga a intersecção entre a representação midiática da psicopatia, a percepção pública de casos emblemáticos, como o de Jeffrey Dahmer, e a aceitação do uso de biossensores para o monitoramento e tratamento desse transtorno de personalidade. A psicopatia, caracterizada por comportamentos antissociais e déficits emocionais, é frequentemente estigmatizada pela mídia, que a associa a figuras criminosas, dificultando a compreensão adequada e a busca por intervenções terapêuticas. A neurociência, por meio de suas subdisciplinas, como a neuroanatomia e a neuropsicologia, elucida as disfunções cerebrais subjacentes à psicopatia, enquanto os biossensores emergem como ferramentas inovadoras para a identificação de biomarcadores neuroquímicos. Contudo, a percepção pública negativa, exacerbada por representações midiáticas distorcidas, constitui um obstáculo significativo à aceitação dessas tecnologias. Conclui-se que a superação do estigma associado à psicopatia e a promoção de uma compreensão fundamentada do transtorno são imperativas para a implementação eficaz de novas abordagens terapêuticas.
1. INTRODUÇÃO
O estudo do cérebro humano de acordo com a Neurociência ramificase em três áreas distintas: a neuropsicologia, neurofisiologia e neuroanatomia (FIRMINO; BRAZ, 2020). Por este viés, comportamentos extremos, como o canibalismo e a psicopatia, devem ser compreendidos à luz de conceitos da neuroanatomia e da neuropsicologia (RODRIGUES; DA SILVEIRA, 2023). A psicopatia apresenta relação, sobretudo, com a amígdala atrofiada (RODRIGUES; DA SILVEIRA, 2023), fato que evidencia sua relação com a neuroanatomia e que resulta na dificuldade dos indivíduos acometidos por essa condição em compreender emoções, como empatia (RODRIGUES; DA SILVEIRA, 2023).
Embora muitas ainda acreditem o contrário (MOREIRA; ANZOLIN; TOZATTO, 2022), o transtorno de personalidade antissocial pode ser potencializado por fatores sociais e econômicos, de modo que, quanto mais precária a situação em que o indivíduo está inserido, mais individualista ele se torna, acarretando no desenvolvimento do transtorno (MOREIRA; ANZOLIN; TOZATTO, 2022). O transtorno é mais facilmente identificado em homens, pois eles apresentam comportamentos mais violentos do que as mulheres em geral (PORFIRIO; SILVA, 2021), assim como Pardini et al discorreu, pessoas do sexo masculino que
possuem a amígdala com massa reduzida tendem a ter comportamentos mais agressivos (RODRIGUES; DA SILVEIRA, 2023). O transtorno também pode se originar na infância, afinal as crianças tendem a seguir comportamentos de fatores externos, como aqueles provenientes dos meios de comunicação e de familiares agressivos (PORFIRIO; SILVA, 2021), imitando-os como forma de brincadeira e tornando-se mais agressivas no decorrer do tempo.
A psicopatia é um transtorno de personalidade complexo, caracterizado por padrões persistentes de comportamento antissocial, ausência de empatia, manipulação e dificuldade em estabelecer vínculos afetivos, devendo ser compreendida com base em critérios clínicos e neurobiológicos para evitar distorções e interpretações midiáticas indevidas (FURNHAM; LISTER, 2017). As representações midiáticas dos psicopatas em séries de televisão e noticiários podem se tornar, mesmo que de modo não intencional, uma estereotipação, transformando-os em assassinos e os romantizando, como ocorre na série “Dexter”, cujo protagonista, um homem que tenta lidar com sua vida pessoal e com seus traumas de infância, apresenta justificativas para seus crimes (FREITAS DA SILVA, 2016). Ademais, a recente tendência em se acreditar em conteúdos veiculados pelas redes sociais pode ser considerada tanto benéfica
quanto prejudicial, uma vez que a internet abriga uma vasta gama de informações corretas sobre diversos temas, mas também é permeada por uma quantidade substancial de informações incorretas. Nesse contexto, a mídia pode distorcer a imagem de assassinos, retratandoos como psicopatas, com o intuito de aumentar a audiência e lucrar com a exploração da condição daqueles que sofrem de transtornos mentais (MOREIRA; ANZOLIN; TOZATTO, 2022).
Essa visão distorcida não apenas afeta a percepção pública e a aceitação de novas abordagens (FURNHAM; LISTER, 2017), mas também pode influenciar negativamente a receptividade e aplicação de ferramentas tecnológicas avançadas, como os biossensores, que já demonstraram eficácia na identificação de biomarcadores em condições como câncer (TOTHILL, 2009) e Alzheimer (YOON et al.,2020) no monitoramento e tratamento personalizado da psicopatia (INSEL, 2017).
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Transtorno psicopático: aspectos teóricos e práticos
Inicialmente, para melhor compreensão do transtorno psicopata, é necessário conhecer a neurociência. A neurofisiologia é a área da ciência na qual se estuda o funcionamento do Sistema Nervoso Central (SNC) e do Sistema Nervoso
Periférico (SNP). O primeiro comanda e coordena as funções do corpo, isto é, recebe as informações, as interpreta e envia comandos para que o corpo reaja, além de atuar com os sentidos (tato, visão, olfato, audição e paladar). Ainda, é responsável por envolver a medula espinhal e o encéfalo. O segundo permite a conexão entre o SNC e o resto do corpo levando informações motoras e sensoriais, ou seja, respectivamente do conjunto cerebral para os demais órgãos e do corpo para o cérebro.
Já a neuroanatomia estuda a estrutura do SNC e do SNP, buscando compreender sua composição. É nesta ramificação da neurociência que se entende a função e a importância da amígdala cerebral (BLAIR, 2007) e do hipocampo (ALVES et al., 2022) no estudo da psicopatia. Por fim, na neuropsicologia está a busca pelo funcionamento cerebral e os comportamentos humanos, ou seja, a união da psicologia com a neurologia. Esta área é importante para o entendimento dos transtornos psicológicos gerais (AZEVEDO, 2016) incluindo a psicopatia e a esquizofrenia.
Com essas perspectivas, estudos apontam que comportamentos patológicos associados à psicopatia estão diretamente relacionados a disfunções neurobiológicas, em especial aos desequilíbrios nos sistemas de neurotransmissores (KIEHL, 2006), como dopamina e serotonina, que desempenham
papéis fundamentais na regulação do humor, da impulsividade e da agressividade (LORBER, 2004). A disfunção dopaminérgica pode estar associada à busca por sensações e à dificuldade em aprender com punições, enquanto alterações serotonérgicas impactam a regulação emocional.
Essas disfunções neuroquímicas se somam a alterações estruturais. Pesquisas indicam que indivíduos com propensão a comportamentos homicidas e traços psicopáticos apresentam disfunções nos córtices pré-frontal ventromedial e dorsolateral (RODRIGUES; DA SILVEIRA, 2023), regiões implicadas nos processos decisórios e na regulação dos comportamentos sociais. Além disso, há conexão entre a psicopatia e o atrofiamento de áreas do sistema límbico (DE SOUZA; DE MATTOS, 2021), responsáveis pela memória e pelo reconhecimento de emoções (COSTA; LEITE; SOARES, 2023), com destaque para a amígdala, considerada ponto inicial desse sistema (SALVADOR-SILVA et al.,2017).
Contudo, não são apenas características biológicas que definem este transtorno patológico. Robert Hare e Adrian Raine, cujos trabalhos defendem a influência de fatores externos no desenvolvimento da psicopatia, apresentam ideias complementares sobre o Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA) (FREITAS DA SILVA, 2016). Segundo eles, crescer em um
ambiente conturbado, com pais agressivos ou negligentes, favorece a repetição de comportamentos violentos e aumenta a vulnerabilidade ao transtorno.
Imitar comportamentos agressivos de outras pessoas induz que a criança possa se tornar verdadeiramente agressiva (GAO et al., 2010) diante de pessoas das quais não gosta, de modo a desenvolver posteriormente o transtorno psicopata e a se tornar antissocial (PORFIRIO; SILVA, 2021). O fator de negligência parental afeta diretamente as emoções e as interpretações da criança sobre o mundo, uma vez que os pais a guiam durante a infância, propondo valores e comportamentos que julgam adequados (PORFIRIO; SILVA, 2021). No entanto, sem o apoio dos parentes, pode haver uma falha cognitiva em relação à socialização, levando-a a acreditar, por exemplo, que seus comportamentos anormais e agressivos são comuns a todos (PORFIRIO; SILVA, 2021). Além disso, quando a criança percebe que está sendo negligenciada, pode desenvolver a necessidade de chamar atenção de outros a todo custo, tornando-se agressiva e antissocial, o que potencializa o desenvolvimento do transtorno (PORFIRIO; SILVA, 2021).
A identificação desses desequilíbrios neuroquímicos abre caminho para o desenvolvimento de neurossensores capazes de monitorar esses marcadores em
tempo real²³, oferecendo uma janela para a compreensão mais profunda da psicopatia e, consequentemente, para a possibilidade de intervenções farmacológicas ou neuromodulatórias mais direcionadas (YANG; RAINE, 2009).
2.2. Relação midiática nas representações errôneas do transtorno
O Transtorno de Personalidade Antissocial, anteriormente citado, pode ser visto de modo errôneo pelos meios de comunicação, como em séries de televisão, que o estereotipam e o associam a assassinatos e crimes violentos. Entretanto, de acordo com Arfeli, a psicopatia não está necessariamente associada à violência (MILHOMEN; BORGES, 2023). Robert Hare complementa a argumentação de Arfeli ao afirmar que nem todos os psicopatas são criminosos e que na realidade, independente do transtorno psicopata, apesar disso (MOREIRA; ANZOLIN; TOZATTO, 2022).
Segundo Moreira, Anzolin e Tozatto (2022), grande parte dos conhecimentos que a população possui sobre a psicopatia provém das redes sociais. Esse dado evidencia a influência da mídia na construção de percepções sobre o transtorno, o que pode gerar tanto visões positivas, ao destacar características como persuasão e sociabilidade, quanto negativas, quando o associa diretamente à criminalidade ou ao extremismo (MOREIRA; ANZOLIN; TOZATTO,
2022). O mesmo estudo (MOREIRA; ANZOLIN; TOZATTO, 2022), realizado por meio da análise de publicações midiáticas e do levantamento de percepções sociais, aponta que as pessoas tendem a se interessar mais por mortes que envolvem interações sociais, como assassinatos, do que por mortes decorrentes de acidentes naturais, como ataques de tubarão. Nesse contexto, a mídia frequentemente distorce a imagem de assassinos ao retratá-los como psicopatas, contribuindo para uma mistificação do transtorno (FURHAM; LISTER, 2017). Assim, constrói-se um ideal estereotipado da psicopatia, que oscila entre a figura do indivíduo carismático, capaz de ocupar posições de destaque em empresas (FIRMINO; BRAZ, 2020), e a do sujeito introspectivo, sem visão de futuro e com traços antissociais. Tal estereótipo limita a compreensão da diversidade de manifestações do transtorno.
Toma-se como exemplo o caso do Jeffrey Dahmer, também conhecido como o “Canibal de Milwaukee” (COSTA; LEITE; SOARES, 2023). Atuando entre os anos de 1978 e 1991, Dahmer foi responsável por dezessete assassinatos (COSTA; LEITE; SOARES, 2023) e o caso contribuiu para o debate sobre distúrbios mentais severos, psicopatia e comportamentos extremos (COSTA; LEITE; SOARES, 2023). No cenário midiático, a caracterização do personagem evidenciou uma relação
entre sensacionalismo, fascínio por parte do público e patologização do comportamento criminoso. De acordo com Richard Tithecott (1997), a cobertura da mídia moldou a imagem pública de Jeffrey como um "assassino simbólico", como uma figura de vilão cultural. Esta visão trouxe ao serial killer uma imagem quase mitológica (BRANCO; GIORDANO; LESTER, 2015), como afirma Scott A. Bonn (2020), obscurecendo a compreensão crítica dos seus crimes. Ao focar nos detalhes hediondos e repulsivos de seus crimes, a imagem que se criou do canibal de Milwaukee foi, forçosamente, sensacionalista e distante da realidade (DONDE, 2002).
A percepção pública, moldada por casos de grande impacto, muitas vezes reforça a ideia de que psicopatas são "irrecuperáveis", o que pode gerar resistência a investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas. Essa visão determinista, alimentada pela mídia, dificulta a aceitação de que a psicopatia, como qualquer outro transtorno, pode se beneficiar de intervenções inovadoras (FRICK et al., 2014).
2.3. Diagnóstico, monitoramento e tratamento: perspectivas e desafios
O avanço da tecnologia biomédica, com o surgimento de biossensores, neuroimagem funcional e sistemas de inteligência artificial, tem ampliado as possibilidades diagnósticas em saúde mental.
Biossensores são dispositivos analíticos que convertem respostas biológicas em sinais mensuráveis, baseando-se na interação específica entre um analito de interesse e um elemento biológico. Na prática, podem ser dispositivos vestíveis (ex.: pulseiras/adesivos) e/ou exames clínicos que monitoram marcadores fisiológicos e neuroquímicos, geralmente de forma discreta para terceiros. Na psicopatia, a aplicação de biossensores representa uma fronteira emergente, com potencial para detectar biomarcadores neuroquímicos específicos, como disfunções na transmissão dopaminérgica e serotoninérgica, e atividade reduzida da amígdala e do córtex pré-frontal (LINK et al., 2008).
Dispositivos vestíveis e inteligência artificial prometem um futuro promissor (PESCOSOLIDO et al., 2010).
Indivíduos com traços psicopáticos marcantes, especialmente aqueles com alta pontuação no PCL-R (HARE, 2003) (escala de 0 a 40; pontuações mais altas indicam maior gravidade), demonstram baixa responsividade emocional, dificuldade em formar vínculos terapêuticos e uma tendência a instrumentalizar a relação com o terapeuta. Isso compromete a eficácia de intervenções baseadas na empatia, introspecção ou reestruturação cognitiva (FRICK et al., 2014).
A pesquisa científica avança na busca por abordagens terapêuticas
eficazes (HARE; NEUMANN, 2008). A compreensão das bases neurobiológicas, incluindo as disfunções de neurotransmissores, sugere que a psicopatia não é meramente uma questão de maldade intrínseca do ser humano, mas um complexo conjunto de características que podem ser influenciadas (GLENN; RAINE, 2014). Embora os tratamentos psicoterapêuticos tradicionais enfrentam desafios devido à baixa responsividade emocional e à tendência à manipulação (HARRIS; RICE, 2006), a possibilidade de tratamento através de intervenções que visem modulares a atividade cerebral e os sistemas de neurotransmissores oferece novas alternativas (SALEKIN, 2002). Isso inclui o desenvolvimento de terapias farmacológicas que atuam sobre a dopamina e a serotonina, bem como abordagens de neuromodulação que buscam atender às disfunções em regiões específicas (DECETY; SKELLY; KIEHL, 2013).
A representação midiática da psicopatia, que frequentemente associa figuras de serial killers e criminosos hediondos como Jeffrey Dahmer, gera um profundo estigma que afeta diretamente a busca por tratamento (FURNHAM; LISTER, 2017). Essa visão simplificada e sensacionalista, ao invés de informar, instigar o medo e a marginalização, levando indivíduos que poderiam apresentar traços psicopáticos a temerem o julgamento social e profissional (FURNHAM; LISTER, 2017). A ideia
de serem rotulados como "psicopatas", um termo carregado de conotações negativas e muitas vezes mal compreendido pelo público, pode inibir a procura por ajuda especializada, mesmo quando há reconhecimento de dificuldades comportamentais ou emocionais. Esse recebimento de serem equiparados a figuras midiáticas distorcidas, como Dahmer, cria uma barreira significativa para o acesso a diagnósticos precoces e intervenções terapêuticas, perpetuando um ciclo de incompreensão e falta de suporte (SARTESCHI, 2016). No entanto, a acessibilidade do uso dessas ferramentas no monitoramento e tratamento da psicopatia pode ser dificultada pela percepção pública: a ideia de monitorar um psicopata, especialmente quando associada a casos hediondos como o de Dahmer ,pode gerar medo e desconfiança, em vez de ser vista como ferramenta para compreensão e intervenção (LINK et al., 2008).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A psicopatia, um transtorno de personalidade complexo com bases neurobiológicas, enfrenta desafios significativos tanto na compreensão pública quanto nas abordagens terapêuticas tradicionais. A estigmatização midiática, amplificada por casos notórios como o de Jeffrey Dahmer, e a consequente percepção pública
distorcida, criam um ambiente de resistência à aceitação de novas tecnologias. Nesse cenário, a aplicação de biossensores, embora promissora para um diagnóstico mais preciso e precoce e para a personalização de terapias, esbarra na barreira da desconfiança e do medo gerados pela imagem do psicopata como "irrecuperável". A efetiva implementação clínica dessas tecnologias exige não apenas ensaios robustos para comprovar sua viabilidade científica, mas também uma abordagem responsável para lidar com os impactos éticos e sociais, como a estigmatização, o uso indevido em contextos jurídicos e a desigualdade de acesso. O futuro do tratamento da psicopatia, e a aceitação de ferramentas como os biossensores, reside na capacidade da comunidade científica e da sociedade de construir um modelo de uma precisão biomédica, sensibilidade social e rigor ético.
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Em que medida fatores traumáticos na infância e padrões comportamentais precoces estão associados ao desenvolvimento da psicopatia e à formação de diferentes perfis de serial killers, e quais caminhos clínicos se mostram viáveis para a intervenção e tratamento desses indivíduos
Beatriz Brandão Rosian, Laura Adami Rodriguez, Maria Luiza Diniz Ramos, Mariana Perandini Paes e Victor Naoki Sampei
A presente pesquisa aborda de forma multidisciplinar a influência das experiências adversas na infância, como abuso físico, negligência emocional, abandono e violência doméstica, no desenvolvimento neurobiológico, psicológico e comportamental de indivíduos que manifestam condutas violentas extremas, especialmente serial killers. Fundamentada em revisão bibliográfica, a análise destaca os mecanismos neurofisiológicos envolvidos, com ênfase nas alterações da amígdala, do córtex pré-frontal e de outras regiões cerebrais associadas à regulação emocional, controle inibitório e empatia, frequentemente comprometidas em pessoas com histórico de trauma infantil (Teicher & Samson, 2016; Raine, 2013). Discute-se a tríade de Macdonald e sua relação com transtornos de comportamento disruptivo, ressaltando o papel da intervenção precoce para conter a escalada da violência (Frick & Viding, 2009). O estudo também analisa o gene MAOA e outras variantes genéticas na modulação da agressividade, enfatizando a interação entre predisposição biológica e contexto ambiental adverso (Caspi et al., 2002). A exposição de casos como Jeffrey Dahmer, Aileen Wuornos e Ted Bundy permite construir perfis que articulam fatores emocionais, biológicos e sociais, evitando a visão da psicopatia como condição determinista. Por fim, destaca-se a importância das políticas públicas, redes de proteção à infância e modelos terapêuticos baseados em evidências para prevenir comportamentos violentos.
1. INTRODUÇÃO
A infância representa o alicerce fundamental para o desenvolvimento biopsicossocial do ser humano. É nesse período que se consolidam as bases neurológicas, cognitivas, emocionais e sociais, influenciando a construção da identidade, das habilidad es adaptativas e da capacidade de convivência social (Shonkoff et al., 2012). O ambiente em que a crianç a está inserida desempenha papel nesse processo, uma vez que o afeto, a estabilidade e o cuidado são elementos essenciais para o desenvolvimento saudável. Contudo, quando substituídos por abandono, negligência ou violência, as consequências podem ser profundas e duradouras.
Um número considerável de crianças em diferentes contextos sociais é exposto a experiências adversas severas, tais como abuso físico e sexual, negligência emocional e violência doméstica. Essas vivências, classificadas como Adverse Childhood Experiences (ACEs), constituem fatores de risco para o comprometimento do desenvolvimento neuropsicológico e para o surgimento de patologias mentais e comportamentais, como depressão, transtornos de personalidade e comportamentos antissociais (Felitti et al., 1998; Anda et al., 2006). A literatura científica tem demonstrado que essas experiências não apenas afetam o funcionamento emocional da criança, mas também causam alterações estruturais e funcionais no cérebro, ocasionando a vulnerabilidade ao desenvolvimento de condutas violentas extremas (McCrory, De Brito & Viding, 2011).
Diante desse cenário, o presente estudo propõe uma análise integrativa que relacione as experiências traumáticas precoces a predisposições genéticas e fatores ambientais no surgimento de perfis de violência extrema, com ênfase especial nos serial killers como representações paradigmáticas desse fenômeno. Para tanto, são examinados os padrões comportamentais precoces que indicam risco, os correlatos neurobiológicos da psicopatia e a participação das instituições, ou a ausência delas na contenção ou agravamento dessas trajetórias. Com base em evidências interdisciplinares, busca-se superar concepções reducionistas e contribuir para o delineamento de estratégias preventivas e terapêuticas mais eficazes, capazes de mitigar o impacto da violência homicida a partir da infância.
2. DESENVOLVIMENTO
Experiências adversas na infância, como abuso, negligência e violência doméstica, são eventos estressantes que impactam o desenvolvimento neurológico, comportamental e adaptativo do indivíduo e geram alterações no cérebro e nas capacidades emocionais ao longo da vida (Silva, 2009; Carvalho, 2021). O estudo seminal de Felitti et al. (1998), conhecido como Adverse Childhood Experiences (ACE) Study, evidenciou que a exposição repetida a traumas infantis está relacionada com maior incidência de transtornos psiquiátricos, comportamentos de risco e patologias crônicas na vida adulta, como depressão, abuso de substâncias e violência interpessoal. Esse dado demonstra que os impactos da violência na infância
não se restringem ao período imediato, mas configuram um fator de risco persistente, capaz de comprometer a saúde mental e social ao longo da vida. Assim, compreender essa correlação é essencial para justificar a necessidade de políticas de prevenção e intervenção precoce.
O trabalho de Teicher e Samson (2016) demonstra que tais traumas provocam alterações estruturais no cérebro, incluindo redução do volume do hipocampo, que está envolvido na memória e no processamento emocional, e modificações na conectividade neural entre áreas que regulam o estresse. Al ém disso, disfunções no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) podem gerar respostas exacerbadas ao estresse e alterações hormonais que comprometem o equilíbrio emocional, a capacidade de regulação afetiva e o comportamento social, com impacto direto em regiões como a amígdala e o córtex pré-frontal.
A amígdala é uma das estruturas responsáveis pela detecção de ameaças e pelo processamento emocional, principalmente o medo. Uma hiperatividade pode se traduzir em uma sensibilidade exacerbada a estímulos negativos e, consequentemente, provocar respostas emocionais intensas e desproporcionais (McCrory et al., 2011). Em combinação com a hipoatividade ou desenvolvimento insuficiente do córtex pré-frontal, região responsável pela regulação das emoções, pela tomada de decisão racional, pelo planejamento e pelo controle de impulsos, cria-se um descompasso neurofuncional
que dificulta a modulação das emoções e o comportamento adaptativo (Blair, 2010).
Esses desequilíbrios revelam uma adaptação cerebral disfuncional a contextos adversos, que podem delimitar e afetar padrões comportamentais propensos à perpetuação de violência e de dificuldades psicossociais (Silva, 2009; Carvalho, 2021).
A exposição repetida e prolongada a traumas na infância pode levar a um processo de dessensibilização afetiva, caracterizado pela redução da capacidade emocional para sentir empatia, remorso e culpa, que são componentes essenciais para a interação social saudável e a moralidade (Hare, 1999). Este fenômeno ocorre como uma estratégia adaptativa para lidar com a dor psíquica ao se desconectar das emoções negativas para sobreviver, sendo característico dos psicopatas secundários que muitas vezes apresentam histórico de trauma, abuso ou ambientes adversos. Segundo Hare (1993), esse grupo difere dos psicopatas primários por manifestar maior impulsividade, instabilidade emocional e comportamentos de risco, os quais podem ser compreendidos como respostas desenvolvidas diante de experiências dolorosas. Consequentemente, manifestam comportamentos manipulativos, predatórios e impulsivos.
Os indivíduos com traç os psicopáticos não internalizam normas sociais nem apresentam sentimentos de culpa por seus atos, o que facilita a transgressão sem arrependimento. Entretanto, a ocorrência de tais comportamentos
não pode ser compreendida de forma determinista, sendo modulada por variáveis intermediárias, como altos níveis de impulsividade, déficits de empatia afetiva, distorções cognitivas que justificam a violência, bem como fatores contextuais associados a ambientes sociais adversos. Embora a ausência de remorso constitua uma característica central da psicopatia, a expressão comportamental desse traço depende da interação entre predisposições individuais e condições ambientais específicas.Hare (1993). Essa combinação entre dessensibilização afetiva e déficit no autocontrole cria um perfil comportamental possivelmente disfuncional e perigoso (Carvalho, 2021; Hare, 1999).
A Tríade de Macdonald, proposta inicialmente na década de 1960, é um marcador clínico e criminológico para identificar crianças com alto risco para desenvolvimento de comportamentos violentos e antissociais na vida adulta. Esta tríade engloba três comportamentos específicos: enurese persistente (urinar na cama além da idade esperada), piromania (comportamento compulsivo de atear fogo) e crueldade com animais, que, juntos, sugerem um padrão de dificuldades emocionais e sociais. Esses comportamentos indicam que a criança pode estar sofrendo com problemas emocionais não resolvidos, dificuldades de regulação afetiva e uma possível ruptura precoce com as normas sociais internalizadas (Macdonald, 1963). A persistência desses comportamentos, especialmente quando observada em contextos familiares disfuncionais, serve como
alerta para profissionais da saúde mental e educação, pois está associada a uma probabilidade aumentada de envolvimento em crimes violentos e transtornos psiquiátricos, como o Transtorno de Conduta (TC). Embora a tríade não seja um diagnóstico definitivo, seu reconhecimento precoce pode facilitar intervenções preventivas que interrompam a trajetória rumo à violência, mostrando -se uma ferramenta valiosa no campo da prevenção (Silva, 2009).
Os comportamentos que compõem a Tríade de Macdonald apresentam forte vínculo, correspondência com os sintomas do Transtorno de Conduta (TC) e do Transtorno Desafiador de Oposição (TDO), ambos caracterizados por padrões persistentes de comportamento desafiador, agressivo e antissocial. O TC envolve violações repetidas dos direitos alheios e normas sociais, incluindo agressões físicas, furtos e destruição de propriedade, enquanto o TDO manifesta-se através de comportamentos desafiadores, provocativos e hostis voltados principalmente contra figuras de autoridade (American Psychiatric Association, 2013). Estudos longitudinais mostram que crianças que apresentam a tríade e diagnósticos de TC ou TDO na infância têm maior probabilidade de evoluir para comportamentos criminosos graves e, em alguns casos, para o desenvolvimento de psicopatia (Vieira, 2020).
Entretanto, nem todas as crianças expostas a esses fatores apresentam a mesma evolução, o que levou a pesquisas em neurociências e genética a investigarem possíveis mecanismos
biológicos que modulam essa vulnerabilidade. O gene MAOA, que codifica a enzima monoamina oxidase A, responsável pelo metabolismo de neurotransmissores como a serotonina e a dopamina, é amplamente estudado por sua relação com impulsividade, agressividade e comportamento violento, especialmente quando em interação com fatores ambientais adversos. A pesquisa de Caspi et al. (2002) foi pioneira ao demonstrar que indivíduos com a variante de baixa atividade da MAOA apresentam maior risco para comportamentos agressivos e delinquência somente se expostos a maus-tratos na infância, evidenciando a importância da interação gene-ambiente para a manifestação do comportamento violento. Estudos subsequentes confirmaram que a baixa atividade do gene MAOA está associada a uma menor capacidade de regular emoções e impulsos, aumentando o risco de respostas agressivas intensas diante de estressores ambientais (Silva, 2009). Esse modelo epigenético evidencia que a genética, por si só, não determina o comportamento, mas que a expressão gênica pode ser modulada pelo ambiente, trazendo implicações significativas para a prevenção e o tratamento da violência.
É imperativo destacar que, apesar das evidências robustas que associam determinados genes a traços de agressividade e psicopatia, a genética jamais deve ser vista como determinista. O comportamento humano é resultado da interação dinâmica entre predisposições genéticas e o ambiente, onde fatores sociais, familiares e culturais modulam a
expressão gênica e os circuitos neurais (Raine, 2013). Por exemplo, indivíduos com vulnerabilidade genética para impulsividade podem apresentar comportamento adaptativo se inseridos em ambientes estáveis, enquanto o mesmo risco genético pode ser exacerbado em ambientes adversos, resultando em traços psicopáticos e comportamentos violentos.
James Fallon, neurocientista americano, descobriu inadvertidamente que possui um padrão cerebral e genético compatível com psicopatia sem nunca ter manifestado comportamentos violentos ou antissociais (Fallon, 2013). A explicação para essa aparente contradição reside no ambiente familiar saudável e estimulante em que foi criado, o que funcionou como um fator protetor capaz de neutralizar a expressão de sua predisposição biológica. Fallon ressalta que a genética não é um destino imutável, e que o ambiente, especialmente nas fases iniciais da vida, pode reconfigurar o risco para resultados adaptativos. Esse caso ilustra a importância de se rejeitarem interpretações simplistas e deterministas e de se considerar a biografia e o contexto social para a compreensão da psicopatia e da violência. O perfil de Aileen Wuornos, uma serial killer norteamericana condenada por assassinar sete homens, é paradigmático para ilustrar como a confluência entre traumas infantis, falhas institucionais e predisposições biológicas podem resultar em trajetórias de violência extrema, mas com características distintas. Dahmer teve uma infância marcada por isolamento social, dificuldades familiares que
possivelmente contribuíram para sua psicopatia instrumental, em que o ato homicida é planejado e desprovido de emoção (Schmid, 2005). Por outro lado, Aileen Wuornos sofreu abusos sexuais, abandono e violência doméstica, o que pode ter contribuído com o desenvolvimento de uma psicopatia reativa e defensiva, com homicídios motivados por autoproteção e retaliação contra um mundo visto como hostil (Michaud & Aynesworth, 1999). Esses casos reforçam que a violência extrema pode surgir de múltiplos caminhos e que as intervenções preventivas precisam ser personalizadas conforme o perfil e contexto individual.
A criminologia contemporânea destaca a heterogeneidade dos perfis de serial killers, evidenciando que esses comportamentos homicidas extremos emergem de múltiplas combinações de fatores traumáticos, biológicos e sociais (CUNHA et al, 2022).
O perfil reativo, associado a traumas severos e violência crônica na infância, é caracterizado por homicídios motivados por emoções intensas de autoproteção ou retaliação, sem prazer no ato, como exemplificado por Aileen Wuornos (REALE et al , 2022). O perfil controlador, por sua vez, busca compensar a impotência infantil por meio do domínio e do controle bem como pelo recurso à violência como instrumento de poder, o que pode ser ilustrado em casos como Ed Kemper (CUNHA et al., 2022).
Já o perfil psicopático frio evidencia uma psicopatia instrumental, com homicídios calculados, falta de empatia e prazer
decorrente da dessensibilização emocional, como Jeffrey Dahmer (REALE et al., 2022). Por fim, o perfil hedonista representa a psicopatia !pura”, sem traumas aparentes, movida pelo prazer, excitação sexual e sensação de poder, ilustrado por Ted Bundy (Michaud & Aynesworth, 1999). Esses perfis indicam que a violência extrema não é possivelmente produto de uma única causa, mas de múltiplas interações que requerem abordagens diversificadas para compreensão e prevenção.
A análise desses perfis revela que o comportamento homicida pode ter origens diversas, que incluem traumas não tratados, predisposições biológicas, disfunções neuropsicológicas e contextos sociais negligentes. Ainda que os mecanismos motivacionais e emocionais possam variar, desde a raiva explosiva até o prazer frio e calculado, todos os perfis convergem para um ponto central a vulnerabilidade precoce, seja ela emocional, social ou neurobiológica, quando não reconhecida e tratada, cria o terreno fértil para o surgimento de trajetórias violentas extremas (REALE et al., 2022). Essa constatação desmistifica a ideia simplista de que serial killers !nascem monstros” e reforça a necessidade de intervenções integradas que atuem desde a infância para romper esses ciclos (Carvalho, 2021).
A carência de intervenções clínicas e sociais eficazes na infância de crianças que já apresentam traços psicopáticos ou padrões de conduta disruptivos, sobretudo em contextos de negligência familiar, violência doméstica e exclusão social, é um fator recorrente nas
trajetórias que culminam em condutas violentas. Evidências apontam que intervenções precoces, como a Terapia de Interação PaisFilhos (PCIT), programas de treinamento parental voltados para a sensibilidade emocional e iniciativas escolares que promovem habilidades socioemocionais, podem prevenir a consolidação de padrões antissociais e reduzir significativamente o risco de evolução para comportamentos delinquentes.
Nesse sentido, ressalta-se a importância de políticas públicas direcionadas a crianças e adolescentes em situação de risco psicossocial, com foco na identificação precoce de sinais de vulnerabilidade e na promoção de vínculos afetivos saudáveis. A complexidade da violência serial exige, ainda, abordagens multidisciplinares que articulem conhecimentos da criminologia, psicologia, neurociência e assistência social, de modo a formular respostas preventivas e interventivas mais eficazes (Blair, 2010).
Para isso, intervenções clínicas integradas têm se mostrado eficazes. A Terapia CognitivoComportamental (TCC), por exemplo, contribui na reestruturação de padrões de pensamento disfuncionais e no desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais (Kazdin, 2010). O neurofeedback atua na autorregulação neurofisiológica, promovendo o controle emocional e da impulsividade (Hammond, 2011). Já programas parentais intensivos, que envolvem a família no processo terapêutico, fortalecem o ambiente doméstico, tornando-o mais estável
e favorável à mudança comportamental [Parent–Child Interaction Therapy (PCIT)]
Experiências internacionais como o Fast Track Project, Incredible Years e a Terapia Multissistêmica (MST) reforçam a importância de abordagens intersetoriais e contínuas. Esses programas atuam em múltiplos níveis - família, escola e comunidade - e combinam intervenções clínicas, educativas e sociais para reduzir comportamentos violentos e promover competências socioemocionais (Conduct Problems Prevention Research Group, 2010).
A psicopatia, quando detectada na fase adulta, apresenta baixa responsividade ao tratamento devido à consolidação de traços e resistência à mudança (Hare, 1999).
Em contrapartida, a infância oferece uma janela crítica de neuroplasticidade e maleabilidade emocional, pode tornar possível a reconfiguração de circuitos neurais e a modulação de comportamentos disfuncionais. A construção de vínculos terapêuticos seguros, associada a um ambiente familiar e social protetor, eleva as chances de sucesso das intervenções e reduz a probabilidade de evolução para condutas violentas crônicas.
Compreender a gênese dos comportamentos violentos exige uma perspectiva integrada, na qual fatores genéticos, neurobiológicos, emocionais e sociais interagem de maneira dinâmica para moldar o desenvolvimento humano (Beauchaine & Zalewski, 2016). Essa visão sistêmica permite a formulação de estratégias de prevenção mais eficazes, com ações coordenadas entre diferentes setores da sociedade, e o
direcionamento mais eficiente de recursos públicos.
Importante frisar que predisposições genéticas ou traumas precoces não determinam, de forma isolada, o surgimento de comportamentos violentos ou homicidas. A presença de fatores protetores, como vínculos afetivos saudáveis, apoio social, acesso a serviços de saúde mental e oportunidades educacionais, pode neutralizar ou mitigar significativamente esses riscos (Raine, 2013). Estudos longitudinais demonstram que muitos indivíduos vulneráveis desenvolvem trajetórias adaptativas quando inseridos em contextos favoráveis.
3. CONCLUSÃO
Ao longo deste estudo, foi avaliado que o desenvolvimento de comportamentos violentos extremos, como os apresentados por serial killers, não pode ser atribuído a uma única causa, mas sim a uma rede de fatores biopsicossociais interdependentes. As evidências neurocientíficas demonstram que os traumas infantis afetam de forma significativa a plasticidade cerebral e regiões cruciais para a regulação emocional, empatia e controle de impulsos, elementos fundamentais para o desenvolvimento moral e comportamental (Teicher & Samson, 2016; Raine, 2013). Estes déficits funcionais explicam, em parte, características observadas em indivíduos com traços psicopáticos, como dessens ibilização afetiva, impulsividade e ausência de culpa (Hare, 1999; Blair, 2010).
Além disso, a triagem precoce de comportamentos indicativos, como a tríade de Macdonald,
juntamente com o diagnóstico de transtornos disruptivos na infância, constitui uma estratégia preventiva imprescindível para a intervenção clínica eficaz (Frick & Viding, 2009).
A influência de fatores genéticos, especialmente a variante do gene MAOA associada à agressividade, reafirma a necessidade de considerar a interação dinâmica entre herança biológica e contexto ambiental adverso, rejeitando determinismos genéticos absolutos (Caspi et al., 2002; Raine, 2002).
A análise de perfis reais, como os casos de Jeffrey Dahmer, Aileen Wuornos, Ed Kemper e Ted Bundy, exemplifica a heterogeneidade das trajetórias violentas, que podem resultar tanto da sobreposição de traumas infantis e predisposições biológicas quanto da manifestação pura da psicopatia inata, desprovida de histórico traumático reconhecido (Fallon, 2013; Schmid, 2005). Em todos os casos, a ausência de redes de proteção social e falhas institucionais agravaram as vulnerabilidades e levaram à perpetuação de ciclos de violência e marginalização social (Oliveira & Silva, 2017).
Diante disso, este estudo evidencia que o enfrentamento da violência extrema deve começar na infância, fase em que a maleabilidade neuropsicológica oferece uma janela crucial para prevenção e reabilitação, já que a psicopatia apresenta baixa responsividade na vida adulta (Frick & Viding, 2009). Nesse contex to, são essenciais políticas públicas intersetoriais voltadas à proteção integral da criança, como a Terapia Cognitivo-Comportamental e intervenções parentais intensivas
(Kazdin, 2010; Hammond, 2011). O enfrentamento desse problema deve ser conduzido como um esforço coletivo, multidisciplinar e sistêmico, promovendo ambientes seguros e propícios ao desenvolvimento saudável, além de garantir suporte contínuo às popula ções vulneráveis.
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História dos videogames no Brasil: correlação entre a popularização dos videogames e o desenvolvimento econômico brasileiro
Jean
Michel Dornelas Salem Sugui
Este artigo tem como foco, analisar a história dos videogames no Brasil, em diálogo com a história sócio econômica brasileira e seus indicadores. Ao compreender a história dos videogames no Brasil, é notável que, as características do mercado nacional impactaram tanto positivamente, com o impacto da TecToy no mercado nacional junto de jogos exclusivos do Brasil, tanto negativamente, com a presença constante da pirataria desde clones de NES e com os jogos pirateados dos consoles da Sony nos anos 90 e 2000. Hoje, esse mercado impacta diretamente a economia brasileira e é de notável importância ao varejo brasileiro.
1. INTRODUÇÃO
No início dos anos 80, o mundo presenciou uma era de popularização dos videogames, principalmente com o Atari 2600, obtendo 25 milhões de unidades em cinco anos (SOUZA e ROCHA, 2005). O console, no entanto, por uma repetição de conceitos e jogos pouco polidos graficamente, como o port de Pac-Man para o console em 1982 e o E.T., baseado no filme de mesmo nome lançado no natal de 1982, fez com que o mercado de consoles caseiros no ano de 1983 passasse por uma crise denominada como "Atari Shock", criando uma rejeição do público aos jogos eletrônicos ao redor do planeta (DE SOUZA, 2024). O Brasil, entretanto, distante da realidade de outras nações, com um mercado protecionista e pouco variável incentivado pelo regime militar, tinha tido pouco impacto com o novo mercado de videogames, não passando por uma crise semelhante à dos Estados Unidos (FERREIRA, 2020).
O Brasil, distante dessa realidade, era uma nação com um alto IPCA, superando os 1.764,83% em 1989, 43,57% de taxa de pobreza, uma dívida externa crescente de 121,1880 bilhões de dólares, um dólar atingindo o valor próximo a 16.000 cruzeiros no fim dos anos 80 e outros problemas sociais (IBGE, s.d.). Economicamente o governo seguia tendências protecionistas e intervencionistas, havendo
dificuldade de importar videogames e máquinas de fliperama para o território nacional (PEREIRA, 2017). Entretanto, após a volta de um regime democrático, e a implementação de medidas de tendência neoliberais realizadas durante os governos de Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso (NEGRÃO, 1996) os videogames, tornaram-se uma parcela demonstrativa do mercado nacional (MENDONÇA, 2019).
Dessarte, nas últimas décadas, os videogames no Brasil estiveram em um processo de grande evolução, ganhando maior relevância no mercado de jogos eletrônicos. Como resultado, diversas empresas passaram a adaptar e traduzir seus jogos ao Brasil e distribuí-los ao comércio nacional (SOUZA, 2015). Esse mercado, assim, torna-se um tópico importante para a movimentação da economia brasileira e sua eficiência (NEWZOO, 2023).
Desse modo, considerando a crescente interação do Brasil no mercado de videogames, esse artigo tem como objetivo relacionar a popularização dos videogames no Brasil, junto das políticas econômicas manuseadas pelo governo federal e suas consequências culturais e para o consumo de consoles do Brasil.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Primeira e segunda geração de mêseogames
Em 1958, surgiu o primeiro jogo da história, criado pelo físico Willy Higinbotham, recebendo o nome de Tennis Programing, em que era possível jogar por um osciloscópio (AMORIN, 2006). Alguns anos depois, em 1961, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), os pesquisadores do instituto criaram o Spacewar! um jogo, no qual passava-se em uma guerra espacial, havendo de enfrentar naves inimigas (SOUZA e ROCHA, 2005).
Em 1972, foi lançado o primeiro console da história, o Odyssey 100, por Raph Baer, havendo a possibilidade escolha de 12 jogos, todos baseados em esportes, além de conter um rifle comercial para ser usado em jogos de tiro na época (SOUZA e ROCHA, 2005). O console vendeu 100 mil cópias e 20 mil rifles, porém, em alguns anos o console deixou de vender e ser utilizado frequentemente, pela sua baixa variedade e simplicidade (CLUA e BITTENCOURT, 2005).
O Odyssey, para poder jogar mais de um jogo, era necessário realizar operações mecânicas, como remover as placas de circuito impresso, (BRESCIANI, 2001). Assim, para evitar problemas, surgiu, em 1976, o primeiro console da história a ser considerado programável, o FairChild Channel F, não havendo mais a necessidade de uma realização complexa para trocar de jogos, mas, apenas trocar de cartucho (NEWORAL, 2022)
Nolan Bushnell, em 1977, nos Estados Unidos, lançou o console
Atari VCS, que futuramente seria renomeado como Atari 2600. Esse foi o console que popularizou os videogames, havendo jogos que se destacaram no console, como Pitfall!, Asteroids e Adventure, entretanto, apesar do sucesso inicial, o excesso de consoles nos comércios, junto de jogos pouco detalhados, fez com que o mercado de videogames adentrasse em uma recessão no ano de 1983 (KENT, 2001).
No Brasil, entretanto, diferente dos países do norte global como os Estados Unidos, a situação era distinta, tanto no mercado de consoles domésticos, como na realidade socioeconômica do país (FERREIRA, 2020).
2.2. Cenário econômico brasileiro no fim dos anos 70 e começo dos anos 80, e primeiros anos de videogames no brasil
A economia brasileira no fim dos anos 70 e o começo dos anos 80 foi marcada principalmente por uma alta da inflação após alguns anos desse índice estável, saindo de 15,5% em 1973 para 211% em 1983 (BAER, 1987), os números de empregados sem carteira assinada cresceu de 41,9% em 1981 para 47,2% em 1983, o endividamento externo do Brasil crescia em consequência do segundo choque do petróleo em 1979 e o aumento de juros internacionais. Em contrapartida, os índices de PIB per capita cresceram 81% na década de 70, porém, já nos primeiros quatro anos da década de 80 caíram em 13%, se estabilizando
até o começo dos anos 90 (OMETTO; FURTUOSO; SILVA, 1995).
Figura 1: Distribuição das famílias de acordo com o rendimento familiar, no Brasil, de 1979 a 1990: rendimento familiar médio (M), índice Gini (G), percentagem da renda correspondente aos 50% mais pobres (50⁰), aos 10% mais ricos (10⁺) e aos 5% mais ricos (5⁺), percentagem de pobres (H)
Como demonstra a figura 1, a desigualdade de renda entre famílias também era crítica, como demonstra o índice de GINI (OMETTO; FURTUOSO; SILVA, 1995). Em 1986, em decorrência do Plano Cruzado, no qual, incluía congelamento de preços e parcialmente de salários, e o lançamento de uma nova unidade monetária, conseguiu melhorar os índices econômicos e sociais em curto prazo, mas as ações do plano foram ineficientes em longo prazo e fez esses dados voltarem aos antigos números (BAER, 1987).
Nesse cenário de problemas sociais e crises econômicas, os videogames começaram a adentrar no varejo brasileiro de modo limitado, enfrentando barreiras para a sua comercialização. A economia
brasileira, dificultava que produtos fossem importados ao Brasil, por meio de políticas alfandegárias restritivas, no qual, estavam em vigência desde o governo Vargas, sendo abolidas algumas barreiras pelo governo Castelo Branco, rapidamente restauradas no governo Costa e Silva (PEREIRA, 2017). No fim dos anos 70, foi colocada em vigor à política de reserva de mercado, no qual, restringia a importação de componentes eletrônicos por parte de empresas nacionais para fabricação de seus produtos, em especial aqueles ligados à informática ou microeletrônica, proibindo ainda que empresas estrangeiras desses setores comercializassem seus produtos no Brasil. Também era proibido que empresas brasileiras enviassem royalties a empresas estrangeiras (MARQUES, 2000).
Com esse cenário de mercado, os videogames demoraram para serem comercializados no Brasil em comparação com outros países, como os Estados Unidos, com o primeiro console doméstico brasileiro surgindo apenas em 1977, sendo esse o Telejogo, fabricado pela Philco-Ford, seguindo o estilo Pong visto nos consoles de primeira geração, no qual acompanhava três jogos: Paredão, Tênis e Futebol, havendo dois paddles embutidos no próprio console. Em 1979, lançava seu sucessor Telejogo 2, no qual acompanhava 10 jogos: Hóquei, Tênis, Paredão I, Paredão II, Basquete I, Basquete II, Futebol,
Barreira, Tiro ao Alvo I e Tiro ao Alvo II. Agora, tendo dois joysticks que eram conectados permanentemente ao console. Para a segunda geração, por impossibilidades de importação do Atari 2600, foram criadas soluções por meio de engenharia reversa, eram trazidas unidades do Atari 2600 dos Estados Unidos por meio de gerentes e engenheiros e partiu-se para a fabricação de consoles semelhantes ao Atari 2600, com mistura de componentes nacionais e importados (FERREIRA Emmanoel, 2017). Assim, em 1980, a empresa Atari Eletrônica Ltda. lançou no Brasil o primeiro clone do Atari 2600, batizando-o CX-2600 (CHIADO, 2013).
No entanto, para além do console, precisa-se de jogos, e com essa demanda, pequenas empresas começaram a clonar cartuchos de Atari 2600, não apenas aos clones, mas a também, para a demanda de donos de Atari 2600, oriundas de famílias de classe média alta que tinham a possibilidade viajar ao exterior e comprar o console fora do brasil, facilitando a esses consumidores a compra de jogos (FERREIRA Emmanoel, 2017). Desses cartuchos, existiam desde cartuchos de qualidade duvidosa, a cartuchos diferenciados, como os da Tron, trazendo ao consumidor uma espécie de alça que facilita a extração do cartucho do console, outras traduziam os títulos e manuais dos jogos, como o caso da Atari Eletrônica Ltda. (CHIADO, 2013).
Em abril de 1983, a Gradiente junto com a Warner, que à época era a detentora da Atari norteamericana, produziu oficialmente o Atari 2600 no Brasil, superando as limitações impostas pelo governo federal. Contudo, o lançamento tardio do Atari oficial ao Brasil fez-se necessário a Gradiente fazer uma grande campanha de marketing, apresentando diferenças do console oficial aos clones, havendo slogans como “O Atari da Atari”, além de reforçar ao consumidor que o produto entregue seria melhor, por ser original. A grande rede de distribuição e assistência técnica da Gradiente presente no país, também estaria presente caso fossem necessários reparos ou suporte ao console (FERREIRA, 2020).
Em 1985, semelhante aos Estados Unidos em 1983, as vendas dos consoles domésticos começaram a cair. Deste modo, microcomputadores, computadores de pequeno porte e de baixo custo que rodavam softwares diversos, incluindo jogos, começaram a ganhar destaque como alternativa aos consoles domésticos no Brasil, sendo um dos mais populares o padrão japonês MSX. Clonado por empresas como Gradiente e Epcom, esses microcomputadores ofereciam especificações técnicas que permitiam maior variedade gráfica, sonora e de jogabilidade comparada com os disponíveis nos videogames da Atari. O mercado paralelo em fitas cassete e disquetes popularizou ainda mais essa alternativa. Mesmo fora do campo dos consoles
domésticos, o MSX teve um papel importante na cultura gamer nacional (FERREIRA Emmanoel, 2017).
Em 1985, nos Estados Unidos, o Nintendo Entertainment System era lançado oficialmente, popularizando novamente o mercado de videogames no país norte-americano (BATISTA et al., 2007). No Brasil, em contrapartida, a Reserva de Mercado impedia a importação direta desses produtos, o que, indiretamente, incentivou a prática da clonagem dos consoles da Nintendo, surgindo diversos clones nacionais do NES no fim dos anos 80, sendo o mais famoso deles foi o Phantom System, da Gradiente, antiga distribuidora oficial do Atari no Brasil, que após problemas de parcerias em comercializar o Atari 7800 no mercado nacional, utilizouse da carcaça do console e usou um design semelhante ao do Mega Drive da Sega ao fazer o controle. Outro clone importante foi o Dynavision II, da Dynacom, compatível com cartuchos de 60 pinos do Famicom japonês e por meio de adaptadores, com cartuchos americanos de 72 pinos. Empresas nacionais também produziam seus cartuchos próprios, como na época do Atari, modificando rótulos, títulos e até o conteúdo dos jogos para evitar problemas legais. Um exemplo é o Super Mario Bros., renomeado como Super Irmãos ou Super Mário por diferentes fabricantes, com alterações visuais na tela de título e remoção dos créditos originais (FERREIRA Emmanoel, 2017).
Figura 2: Esquerda: Super Mario Bros. original (Nintendo); Centro: Super Irmãos (Gradiente/Phantom System); Direita: Super Mário (Dismac).
Figura 3: Esquerda: tela de abertura de Super Mario Bros. original (Nintendo) Centro: tela de abertura de Super Irmãos (Gradiente/Phantom System) com título do jogo logo extraído; Direita: tela de abertura de Super Mário (Dismac), com o título do jogo alterado.
2.3. Impacto da Sega e TecToy no cenário brasileiro e entrada tardia da Nintendo no Brasil.
Os clones de NES, entretanto, não foram os únicos a estarem no mercado brasileiro durante a terceira geração de videogames, pois a Sega, diferente da Nintendo, trouxe seus videogames oficialmente ao Brasil. A Sega nos mercados externos era excluída dos mercados estadunidenses e japoneses, pois a Nintendo tinha contratos exclusivos com estúdios, produzindo jogos
exclusivamente para o console deles (CHAUVEAU, 2022). A Nintendo, nessa situação, dominava o mercado em 90% nos Estados Unidos (KENT, 2001). Deste modo, a Sega procurava um mercado que desse a oportunidade de obter êxito e o Brasil foi uma opção, mesmo com impeditivos como altos impostos. Assim, o Master System foi oficialmente lançado no Brasil primeiro que a Nintendo, em 1989, custando cerca de 630 dólares. Para evitar impostos, a Sega fez parceria com a recente empresa chamada TecToy, no qual já tinha produzido outro produto da Sega, o SEGA Zillion (CHAUVEAU, 2022).
Com fins de aproximar os brasileiros aos seus produtos, a Sega no Brasil concedeu à Tec Toy autonomia para as traduções dos jogos, bem como para modificações, alterando além dos textos nos jogos, os seus sprites e cenários, conforme visto em Sapo Xulé vs Os Invasores do Brejo (1995), uma modificação do jogo Psycho Fox (1989), ou em um exemplo mais drástico, como em Mônica no Castelo do Dragão (1991), uma apropriação de Wonder Boy in Monster Land (1987), com o personagem Wonder Boy substituído pela personagem brasileira dos gibis, Mônica, e sua espada sendo trocada por seu coelhinho de pelúcia. Diferente do exemplo anterior, a narrativa do jogo também foi alterada: em vez de salvar o mundo do caos e da destruição, o objetivo do jogador passa a ser impedir que o vilão Capitão Feio
polua o mundo. (AMARO & FRAGOSO, 2020).
Além das traduções e jogos próprios, a Tectoy adotou outras estratégias de marketing para o Master System. Segundo Stefano Arnhold, CEO da Tectoy, a ideia era fazer do console e da SEGA um clube exclusivo no Brasil. Os donos do Master System tinham acesso a competições em fliperamas, a eventos especiais, uma linha telefônica disponível 24 horas por dia para dicas de jogos, e assistência técnica. A Tectoy também patrocinou um programa de TV na Rede Globo com dicas de jogos do Master System chamado “Master Dicas”, durante o horário infantil (CHAUVEAU, 2022).
Entre novembro e dezembro de 1990, a TecToy trouxe para o país o mais recente videogame da empresa, o Mega Drive, divulgado com ênfase na sua capacidade de processamento de 16bits, seus gráficos superiores e som estéreo. O console, conseguiu se sobressair ao mercado, sendo utilizado técnicas parecidas de marketing feitas com o Master System, com o programa “Master Dicas”, sendo substituído para “Sega Dicas”, incluindo jogos de Mega Drive no programa (DAS VIRGENS, 2019).
A Nintendo, adentrou no mercado em 1993, em parceria com a Playtronic (joint-venture entre a Estrela e a Gradiente) (AMARO & FRAGOSO, 2020). Essa entrada aconteceu principalmente pela revogação da Reserva de Mercado
feita durante o governo Collor, no qual se demonstrou ineficiente e fez do Brasil tecnologicamente defasado, caro e dependente de engenharia reversa de modelos estrangeiros. Deste modo, a Nintendo entrou em um mercado dominado por clones e consoles da Sega (LUZIO & GREENSTEIN, 1995). Além, da concorrência, o Brasil detinha uma inflação alta, dificultando ainda mais as vendas dos consoles da Nintendo, com esses coexistindo nos estabelecimentos com os videogames mais antigos e baratos, como os clones e os consoles da Sega (DAS VIRGENS, 2019).
2.4. Plano Real e seu impacto no mercado de videogames nacional na quinta e sexta geração de consoles domésticos.
Apesar do crescimento da popularidade dos videogames no Brasil, principalmente entre os consoles da Sega e os clones, a inflação prejudicava o desenvolvimento desse mercado, com o IPCA anual de 1993, sendo de 2.477,15%, e seguia crescendo (IBGE, s.d.). O governo federal, nesse cenário, tentava combater a inflação por diversos planos, sendo eles: Plano Cruzado (1986), Plano Bresser (1987), Plano Verão (1989), Plano Collor I (1990) e Plano Collor II (1991) (BRITO; AGUIAR, 2018).
Diante do cenário de hiperinflação e da sucessão de diversos planos que não obtinham efeito, o governo de Itamar Franco passou a adotar uma nova abordagem. Em 1994, sob a
liderança do então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, foi lançado o Plano Real, havendo em seu planejamento três fases: o ajuste fiscal, a criação da Unidade Real de Valor (URV) e, por fim, a introdução de uma nova moeda, o Real. Distante dos outros planos que focavam no congelamento de preços ou confiscos de ativos financeiros, o Plano Real conteve a inflação, fundamentando-se na credibilidade da moeda e no equilíbrio das contas públicas (IANONI, 2009).
Figura 5: Valores das linhas de pobreza relativas às datas especificadas para as seis regiões metropolitanas investigadas pela PME.
Figura 6: Evolução das Vendas de Perecíveis e Mercearia em Lojas de Supermercados em São Paulo entre janeiro de 1993 a fevereiro de 1997
Rapidamente, o plano demonstrou ser bem sucedido, diminuindo o IPCA para 22,41% anualmente em 1995, distante dos 2.477,15% anuais de 1993 (IBGE, s.d.). Nesse contexto, a pobreza diminuiu, como mostra a figura 5, em que os dados demonstram a valorização do salário mínimo e a diminuição das pessoas abaixo da linha da pobreza, e consequentemente o consumo aumentou, como mostra os gráficos da figura seis, indicando um aumento da venda de produtos, como os alimentícios.
Com uma abertura mais flexível do mercado, junto uma economia mais estável pós-plano real, o consumo de videogames também aumentou, tornando-se mais acessível aos consumidores (PASE, 2013). Entretanto, não foram apenas políticas públicas de teor liberal que impulsionaram o consumo de vídeo games no Brasil, concomitantemente, os CDs ajudaram nesse processo, pois tinham mais espaço de armazenamento e aos poucos ficavam mais acessíveis aos consumidores, sendo utilizados como mídia principal nos consoles de quinta geração, como foi o caso do Sega Saturn, e o primeiro videogame doméstico da Sony, Playstation. A Nintendo, diferente dos seus concorrentes, lançou o Nintendo 64, no qual ainda usava cartuchos como mídia, contudo era tecnicamente mais avançado, composto por um processador de 64bits, comparado aos 32bits de
seus concorrentes (DAS VIRGENS, 2019).
Segundo Pase (2013), no Brasil, com o contrabando presente na fronteira com o Paraguai, as mídias de jogos muitas vezes eram pirateadas, entretanto, diferente dos cartuchos que era usados anteriormente, os CDs poderiam ser replicados com um computador, não precisando necessariamente de uma indústria de grande porte para a sua reprodução, ou seja, por mais que a matéria-prima fosse paraguaia, os contrabandistas, agora, poderiam reproduzir os jogos em CDs no próprio Brasil, em escritórios localizados nas periferias ou prédios comerciais do centro da cidade. Com grande produção de jogos piratas em CD, os jogos eram transportados em pequenos sacos plásticos e vendidos em ruas e praças dominadas pelo contrabando (PASE, 2013).
Um dos locais mais marcantes por tal prática é a Santa Ifigênia, no qual se vendem diversos itens falsificados, além de videogames, como bolsas, relógios, perfumes, acessórios de moda, brinquedos e outros (UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE, 2024).
Tal contrabando, fez que consoles que não usassem CDs, como os antigos consoles da Sega e o Nintendo 64 tornassem produtos elitizados, por serem mais restritos ao comércio paralelo, além de serem comercializados em lojas específicas e consequentemente
serem mais caros. O Sega Saturn, apesar de usar CDs como o Playstation da Sony, também sofreu com esse problema, cujos seus jogos eram comercializados exclusivamente em lojas selecionadas pela Tectoy, sendo essas mais elitizadas, impossibilitando a popularidade do console (PASE, 2013). Além disso, o seu preço oficial de lançamento era de $899,99, com jogos variando de 60 a 70 reais (DAS VIRGENS, 2019), sendo inacessível para muitos brasileiros, principalmente que ganhavam o salário mínimo que no ano de lançamento do Sega Saturn era de 100 reais (IBGE, s.d.). Assim, por ser caro e ter uma escassa variedade em sua coletânea de jogos por consequência da sua complexidade de programar, o Sega Saturn não apenas vendeu pouco no Brasil, mas teve vendas fracas em todos os países, fazendo a Sega aposentar o console de forma prematura e lançar em 1998 o Dreamcast (BATISTA et al., 2007).
O Dreamcast, porém, apesar de suas inovações (como a introdução dos GD-ROMs, mídia que detinha mais espaço para conteúdo que os CDs usados no Playstation, e a possibilidade jogar online e acessar a internet pelo serviço SegaNet), não conseguiu obter êxito no mercado, por motivos semelhantes aos do Sega Saturn. Em decorrência desses acontecimentos, a SEGA decidiu sair do mercado de consoles domésticos (DEEMING; MURPHY, 2017).
Com o lançamento do Nintendo GameCube, a Nintendo teve dificuldades de se integrar ao mercado de consoles, não conseguindo atrair o público com o seu marketing e seus jogos considerados pelo público infantilizados (BARNETTE, 2022). No Brasil, a realidade não foi distinta e o console não obteve êxito no varejo, consequentemente em decorrência desses resultados de vendas, a Gradiente desfez a sua parceria com a Nintendo em 2003, descontinuando a produção e a distribuição do atual console no varejo brasileiro. (DAS VIRGENS, 2019).
A Sony, com o Playstation e o Playstation 2, diferente da Nintendo, mesmo não vendendo os seus consoles oficialmente no Brasil até os anos 2000, dominava considerável parte do mercado de videogames, pois o contrabando fazia com que os consoles e jogos da empresa japonesa tornassem mais acessíveis (PASE, 2013). Os jogos pirateados, além de mais baratos, também foram marcados principalmente por haver modificações, como, por exemplo nos casos de Grand Theft Auto e o conhecido Bomba Patch, modificação do Pro Evolution Soccer/Winning Eleven (MOTA, 2017).
2.5. Últimas gerações de videogames no Brasil e combate à pirataria.
A comercialização de videogames no Brasil e a sua
popularização, tanto por parte do desenvolvimento econômico, como pelo contrabando, tornou a utilização de consoles mais presente na cultura dos brasileiros (MOTA, 2017).
O cenário da pirataria, apesar de ter popularizado um mercado elitizado antes, ainda sim precisava ser combatido. Em 2013, o Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade divulgou uma estimativa de que 82% dos jogos de videogame vendidos no Brasil eram piratas (FERREIRA Vinícius, 2017). Nesse cenário, algumas ações foram feitas, tanto pelas empresas, como pelo governo (PASE, 2013).
Os videogames passaram a serem mais difíceis de desbloquear para rodar jogos paralelos, como no caso do Playstation 3, console de sétima geração da Sony, no qual seu desbloqueio, apesar de existir, era mais demorado e complexo de ser efetuado do que no console anterior (BENADJILA; RENARD, 2016).
Os outros dois consoles da sétima geração, Wii e Xbox 360, apesar de terem sido desbloqueados e seus jogos pirateados, a quantia registrada já era menor comparada às gerações anteriores (TSOTSORIN, 2012). Muito disso, deu-se além da proteção das empresas ao desbloqueio, mas também há ações do governo, como a atuação do Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP), em que promove operações coordenadas entre Receita Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária e ANVISA, especialmente focadas em
bens físicos, como CDs e DVDs paralelos (BRASIL, 2017). Além de promover diminuição de impostos, como feitos durante os últimos anos, como a redução do IPI pelo Decreto 9.971/2019 (BRASIL, 2019) e pelo Decreto 10.532/2020 (BRASIL, 2020), no qual diminui consequentemente o preço dos jogos e possibilita suas aquisições.
Além de dificultar e promover campanhas contra a pirataria, as empresas, ao tentar desestimular o desbloqueio, promovem promoções mais constantes dos jogos em suas lojas digitais, sendo essa, uma estratégia eficaz ao desestimular o consumo do mercado paralelo (REIS; CHAGAS; FILHO, 2025).
Essas ações, não desincentivaram as vendas de consoles, pelo oposto, o mercado de videogames no Brasil segue crescendo e cada vez mais importante ao varejo brasileiro, vendendo aproximadamente R$13,2 bilhões em 2023 (NEWZOO, 2023).
O consumo é tanto que, cerca de 73,9% da população brasileira joga videogames e desses 85,4% dos entrevistados consideram os jogos eletrônicos uma das principais formas de diversão, e 70,8% demonstram orgulho de sua identidade gamer (SIOUX GROUP et al., 2024).
Além do consumo, as produtoras brasileiras de jogos cresceram nos últimos anos, o Brasil passou de 133 estúdios em 2014 para 1.042 em 2024, representando um aumento de 683,4% em uma
década (ABRAGAMES, 2024). Esse índice pode aumentar nos próximos anos, principalmente com a homologação do Marco Legal dos Jogos Eletrônicos, no qual tem como objetivo incentivar a inovação do mercado no Brasil (Lei nº 14.852, de 2024).
3. CONCLUSÃO
Ao analisar a história dos videogames no Brasil, junto do desenvolvimento econômico desse período, é observado que as diretrizes econômicas adotadas pelo governo federal influenciaram o mercado de jogos eletrônicos no Brasil, desde os primeiros clones consequentes da Reserva de Mercado, a expansão de consumo de jogos eletrônicos a partir da resolução da hiperinflação com o Plano Real.
Ainda, colocam-se desafios, como ao combate a pirataria, no qual, desde os primórdios dos consoles domésticos no Brasil, permanece presente no mercado, mesmo que em menor escala nos últimos anos.
Os videogames também exerceram influência cultural no Brasil, como observado nos jogos nacionais, visto nos lançamentos da TecToy nos consoles da Sega, das modificações de jogos no Playstation 2, e de recorrentes novos jogos criados por empresas brasileiras. Esse impacto cultural reflete principalmente ao analisar que mais
de metade da população consome esse produto recorrentemente.
Deste modo, o mercado de videogames no Brasil é importante, movimentando bilhões de reais todos os anos, sendo relevante dentro do mercado nacional, principalmente com atuais leis com fins de incentivar essa área no país.
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05.
O desenvolvimento de competências e habilidades socioemocionais por meio de simulações da ONU para alunos do ensino médio
Letícia dos Santos Alencar, Amira Sopri Salem e Arthur Mota da Silva
Este artigo aborda o uso das simulações da Organização das Nações Unidas (ONU) como uma prática pedagógica aplicada no ensino médio, com foco no desenvolvimento das competências socioemocionais dos estudantes. São exploradas as características dessas atividades, que envolvem o engajamento dos participantes em dinâmicas de diálogo, negociação, empatia e tomada de decisão em ambientes simulados que buscam representar situações reais e complexas. O texto apresenta as diferentes competências que podem ser exercitadas por meio dessas simulações, tais como comunicação, autocontrole, consciência social e trabalho em equipe. Além disso, são discutidas as contribuições potenciais dessas experiências para a formação integral dos alunos, assim como as possibilidades e desafios relacionados à inserção dessas práticas pedagógicas nas instituições de ensino. O artigo considera, ainda, o contexto educacional atual e a busca por metodologias inovadoras que possam favorecer uma aprendizagem mais significativa, participativa e alinhada às demandas sociais contemporâneas, com o objetivo de apoiar as instituições de ensino na reflexão e na consideração da aplicação dessas simulações em seus currículos.
1. INTRODUÇÃO
Simulações da Organização das Nações Unidas (ONU), também conhecidas como MUN (Model United Nations) são atividades educacionais imersivas que envolvem debates e negociações internacionais em comitês da ONU sobre temas globais relevantes como meio ambiente, direitos humanos, segurança mundial, saúde pública, entre outros, permitindo que os estudantes assumam o papel de diplomatas (Dimitriu & Connolly, 2021). Esse tipo de experiência promove não apenas o aprendizado sobre relações internacionais e política global, mas também o aprimoramento de competências como empatia, resolução de conflitos, trabalho em equipe e pensamento crítico (ROBINSON; WHEELER, 2019).
No contexto educacional, pode haver uma preocupação crescente em desenvolver a inteligência emocional e as competências interpessoais dos estudantes, aspectos essenciais para a vida acadêmica, profissional e social (CHAMIZO-NIETO et al., 2021).
Dado que os debates da ONU proporcionam um ambiente dinâmico e desafiador, é importante
compreender de que forma essas experiências contribuem para o crescimento pessoal e emocional dos participantes.
Outrossim, as competências socioemocionais referem-se a um conjunto de habilidades que envolvem o reconhecimento e a regulação das próprias emoções, o estabelecimento de relações saudáveis e a tomada de decisões responsáveis. Para fins desta pesquisa, adota-se a perspectiva da CASEL (Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning), organização referência na sistematização da aprendizagem socioemocional e responsáveis pelo desenvolvimento e sistematização do conceito de Social Emotional Learning (Lawson, 2019). De acordo com essa perspectiva, as competências são estruturadas em cinco domínios centrais: autoconsciência, autogestão, consciência social, habilidades de relacionamento e tomada de decisões responsável (CASEL, 2020). Esses domínios serão adotados como referencial teórico para a análise conduzida neste estudo.
Considerando os elementos apresentados, permite-se uma
análise consistente de que as simulações da ONU, ao propor situações de negociação, oratória e resolução de conflitos em um ambiente acadêmico, criam condições propícias para o desenvolvimento de competências socioemocionais (FILHO, 2024). A dinâmica desses eventos exige dos participantes habilidades como a autogestão em contextos de pressão, a consciência social diante de múltiplas perspectivas, e a tomada de decisões responsável em situações que simulam dilemas reais da política internacional (ADAMSON, 2014). Sob essas circunstâncias, torna-se pertinente investigar de que modo essas experiências contribuem para a formação sócio emocional dos estudantes, à luz dos cinco domínios estabelecidos pela CASEL.
Este artigo propõe a discussão do impacto de metodologias educacionais inovadoras no desenvolvimento integral dos estudantes, com ênfase nas competências socioemocionais. Para tanto, realiza-se uma revisão literária e analisa-se relatos e questionários de participantes de simulações da ONU, com o objetivo de compreender como essas
práticas pedagógicas podem contribuir para a formação de sujeitos mais críticos, empáticos e preparados para a vida em sociedade.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Fundamentação teórica sobre competências socioemocionais
A Aprendizagem Social e Emocional (Social and Emotional Learning – SEL) foi concebida e sistematizada pela Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (CASEL), organização fundada em 1994, nos Estados Unidos, com o propósito de estabelecer o desenvolvimento de competências socioemocionais como parte integrante e essencial do processo educativo (CASEL, 2003). Nesse contexto, as competências socioemocionais constituem um elemento para o sucesso acadêmico, uma vez que essas influenciam diretamente a forma como os estudantes aprendem, se relacionam e enfrentam os desafios cotidianos no ambiente escolar (CASEL, 2015). Social and Emotional Learning (SEL) refere-se ao processo por meio do qual crianças, adolescentes e adultos adquirem e aplicam conhecimentos,
atitudes e habilidades para desenvolver identidades saudáveis, gerenciar emoções, alcançar objetivos, demonstrar empatia e manter relacionamentos saudáveis (CASEL, 2020).
A Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning propôs a estrutura teórica CASEL 5, que organiza as competências socioemocionais em cinco áreas amplas: autoconsciência, autogestão, consciência social, habilidades de relacionamento e tomada de decisão responsável (CASEL, 2020). Essa classificação não apenas sistematiza diferentes dimensões do desenvolvimento sócio emocional, mas também fornece um referencial para a concepção de práticas educacionais que promovam essas competências.
Ao considerar essas categorias, torna-se possível analisar de forma mais detalhada como intervenções pedagógicas específicas podem favorecer o fortalecimento de habilidades fundamentais para a
1 Consciência que reflete sobre si própria, sobre sua condição e seus processos.
2 Uma habilidade individual de gerir o tempo, tarefas e objetivos para alcançar metas.
3 A capacidade de compreender o seu papel na sociedade, reconhecer os problemas sociais e agir com empatia para ajudar os outros e o planeta.
vida pessoal e social dos estudantes, evidenciando a aplicabilidade prática do modelo proposto (OSHER et al., 2016).
Ademais, fatores como a autoconsciência1, a autogestão2, a consciência social3, as habilidades interpessoais4 e a tomada de decisões responsáveis5 integram um conjunto de competências importantes para o êxito acadêmico e social, de modo a ressaltar a relevância de práticas educacionais, como a CASEL, que fomentem o desenvolvimento individual de forma articulada (CASEL, 2020).
A representação visual do framework da CASEL, nomeado de CASEL Wheel constitui uma síntese gráfica das competências socioemocionais e dos contextos interdependentes em que essas habilidades devem ser promovidas. A imagem a seguir expressa, de maneira estruturada e simbólica, os princípios fundamentais da aprendizagem socioemocional
4 Competências comportamentais e sociais que permitem uma comunicação e interação eficazes com outras pessoas.
5 Habilidade de escolher opções de forma consciente, considerando o impacto das ações para si mesmo, os outros, a sociedade, o meio ambiente e o futuro.
conforme delineados pela organização.
Figura 1:Representação das cinco competências centrais da aprendizagem socioemocional
A imagem é composta por três círculos principais. No centro, encontram-se as cinco competências fundamentais da SEL: autoconsciência, autogestão, consciência social, habilidades de relacionamento e tomada de decisões responsáveis. Conforme exposto pela própria (CASEL 2020), essas competências estão interrelacionadas e devem ser desenvolvidas de maneira integrada ao longo da vida escolar, pois influenciam diretamente o comportamento, a aprendizagem e o bem-estar dos estudantes.
O anel intermediário da imagem destaca os ambientes em que a SEL
pode ser aplicada: sala de aula, escola, família e comunidade. Essa representação gráfica traduz a noção de que o desenvolvimento socioemocional ocorre por meio de múltiplas interações sociais, como descrito na abordagem ecológica de desenvolvimento humano proposta por Bronfenbrenner (1979), frequentemente referenciada na literatura sobre SEL (CASEL, 2020).
Por fim, o anel externo enfatiza os elementos estruturais e sistêmicos que devem sustentar o trabalho com SEL: práticas pedagógicas intencionais, desenvolvimento profissional, comprometimento institucional, políticas escolares equitativas e processos contínuos de avaliação e aprimoramento. Essa perspectiva é coerente com o modelo de implementação sistêmico defendido pela CASEL, em que a aprendizagem socioemocional é incorporada de maneira transversal à cultura, políticas e práticas escolares (CASEL, 2020).
2.2 O que são simulações da ONU
As simulações da Organização das Nações Unidas (ONU), configuram-se como práticas pedagógicas que buscam reproduzir o funcionamento dos comitês da
ONU. Nessa atividade, os estudantes assumem o papel de diplomatas, representando países, organizações ou personagens específicos, com o propósito de debater e negociar soluções para questões internacionais relevantes (KABDESOV, 2022). Partindo desse pressuposto, Ho, Cowan, Bache et al. (2025) desenvolvem a ideia de que, tradicionalmente, as simulações da ONU são compreendidas como espaços voltados prioritariamente para o treinamento de futuros diplomatas e de estudantes que almejam seguir carreiras relacionadas a ciências sociais e políticas, como Relações Internacionais, Direito ou Ciência Política. No entanto, os autores, a partir de uma revisão de literatura e de uma fundamentação teórica consistente, defendem que tais atividades devem ser acessíveis a todos os estudantes, independentemente da área de formação ou dos interesses acadêmicos. Essa defesa é corroborada por estudos que evidenciam o potencial das simulações para o desenvolvimento de competências socioemocionais como empatia, pensamento crítico, escuta ativa e autorregulação
emocional habilidades estas fundamentais para diversas trajetórias formativas e profissionais (Durlak et al., 2011; Leib & Ruppel, 2019). Nesse sentido, os eventos diplomáticos podem proporcionar muito mais do que o domínio de competências estritamente técnicas ou diplomáticas, abrangendo habilidades transversais relevantes para o trabalho em equipe, a comunicação interpessoal e a construção do pensamento ético.
Conclui-se, assim, que as simulações da ONU constituem uma prática pedagógica pertinente ao ensino contemporâneo, pois permitem que os estudantes experimentem, de forma crítica, a dinâmica das relações internacionais, integrando teoria e prática de modo significativo. Tais práticas dialogam com os princípios de uma educação emancipadora e transformadora, conforme proposto por (Paulo Freire, 1996), ao promoverem a participação ativa, o diálogo e o protagonismo estudantil.
2.3 A proposta pedagógica das simulações
As propostas pedagógicas das simulações da Organização das
Nações Unidas (ONU) fundamentam-se em princípios de aprendizagem ativa e experiencial, orientadas para o desenvolvimento integral do estudante, contemplando aspectos cognitivos, socioemocionais e éticos (POPP; CARROLL, 2020). A Teoria da Aprendizagem Experiencial, proposta por David Kolb (1984), fundamenta-se na premissa de que o conhecimento é gerado a partir da transformação da experiência, por meio de um ciclo contínuo que envolve experiência concreta, observação reflexiva, conceitualização abstrata e experimentação ativa. Esse modelo teórico sustenta a relevância das
simulações do Modelo das Nações Unidas (MUNs) como práticas pedagógicas que promovem aprendizagem ativa, uma vez que os estudantes são colocados em situações que exigem engajamento direto, reflexão crítica e aplicação prática de conceitos complexos de política internacional. Assim, ao alinhar as etapas do ciclo experiencial de Kolb às dinâmicas das MUNs, percebe-se que essas simulações não apenas ampliam a compreensão teórica dos conteúdos, mas também promovem o
crescimento pessoal e a capacidade de tomar decisões responsáveis em contextos colaborativos e desafiadores.
Durante a fase preparatória, os estudantes dedicam-se ao estudo da política externa, da história e dos posicionamentos do país que representarão. Essa etapa fomenta a autonomia intelectual, a pesquisa ativa e o pensamento analítico, visto que compreendem questões complexas, selecionam fontes confiáveis e constroem posicionamentos coerentes (GODINHO, 2015). No decorrer da simulação da ONU, exercitam-se habilidades como oratória, capacidade de síntese e respeito às normas diplomáticas. Durante o processo, os estudantes participam de debates, redigem e negociam resoluções, interagem com colegas representando diferentes países e precisam adaptar suas estratégias de argumentação conforme o andamento das discussões, promovendo o desenvolvimento de competências comunicativas, analíticas e socioemocionais (MEDINA; PAVARINA, 2015).
Os achados de KHADZIR (2022) corroboram a efetividade das simulações da ONU como estratégia
pedagógica no ensino médio, especialmente no desenvolvimento de competências essenciais para a formação integral dos estudantes. O estudo, realizado com 59 alunos, indicou que mais de 80% dos participantes apresentaram avanços significativos em habilidades de comunicação, escuta ativa e pensamento crítico após a participação em simulações. Esses resultados foram particularmente evidentes em atividades que exigiam a construção de discursos persuasivos, negociação de propostas e adaptação de estratégias argumentativas diante de diferentes perspectivas.
Esses achados se alinham aos resultados de (David K. Jesuit & Strachan, 2021), que também destacam a capacidade das simulações MUN de promover mudanças significativas no conhecimento, nas atitudes e nas competências socioemocionais e éticas dos estudantes. Enquanto Khadzir fornece dados quantitativos específicos sobre comunicação e pensamento crítico, Jesuit & Strachan oferecem uma perspectiva mais ampla, incluindo habilidades de colaboração, empatia e tomada de decisão ética.
O cruzamento dessas evidências reforça que as simulações da ONU constituem uma prática pedagógica eficaz, capaz de promover aprendizagem experiencial significativa, conforme defendido por (Kolb, 1984). Ao integrar teoria e prática, essas atividades estimulam não apenas a compreensão conceitual de conteúdos complexos de política internacional, mas também o desenvolvimento de competências cognitivas, socioemocionais e éticas, preparando os estudantes para a participação crítica e responsável em contextos colaborativos e desafiadores.
A etapa reflexiva posterior ao evento contribui para o desenvolvimento da metacognição, ao estimular os estudantes a analisarem seu próprio processo de aprendizagem. A revisão sistemática da MDPI (2025) indica que a aprendizagem baseada em simulações favorece a consolidação de competências cognitivas e socioemocionais, evidenciando que a reflexão estruturada permite identificar estratégias eficazes e lacunas de compreensão. Engel, Pallas e Lambert (2017) demonstram que as simulações promovem um
aprendizado profundo, possibilitando a apropriação de conceitos teóricos por meio da prática vivencial. A reflexão pós-simulação, portanto, integra experiência prática e compreensão teórica, apoiando a avaliação crítica do próprio aprendizado.
2.4. O papel das simulações da ONU no desenvolvimento de competências
As simulações da ONU podem ser consideradas como ferramentas particularmente eficazes na promoção de competências socioemocionais, especialmente aquelas delineadas pela CASEL, que as agrupa nos cinco domínios centrais. Segundo Raymond e Usherwood, o ambiente desafiador dos debates demanda que os alunos gerenciem frustrações, reajam com ponderação e mantenham uma postura ética diante das divergências (RAYMOND,C;USHERWOOD, S, 2020). Os autores apontam que participantes de simulações diplomáticas relataram melhorias em autoconfiança, pensamento crítico e tomada de decisões sob pressão. Em conformidade com as experiências e situações presentes
durante os debates, (NAPOLITANO, 2021) propõem um modelo íntegro de habilidades sociais, emocionais e comportamentais, com ênfase no sucesso durante a adolescência. Assim, é estabelecida uma conexão intrínseca e correspondente entre os aspectos emocionais analisados por Raymond e Usherwood desenvolvidos durante os debates com estudo de Napolitano, pois ambos tratam da importância da instigação de habilidades interpessoais para um sucesso, tanto acadêmico quanto social, durante a fase da adolescência.
No contexto educacional brasileiro, o estudo de Rocha (2025) evidenciou que a participação de estudantes do ensino médio em atividades simuladas de organismos internacionais favorece o desenvolvimento de competências como liderança, empatia, responsabilidade e autonomia. Por meio dessas experiências, os alunos podem aprofundar sua compreensão sobre relações internacionais e exercitar habilidades de negociação, argumentação e resolução de conflitos. Os resultados indicam que, em determinadas circunstâncias, a participação nessas atividades pode contribuir para a formação de
sujeitos críticos, éticos e socialmente comprometidos, embora outros fatores individuais e contextuais também possam influenciar esse desenvolvimento. As experiências analisadas indicam que atividades pedagógicas estruturadas favorecem o desenvolvimento de competências socioemocionais, como liderança, empatia, tomada de decisão e gestão de conflitos. Esses aprendizados têm potencial para impactar positivamente o desempenho acadêmico, o bemestar e a preparação dos alunos para desafios pessoais e sociais.
2.5. Interface entre simulações da ONU e desenvolvimento de competências socioemocionais
As simulações da ONU constituem uma interface entre práticas educacionais e o desenvolvimento de competências socioemocionais (CASEL, 2020). A vivência de papéis em negociações e situações de conflito estimulam a comunicação, a argumentação e o engajamento cívico, fortalecendo a consciência ética dos estudantes (PEREIRA JÚNIOR; CALDAS; MAGALHÃES, 2022), podendo proporcionar experiências concretas
e contextualizadas de aprendizagem socioemocional.
O evento expõe aos estudantes dilemas éticos e políticos que exigem reflexão sobre suas respostas emocionais e a identificação de vieses pessoais, processos que, segundo (CASEL, 2020), estão associados ao desenvolvimento de inteligências emocionais. Ao assumir diferentes papéis e perspectivas, os participantes podem aprimorar a percepção de suas próprias reações e valores, o que favorece a capacidade de autorregulação e tomada de decisão responsável (Zins et al., 2004). De maneira complementar, a prática contínua de reflexão permite que os estudantes reconheçam suas emoções e posicionamentos de maneira mais clara e crítica (KUMAR et al., 2024).
Nesse contexto, os participantes enfrentam um ambiente dinâmico que exige habilidades de autogestão, como disciplina intelectual, equilíbrio emocional e resiliência diante de frustrações (Lourenço et al., 2025). Os participantes precisam administrar o tempo, lidar com contradições, sustentar uma postura diplomática sob pressão e adaptar-se rapidamente a imprevistos (GROSS;
NIEMANN, 2020). Devido a essa pressão, a regulação emocional se faz essencial para lidar com desafios acadêmicos e sociais (Cambron, 2017). O ambiente de alta exigência favorece o desenvolvimento de um autocontrole propositivo, em que os estudantes não apenas reagem com maturidade, mas aprendem a antecipar suas emoções e posicionamentos, assumindo um papel mais ativo na construção da própria trajetória de atuação (KILBRIDE; BROWN; LEWIS, 2021).
Este cenário, tende a proporcionar aos estudantes uma imersão em panoramas globais complexos, como conflitos armados e crises econômicas, que exigem uma compreensão profunda das realidades vividas por populações afetadas (JESUIT; ENDLESS, 2018). Assim, ambientes desafiadores estimulam a empatia e a reflexão crítica, permitindo que os participantes reconheçam as implicações humanas e sociais dessas questões (AMPUERO et al., 2013). Segundo Tsang (2025), a prática de empatia em contextos educacionais interculturais contribui significativamente para que os indivíduos compreendam melhor as emoções e perspectivas de pessoas
de diferentes contextos culturais. De forma complementar, Zhang (2025) observa que o exercício reflexivo contínuo permite que os estudantes identifiquem padrões de comportamento e percebam como suas ações afetam os outros, promovendo um aprendizado crítico sobre justiça, equidade e responsabilidade social. Esses estudos sugerem que, ao confrontar problemas globais complexos, os estudantes não apenas desenvolvem habilidades cognitivas e técnicas, mas também uma compreensão das realidades enfrentadas por outras populações.
Naseem, Naseer e Rahim (2024) demonstram que práticas educacionais que promovem competências socioemocionais, como as desenvolvidas em simulações da ONU, impactam positivamente o desempenho acadêmico dos estudantes. Elas tendem a promover práticas que vão além do ensino conteudista, permitindo que os estudantes internalizem habilidades socioemocionais por meio de interações reais e desafios complexos (HAMMOND; ALBERT, 2020). A dinâmica dos debates e negociações estimula o
desenvolvimento cognitivo e emocional simultaneamente, favorecendo a construção de competências integradas e duradouras, conforme demonstrado por estudos recentes que analisam intervenções socioemocionais em contextos escolares (CIPRIANO et al., 2023).
Em suma, observa-se que as simulações da ONU configuram um contexto complexo e multifacetado, em que diferentes dimensões do aprendizado se entrelaçam. A análise dessas experiências sugere uma aproximação com situações desafiadoras, nas quais se consideram múltiplas perspectivas e estratégias de interação.
2.6 Evidências empíricas: percepção dos estudantes
Para exemplificar os possíveis efeitos das simulações da ONU no desenvolvimento de competências socioemocionais, foi aplicada uma pesquisa com 70 estudantes do ensino médio que participaram de pelo menos uma edição da atividade. A maioria dos respondentes (92,9%) declarou ter participado de entre uma e três simulações.
As respostas foram organizadas com base nos cinco domínios de competências propostos pela CASEL,. A autoconsciência, por exemplo, obteve uma média de 3,40 em uma escala de 1 a 5, demonstrando que a vivência de diferentes papéis e realidades promoveu reflexões internas e reconhecimento das próprias emoções. A autogestão, com média de 3,47, destacou-se como uma habilidade especialmente desenvolvida diante dos desafios de negociação, controle emocional e gestão de tempo característicos das simulações.
A consciência social foi uma das competências mais valorizadas pelos participantes, com média de 3,84. Isso sugere que os estudantes reconheceram o impacto das simulações na ampliação de sua empatia e compreensão das diferentes realidades socioculturais.
As habilidades de relacionamento, essenciais para o trabalho colaborativo e a resolução de conflitos durante os debates, alcançaram uma média de 3,67. Por fim, a tomada de decisão responsável, que exige julgamento ético e ponderação de consequências, também foi
reconhecida, com média de 3,84. Esses resultados quantitativos reforçam os achados da literatura científica (Raymond & Usherwood, 2020; CASEL, 2023; Machado et al., 2021), que apontam as simulações como instrumentos eficazes para o fortalecimento das competências emocionais e sociais no contexto escolar. A pesquisa aplicada, portanto, não pretende validar a relevância teórica do tema, mas sim, exemplificar os efeitos práticos e perceptíveis dessa metodologia no cotidiano dos estudantes.
3. CONCLUSÃO
Conforme discutido ao longo do artigo, as simulações da ONU podem configurar ambientes ricos e desafiadores, propícios para o desenvolvimento de diversas competências socioemocionais. Essas atividades, possuem a capacidade de oferecer aos estudantes a oportunidade de vivenciar situações que demandam habilidades cognitivas, favorecendo a construção de competências essenciais para sua formação pessoal e social. O exercício dessas competências em contextos simulados tem o potencial de
estimular aspectos fundamentais para o desenvolvimento integral dos estudantes. Ao envolver os participantes em processos de diálogo e resolução de conflitos, as simulações são capazes de ampliar uma percepção sobre diferentes perspectivas e incentivam a reflexão crítica sobre temas complexos, o que contribui para uma aprendizagem mais significativa.
Ademais, a incorporação dessas práticas pedagógicas ao cotidiano escolar configura-se como uma estratégia potencial para promover uma educação que transcende a mera transmissão de conteúdos tradicionais, favorecendo uma formação mais integrada e condizente com as exigências do mundo contemporâneo. A interação dinâmica e o engajamento proporcionados por tais eventos não apenas têm potencial de ampliar o repertório de conhecimentos, como também são capazes de encorajar a aplicação desses conceitos em contextos reais, com o intuito de contribuir para o fortalecimento do desenvolvimento socioemocional dos estudantes. Por essa ótica, as instituições de ensino tendem a assumir um papel central como espaço de experimentação e
inovação, capaz de articular saberes cognitivos e socioemocionais de forma complementar.
Diante dos benefícios apresentados, a adoção das simulações da ONU pelas instituições de ensino surge como uma oportunidade para ampliar as metodologias pedagógicas e contribuir para a formação de indivíduos mais preparados para os desafios atuais. Incorporar essas experiências no ambiente escolar pode promover uma educação mais participativa, crítica e conectada às necessidades sociais, favorecendo o crescimento acadêmico e pessoal dos estudantes.
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06.
A
diferença do tempo de absorção dos macronutrientes e estratégias para desenvolver melhor hipertrofia muscular nos treinos
de musculação
Gabriela Guerra Micali, Gabriela Vieira Araújo, Isabela Lúcio de Oliveira e João Victor dos Santos Silva
O aumento do interesse pela musculação nem sempre é acompanhado pelo conhecimento nutricional necessário para otimizar o desempenho e a hipertrofia, sendo frequente o uso de dietas restritivas e o consumo de ultraprocessados, que prejudicam a saúde e os resultados estéticos. Este artigo analisa como a digestão, a metabolização e o timing de ingestão dos macronutrientes influenciam o ganho de massa magra, relacionando aspectos fisiológicos à prática esportiva. Verificou-se que os carboidratos são a principal fonte energética durante o exercício, e que opções complexas no pré-treino estabilizam a glicemia e melhoram o rendimento. As proteínas, ao fornecer aminoácidos que ativam a via mTOR, são essenciais para a síntese proteica e devem ser ingeridas em quantidade adequada. Os lipídios atuam como reserva energética conforme a intensidade do esforço, segundo o modelo crossover. Estratégias de timing, como consumir carboidratos complexos e proteínas antes do treino, seguidas de proteínas de rápida absorção e carboidratos de alto índice glicêmico no pós-treino, favorecem a recuperação e a hipertrofia. Conclui-se que dietas equilibradas e individualizadas, aliadas ao timing adequado, promovem melhor desempenho, ganho de massa magra e saúde geral.
1. INTRODUÇÃO
A busca por um estilo de vida saudável tem ascendido entre a sociedade do século XXI. Como prova disso, foi observado um aumento no interesse de adultos nos Estados Unidos em manter uma dieta equilibrada e uma rotina de exercícios físicos regulares (Shan, 2023). Além disso, em redes sociais como Instagram e WhatsApp, verificou-se que grande parte dos usuários seguem perfis que divulgam informações sobre alimentação, o que pode demonstrar preocupação das pessoas em adquirir bons hábitos (Cazal, 2017).
Entretanto, no Brasil, a disseminação de falsas informações de nutrição na internet, impulsionada por indivíduos sem formação superior, agrava e dificulta o conhecimento, sobretudo por parte dos jovens, sobre os alimentos que consomem (Rodrigues et al., 2006). Nesse contexto, o aumento de contratações de nutricionistas por municípios brasileiros decorre da busca por informação fiável no que concerne à segurança alimentar e à atenção dietética (Vasconcelos, Sousa & Santos, 2015).
Paradoxalmente, o consumo de alimentos ultraprocessados tem aumentado (Monteiro et al., 2019), despertando preocupações não apenas em relação à saúde física, mas também à saúde mental (Monteiro et al., 2019; Jacka et al, 2017), pois esses produtos, caracterizados por serem ricos em açúcares, gorduras saturadas e
conservantes, são amplamente associados ao desenvolvimento de doenças crônicas, como obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão (Monteiro et al., 2019).
Já quanto ao aprimoramento da alimentação, suplementos com proteínas e aminoácidos são procurados, sobretudo por atletas e esportistas, como forma de aumentar o valor biológico das proteínas da refeição e também por seus efeitos anticatabólicos e anabólicos, que impedem a degradação muscular (Rev Bras Med Esporte, 2012).
Além disso, pesquisas mostram que pessoas apresentam menos fome e maior saciedade após a ingestão de proteína em comparação com a ingestão de carboidrato e gordura (Crovetti et al., 1998). Tendo em vista esses dados, entender como cada macronutriente atua no organismo é necessário para desenvolver estratégias que promovam benefícios musculares ao indivíduo.
No entanto, a adoção de uma dieta regrada e supervisionada por profissionais de nutrição é, muitas vezes, uma realidade inacessível para o público que não está inserido, por exemplo, no contexto esportivo de alto rendimento, com altas cargas de treinos, exigências físicas extremas, calendário competitivo intenso e monitoramento nutricional rigoroso (Gomes & Silva, 2020). Restrições como a exclusão de doces, bebidas alcoólicas e alimentos ultraprocessados são
comuns nesse universo caracterizado pela proura de um padrão de beleza específico (Silva, Oliveira & Mendes, 2022). Entretanto, essas escolhas, embora fundamentais para resultados expressivos, envolvem renúncias que impactam não apenas o corpo, mas também a mente desses indivíduos (Coutinho, Andrade & Lopes, 2021).
Este trabalho tem como objetivo analisar os efeitos desses comportamentos alimentares na saúde física e mental, com foco nas consequências metabólicas e nutricionais. De forma específica, pretende-se compreender como ocorrem a absorção e a metabolização dos diferentes macronutrientes e de que forma o timing nutricional pode influenciar a hipertrofia muscular.
2. DESENVOLVIMENTO
Diante da ascensão no interesse da sociedade mundial em praticar musculação, (Bennie, J. A., Shakespear-Druery, J., & De Cocker, K., 2020) a falta de conhecimento nutricional, constatada por crenças de dietas rígidas (Silva, Oliveira & Mendes, 2022) e pela ingestão frequente de ultraprocessados entre o público jovem (Monteiro et al., 2019) se torna um obstáculo, sobretudo, na procura de resultados estéticos. Desse modo, faz-se necessária uma análise a respeito dessas dificuldades e de como elas impactam o progresso de um indivíduo.
Diante disso, serão abordados no presente artigo os processos de digestão e metabolização dos macronutrientes (carboidrato, proteína e gordura), além de estratégias alimentares aliadas ao timing nutricional para otimizar os resultados musculares.
A digestão dos carboidratos inicia-se na boca com a ação da amilase salivar, que quebra parcialmente o amido (um tipo de carboidrato complexo) em maltose, maltotriose e dextrinas (dissacarídeos). No intestino delgado, a amilase pancreática continua a digestão, e as enzimas da borda em escova, conhecidas por dissacaridases (maltase, lactase e sacarase), convertem os dissacarídeos em formas absorvíveis, monossacarídeos. A glicose, a galactose e a frutose (monossacarídeos) são absorvidas pelos enterócitos e transportadas para a corrente sanguínea. Por fim, esses açúcares migram para o fígado pelo sistema porta-hepático, no qual a glicose pode ser usada como energia ou armazenada como glicogênio (SANIOTO, S. M. L, 2016).
A digestão das proteínas começa no estômago com a ação da pepsina, que quebra as proteínas em polipeptídeos. No intestino delgado, as enzimas do suco pancreático (proteolíticas), como tripsina e quimotripsina, continuam a quebra dos polipeptídeos em peptídeos menores e aminoácidos. As enzimas da borda em escova (na parede do
intestino) finalizam essa digestão, formando aminoácidos livres, dipeptídeos e tripeptídeos. Os aminoácidos livres são então absorvidos pelos enterócitos e entram nos capilares sanguíneos do intestino. Por fim, seguem pela veia porta-hepática até o fígado, onde serão usados ou distribuídos para os tecidos, incluindo os músculos (Freeman, Hugh J., Young S. Kim e Marvin H. Sleisenger, 1979).
O primeiro estágio de absorção dos lipídios é a emulsificação, iniciada no intestino delgado. Nessa etapa, sais biliares, produzidos no fígado, transformam grandes gotículas de gordura em micelas menores, aumentando a área de ação enzimática. Em seguida, a lipase pancreática, enzima produzida nas células acinares do pâncreas exócrino, quebra os triacilgliceróis, adicionalmente, com auxílio da enzima colipase. Essa ação dá origem aos ácidos graxos livres e aos monoacilglicerois, que por sua vez se incorporam nas micelas hidrossolúveis, as quais transportam lipídios até a borda em escova dos enterócitos. Dentro dos enterócitos, os ácidos graxos e monoglicerídeos são reesterificados para formar novamente triacilglicerois. Posteriormente, os lipídios reesterificados se associam a apolipoproteínas para formar quilomícrons -partículas lipoproteicas grandes que entram na circulação linfática-. Por último, os quilomícrons são transportados pelo sistema linfático até o ducto torácico,
que os desvincula na circulação sanguínea, e, posteriormente, aos tecidos musculares (Sant, Léa Silvia, 2004).
2.1 Efeitos metabólicos dos macronutrientes
Em face da descrição acima, referente à absorção dos carboidratos, entender o conceito de índice glicêmico é fundamental para uma análise das estratégias alimentares. O índice glicêmico é a referência qualitativa para a habilidade de um carboidrato em elevar os níveis glicêmicos no sangue (Siu PM, Wong SH, 2004).
Os carboidratos simples e de alto índice glicêmico são rapidamente absorvidos e elevam os níveis de glicose na corrente sanguínea entre os 5 e 10 minutos após a ingestão (Sapata, K. B., Fayh, A. P. T., & Oliveira, A. R. D. 2006).
Consequentemente, a liberação imediata de insulina para estabilizar a glicemia no sangue gera queda abrupta da glicose dentro de 20 minutos após a ingestão (MarmyConus et al, 1996), episódio nomeado “pico glicêmico”. Esse evento acarreta uma hipoglicemia de rebote, o que ocasiona fadiga precoce, tontura ou redução do desempenho. Sendo assim, a hipoglicemia próxima a um exercício, como musculação, pode provocar uma menor disponibilidade de energia imediata, além do uso do glicogênio muscular e consequente catabolismo de proteínas (Sapata, K. B., Fayh, A. P. T., & Oliveira, A. R. D. 2006).
Por sua vez, os carboidratos de alto índice glicêmico, mas complexos (cadeias longas, polímeros de glicose), como a maltodextrina, têm a capacidade de transportar a glicose para a corrente sanguínea de forma mais lenta e demorada. Uma refeição com carboidrato complexo e de alto índice glicêmico consumida 45 minutos antes do exercício, segundo estudo de Kirwan et al.(31), provocou o aumento da glicemia após 30 minutos. Subsequentemente, houve diminuição na glicemia até o final do teste, resultando em uma estabilização dos níveis glicêmicos (Sapata, K. B., Fayh, A. P. T., & Oliveira, A. R. D. 2006). Entretanto, em ambos os casos, o alto índice glicêmico dos carboidratos permite o aumento na utilização de CHO (carboidrato) durante o exercício (Febbraio MA, Keenan J, Angus DJ, Campbell SE, Garnham AP, 2000)(Foster C, Costill DL, Fink WJ, 1979).
A metabolização das proteínas inicia-se na digestão e na absorção dos aminoácidos, como já abordado anteriormente neste artigo. Depois disso, para que a proteína ingerida seja utilizada pelos músculos ocorre a síntese proteica muscular, que conta com o papel da leucina, um aminoácido essencial de cadeia ramificada. Nesse processo, a leucina contribui na ativação via mTOR, uma das principais vias de
1 trabalhos científicos que usaram isótopos para monitorar processos
sinalização para crescimento muscular. Contudo, para que haja reparação e crescimento muscular, é necessária a presença adequada desse aminoácido na dieta do indivíduo praticante de musculação, para a maximização da SPM após o exercício (Paes, Santiago Tavares, 2016). No treinamento de musculação, por exemplo, com o estímulo da SPM e da ingestão adequada de 1,5g de proteína/kg/dia, é possível potencializar esse efeito, como demonstrado por evidências de estudos com marcadores isotópicos1. A partir desses dados, afirma-se que a eficiência da proteína na síntese muscular é reforçada pela faixa apropriada de consumo, e não necessariamente por altas doses (Maestá, Nailza, et al, 2008).
Na metabolização de lipídios e seu papel para o desenvolvimento muscular, é necessário compreender como o modelo de “crossover” funciona no organismo. Pode-se inferir, a partir desse modelo, como o corpo prioriza a utilização de carboidratos ou lipídios conforme a intensidade da atividade física (Noland, Robert C, 2025). Em exercícios de baixa a média intensidade, os lipídios são a fonte energética, enquanto em exercícios de alta intensidade, os carboidratos têm essa função (Noland, Robert C, 2025). Para que os lipídios possam ser utilizados como energia, ocorre
biológicos e químicos no corpo (Maestá, Nailza, et al, 2008)
dentro da mitocôndria o processo de oxidação: os ácidos graxos são quebrados em unidades de acetilCoA, liberando NADH e FADH₂, que geram ATP na cadeia respiratória (de Freitas, Ellen Crisitini, et al, 2012).
Em indivíduos que praticam musculação regularmente, a oxidação de lipídios é mais eficiente, devido à maior densidade mitocondrial e maior expressão de enzimas relacionadas à betaoxidação (de Freitas, Ellen Crisitini, et al, 2012). Nesse contexto, durante esforços prolongados ou de baixa a moderada intensidade, a mobilização de ácidos graxos dos tecidos adiposos - tecido conjuntivo que armazena energia em forma de triglicerídeos - aumenta para o músculo esquelético (de Freitas, Ellen Crisitini, et al, 2012). Além disso, o treinamento físico reduz a dependência exclusiva dos carboidratos como fonte de energia, melhorando a capacidade do organismo de usar gordura para essa finalidade. Tendo por fim a otimização da gordura como reserva energética, a ingestão diária desse macronutriente deve beirar 1g por kg/peso corporal (SANTOS, Marcela Oliveira; VIEIRA, Thayná Kelly da Silva, 2023).
2.2 . Timing nutricional: quando ingerir cada macronutriente
Visando ao desenvolvimento da fibra muscular, são necessárias, em uma janela de 1 a 2 horas antes da atividade física de musculação, algumas estratégias de alimentação. Nesse contexto, recomenda-se o
consumo de 20 a 40g de proteína advindas de fontes magras - baixo teor de gordura - (KERKSICK, Chad M. et al, 2017) para que a síntese proteica muscular (MPS) seja estimulada (Brooke R Stephens, Barry Braun, 2008), além do uso de whey para melhorar a entrega de aminoácidos para o músculo e prevenir o catabolismo muscular durante o treino - uso de proteínas musculares para obter energia - (STECKER, Ryan A. et al, 2019).
A ingestão de carboidratos pré-treino favorece a capacidade de fornecimento de substrato energético e de preservação do glicogênio muscular (Brooke R Stephens, Barry Braun, 2008), sendo os considerados complexos os mais indicados devido sua habilidade em manter a glicemia estável e, consequentemente e em prevenir a fadiga resultante de um pico glicêmico causado por carboidratos simples, de rápida absorção (KERKSICK, Chad M. et al, 2017). Em relação aos lipídios, devido a sua lenta absorção pelo organismo, é recomendado o consumo de fontes saudáveis de lipídio cerca de 2 a 3 horas antes do treino para minimizar o risco a ocorrência de desconforto gastrointestinal (ORMSBEE, Michael J.; BACH, Christopher W.; BAUR, Daniel A, 2014). Apesar dessa ressalva, seu consumo continua benéfico antes de um treino de força, pois permite seu destino à síntese proteica, além de prevenir a fadiga e garantir melhor desempenho durante a atividade (SANTOS,
Marcela Oliveira; VIEIRA, Thayná Kelly da Silva, 2023).
Assim como antes do exercício, é importante a escolha correta de macronutrientes a serem consumidos até 2 horas após o treino devido a necessidade fisiológica de recuperar os músculos e proporcionar, assim, a hipertrofia muscular. Em vista disso, aponta-se o consumo de 20 a 40g de proteína rica em leucina (KERKSICK, Chad M. et al, 2017), além da suplementação com whey protein logo após o treino (STECKER, Ryan A. et al, 2019), medidas que maximizam a síntese proteica muscular (Brooke R Stephens, Barry Braun, 2008). A ingestão imediata de carboidratos após o treino contribui significativamente para o aumento da taxa de ressíntese de glicogênio muscular perdido durante o exercício. Visando essa reposição, recomendam-se os carboidratos de alto índice glicêmico como os mais estratégicos no pós-treino (MORAIS; SILVA; MACEDO, 2014) devido à liberação da insulina, que potencializará respostas hormonais de GH e testosterona que contribuem no processo de ganho de massa magra (SOUZA JÚNIOR; LOPES, 2008). As bananas maduras são uma fonte recomendada de carboidrato de alto índice glicêmico e de potássio, a fim de auxiliar na prevenção de cãibras musculares por proporcionar aumento na capacidade antioxidante e dopamina sérica, favorecendo a recuperação e a função imunológica (Nieman DC, et al, 2010). Em relação ao consumo
de lipídios, a sugestão é que não sejam consumidos em grandes quantidades após o treino, pois podem retardar a absorção das proteínas e carboidratos, afetar a recuperação muscular (KERKSICK, Chad M. et al, 2017). No entanto, fontes de gordura ricas em ácidos graxos ômega-3, como peixes gordurosos, a exemplo do salmão, atum, sardinha e arenque são apontadas como benéficas para a redução da inflamação e melhora da saúde cardiovascular do praticante de atividade física (SANTOS, Marcela Oliveira; VIEIRA, Thayná Kelly da Silva, 2023).
Tendo como um dos objetivos do presente artigo a divulgação de estratégias alimentares, é fundamental destacar a função multifacetada da alimentação de modo que, além de fornecer energia para os treinos, ela participa diretamente da recuperação muscular, da regulação hormonal, da imunidade e até mesmo da qualidade do sono dos indivíduos (Coutinho et al., 2021). Por isso, o acompanhamento nutricional deve ser personalizado, considerando as características fisiológicas, psicológicas e sociais de cada pessoa (Coutinho et al., 2021).
Por isso, restrições severas e inflexíveis a doces, bebidas alcoólicas e alimentos ultraprocessados podem assumir diversos fins, a exemplo do contexto esportivo de alto rendimento, nutricionalmente acompanhado por um profissional, que tem objetivos
referentes à competitividade e ao desempenho (Silva, J. M., Oliveira, R. C., & Mendes, T. F., 2022). De todo modo, essas restrições levam a um aumento da grelina (hormônio da fome) e redução dos hormônios da saciedade, como a leptina, o que aumenta a sensação de fome intensa e pode resultar em um descontrole fisiológico ou emocional referente a alimentação (SOIHET, Julie; SILVA, Aline David, 2019).
O excesso de controle alimentar, advindo de restrições alimentares, acarreta um ambiente psicológico de tensão, ansiedade e culpa diante de qualquer deslize alimentar, além de fadiga mental, a dificuldade de concentração e até desmotivação (Gomes, R. P., & Silva, L. C., 2020). Ademais, dietas excessivamente rígidas podem provocar compulsão alimentar, sobretudo com alimentos hiper palatáveis (alto teor de gordura, açúcar e sal) (SOIHET, Julie; SILVA, Aline David, 2019), em momentos de “escape”, nos quais o indivíduo busca uma recompensa rápida em situações de estresse ou após períodos de restrições severas, resultando em uma relação disfuncional com a comida (Gomes, R. P., & Silva, L. C., 2020). A ortorexia, por exemplo, é um distúrbio alimentar que é caracterizado pela obsessão patológica por comer apenas alimentos considerados "puros" ou "saudáveis" (Gomes, R. P., & Silva, L. C., 2020). Além disso, hábitos alimentares exageradamente rigorosos são dificilmente
sustentados a longo prazo e a falha ou deslize desses planos gera frustração, sentimento de fracasso e queda na autoestima (Gomes, R. P., & Silva, L. C., 2020).
2.3 Alimentos ultraprocessados e seu impacto no organismo
A partir dos processos digestivos e parâmetros alimentares abordados anteriormente, compreende-se que uma alimentação saudável e que utiliza o tempo de absorção e a metabolização de cada macronutriente de forma estratégica favorece o progresso em relação ao aumento da massa magra.
É evidente que o consumo de alimentos ultraprocessados -a exemplo de refrigerantes, salgadinhos, biscoitos recheados, macarrão instantâneo e pratos congelados- tem aumentado de forma expressiva (Mesas AE, et al, 2022). Contudo, alimentos de baixa qualidade nutricional como esses estão intrinsecamente associados ao desenvolvimento de doenças crônicas como obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão (Monteiro et al., 2019). Esses produtos são caracterizados como formulações industriais elaboradas principalmente a partir de substâncias extraídas de alimentos, como óleos, gorduras, açúcares, amidos e proteínas isoladas. Além disso, contêm aditivos químicos destinados a realçar sabor, aparência e aumentar a
durabilidade, exemplos incluem corantes, aromatizantes e conservantes (Monteiro et al., 2019).
Estudos de corte como o NutriNet-Santé (Adjibade, M., Julia, C., Allès, B. et al, 2019) mostraram que um aumento de 10% na proporção de alimentos ultraprocessados na dieta elevou em 21% o risco de surgimento de sintomas depressivos ao longo de 5,4 anos. De modo semelhante, o estudo SUN (Gómez-Donoso, C., Sánchez-Villegas, A., MartínezGonzález, MA et al, 2020) identificou uma ligação entre consumo elevado de ultraprocessados e maior incidência de depressão.
Devido ao fato dos alimentos ultraprocessados serem pobres em nutrientes essenciais, como vitaminas do complexo B, magnésio, zinco e aminoácidos, como o triptofano (precursor da serotonina), observa-se uma baixa oferta de matérias-primas que o cérebro precisa para produzir serotonina e outros neurotransmissores relacionados ao humor (Jacka et al., 2017). Dessa forma, alterações na disponibilidade desses neurotransmissores podem contribuir para o surgimento de sintomas como irritabilidade, tristeza, ansiedade e, em casos mais graves, depressão (Jacka et al., 2017).
Nesse contexto, uma alimentação pobre em nutrientes e rica em aditivos artificiais pode favorecer processos inflamatórios
sistêmicos, causados pelo desvio do triptofano para a produção de metabólitos inflamatórios (Khalid et al., 2016; O’Neil et al., 2014). Além disso, alimentos ultraprocessados podem causar desequilíbrios no eixo intestino-cérebro - sistema de comunicação bidirecional entre o trato gastrointestinal e o sistema nervoso central, responsável pela regulação do humor, cognição e respostas emocionais (Khalid et al., 2016; O’Neil et al., 2014). Nesse caso, os desequilíbrios ocorrem porque sistema gastrointestinal é responsável por cerca de 90% da produção de serotonina, e a disbiose intestinal, provocada pelo consumo frequente de ultraprocessados, reduz a produção de metabólitos benéficos, como os ácidos graxos de cadeia curta, que têm efeito antiinflamatório e protetor neuronal (Khalid et al., 2016; O’Neil et al., 2014).
3 CONCLUSÃO
Este artigo teve como objetivo analisar como a digestão, a metabolização e o timing de ingestão de cada um dos macronutrientes influencia no ganho de massa muscular, isto é, hipertrofia. Para isso, foram discutidos os processos digestivos e metabólicos de cada um dos macronutrientes, tal como os impactos de uma alimentação restrita ou rica de ultraprocessados na saúde física e mental do indivíduo.
Foi evidenciado que o momento da ingestão de cada nutriente pode se tornar um aliado ou inimigo da performance no treino de musculação. Em relação aos carboidratos, a glicose produzida pelo processo digestivo pode ser usada como energia cerca de 1 a 2 horas após seu consumo ou armazenada em forma de glicogênio. Carboidratos do tipo simples e de alto índice glicêmico, devido ao risco de provocar picos de insulina no organismo e após, fadiga, não são recomendados a serem ingeridos em menos de 1 hora antes do treino de musculação. No entanto, o consumo de carboidratos complexos é apontado como estratégico para um melhor desempenho físico em vista da condução mais lenta da glicose para o sangue, mantendo a glicemia estável.
A digestão das proteínasiniciada no estômago e prosseguida pelo intestino delgado e fígadoresulta na formação de aminoácidos que são distribuídos aos músculos e participam da síntese proteica muscular. Devido sua importância no processo de SPM, recomenda-se a ingestão de cerca de 1,5 g de proteína/kg/dia, sobretudo através de fontes que são ricas em leucinaaminoácido que ativa a via mTOR, reguladora do crescimento muscular-. Contudo, a janela nutricional é um fator importante na absorção devida desse macronutriente, sendo aconselhado sua ingestão 1 a 2 horas antes do treino, além da suplementação com whey protein logo após. Nesse caso,
a quantidade de 20 a 40 g de proteína antes -sendo ela magra- e depois da atividade mostra-se eficiente para o estímulo da SPM e preparo dos músculos para a musculação, tal como para a recuperação muscular e consequente hipertrofia muscular.
Os ácidos graxos formados pelo processo digestivo dos lipídeos, originam, através da ação de enzimas, triacilgliceróis, que posteriormente serão convertidos em quilomícrons e transportados aos músculos. De acordo com o modelo de “crossover”, o corpo utiliza lipídios ou carboidratos como fonte de energia conforme a intensidade do exercício, sendo os lipídios predominantes em esforços de baixa a média intensidade. O treinamento físico aumenta a eficiência da oxidação de gorduras e reduz a dependência de carboidratos, indicando uma ingestão diária de cerca de 1 g de lipídios por kg de peso corporal para otimizar sua função como reserva energética. No que diz respeito ao momento ideal do consumo deste macronutriente, imediatamente após o treino não é recomendado, devido à retardação da absorção dos carboidratos e proteínas. Entretanto, a ingestão regular de alimentos ricos em ácidos graxos ômega-3 é indicada aos praticantes de musculação por conta de seus efeitos anti-inflamatórios e benéficos à saúde do coração, o que contribui para um melhor desempenho do indivíduo.
Uma alimentação equilibrada, planejada de acordo com o tempo de absorção e metabolização dos macronutrientes, favorece diretamente o aumento de massa magra e a saúde geral do organismo. No entanto, observa-se que o consumo de alimentos ultraprocessados, como refrigerantes, salgadinhos e pratos prontos, tem crescido de forma preocupante, em vista de sua associação a doenças crônicas como obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão. Esses produtos, pobres em nutrientes essenciais e ricos em aditivos químicos, comprometem a produção de neurotransmissores ligados ao humor, favorecem processos inflamatórios sistêmicos e causam desequilíbrios no eixo intestino-cérebro, aumentando o risco de sintomas depressivos. Assim, nota-se que padrões alimentares baseados em ultraprocessados prejudicam não apenas a saúde física, mas também o bem-estar mental, o que reforça a importância de escolhas alimentares mais naturais e ricas nutricionalmente em prol dos benefícios fisiológicos e mentais dos indivíduos.
No esporte de alto rendimento, restrições alimentares severas são aplicadas tendo por finalidade o maior desempenho do atleta. Contudo, dietas muito restritivas aumentam a grelina (hormônio da fome) e reduzem a leptina (hormônio da saciedade), intensificando a sensação de fome, podendo assim, desencadear
descontrole alimentar e até episódios de compulsão, especialmente por alimentos hiper palatáveis em momentos de estresse. Além desse distúrbio alimentar, quadros de ortorexia, tensão, ansiedade, culpa diante de deslizes, fadiga mental, dificuldade de concentração e desmotivação são comuns nesses espaços de competitividade.
Por isso, a individualização da dieta, tal como sua elaboração de forma saudável, rica em alimentos naturais e, mesmo assim, sem restrições são requisitos para que, antes de iniciar seu processo de ganho de músculos, o indivíduo que almeja isso tenha um plano alimentar a seguir. Dessa forma, a próxima etapa é o manejo e conhecimento a respeito do timing de ingestão dos nutrientes, tendo em vista seus processos digestivos e metabólicos. Portanto, tendo como objetivo a hipertrofia muscular, fatores fisiológicos individuais atrelados a estratégias de momento de ingestão de cada macronutriente e o conhecimento relativamente à importância da escolha consciente e nutritiva dos alimentos tal como às consequências de uma restrição alimentar são necessários em prol desse propósito.
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07.
Avaliação do método BLIAR: possível abordagem não invasiva para detecção precoce de Alzheimer via biomarcadores
Beatriz Calabria e Mariana Parussolo
O estudo avalia o potencial diagnóstico da técnica BLIAR (Bioluminescence Imaging of Amyloid Reservoirs) como ferramenta de detecção precoce da Doença de Alzheimer (DA), considerando o acelerado envelhecimento populacional brasileiro. A fase pré-clínica da DA caracteriza-se pelo acúmulo progressivo e assintomático de depósitos de beta-amiloide (Aβ), antecedendo em até duas décadas a manifestação clínica, o que demanda métodos de alta sensibilidade para diagnóstico antecipado. As técnicas convencionais, como PET/CT e análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), apresentam limitações operacionais, alto custo e baixa acessibilidade. O BLIAR propõe uma abordagem óptica não invasiva, baseada no uso de AkaLumine-HCL, um análogo de luciferina que, ao se ligar às placas Aβ e reagir com a luciferase, emite radiação no infravermelho próximo (NIR), possibilitando a detecção de baixas concentrações de Aβ (0.5 ng). Estudos pré-clínicos demonstraram sua capacidade em identificar placas difusas associadas à fase inicial da DA, favorecendo a aplicação de imunoterapias precoces e monitoramento longitudinal. Devido à portabilidade, custo reduzido e aplicabilidade populacional, o BLIAR apresenta-se como uma opção para o sistema público de saúde, com potencial de otimizar diagnósticos, reduzir custos e minimizar impactos socioeconômicos da DA no Brasil.
INTRODUÇÃO
A Doença de Alzheimer (DA), de acordo com a definição bioquímica, é um transtorno neurodegenerativo, possivelmente caracterizado pelo acúmulo progressivo de placas betaamiloide (Aβ), que são depósitos de fragmentos de proteínas amiloides nos tecidos cerebrais (SILVA: 2020), as quais prejudicam a comunicação neuronal e causam o agravamento da doença com o avanço do tempo. Diante da detecção precoce desses agregados, intervenções terapêuticas tendem a ter maior eficácia quando iniciadas na fase pré-clínica, ou seja, antes do surgimento de sintomas graves (SCHILLING: 2021). Ao considerar o envelhecimento populacional brasileiro, - no qual a população idosa, em um período de 10 anos, cresceu de forma exponencial (IBGE: 2022)(KANSO: 2022)estima-se que o número de casos de DA aumente progressivamente nas próximas décadas, o que reforça a necessidade de métodos diagnósticos ágeis e precisos (MATANÓ: 2023).
Diante disso, o método BLIAR (Bioluminescence Imaging of Amyloid Reservoirs) surge como uma abordagem que utiliza a AkaLumine-HCL, um análogo da luciferina de vagalume, o qual, ao reagir com a enzima luciferase, emite energia luminosa no infravermelho próximo (NIR) (ONO: 2021), o que permite o monitoramento dos níveis de Aβ, e, possivelmente, o diagnóstico do
Alzheimer em seus estágios iniciais. Há indícios de que as placas Aβ começam a se acumular anos antes dos primeiros sintomas da DA (SCHILLING: 2021), destacando a necessidade de métodos sensíveis, como o BLIAR, para sua identificação precoce (MATANÓ: 2023). Além disso, com o cenário de envelhecimento populacional, o Alzheimer se tornará um desafio ainda maior para os sistemas de saúde, o que exigirá novas estratégias de detecção precoce e monitoramento contínuo para a redução dos custos e a melhora na eficácia de tratamentos precoces (MATANÓ: 2023).
Nesse contexto, o BLIAR possivelmente seria capaz de superar as limitações das técnicas atuais, como a PET/CT, que possui um alto custo e uma baixa disponibilidade (SILVA: 2020), na quantificação das placas Aβ in vivo de forma mais acessível, precisa e menos invasiva. A hipótese estudada sugere que o AkaLumine-HCL se liga temporariamente aos depósitos de Aβ, atuando como um reservatório que libera gradualmente o composto e modula a emissão de luz (YANG: 2022). Essa dinâmica foi confirmada em um experimento realizado com camundongos (YANG: 2022), nos quais a bioluminescência, inicialmente reduzida na presença de Aβ, superou o grupo controle em estágios mais avançados, demonstrando, assim, a capacidade do BLIAR de atravessar a barreira hematoencefálica (BBB) e monitorar a progressão da amiloidose.
E este estudo, pautado em uma revisão bibliográfica, tem o intuito de avaliar a eficácia do método BLIAR no pré-diagnóstico da doença neurodegenerativa Alzheimer, ponderando, também, os desafios da aplicação clínica desta metodologia.
2. DESENVOLVIMENTO
O envelhecimento populacional é um fenômeno de amplitude mundial, ocasionado pela diminuição das taxas de fecundidade e mortalidade, assim como pela melhora das condições de vida, fatores que resultam no aumento da expectativa de vida (ALCÂNTARA: 1987). No âmbito brasileiro, a proporção de pessoas com mais de sessenta anos cresceu de 11,3% para 14,7% da população total em um período de 10 anos (IBGE: 2022)(KANSO: 2022). De acordo com o apresentado por GBD 2022, esse cenário permite projetar uma tendência de aumento de 200% dos casos da Doença de Alzheimer (DA) até 2050. Essa estimativa se dá pelo fato de que a enfermidade é mais rara antes dos 65 anos, e de que, após essa faixa etária, as chances de ocorrência da DA tendem a dobrar a cada cinco anos (SPERLING: 2011). Diante disso, o envelhecimento da população nacional pode ser considerado um desafio socioeconômico, visto que pode pressionar o sistema de saúde e exigir, não apenas novas formas de tratamento para DA, mas também novas formas de diagnóstico, mais
rápidas e precisas. (CAMPOS: 2020/ KIPPER:2022)
Os métodos disponíveis para o diagnóstico da DA apresentam adversidades que, em larga escala, afetam sua eficácia. Em um cenário de envelhecimento populacional, como a demanda tende a aumentar, é necessário métodos capazes de transpor as dificuldades técnicas atuais. Atualmente, um dos principais métodos de diagnóstico no mercado é a Tomografia por Emissão de Pósitrons, que utiliza o radiotraçador, florbetapir, marcado com flúor - 18 (¹⁸F). Após a sua aplicação intravenosa, o radiotraçador ultrapassa a barreira hematoencefálica (BBB) e se adjunta aos depósitos de fragmentos de proteína amiloide. As imagens na técnica PET/CT se dão através do processo de decaimento radioativo, que refere-se à liberação de partículas radioativas por um núcleo atômico instável, o qual busca justamente a estabilização. O decaimento do ¹⁸F, por sua vez, envolve a emissão de pósitrons que são usados para as fotografias que quantificam as placas beta (Aβ) amiloides (KLUNK:2004). Devido à rápida meia-vida do flúor-18 (cerca de apenas 110 minutos), esse método exige uma rápida produção e transporte, além de exigir infraestrutura e conhecimento nuclear, ocasionando em um alto custo e acessibilidade limitada, especialmente em regiões mais remotas e carentes (RIBEIRO: 2020/ MATANÓ: 2023). Além da PET/CT, outra técnica comumente utilizada é
a análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), que é o fluido que envolve o cérebro e a medula espinhal. Seu estudo pode ajudar no diagnóstico de diversas condições neurológicas, incluindo o Alzheimer, visto que é possível medir os níveis de Aβ. No entanto, esse procedimento demanda a chamada punção lombar, também conhecida como punção espinhal, que é invasiva e dolorosa. (TAPIA: 2019)
Essas limitações levam a diagnósticos tardios, diminuindo a janela de intervenção pré-clínica. Diante dessa problemática, a técnica de BLIAR (Bioluminescence Imaging of Amyloid Reservoirs) surge como uma possibilidade. O método utiliza do análogo da luciferina do vagalume, o AkaLumine-HCL, que ao interagir com as placas betaamiloides, emite luz no espectro infravermelho próximo (NIR). Com essa técnica, pode-se identificar cargas proteicas tão baixas quanto 0.5 ng, capacidade de captação proteica superior à alcançada pelo método PET/CT (YANG: 2022). Por conta dessa alta sensibilidade, o BLIAR permite a identificação da DA até 20 anos antes do aparecimento dos sintomas, na chamada fase préclínica, o que possibilita intervenções clínicas precoces, como, por exemplo, as imunoterapias, tornando os tratamentos mais eficientes (VAN DYCK: 2023). Somado a isso, por não ser um processo invasivo, como a análise do LCR, por dispensar os radiofármacos necessários na PET/CT e por apresentar custo
consideravelmente mais baixo do que ambas técnicas, permite um monitoramento mais constante e facilitado da DA, até mesmo em regiões geograficamente mais remotas (KUCHIMARU: 2018).
2.1. Caracterização da doença de Alzheimer
A doença de Alzheimer (DA) é uma doença neurológica, ou seja, afeta o sistema nervoso. A enfermidade, que afeta progressivamente regiões cerebrais específicas, tem início no córtex entorrinal e no hipocampo, onde causa lapsos de memória. Com o desenvolvimento, avança para o córtex de associação, prejudicando a linguagem e o raciocínio, e, no estado mais avançado, atinge áreas difusas, deteriorando assim, o controle motor do paciente (JACK: 2010/ THAL: 2006). Diante disso, aqueles que a possuem, apresentam, como sintomas iniciais, episódios de perda de memória recente, desorientação e dificuldades linguísticas. Esses indícios clínicos, por sua vez, evoluem juntamente a DA e passam a comprometer o funcionamento tanto executivo quanto comportamental do paciente.
E em sua chamada fase préclínica, a qual ocorre até duas décadas antes do diagnóstico clínico, é um processo assintomático, o que dificulta, na maioria dos casos, o diagnóstico precoce. Nesse período, ocorre o acúmulo silencioso de placas betaamiloides (Aβ), cuja aglomeração
progressiva, somado aos emaranhados neurofibrilares de Tau, ocasiona no agravamento da DA (SPERLING: 2011). Além da falta de sintomas na fase latente, sua detecção precoce ainda é dificultada pela barreira hematoencefálica (BBB), uma estrutura endotelial que, devido a sua alta impermeabilidade, impede a passagem de marcadores (BANKS: 2016), e pela distribuição heterogênea das placas senis. (THAL: 2006).
As placas Aβ são agregados extracelulares compostos principalmente pelo peptídeo Aβ42, que é gerado especialmente pela clivagem sequencial da proteína precursora amiloide (APP), ou seja, é um fragmento proteico. O processo de formação das placas betaamiloides, logo se inicia com a produção excessiva de peptídeos Aβ, resultante dessa proteólise anormal da APP pelas enzimas β e γ- secretase (HAASS & SELKOE: 2007).
No estágio inicial da doença, os monômeros de Aβ42 agregam-se em oligômeros solúveis, que são estruturas pequenas, porém altamente tóxicas que danificam as sinapses, interferindo, assim, na comunicação neuronal. Esses oligômeros tendem a ser mais neurotóxicos que as placas de Aβ maduras, visto que alteram a permeabilidade das membranas celulares e desencadeiam reações inflamatórias no cérebro através da ativação dos tipos de células microglia e astrócitos (SERENIKI &
VITAL: 2008). Com o tempo, os oligômeros sofrem mudanças e se reorganizam em protofibrilas, que posteriormente se tornam fibrilas insolúveis, que se acumulam no espaço extracelular e formam núcleos densos que atraem componentes como metais e proteínas de fase aguda (PFA) consolidando, assim, as placas betaamiloides, também conhecidas como placas senis (HAASS & SELKOE: 2007).
O processo de formação complexo resulta em uma heterogeneidade química nos diferentes estágios da doença e é, por isso, um dos principais obstáculos ao pré- diagnóstico da DA. Em sua fase pré-clínica, as placas predominantes são difusas e compostas por Aβ42 não fibrilar, basicamente uma forma solúvel e menos agregada do peptídeo. Essa composição, por sua vez, impede a detecção da doença pelos métodos tradicionais, como a PET/CT, visto que dependem da interação entre estruturas fibrilares compactas (mais agrupadas) (THAL: 2006). Além disso, a falta de sintomas nessa fase é resultado da baixa toxicidade das placas difusas, tanto que a identificação dos danos neurológicos mensuráveis tende a vir anos após o acúmulo silencioso dessas, juntamente ao aparecimento dos indícios clínicos da DA.
2.2. Método bioluminescence imaging of amyloid reservoirs
A técnica Bioluminescence Imaging of Amyloid Reservoirs (BLIAR), diferentemente das técnicas atuais, se destaca, nesse contexto, ao ser capaz de detectar placas senis, no estágio assintomático da doença, quando elas ainda não comprometeram as funções cognitivas (YANG: 2022). O método utiliza da molécula AkaLumine - HCL, um análogo da luciferina (molécula que emite luz ao sofrer oxidação) do vagalume, que ao se ligar às fibrilas Aβ do cérebro e reagir à enzima luciferase (enzima catalisadora do fenômeno), resulta em uma reação química chamada bioluminescência, a qual emite energia luminosa no infravermelho próximo (NIR) (YANG: 2022).
O exame se inicia com a injeção intravenosa de AkaLumineHCL, que, por conta de seu pequeno tamanho molecular, atravessa a barreira hematoencefálica e liga-se seletivamente às fibrilas Aβ, devido a sua estrutura química que é capaz de reconhecer as dobras características desses agregados proteicos. Após essa ligação o AkaLumine-HCL se vincula temporariamente às placas senis, formando uma espécie de “reservatório” que libera as moléculas do composto gradualmente. (YANG: 2022)
Essas moléculas, na presença da enzima luciferase, resultam em uma reação de oxidação análoga a realizada pelos vagalumes. Uma vez que o método, diferentemente do processo
realizado por esses besouros, atua sem a exigência de ATP, ou seja, combina o AkaLumine-HCL apenas com o oxigênio, e por isso há formação de uma molécula instável. Nesse contexto, para se estabilizar, esse conjunto de átomos libera energia luminosa no espectro de NIR, o qual alcança um comprimento de onda maior a 650 nm, enquanto o da luz amarelada emitida pelos besouros bioluminescentes é de aproximadamente 560 nm, viabilizando, assim, para o BLIAR, uma maior penetração tecidual com mínimas dispersões. (ONO: 2021/ KUCHIMARU: 2018)
Essa reação possibilita o mapeamento da distribuição e densidade das placas betaamiloides com uma alta sensibilidade, identificando concentações de até 0,5 ng de Aβ (YANG: 2022), ou seja, é capaz de detectar a presença desse peptídeo mesmo em concentrações extremamente baixas, permitindo, assim, um diagnóstico precoce da DA em sua fase pré-clínica, isto é, antes da doença começar a manifestar seus sintomas. Diante dessa característica, o BLIAR possibilita uma janela para o aumento de intervenções precoces, como o uso de anticorpos monoclonais ou moduladores de Aβ, tratamentos, por sua vez, capazes de retardar o progresso da doença de Alzheimer. (VAN DYCK: 2023)
Para comprovar sua validação e alta sensibilidade, testes realizados em modelos animais no
estudo “Reporting amyloid beta levels via bioluminescence imaging with amyloid reservoirs in Alzheimer’s disease models” de 2022, forneceram resultados que evidenciam uma correlação estatisticamente positiva entre o sinal luminescente e a carga amiloide medida post-mortem, mostrando um aumento progressivo do sinal em aproximadamente 300% nos camundongos transgênicos em comparação com o grupo controle. Este aumento se relaciona diretamente com a acumulação de placas amiloides, verificando que a técnica é capaz de monitorar a progressão da patologia. Esses testes ainda demonstraram a capacidade do composto AkaLumine-HCL de atravessar a barreira hematoencefálica e ligar-se especificamente aos depósitos de Aβ.
A técnica também apresenta vantagens como seu custo consideravelmente mais baixo, principalmente quando comparado com os demais métodos atuais, não ser um processo clínico invasivo, devido sua administração intravenosa, e sua portabilidade, que possibilita o alcance de áreas mais remotas, já que pode ser adaptado a dispositivos de imagem compactos. A BLIAR, além disso, demonstra vantagens no setor social, já que possibilita o rastreamento populacional, ou seja, a detectação precoce de sujeitos assintomáticos de risco aumentado para desenvolver a DA, como os portadores do alelo apolipoproteína
E ε4 (APOE ε4) (variante genética que aumenta até quinze vezes o risco do paciente manifestar a DA) (CORDER: 1993) ou indivíduos que possuem o Alzheimer no histórico familiar. Portanto, ao ser integrado a medidas clínicas, como protocolos de saúde preventiva, pode resultar na DA a longo prazo, tornando-se uma condição controlável, fator que reduziria os custos atrelados a internações e cuidados paliativos, que são os maiores gastos públicos ocasionado pela enfermidade em seus estágios moderados e avançados.
Entretanto, a principal limitação da técnica é seu baixo rendimento quântico, que ocorre devido a dissipação da energia através de processos nãoradioativos, o que, por sua vez, impacta a intensidade do sinal luminoso emitido (YANG: 2023).
Diante disso, avanços no âmbito molecular, qual visa a modificação estrutural de sondas - como a síntese de análogos de luciferina com maior estabilidade - e a engenharia de enzimas - como modificação de sítios ativos da enzima luciferase - torna-se importantes para maximizar a emissão bioluminescente, visto que diminui as perda de energia nãoradioativas, ou seja, aumenta o rendimento da técnica (CONTAG: 2002/ PRESCHER: 2010) línica do método em cenários de baixa carga patológica (LOZOVOY: 2023/ BRUSCHINI: 2019)
CONCLUSÃO
O método BLIAR (Bioluminescence Imaging of Amyloid Reservoirs) apresenta-se como uma possível abordagem para o diagnóstico precoce da Doença de Alzheimer (DA), no contexto de envelhecimento populacional brasileiro, qual tende a ampliar significativamente a prevalência da doença nas próximas décadas, se revela uma técnica promissora para mitigação dos impactos socioeconômicos da DA no Brasil.
A técnica utiliza do composto AkaLumine-HCL, qual ao reagir com a enzima luciferase, emite luz no infravermelho próximo, permitindo a detecção não invasiva das placas beta-amiloides (Aβ) anos antes do aparecimento de sintomas da doença na chamada fase pré-clínica Isso demonstra potencial para superar as limitações dos métodos atuais, como a PET/CT e a análise do LCR, devido a sua alta sensibilidade, não invisibilidade, custo consideravelmente menor, portabilidade e capacidade de rastreamento populacional, ou seja, a identificação da presença da DA em grupos de risco antes de sua manifestação clínica.
A detecção precoce DA, por sua vez, pode facilitar intervenções terapêuticas, quando essas tendem a ter maior eficácia, permitindo, por exemplo, imunoterapias precoces e potencialmente reduzir custos associados ao diagnóstico tardio da enfermidade. Entretanto, a aplicação clínica do BLIAR enfrenta desafios
técnicos, como o baixo rendimento quântico, que ocorre devido à dissipação de energia através de processos não-radiativos, e impacta diretamente a intensidade do sinal luminoso em cenários de baixa carga patológica. Por isso, avanços em engenharia molecular, incluindo a síntese de análogos de luciferina com maior estabilidade quântica e modificações de sítios ativos da enzima luciferase, mostram-se necessários uma aplicação clínica eficiente do método
Logo, este estudo, por meio da revisão bibliográfica da realizada, chega a constatação que o método de BLIAR se demonstra favorável ao propósito de possibilitar o prédiagnóstico da doença de Alzheimer agilizando, assim, os diagnósticos e a identificação precoce da enfermidade, em especial em sua fase pré-clínica, qual pode começar até 15 anos antes do aparecimento dos sintomas. Assim, a técnica evidencia sua possível capacidade de reduzir custos ocasionados pelos diagnósticos tardios e mitigar os impactos socioeconômicos da DA no cenário brasileiro.
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Entre avanços biomédicos e desigualdades sociais: a complexidade do enfrentamento do HIV/AIDS no Brasil
O artigo estuda a epidemia de HIV/AIDS no Brasil, evidenciando os avanços científicos, como a terapia antirretroviral (TARV), e políticas públicas pioneiras, como o acesso universal a medicamentos pelo SUS. Também realça os progressos na prevenção da transmissão vertical e nos cuidados à saúde reprodutiva. Investigam-se, também, os desafios estruturais e sociais, como desigualdades regionais, estigma e discriminação, que dificultam o acesso equitativo ao tratamento, especialmente entre populações vulnerabilizadas. O artigo apresenta políticas públicas intersetoriais que consideram os determinantes sociais da saúde e que unem ciência, educação e justiça social. Parte-se do pressuposto de que o controle da AIDS exige um esforço ético e coletivo que vá além da resposta biomédica, reconhecendo a infecção como uma questão profundamente social e humana.
1. INTRODUÇÃO
Em 1980, foi registrado o primeiro caso de AIDS no Brasil, juntamente com a primeira declaração de morte causada pela doença. Três anos mais tarde, jornais já divulgavam os primeiros casos do vírus HIV no país, e a infecção foi rotulada de “câncer homossexual”, pois, até então, os registros estavam concentrados em homens, com os primeiros diagnósticos em mulheres ocorrendo somente em 1983 (FIOCRUZ, 2000). Em São Paulo, o primeiro programa estadual de combate à AIDS, vinculado à Secretaria de Estado da Saúde, foi lançado em 1983, em especial no dia 1º de dezembro, com o objetivo de promover vigilância epidemiológica, combater o estigma, oferecer atendimento aos casos e orientar profissionais de saúde. Ainda na mesma década, o Ministério da Saúde determinou as diretrizes do “programa de controle da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA ou AIDS)”, e, um ano depois, a doença tornou-se de notificação obrigatória. Em seguida, foi criado o Programa Nacional de AIDS e começou a oferta de medicamentos para tratar infecções oportunistas por meio do sistema público de saúde. No fim dos anos 1980, o Brasil totalizava 6.371 casos de HIV, sendo 905 em mulheres, e 4.893 mortes registradas (dessas, 666 eram do sexo feminino) (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, in ABIA, s.d.). Embora a epidemia de HIV/Aids tenha sido inicialmente associada a homens homossexuais e bissexuais, o que gerou forte estigma social, estudos posteriores mostraram que a infecção também atingia outros grupos, como profissionais do sexo, usuários de drogas injetáveis e hemofílicos. Estes últimos dois grupos evidenciaram a transmissão pelo
sangue contaminado, principalmente por meio de agulhas compartilhadas e produtos sanguíneos não testados (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021; FIOCRUZ, 2000).
As reações sociais à epidemia de HIV/Aids foram marcadas por preconceito e exclusão, com pessoas soropositivas frequentemente rejeitadas por suas comunidades, especialmente em cidades menores (FREIRE, 1998; SILVA; SANTOS, 2005). Estudos apontam que o medo do contágio, aliado a concepções moralistas sobre comportamento sexual, reforçou estigmas e dificultou a integração social e o acesso a serviços de saúde. Influenciadas por crenças religiosas, as pessoas interpretaram a AIDS como punição moral, o que intensificou o estigma (ÍNDICE DE ESTIGMA, 2025).
Embora os avanços científicos tenham transformado a AIDS em uma condição tratável, a doença ainda é fortemente vinculada a comportamentos considerados “desviantes”. Ao longo dos anos, observou-se o crescimento dos casos entre mulheres, principalmente por via heterossexual, o que evidencia desigualdades no acesso aos benefícios do tratamento: mulheres, pessoas em regiões periféricas ou com menor renda muitas vezes enfrentam mais dificuldades para receber diagnóstico precoce, tratamento antirretroviral e acompanhamento adequado, refletindo que os avanços científicos não beneficiam a todos de forma igual (SANTOS et al., 2002; FIOCRUZ, 2000). A marginalização de grupos vulneráveis mostra que, mesmo com medicamentos eficazes, o impacto da epidemia continua atravessado por desigualdades de classe e
estruturais, que aumentam a vulnerabilidade social, limitam o acesso à informação sobre prevenção e ampliam a exposição à infecção entre populações de baixa renda ou residentes em regiões periféricas.
Diante disso, propõe-se a seguinte questão: de que maneira fatores históricos, sociais e biomédicos influenciam o acesso de mulheres vivendo com HIV às políticas públicas de prevenção e atenção à saúde reprodutiva no Brasil?
A proposta é analisar os principais marcos da resposta brasileira ao HIV/AIDS, compreendendo como os avanços científicos são afetados pelo estigma e pela desigualdade no controle da epidemia. Busca-se também refletir sobre os limites e desafios ainda presentes, com ênfase na importância de uma abordagem integrada e multidimensional.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Avanços Científicos e Terapêuticos: A TARV como Pilar Biomédico
O HIV é um vírus que debilita o sistema imunológico humano, agredindo as células T CD4+, essenciais na defesa contra infecções. Para acometer essas células, o vírus emprega receptores específicos como o CD4 e coreceptores, como o CCR5 e o CXCR-4. Esses mecanismos de infecção possibilitaram avanços terapêuticos, como o desenvolvimento de medicamentos que impedem a entrada do vírus nas células, transformando o tratamento mais eficaz.
A principal estratégia no enfrentamento da epidemia é a
Terapia Antirretroviral (TARV), que atua inibindo a replicação viral e facilita a recuperação do sistema imunológico, limitando a carga viral a níveis indetectáveis e diminuindo o risco de transmissão. Desde os anos 1990, os esquemas terapêuticos para o HIV avançaram significativamente, tornando-se mais potentes e menos tóxicos, o que contribui para que a infecção seja atualmente considerada uma condição crônica controlável (SANTOS et al., 2015; SOUZA LIMA, 2018). Estudos apontam que a introdução da terapia antirretroviral altamente ativa (HAART) foi determinante para a redução da mortalidade e para a melhora da qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV (Ministério da Saúde, 2020).
No Brasil, um marco importante foi a implementação da política de acesso universal e gratuito ao TARV pelo Sistema Único de Saúde (SUS), garantida pela Lei nº 9.313, de 1996. Essa medida ocasionou uma melhora na sobrevida dos pacientes e na redução da mortalidade associada à AIDS (BRASIL, 2019; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002). Tancredi e Waldman (2014) avaliaram que, após essa política, a sobrevida mediana dos pacientes passou de 18 para 58 meses.
Apesar dos avanços, a adesão ao tratamento permanece um desafio central. A eficácia da TARV depende da regularidade com que o paciente toma os medicamentos ao menos 95% das doses devem ser seguidas corretamente. Fatores como efeitos colaterais, estigma social, dificuldades de acesso aos serviços de saúde e baixa escolaridade influenciam essa adesão,
especialmente em países de baixa renda, onde a infraestrutura é precária (CONCEIÇÃO; LIMA; SOLER, 2024).
Dados recentes do UNAIDS e da OMS mostram que, embora tenha ocorrido progresso global, ainda permanecem lacunas significativas: em 2023, 86% das pessoas vivendo com HIV conheciam seu estado sorológico, 77% estavam em tratamento antirretroviral e apenas 72% alcançaram supressão viral. Em muitas regiões da África
Subsaariana e em partes da América
Latina e Ásia, a cobertura terapêutica continua insuficiente, com milhões de pessoas fora do tratamento ou sem supressão viral. Em contextos com poucos recursos, as principais lacunas referem-se à baixa adesão, às interrupções no fornecimento de medicamentos e à ausência de estratégias adaptadas às realidades locais (UNAIDS, 2024; HIV.GOV, 2023; FRONTIERS IN PUBLIC HEALTH, 2025).
Estudos apontam que a resposta efetiva ao HIV depende da integração entre ciência, políticas públicas, educação, combate ao estigma e apoio psicossocial, elementos fundamentais para ampliar a adesão ao tratamento e reduzir vulnerabilidades sociais (UNAIDS, 2024; PARKER; AGGLETON, 2003). A experiência brasileira, com a política de acesso universal e gratuito à terapia antirretroviral implementada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tem sido reconhecida internacionalmente como modelo de sucesso, demonstrando que o engajamento político aliado a estratégias de inclusão social pode gerar resultados expressivos em saúde pública (MALTA et al., 2009). No entanto, o desafio global persiste, pois o
enfrentamento da epidemia exige abordagens que considerem as desigualdades sociais e a complexidade dos determinantes da saúde, cidadania e dignidade (PARKER; CAMARGO, 2000).
2.2. Estigma, Preconceito e Políticas Públicas: A Persistência das Barreiras Sociais
Inicialmente, o HIV foi associado a grupos específicos, especialmente homens que se relacionam sexualmente com outros homens (HSH), sendo rotulado de forma pejorativa como “câncer gay” ou “peste gay”, expressão presente nos primeiros relatos da epidemia e na cobertura jornalística da época (HEREK; CAPITANIO, 1990). Como apresentado por Parker e Aggleton (2003), esse processo pode ter fortalecido a exclusão social, além de contribuir para a moralização e a criminalização da doença, vinculando a infecção a comportamentos considerados desviantes ou imorais.
Casos históricos emblemáticos esclarecem essa exclusão social: soropositivos eram expulsos de suas cidades, sobretudo em áreas rurais, sustentados por crenças religiosas que viam a doença como uma “justiça divina” contra sexualidades não heteronormativas. Essas interpretações frequentemente associavam o HIV a punições divinas, reforçando estigmas e práticas discriminatórias nas comunidades (MUÑOZ-LABOY et al., 2011). Na década de 1980, operações policiais, como a “Tarântula” no Brasil, que visavam travestis e a população LGBT, configuraram políticas públicas discriminatórias, mais próximas de ações de extermínio do que de
proteção à saúde (CAVALCANTI; BARBOSA & BICALHO, 2018).
Apesar dos avanços científicos e da criação de políticas públicas de prevenção e tratamento, o preconceito persistiu, impactando negativamente o acesso das pessoas ao diagnóstico, à informação adequada, à testagem e à terapia antirretroviral (ÍNDICE DE ESTIGMA 2025, 2025). O estigma relacionado ao HIV prejudica o bemestar psicológico de pessoas vivendo com o vírus e contribui para sua exclusão social, dificultando que grupos específicos adotem medidas preventivas de forma efetiva. Estudos demonstram que, em determinados contextos sociais como serviços de saúde urbanos ou comunidades de maior vulnerabilidade social o medo do julgamento ou da discriminação leva à evasão de testes, à não adesão à terapia antirretroviral e à menor busca por informações sobre prevenção (PARKER; AGGLETON, 2003).
Mais recentemente, a ascensão de discursos ultraconservadores no Brasil e em outros países tem sido associada a retrocessos em políticas públicas de saúde sexual e reprodutiva, incluindo medidas de prevenção do HIV/AIDS (PARKER; AGGLETON, 2003). A partir de 2013, observou-se um recrudescimento de discursos conservadores que impactaram negativamente a implementação de políticas públicas voltadas à promoção da saúde sexual e dos direitos humanos no Brasil, especialmente em áreas relacionadas a gênero, diversidade sexual, racismo e redução de danos (DINIZ, 2016). Ataques ideológicos como a oposição a programas de educação sexual em escolas, cortes
em políticas de redução de danos e restrições à discussão sobre diversidade sexual contribuíram para o enfraquecimento de programas educacionais e preventivos. Esse cenário aumentou a vulnerabilidade de grupos como adolescentes, pessoas LGBTQIA+ e populações periféricas, podendo dificultar parcialmente o alcance de metas internacionais de controle da epidemia, como as propostas pelo UNAIDS, dependendo de fatores políticos, sociais e econômicos (CAMPOS; SCHALL; NOGUEIRA, 2013; SOUZA et al., 2022).
Além disso, a percepção social do HIV/AIDS como uma doença “controlada” e a redução da abordagem do tema em espaços educativos e familiares podem contribuir para lacunas no conhecimento dos jovens sobre prevenção, diagnóstico e risco da infecção. Estudos indicam que essa desinformação interage com outros fatores, como acesso limitado a serviços de saúde, estigma social e baixa cobertura de programas educativos, influenciando de forma complexa a motivação para testagem e a adoção de comportamentos preventivos (PARKER; AGGLETON, 2003; CAMPOS; SCHALL; NOGUEIRA, 2013). Nessa perspectiva, pesquisas mostram que a persistência do estigma e da discriminação, mesmo em formas menos explícitas, compromete a efetividade das estratégias preventivas e reforça processos de invisibilidade social das pessoas vivendo com HIV (HEREK, 1999; MAHAJAN et al., 2008).
Em suma, o estigma e o preconceito em torno do HIV configuram barreiras estruturais que limitam a efetividade das políticas
públicas (PARKER; AGGLETON, 2003; MAHAJAN et al., 2008). O debate atual aponta para a necessidade de fortalecer abordagens ancoradas em direitos humanos e inclusão social, mas de forma situada em contextos específicos e grupos vulneráveis. Entre eles, gestantes vivendo com o vírus enfrentam vulnerabilidades sobrepostas biológicas e sociais que repercutem na adesão ao tratamento e nos desfechos de saúde materno-infantil (UNAIDS, 2021).
2.3. Saúde Reprodutiva e Transmissão Vertical: Vulnerabilidade de Gestantes
A saúde reprodutiva é um direito fundamental e um dos pilares da atenção materna no sistema público de saúde. No Brasil, políticas como o Programa Nacional de DST/AIDS, criado em 1986 pelo Ministério da Saúde, buscaram ampliar o acesso a antirretrovirais e ao pré-natal especializado para gestantes vivendo com HIV (BRASIL 2022). O programa atua na prevenção e controle das DST, garantindo a disponibilização gratuita de medicamentos, a oferta de testes de diagnóstico, a atenção integral à gestante e ao recémnascido e o suporte psicossocial. Além disso, promove a coordenação entre serviços de saúde e organizações da sociedade civil, com ações educativas e vigilância epidemiológica. Essas ações visam garantir o cuidado integral e respeitoso, possibilitando que as mulheres tenham acesso ao tratamento necessário para a manutenção da sua saúde e a prevenção da transmissão do vírus para seus filhos.
A transmissão vertical do HIV também denominada transmissão
materno-infantil refere-se à passagem do vírus da mãe para o bebê durante a gestação, o parto ou a amamentação. Segundo o Ministério da Saúde, a taxa dessa forma de transmissão caiu de 16% para menos de 3% entre 2000 e 2020, demonstrando avanços importantes nas estratégias de prevenção. No entanto, persistem disparidades regionais significativas. Por exemplo, no estado do Amazonas, o índice de detecção do HIV em gestantes registrou 4,2 casos por mil nascidos vivos em 2021, bem acima da média nacional de 2,5, refletindo falhas no diagnóstico precoce e na cobertura dos serviços (BRASIL, 2022). Esses dados evidenciam que, apesar da redução geral, o risco e a vulnerabilidade permanecem elevados em determinadas regiões, especialmente no Norte do país, em comparação com o Sul, onde a cobertura e a efetividade dos serviços tendem a ser maiores. A manutenção desses índices sugere falhas estruturais no rastreamento da infecção durante o pré-natal, particularmente em áreas com menor infraestrutura e acesso restrito aos serviços de saúde.
Além disso, gestantes vivendo com HIV enfrentam desafios que comprometem a adesão ao prénatal especializado. A distância dos centros de atendimento, aliada à escassez de profissionais capacitados, tem sido identificada como um fator que compromete o acesso regular e qualificado ao acompanhamento de pessoas vivendo com HIV. Estudos indicam que barreiras geográficas e a limitação de recursos humanos especializados estão associadas a menores taxas de adesão ao tratamento e ao seguimento clínico inadequado (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2023; UNICEF, 2023; SILVA et al., 2018). Ademais, fatores como baixa escolaridade e falta de orientação adequada podem aumentar a vulnerabilidade dessas mulheres. O estigma social e a discriminação, presentes inclusive nos serviços de saúde, dificultam o estabelecimento de vínculos confiáveis entre as pacientes e as equipes médicas, impactando negativamente na continuidade do tratamento (SOUZA; LIMA, 2020; SILVA et al., 2020). A concentração dos serviços especializados em grandes centros urbanos exclui mulheres que residem em áreas rurais, periféricas ou regiões remotas, onde a estrutura de cuidado é frequentemente fragmentada ou inexistente (ALVES, 2018; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2019; ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE, 2022).
Essas barreiras estruturais e sociais podem contribuir para desigualdades no acesso aos serviços de saúde, influenciando a efetividade das políticas públicas e a qualidade do cuidado durante o período gestacional e pósgestacional.
O acompanhamento ininterrupto e integral durante o prénatal, parto e puerpério é importante para garantir a saúde da mãe e do bebê, especialmente entre gestantes que convivem com HIV. O monitoramento regular possibilita a detecção precoce de complicações e intervenções eficazes, reduzindo riscos obstétricos e infecciosos (BRASIL, 2022). Nesse sentido, a atuação de equipes multidisciplinares que reúnem profissionais das áreas médica, psicológica, social e de enfermagem é fundamental para um cuidado integral. As estratégias de humanização, centradas no respeito
à dignidade, autonomia e necessidades individuais da gestante, promovem um ambiente acolhedor, seguro e livre de julgamentos, fatores que favorecem a adesão ao tratamento antirretroviral e à qualidade de vida dessas mulheres (SOUZA et al., 2021; CUNHA; ALMEIDA, 2020). Práticas como o parto respeitoso e o suporte psicossocial contínuo representam avanços para a promoção da saúde materno-infantil em contextos de vulnerabilidade, reforçando a necessidade de investir em cuidados integrados e sensíveis às particularidades dessa população.
Portanto, gestantes soropositivas podem ser duplamente vulnerabilizadas pela condição biológica e pela exclusão social, que afeta diretamente sua adesão ao tratamento e, consequentemente, a saúde do bebê. Essa dupla vulnerabilidade se relaciona a diferentes eixos estruturantes, como pobreza, baixa escolaridade, desigualdade regional, racismo, desigualdade de gênero e violência institucional, que se entrelaçam e intensificam os obstáculos ao acesso pleno à saúde reprodutiva.
2.4. Enfrentamento Multidimensional
Os avanços da ciência e da biotecnologia foram fundamentais para transformar o HIV de uma condição quase sempre letal para uma doença crônica controlável. Com o sequenciamento do genoma viral e o aprofundamento no conhecimento sobre a biologia do vírus, tornou-se possível desenvolver não apenas antirretrovirais mais eficazes, mas também estratégias de profilaxia, como a PrEP (profilaxia préexposição) e a PEP (profilaxia pós-
exposição), que têm ampliado a prevenção em populações de risco. A pesquisa científica também tem explorado o potencial de vacinas terapêuticas como demonstrado no ensaio clínico RV-144, realizado na Tailândia, que reduziu em cerca de 31% o risco de infecção pelo HIV (RERKS-NGARM et al., 2009) e até a edição genética de células imunológicas resistentes à infecção, a exemplo dos estudos com a técnica CRISPR/Cas9 aplicados ao gene CCR5 em células-tronco hematopoiéticas humanas, que mostraram resistência viral em modelos pré-clínicos (XU et al., 2017).
A desinformação e o estigma continuam a representar barreiras significativas para a testagem e o diagnóstico do HIV. Estudos indicam que o medo do resultado do exame e a associação do vírus a comportamentos moralmente julgados estão relacionados a menores taxas de testagem e atraso na busca por cuidado (HEREK, 1999; MAHAJAN et al., 2008).
Apesar da TARV tornar a carga viral indetectável e intransmissível, o desconhecimento sobre esse fato é generalizado, o que reforça preconceitos e isola socialmente quem convive com o vírus.
Em vista disso, o combate ao agravo só pode ser efetivo se for articulado em diversas frentes. A atuação isolada do setor da saúde é insuficiente diante de uma epidemia que dialoga com pobreza, exclusão, racismo, desigualdade de gênero e violência. Políticas públicas precisam integrar saúde, educação, assistência social, habitação e segurança alimentar, criando redes de cuidado que respeitem a complexidade das vidas atingidas por essa condição. Iniciativas como
o fortalecimento dos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs), o suporte psicossocial continuado, a garantia de sigilo e respeito nos atendimentos e a mobilização comunitária têm mostrado eficácia em diversas regiões. Além disso, parcerias com movimentos sociais, ONGs e coletivos locais são essenciais para chegar a populações que o Estado historicamente não alcança. A intersetorialidade, nesse sentido, não é apenas uma diretriz técnica, mas uma necessidade ética: só ela permite construir respostas justas e duradouras diante de um desafio que é, antes de tudo, um reflexo das nossas desigualdades sociais.
3. CONCLUSÃO
O objetivo da análise foi compreender como os avanços biomédicos e as políticas públicas brasileiras impactam a saúde reprodutiva de mulheres vivendo com HIV, considerando desigualdades sociais e barreiras regionais. O estudo realizado destaca que o enfrentamento da infecção pelo vírus requer uma perspectiva multidimensional, que articule os avanços biomédicos às desigualdades sociais e às especificidades das populações mais vulneráveis. Os progressos alcançados com a Terapia Antirretroviral e o acesso universal garantido pelo sistema público de saúde representam conquistas para a transformação da doença em condição crônica controlável. Contudo, a efetividade desses avanços depende da adesão rigorosa ao tratamento, que é influenciada por fatores como estigma, exclusão social, dificuldades regionais de acesso e condições socioeconômicas desfavoráveis.
A vulnerabilidade das gestantes vivendo com o vírus, por sua vez, revela a intersecção entre fatores biológicos e sociais, reforçando a importância do cuidado humanizado e multidisciplinar para garantir a saúde materno-infantil e o direito à saúde reprodutiva. A desigualdade territorial e a insuficiência de infraestrutura nos serviços especializados evidenciam ainda mais a necessidade de uma atuação pautada na justiça social e na equidade.
Assim, o controle da epidemia vai além do desenvolvimento científico e tecnológico, exigindo a integração de ações que combatam as barreiras estruturais, promovam a educação em saúde e assegurem a dignidade e os direitos das pessoas afetadas.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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09.
Ozempic® e a cultura do corpo ideal: transtornos alimentares e dismórficos corporais, medicalização da estética e influência das redes sociais
Isadora de Oliveira Martins e Sofia Sayuri Ishizawa
Este artigo apresenta uma análise do uso off-label da semaglutida (Ozempicβ) como estratégia estética e de emagrecimento entre indivíduos sem indicação clínica formal. Por meio de uma revisão bibliográfica, investiga-se como a medicalização da estética, em conjunto com os padrões corporais idealizados, tem incentivado o consumo indiscriminado desse fármaco. O estudo enfatiza a influência das redes sociais, especialmente o Instagram, na propagação de ideais corporais inatingíveis. São discutidas as relações entre o uso da semaglutida e o desenvolvimento de transtornos alimentares, como a compulsão alimentar periódica, além de transtornos de imagem, como a dismorfia corporal. Os resultados indicam que o uso não supervisionado do medicamento está diretamente ligado a dinâmicas de sofrimento psíquico, distorção da autoimagem e autovigilância corporal excessiva
1. INTRODUÇÃO
Ozempic! (Novo Nordisk, Bagsværd, Dinamarca) é a marca comercial de um medicamento à base de semaglutida, um fármaco sintético pertencente à classe dos agonistas do receptor de GLP-1 (glucagon-peptide-1). Ele atua estimulando a secreção de insulina dependente da glicose, inibindo a liberação de glucagon e retardando o esvaziamento gástrico, o que contribui para o controle glicêmico em pessoas com diabetes mellitus tipo 2 (DM2), condição crônica caracterizada por resistência à insulina e/ou deficiência relativa na secreção dela (WILDING, J. P. H. et al., 2021). Ademais, a semaglutida promove redução do apetite e perda de peso, efeitos que levaram à sua comum prescrição off-label para tratamento de obesidade (HAN S.H. et al., 2023; GOMES, H. K. B. C.; TREVISAN, M, 2021).
A obesidade é uma doença nãocomunicável fomentada por um desequilíbrio entre o excesso de calorias consumidas por um indivíduo, quando comparadas às
gastas, acarretando acúmulo de gordura corporal a longo prazo. Em vista disso, pessoas obesas podem recorrer ao uso off-label1 da semaglutida, visando à cura de sua doença. Essa busca, porém, influenciada sobretudo pela idealização nociva do corpo magro nas mídias tradicionais e digitais (RODRIGUES, W. L.; SILVA, T. M., 2024), pode exceder o tratamento da obesidade em si, refletindo uma pressão estética responsável por desencadear transtornos de imagem e distúrbios alimentares, como o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), também conhecido como dismorfia corporal, e compulsão alimentar periódica.
O TDC é uma preocupação obsessiva e distorcida com defeitos imaginários ou mínimos na aparência física (APA, 2014), o que leva a comportamentos compulsivos, como checar excessivamente o espelho e evitar interações sociais (LEONE, J. E., et al., 2005; SCHNEIDER, C., et al., 2017). Nesse sentido, também se destaca a compulsão alimentar
1 Prática que consiste em prescrever um medicamento para usos diferentes daqueles descritos na bula.
periódica, classificada como um distúrbio alimentar comportamental, caracterizada por quadros frequentes de ingestão de uma numerosa quantidade de alimentos de maneira descontrolada (APA, 2003). Consequentemente, o uso off-label da semaglutida é tido como um potencial comportamento compulsivo advindo dos transtornos citados e suas principais causas, substancialmente pressões estéticas – geradas por traumas emocionais e baixa autoestima e veiculadas principalmente em redes sociais, como o Instagram.
A busca pelo corpo magro é responsável pela cultura corrosiva de pressões estéticas que submete o indivíduo a uma exclusão social caso este não se adeque ao padrão por ela imposto (AMÉRICO, K. A. P.; OLIVEIRA, R. C. A.; BAQUIÃO, L. A., 2022). Além disso, em plataformas midiáticas como o Instagram há não só a divulgação de rostos e corpos irreais, mas estilos de vida também irreais que mostram rotinas produtivas e saudáveis que ostentam felicidade. Dessa forma, o telespectador pode se frustrar ao se comparar com os padrões inalcançáveis constantemente
publicados nas redes (SOUZA, L., 2021). Nesse estilo de vida ideal, inclui-se a divulgação de dietas radicais e de outros métodos de emagrecimento, como o uso off-label da semaglutida (BRASIL E BERNARDES, A. C.; VILELA, G. C.; MACHADO M. C. F., 2023).
Este artigo pretende estabelecer, por meio de uma revisão bibliográfica, uma relação entre o uso off-label da semaglutida para tratamento de obesidade e os transtornos comportamentais –sobretudo aqueles fomentados pela propagação de padrões estéticos inalcançáveis em plataformas digitais, em especial o Instagram. Desse modo, seu intuito é relacionar o uso do medicamento com possíveis distúrbios psicológicos decorrentes de seu uso indiscriminado, principalmente o TDC e a compulsão alimentar.
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1. Obesidade
A obesidade é uma condição médica crônica, multifatorial e complexa, caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal, a ponto de comprometer a saúde física, mental e social do
indivíduo (OMS, 2004; BRAY, G. A., et. al, 2017). Classificada como uma doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e por diversas outras entidades médicas ao redor do globo (AMA, 2013), a obesidade está associada a um desequilíbrio entre a ingestão calórica e o gasto energético a longo prazo (HALL, K. D. et al., 2012).
O principal critério diagnóstico da obesidade é o índice de massa corporal (IMC) (OMS, 2004; BRASIL, 2023). Embora não baste por si só para diagnosticar alguém com obesidade – visto que fatores como medição da circunferência abdominal, análise da composição corporal (gordura e massa muscular), histórico familiar, hábitos alimentares e porte de doenças relacionadas à obesidade também são necessárias à diagnose –, o IMC é uma ferramenta fundamental, premissa inicial, na avaliação da relação entre o peso e a altura de uma pessoa, permitindo identificar se ela está abaixo, dentro ou acima do peso recomendado. É um cálculo
2 Alimentos que fornecem uma grande quantidade de energia (calorias) ao organismo.
3 Quantidade de energia que o corpo precisa para manter suas funções vitais em repouso, como respiração, circulação
que relaciona o peso (em quilos) dividido pela altura (em metros) ao quadrado, usado para classificar a condição de peso e a saúde de um indivíduo (OMS, 2004):
No que tange à regulação da massa corporal, a genética desempenha um papel determinante e agravado em um ambiente onde há excesso de alimentos calóricos2 (FAROOQI, I. S.; O’RAHILLY, S., 2007). Os genes de um indivíduo influenciam o metabolismo basal3, os níveis de saciedade e fome e a resposta ao exercício físico (LOOS, R. J. F.; YEO, G. S. H., 2022). Além disso, há síndromes genéticas raras, como a síndrome de Prader-Willi4 , responsáveis por obesidade severa desde a infância (BUTLER, M. G. et al., 2019).
sanguínea e regulação da temperatura; energia mínima necessária para a sobrevivência.
4 Condição genética rara caracterizada por uma combinação de problemas físicos, mentais e comportamentais.
Fatores hormonais e metabólicos também são responsáveis por regular a massa corporal (AHIMA, R. S.; FLIER, J. M., 2000; MYERS, M. G. Jr. et al., 2008).
O organismo regula a fome e o gasto energético por meio de hormônios e, quando esses sistemas hormonais se desregulam, a obesidade pode surgir ou se agravar, mesmo que o indivíduo se alimente adequadamente e mantenha uma rotina fisicamente ativa. A leptina, que sinaliza saciedade ao cérebro, a grelina, hormônio da fome, e a insulina, responsável por controlar os níveis de glicose no sangue, constituem os principais hormônios reguladores do peso corporal (KLOK, M. D. et al., 2007). Ademais, problemas de tireoide, em especial o hipotireoidismo5, e a síndrome dos ovários policísticos6 (ambos relacionados à ação hormonal humana) também podem afetar o peso de uma pessoa (PASQUALI, R. et al., 2006; PEARCE, E. N. et al., 2017).
Outrossim, quando expostos a um ambiente obesogênico, indivíduos tendem a adotar mais dietas hipercalóricas e, consequentemente, a se tornarem obesos (MONDINI, L. et al., 2018). Ambientes urbanos, competitivos, inseguros e sem áreas públicas adequadas levam pessoas a optarem por refeições ultraprocessadas7 de fácil consumo – uma vez que alimentos ultraprocessados, ricos em calorias, açúcares, gorduras e sódio, costumam ser mais baratos e de mais fácil acesso em comparação a opções frescas e nutritivas, o que afeta sobretudo a camada social mais exposta a vulnerabilidades socioeconômicas – e dificultam a prática de exercício físico (SANTOS, P. H.; ALMEIDA, C. R., 2019). Por fim, o sedentarismo das rotinas modernas – trabalho sentado, longas horas em frente a telas e transporte motorizado – também favorece a existência de um ambiente obesogênico (FERREIRA, A. P. et al., 2020).
5 Hipoatividade da tireoide que resulta na produção inadequada dos hormônios tireoidianos e na redução das funções vitais do corpo.
6 Transtorno hormonal que causa o aumento dos ovários e o surgimento de pequenos cistos em sua parede externa.
7 Produtos alimentícios que passam por diversas etapas de processamento industrial e contêm uma grande quantidade de ingredientes não encontrados em preparações caseiras, como aditivos, corantes e aromatizantes.
Além dos fatores causadores da obesidade, suas consequências fisiológicas e psicológicas são fundamentais para o entendimento do impacto clínico, pessoal e social da doença. Entre as principais sequelas físicas da obesidade, destacam-se doenças cardiovasculares e problemas osteoarticulares. Condições como hipertensão arterial (o coração precisa bombear com mais força para irrigar um corpo maior), aterosclerose (acúmulo de gordura nas artérias, levando ao entupimento dos vasos sanguíneos), infarto do miocárdio (ataque cardíaco) e Acidente Vascular Cerebral (AVC) são complicações comuns consequentes da obesidade (WHO, 2021; BRASIL, 2020; SILVA, R. M. et al., 2019). Artrose (desgaste das articulações), hérnias de disco, dores crônicas nas costas por sobrecarga e dificuldade de locomoção também são decorrências da obesidade (FREITAS, A. C. et al., 2018).
Ademais, distúrbios hepáticos, respiratórios, gastrointestinais e dermatológicos também integram esta lista de consequências. No fígado, a esteatose hepática (fígado
gorduroso) é o principal efeito, e pode evoluir para hepatite, fibrose e até cirrose – mesmo sem consumo de álcool (CARR, R. M. et al., 2019).
Já o sistema respiratório humano é afetado pelo excesso de gordura corporal nas vias respiratórias, gerando apneias involuntárias e dificultando a expansão dos pulmões, o que acarreta falta de ar ao mínimo esforço e causa uma maior propensão a crises de asma e infecções respiratórias (XAVIER, D. S. et al., 2020). No trato gastrointestinal, problemas como refluxo gastroesofágico (azia constante) e maior risco de pedras na vesícula (cálculos biliares) são comuns (MORAIS, C. R., 2020). Por fim, assaduras frequentes em áreas de dobra (axilas, virilhas e abaixo dos seios), infecções fúngicas e bacterianas e alterações na textura da pele se destacam entre os problemas dermatológicos derivados da obesidade (SILVA, E. A. da et al., 2019).
Fatores psicológicos estão também associados à obesidade, como causas e como consequências. Muitas pessoas recorrem à comida como forma de lidar com emoções como ansiedade, tédio, solidão, tristeza e estresse, o
que, de maneira involuntária, leva ao sobrepeso e, posteriormente, à obesidade (MACHADO, P. P. et al., 2012). Nesse contexto, destaca-se a alimentação emocional e, principalmente, os transtornos alimentares, como a compulsão alimentar periódica – caracterizada pela ingestão de grandes quantidades de comida sem controle (CORDÁS, T. A.; CAIS, C., 2007; HAY, P. J. et al., 2018). Esse tipo de comportamento pode ser desencadeado por experiências traumáticas, histórico de bullying e abusos (HAY, P. J. et al., 2018). A própria obesidade, por sua vez, pode gerar depressão, baixa autoestima e outras condições mentais, criando um círculo vicioso: comer para aliviar a dor emocional, sentir culpa após o episódio e, novamente, buscar conforto na comida (CORDÁS, T. A.; CAIS, C., 2007). Entre esses fatores, destacam-se ainda a internalização da gordofobia8 e do preconceito social vivenciados por quem não se encaixa nos padrões estéticos –sobretudo magreza extrema –propagados nas mídias digitais, o que contribui para sentimentos de 8 "Anti-gordo" ou "medo de ser gordo"; preconceito que se manifesta em atitutes e
fracasso, inadequação e autodepreciação (LIMA, L. A. et al., 2021).
A constante exposição a estilos de vida irreais, amplamente difundidos por redes sociais como o Instagram – rede social popularmente utilizada na contemporaneidade, na qual os usuários conseguem se comunicar a partir de um canal de conversas, realizar lives e divulgar fotos e vídeos –, pode alimentar essa sensação de inferioridade e favorecer o desenvolvimento de transtornos como TDC e compulsão alimentar (SOUZA, V. O. de et al., 2023; FERREIRA, G. dos S. et al., 2023). Essa influência digitalmidiática também pode impulsionar a busca por soluções extremas, como dietas radicais e o uso de medicamentos sem respaldo científico, a exemplo da semaglutida utilizada de forma off-label, sem a devida prescrição médica (SILVA, R. O. da et al., 2023), reforçando a pressão social pelo emagrecimento rápido e a manutenção de um corpo considerado ideal (FERREIRA, G. dos S. et al., 2023).
barreiras que inferiorizam e excluem pessoas gordas em várias esferas da vida.
2.2. Medicalização da estética !>#.?%@A(-BCDC(BC*&%$E8( ;')$DF*&8(G%H'.'*@'0(I(C(HC.#( @C.#*@%'J(&#(+.(.#&%@'.#HKC( %HL#KMD#J( #.($+'(.'%$(@C.+.( OC*.+J'PQC( O'"*%@'&C8( C*%)%H'J.#HK#8(?'*'(C(K*'K'.#HKC(&#( &%'"#K#$(.#JJ%K+$(K%?C(9(-G2908(+.'( &C#HP'(.#K'"/J%@'(@*RH%@'( @'*'@K#*%>'&'(?#J'(+K%J%>'PQC(%H#O%@'>( &'(%H$+J%H'8(C+(?C*($+'(?*C&+PQC( %H$+O%@%#HK#(-B!ST(B!UG,7V8( 969W0=(XC*I.8('K+'J.#HK#8(C( OM*.'@C(I(O*#Y+#HK#.#HK#(%H&%@'&C( ?'*'(C(K*'K'.#HKC(&#(C"#$%&'&#(-+$C( off-label) (SINGH, A. et al., 2022), o que fez com que, em 2023, os investimentos públicos dinamarqueses destinados à produção do medicamento alcançassem 200 milhões de dólares – um crescimento de mais de 50% em relação ao ano anterior –, como observado na figura 1.
Figura 1 – Evolução dos gastos públicos com Ozempic! na Dinamarca (2020-2023)
Fonte: DANISH REGIONS, 2023 apud BLOOMBERG, 2024.
No que diz respeito à composição química do fármaco, seu princípio ativo é a semaglutida, peptídeo sintético modificado, com 94% de homologia ao glucagon-like-peptide1 (GLP-1) – o que o permite imitar a ação do hormônio naturalmente produzido e liberado pelo intestino humano após a alimentação –, cuja função principal é estimular a produção de insulina pelas células beta pancreáticas (NOVAES, A. B. et al., 2023). Suas modificações aumentam sua meia-vida (cerca de uma semana), a ligação à albumina plasmática (prolongando a ação) e a resistência à degradação pela enzima DPP-4 (dipeptidil peptidase4), que culminaria em uma rápida lise do GLP-1 natural (NOVAES, A. B. et al., 2023).
Além de seu princípio ativo, a medicação é composta por uma série de excipientes, entre eles, o fenol, que atua como conservante antimicrobiano e impede o crescimento de microorganismos após a abertura do frasco ou caneta aplicadora; o propilenoglicol, cuja função é dissolver a semaglutida e a manter a estabilidade da solução; o fosfato de sódio monoblástico dihidratado, que regula o pH da formulação para mantê-la compatível com o organismo; o cloreto de sódio, que ajusta a tonicidade da solução, evitando dor ou reações adversas durante a administração subcutânea; e a água para injeção, que atua como veículo da solução, isto é, o meio no qual os demais componentes estão dissolvidos (NOVA NORDISK, 2023).
O modelo farmacêutico mais comum da semaglutida é a caneta preenchida para injeção subcutânea semanal – devido à sua meia-vida longa, a semaglutida permite uma posologia simples, com injeções semanais que garantem um efeito terapêutico estável e contínuo ao longo dos dias –, disponível nas concentrações de 0,25mg, 0,5mg, 1mg e 2mg por dose. Após a
aplicação do medicamento nas regiões subcutâneas do abdômen, da coxa ou do braço, ele circula de maneira estável no organismo por dias, graças à sua forte ligação com a albumina plasmática. Essa absorção lenta está diretamente relacionada à sua ação prolongada. No pâncreas, a semaglutida estimula a liberação de insulina – mas apenas em situações nas quais os níveis de glicose sanguínea estão elevados –, o que reduz o risco de hipoglicemia (baixa de açúcar no sangue).
Simultaneamente, o composto inibe a secreção de glucagon, levando a uma diminuição na produção hepática de glicose e a um melhor controle glicêmico, sobretudo após as refeições (NOVA NORDISK, 2023; BRASIL, 2023).
Além das ações sanguíneas e pancreáticas, a semaglutida atravessa parcialmente a barreira hematoencefálica e atua em regiões específicas do hipotálamo responsáveis pelo controle do apetite. Sua ação se dá principalmente sobre os núcleos arqueado e paraventricular, onde se ligam aos receptores de GLP-1, promovendo a redução da fome, da busca por alimentos altamente calóricos e do comportamento
alimentar compulsivo. Consequentemente, a saciedade é aumentada mesmo com uma menor ingestão alimentar. Este é, portanto, o principal mecanismo pelo qual o uso da semaglutida leva ao emagrecimento, resultante da diminuição da ingestão calórica e aumento do gasto energético basal –porém, como apresentado por Muller, T. D. et al. (2019) e Sevilla, L. J. et al. (2021), essa hipótese carece de estudos mais aprofundados.
Adicionalmente, a semaglutida exerce efeitos relevantes sobre o trato gastrointestinal, retardando o esvaziamento gástrico e, assim, mantendo os alimentos por mais tempo no estômago. Ademais, no fígado, a semaglutida atua de forma indireta, como consequência da inibição de glucagon promovida no pâncreas, a qual impede que o fígado libere glicose em excesso na corrente sanguínea, reduzindo processos como a glicogenólise e a gliconeogênese. Por conseguinte, há uma diminuição na produção endógena de glicose, o que colabora para a manutenção de níveis glicêmicos adequados – em jejum ou não. Porém, a semaglutida não é metabolizada no fígado, como ocorre com diversos outros medicamentos.
Em vez disso, sua degradação se dá lentamente na corrente sanguínea, por meio de processos de proteólise (MULLER, T. D. et al., 2019; SEVILLA, L. J. et al., 2021).
O uso da semaglutida gera diversos efeitos físicos e psicológicos, sobretudo relacionados a transtornos alimentares e dismórficos corporais. Entre as possíveis consequências psicológicas, estão:
● Ansiedade, associada à alteração rápida nos níveis de glicose e no metabolismo, o que pode afetar o sistema nervoso autônomo e resultar em sintomas como taquicardia, tremores e inquietação, semelhantes aos observados em crises de ansiedade, intensificados pela perda rápida de peso e por pressões sociais relacionadas à estética corporal (SOUZA, R. H.; FERREIRA, P. G., 2021);
● Depressão, potencialmente relacionada a mudanças abruptas de peso e às alterações na percepção corporal, podendo envolver sensações de isolamento, alienação ou desconforto com a nova imagem (ALMEIDA, J. C. de; LOPES, M. F., 2019);
● Distúrbios alimentares e obsessão com o peso, associados à restrição alimentar induzida pelo fármaco, com possibilidade de manifestação de comportamentos compatíveis com o transtorno alimentar compulsivo periódico (compulsão alimentar) (MARTINS, C. R.; PEREIRA, F. A, 2020);
● Distorção da imagem corporal, identificada em casos nos quais não há acompanhamento psicológico simultâneo à transformação física e que podem estar relacionada ao desenvolvimento de TDC e insatisfação persistente com a própria aparência (GOMES, A. B.; SANTOS, R. L. dos, 2018).
3. DESENVOLVIMENTO
3.1. Cultura do corpo ideal e sua propagação nas redes sociais
A combinação de sofrimento físico, frustração com o próprio corpo, exclusão social e dor emocional constante leva muitos indivíduos com obesidade a um estado de desânimo crônico, comprometendo o sono, a motivação, a produtividade e o autocuidado, alimentando um ciclo difícil de romper (MORAES, L. H. de; SOUSA, A. L. de, 2020). Na visão de que os indivíduos estão
inseridos em uma sociedade que utiliza de meios digitais de comunicação para associar magreza à aceitação e ao sucesso, é perceptível a exclusão de corpos fora do padrão estético, gerando, desta forma, quadros de distúrbios mentais, como o TDC e a compulsão alimentar periódica (COSTA, F. O.; ALVES, M. V., 2019). Percebe-se, como desdobramento usual, uma consequente busca pelo tratamento da obesidade com a semaglutida, objetivando uma mudança rápida (PEREIRA, C. S.; SILVA, R. H., 2022).
Além de serem frequentemente expostos à divulgação de dietas radicais e medicamentos alternativos para um rápido emagrecimento – via redes sociais, sobretudo o Instagram –, diversas pessoas deparam-se voluntária ou involuntariamente com fotos e vídeos de usuários que supostamente possuem a aparência ideal, fomentando nelas um sentimento de inferioridade e comparação. Nesse contexto, o Instagram se destaca como um meio propício à disseminação de corpos e padrões estéticos irreais e inatingíveis, uma vez que, em suas próprias configurações, disponibiliza
filtros e efeitos capazes de modificar significativamente a aparência dos usuários – recursos amplamente utilizados mundialmente –, de modo a supervalorizar a cultura do corpo ideal (SILVA, D. V. da; BRASIL, T. S., 2022).
Atualmente, o Instagram conta com mais de 2 bilhões de usuários ativos em todo o mundo, posicionando-se como a quarta rede social mais utilizada globalmente ficando atrás apenas de Facebook, WhatsApp e YouTube. De acordo com estudos internacionais conduzidos pelo Yahoo! Labs, em parceria com a Universidade Georgia Tech, imagens manipuladas por meio de filtros recebem, em média, 21% mais visualizações e 45% mais comentários do que aquelas sem edições. É possível considerar que as redes sociais vêm se consolidando como ambientes desfavoráveis para indivíduos que não correspondem ao padrão estético dominante, centrado na magreza exacerbada (AMÉRICO, K. A. P. et al., 2022). Ademais, o Instagram é uma plataforma de comunicação não completamente regulamentada, ou seja, pessoas podem enviar comentários negativos direcionados aos indivíduos que não
se encaixam no padrão estético (AMÉRICO, K. A. P. et al., 2022) e, por isso, os alvos desta negatividade podem experienciar um maior estresse emocional, ansiedade, depressão, isolamento social e solidão (PESSOA, J. et. al., 2019).
Como enfoque deste trabalho, é possível analisar a relação entre a cultura do corpo perfeito propagada pelo Instagram com o quadro de Transtorno Dismórfico Corporal e compulsão alimentar periódica.
3.2. Transtorno Dismórfico Corporal (TDC)
O Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), popularmente conhecido como dismorfia corporal, é uma condição psiquiátrica em que a pessoa por ela afetada desenvolve uma preocupação excessiva e anormal com defeitos na própria aparência – imperfeições mínimas, pouco perceptíveis ou inexistentes, as quais só ela percebe como algo grave (FREITAS, L. S. de; LIMA, R. H., 2021). Essa distorção de imagem, faz com que o indivíduo afligido por tal distúrbio se veja de uma maneira deturpada, não condizente com a realidade, sentindo-se feio, deformado e inadequado, mesmo que outras
pessoas não notem seus supostos defeitos (SANTOS, A. P. et al., 2020). Esse transtorno afeta tanto o modo como o indivíduo se vê no espelho quanto o que ele sente sobre o seu corpo. A pessoa atingida por tal distúrbio pode passar horas por dia se observando, escondendo partes do corpo, se comparando com os outros ou buscando formas de corrigir o que considera uma desvirtude – como dietas extremas, cirurgias plásticas e uso de medicamentos alternativos – como a semaglutida – ou suplementos e até evitando o convívio social por vergonha da própria aparência (ARAÚJO, M. C.; GOMES, P. C., 2023).
3.3. Compulsão alimentar periódica
Além do TDC, transtornos alimentares, sobretudo a compulsão alimentar periódica, se destacam entre os efeitos psicológicos corrosivos da cultura do corpo perfeito propagada no Instagram. Transtornos alimentares são comportamentos físicos e alimentares frequentes e prejudiciais, relacionados a situações que envolvem condições emocionais exacerbadas, gerando
consequências ao bem estar físico, social e psíquico do indivíduo por estes afetado (BRAZ, W. M.; AQUINO, M. C.; OLIVEIRA, G. F., 2023). Em especial, a compulsão alimentar caracteriza-se por episódios persistentes de ingestão descontrolada de grandes quantidades de alimento, relacionada à pressão estética e sentimentos de inferioridade, gerando um ciclo repetitivo: comer para aliviar a dor emocional, mas se sentir culpado posteriormente, o que leva a mais alimentação compulsória (ATTIA, E.; WALSH, B. T.: 2002).
Para seu diagnóstico, é necessário os respectivos critérios clínicos: quadros de compulsão em média uma vez por semana por pelo menos três meses e possuir pelo menos três ou mais das características durante o período compulsório, sendo elas comer mais rápido que o normal, comer até se sentir desconfortavelmente satisfeito, comer exageradamente sem sentir fome, comer escondido ou sozinho por vergonha e sentir culpa após a ingestão (APA, 2003). Os fatores que levam a esse distúrbio são multifacetados: dismorfia corporal, baixa autoestima, ansiedade e
depressão (OPENHEIMER, R. et al., 2024).
A propagação da semaglutida no Instagram pode incentivar o indivíduo obeso e/ou afetado por TDC e compulsão alimentar a buscar medidas para transformação corporal imediata, como o uso inadequado de medicamentos. Desta forma, o consumo off-label da semaglutida como caminho rápido ao emagrecimento surge como possibilidade e caminho. Embora tal fármaco tenha sido produzido para tratar a diabetes mellitus tipo 2 (DM2), seu uso fora da prescrição médica ideal com fins estéticos se popularizou entre pessoas obesas –substancialmente devido à pressão estética imposta a elas (MACEDO, P. A. de et al., 2023). A busca desenfreada pela magreza pode intensificar e, até mesmo, gerar um quadro dismórfico corporal e alimentar compulsivo, fazendo com que o indivíduo nunca se sinta magro o suficiente, mesmo que tenha perdido peso (FREITAS, L. S. de; LIMA, R. H., 2021).
3.4. Análise da relação pautada Diante do exposto, fica evidente que o uso off-label da semaglutida para fins estéticos representa um fenômeno preocupante, que vai além
de uma simples escolha individual por emagrecer. Embora o medicamento apresente eficácia comprovada na redução de peso em pessoas com obesidade e DM2 (WILDING, J. P. H. et al., 2021; GOMES, H. K. B. C.; TREVISAN, M., 2021), seu uso sem indicação clínica e acompanhamento adequado pode trazer consequências psicológicas sérias, ainda pouco discutidas dentro e fora do meio acadêmico (MACEDO, P. A. de et al., 2023; SILVA, R. O. da et al., 2023).
A forma como o Instagram tem potencializado a insatisfação corporal e a busca por soluções rápidas, como o uso indiscriminado da semaglutida é alarmante. A cultura dos filtros, das imagens editadas e da exibição constante de corpos considerados ideais cria um ambiente de comparação contínua, que pode afetar a autoestima e a saúde mental de usuários (AMÉRICO, K. A. P. et al., 2022; FERREIRA, G. dos S. et al., 2023).
Diversos estudos indicam que essa exposição pode agravar quadros de transtornos alimentares, como a compulsão alimentar periódica, e distúrbios de imagem, como o TDC (SOUZA, V. O. de et al., 2023; COSTA, F. O.; ALVES, M. V., 2019).
Além dos impactos individuais, é necessário refletir sobre os aspectos éticos e sociais desse processo. A medicalização da estética transforma questões emocionais, sociais e culturais em um problema que parece ter solução apenas farmacológica, invisibilizando as reais causas do sofrimento psíquico (MACEDO, P. A. de et al., 2023). Esse processo coloca o foco apenas no corpo e desconsidera o contexto emocional e social em que essas pessoas estão inseridas, o que pode agravar ainda mais os quadros de ansiedade e depressão (ALMEIDA, J. C. de; LOPES, M. F., 2019; SOUZA, R. H.; FERREIRA, P. G., 2021).
Essa banalização do uso de medicamentos como a semaglutida também revela uma falha na democratização da informação e na orientação profissional adequada. Consequentemente, percebe-se a necessidade de uma regulação mais rígida sobre a divulgação de soluções tidas como milagrosas nas redes sociais (SILVA, D. V. da; BRASIL, T. S., 2022), a qual se ancora nas pressões sociais e nos padrões de beleza impostos pelas mídias digitais sobre corpos gordos
(AMÉRICO, K. A. P. et al., 2022; FERREIRA, G. dos S. et al., 2023).
Dessa forma, fica claro que a discussão sobre o uso off-label da semaglutida precisa ir além do aspecto médico. Ela envolve questões sociais, psicológicas, culturais e éticas, exigindo um olhar mais crítico da sociedade, da mídia, dos profissionais de saúde e, principalmente, das próprias plataformas digitais, que continuam promovendo padrões estéticos inalcançáveis (FERREIRA, G. dos S. et al., 2023; SILVA, D. V. da; BRASIL, T. S., 2022). A construção de uma cultura de aceitação corporal e de saúde integral, que valorize o bem-estar físico e emocional acima da estética, é um desafio (PEREIRA, C. S.; SILVA, R. H., 2022).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho, por meio de uma extensa revisão bibliográfica, se propôs a estabelecer e a analisar uma relação entre os fatores físicos e psicológicos associados à obesidade, o uso off-label da semaglutida para tratamento de obesidade e transtornos psicológicos, sobretudo Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) e
compulsão alimentar periódica –fomentados principalmente pela supervalorização do corpo magro em meios digitais de comunicação, em especial o Instagram. Diante do exposto, pode-se afirmar que a gordofobia e a insegurança podem gerar vulnerabilidade e acarretar no desenvolvimento de dismorfia corporal ou compulsão alimentar. Assim, em um ciclo de sofrimento psicológico, no qual a obesidade é associada à culpa individual, o emagrecimento passa a ser perseguido de forma compulsiva e a insatisfação corporal se mantém tanto em relação à percepção externa quanto à autoimagem.
Por fim, é possível afirmar que a medicalização da estética, somada à pressão constante das redes sociais, exige um olhar mais cuidadoso por parte da sociedade e dos órgãos de saúde pública. Por essa razão, sugere-se que futuros estudos aprofundem a análise sobre a responsabilidade das plataformas digitais na propagação de padrões corporais inalcançáveis, bem como avaliem o impacto ético e social da comercialização e divulgação de medicamentos com potencial de uso estético. Investigações futuras poderiam, ainda, explorar
estratégias educativas e políticas de regulamentação capazes de reduzir os danos psicológicos causados por essa cultura da magreza idealizada, contribuindo para a construção de um ambiente digital mais saudável e inclusivo.
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Infância digital: o impacto das redes sociais na formação de crianças e adolescentes
Amanda Lessa, Beatriz Gregolin, Julia Turini e Sophia Fernandes
O presente estudo investiga os impactos do uso da internet e das redes sociais sobre crianças e adolescentes, analisando tanto os benefícios quanto os riscos associados. Foram aplicados questionários a 217 participantes, com 11 perguntas sobre hábitos digitais, dispositivos utilizados e percepções de comportamento. Os resultados mostraram que 49,3% consideram adequado iniciar o uso do celular apenas após os 13 anos e 93,1% acreditam que o acesso precoce às redes sociais pode prejudicar uma infância saudável. O smartphone foi o dispositivo mais utilizado (91,7%), e observou-se associação significativa entre tipo de aparelho e frequência de uso (β²(12)=21,73; p=0,0406; V=0,123). A correlação negativa entre idade de início no uso do celular e frequência de acesso (β = −0,407; p < 0,001) indicou que começar mais cedo está relacionado a maior tempo online. Também foi identificada uma correlação positiva entre idade de início e idade ideal para o primeiro celular (β = 0,361; p < 0,001), além da associação entre preocupação com aparência e temas avançados (β = 0,379; p < 0,001), evidenciando processos de adultização precoce. Conclui-se que o uso equilibrado das redes sociais depende da orientação familiar e educação digital, sendo essencial promover limites de tela e práticas de mediação parental para um desenvolvimento saudável na era digital.
1. INTRODUÇÃO
As redes sociais, embora tenham trazido inúmeros benefícios no campo da comunicação e do acesso à informação (Pezzella & Camargo, 2012), também vêm gerando consequências negativas na vida de adolescentes e, principalmente, crianças (Park, et al. 2024). Entre os principais impactos estão os vícios digitais, como o uso compulsivo de redes sociais, jogos online, navegação excessiva e até mesmo pornografia virtual (Azevedo & Torres, 2023). Esses comportamentos afetam diretamente o cotidiano, interferindo no sono, no rendimento escolar, no convívio social e no desenvolvimento emocional (Tchicusse, 2025). Estudos recentes também apontam que o uso excessivo das redes sociais está relacionado à liberação de dopamina e ao reforço de comportamentos compulsivos durante o uso de plataformas digitais (Montag, Dack & Reuter, 2021), além de impactos negativos no sono e no desempenho escolar (Cao, Sun & Wan, 2020). A internet se tornou mais acessível para crianças e adolescentes a partir da década de 2010 (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da
Sociedade da Informação, 2025). De acordo com a pesquisa TIC Kids
Online Brasil (2023), 95% dos jovens entre 9 e 17 anos acessam a internet diariamente, sendo que 89% utilizam redes sociais (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, 2023).
Muitos começam esse uso ainda antes da idade mínima recomendada (13 anos) (Nagata, et al. 2025).
Esses dados reforçam a urgência de refletir sobre os limites e o uso consciente das plataformas digitais
Um exemplo importante e atual, acerca deste tema, é o artigo publicado na Revista FT, escrito por Ester Oliveira Cavalcante e colaboradores, intitulado “O impacto das redes sociais na saúde mental das crianças e adolescentes – um estudo de revisão da literatura”, publicação aponta que o uso contínuo dessas plataformas está diretamente relacionado a sintomas de ansiedade, depressão, baixa autoestima e isolamento social, principalmente em adolescentes. O estudo explica que o sistema de sensação de prazer (a dopamina liberada), ativado por número de curtidas, seguidores e interações, pode gerar dependência psicológica semelhante à de outras formas de
vícios como em jogos de azar, pornograficos, alimentos ultraprocessados, substancias lícitas e até mesmo ilícitas.
Embora a internet também traga efeitos positivos, como o acesso facilitado ao conhecimento, desenvolvimento de habilidades de comunicação e expressão, oportunidades de negócios e empreendedorismo ou, ainda, a conexão global, que nos permite a ter contato com diversas pessoas pelo mundo, dando aberturas a oportunidades de trabalho e networking (Zimei Liu, et al, 2022.), também é evidente o surgimento de impactos negativos, como problemas de autoestima, distúrbios alimentares, dependência emocional da aprovação virtual, cyberbullying e exposição a conteúdos impróprios (Miguel & Theodore, 2024). Esses efeitos estão intimamente ligados à dependência digital e à baixa autorregulação emocional observada em jovens usuários de redes sociais (Kuss & Griffiths, 2021).
O vício digital, caracteriza-se pelo uso excessivo da internet que prejudica outras áreas da vida, como a convivência familiar e escolar. Cerca de 95% das crianças e
adolescentes (9–17 anos) que utilizam a internet diariamente, relatam terem sido ofendidos online (cyberbullying ou agressões verbais) em 29% dos casos, outros 22% apresentaram perda de sono, apresentaram impactos negativos nos estudos ou, ainda, no convívio familiar por causa da navegação (Deborah Prkno, 2024).
No artigo de Mariana L. Nascimento Júnior, para o Jornal da USP, intitulado “Redes sociais estimulam comportamentos inadequados para a idade das crianças”, discute-se como a exposição precoce a conteúdos voltados ao público adulto tem promovido uma “adultização” forçada, interferindo no desenvolvimento emocional e social infantil. Especialistas alertam que, sem mediação parental e regulação adequada das plataformas, as crianças se tornam vulneráveis a comportamentos que não condizem com sua fase de desenvolvimento, como é o caso da adultização. Um exemplo é o vídeo do influencer Felca, publicado no dia 07 de agosto de 2025, que denunciou alguns influenciadores que estão envolvidos em casos de exploração infantil, adultização e sexualização de crianças e adolescentes na internet
(Rebeca Suárez-Álvarez, 2022).
Nele também é abordado sobre um “Algoritmo P”, um sistema de recomendação que identifica usuários que interagem com conteúdos de crianças em situações sugestivas (como roupas curtas, justas ou transparentes, coreografias sensuais, foco da câmera em partes do corpo da criança de forma sexualizada entre outras), além de criticar os envolvidos, como os responsáveis pelas crianças e pelo conteúdo do aplicativo.
Embora as redes sociais façam parte da realidade, é necessário compreendê-las como uma ferramenta que, sem o uso adequado, pode comprometer o bem-estar mental e emocional de crianças e adolescentes. A conscientização, a educação e a regulação são caminhos fundamentais para proteger as futuras gerações dos riscos desse universo digital. Ou seja, este artigo tem como objetivo discutir os impactos das mídias sociais no desenvolvimento infantil, comparando as respostas de questionários pela comunidade escolar do bairro Ipiranga, em São Paulo, Brasil, com os dados
apresentados na literatura, a fim de avaliar a compreensão da comunidade a respeito da relevância do assunto e propor caminhos para um desenvolvimento mais consciente e protetivo.
2. METODOLOGIA
A metodologia adotada neste trabalho foi de um questionário exploratório com 11 perguntas sobre hábitos na internet, aparelhos utilizados, benefícios percebidos, idades, temas abordados no âmbito digital e modificações nas atitudes. O público alvo foi composto de pessoas de 13 anos ou mais. As perguntas apresentadas foram de respostas fechadas.
A pesquisa foi aplicada de forma online, com 217 participantes válidos. Os dados foram organizados e analisados em planilha, permitindo observar os padrões de respostas e identificar as principais tendências sobre o uso da internet e das redes sociais entre o público.
Além da análise das porcentagens e gráficos, também foram feitos alguns testes estatísticos para entender melhor a relação entre as respostas. Primeiro, foram aplicados testes do qui-
quadrado (χ²), que servem para verificar se existe alguma associação entre duas variáveis, como por exemplo o tipo de dispositivo usado e o tempo que a pessoa passa nas redes sociais. Quando foi encontrada uma relação significativa, usamos o V de Cramér para entender se essa ligação era fraca, média ou forte.
Depois, usamos também a correlação de Spearman (ρ), que ajuda a ver se há relação entre variáveis que têm uma certa ordem, como a idade em que a pessoa começou a usar o celular e a frequência de uso das redes sociais. Esse tipo de análise permite perceber, por exemplo, se quem começou mais cedo tende a usar mais as redes hoje.
O nível de confiança considerado foi de 5% (α = 0,05), o que significa que os resultados encontrados têm uma chance muito pequena de terem acontecido por acaso.
Esses testes foram importantes porque ajudaram a deixar o trabalho mais completo, mostrando não só as porcentagens, mas também como as variáveis se relacionam entre si, fortalecendo a discussão sobre os impactos do uso
digital precoce na infância e adolescência.
3. RESULTADOS
Após o levantamento das respostas, foi possível identificar tendências bem claras sobre o uso da tecnologia e das redes sociais entre os participantes.
A pesquisa contou com 217 pessoas e mostrou que 49,3% acreditam que o uso do celular deve começar apenas depois dos 13 anos, enquanto 37,3% acham que isso pode acontecer entre 9 e 12 anos. Outros 12% disseram entre 6 e 8 anos, e 1,4% entre 3 e 5 anos (Figura 1a).
Esses resultados reforçam a percepção de que a maioria entende que o contato com o celular deve acontecer em uma idade mais avançada, o que está em linha com as recomendações de especialistas e estudos recentes sobre o tema.
Quando perguntados se o acesso precoce às redes sociais pode afetar uma infância saudável, 93,1% responderam “Sim”, mostrando uma forte concordância quanto aos riscos desse uso antecipado (Figura 1b).
Figura 1 - (a) Distribuição percentual da idade ideal para início do uso de celular entre os participantes. (b)
Percepção dos participantes sobre o impacto do acesso precoce às redes sociais na infância.
Além disso, 96,3% afirmaram conhecer crianças que já utilizam tecnologia, e 96,8% acreditam que pais e responsáveis devem ser os principais orientadores desse uso, o que mostra o reconhecimento da importância da presença familiar nesse processo.
Os resultados também mostraram que 88,5% dos participantes já perceberam crianças preocupadas com aparência e corpo por influência da internet, e 85,3% disseram que elas falam sobre
temas considerados avançados para a idade, como fama, relacionamentos e sexualidade. Esses dois aspectos estão fortemente ligados, o que foi confirmado pela análise de correlação de Spearman, que indicou uma relação positiva e moderada entre essas variáveis (ρ = 0,379; p < 0,001) (Figura 2).
Figura 2 – Correlação entre preocupação com aparência e interesse por temas avançados (ρ = 0,379; p < 0,001).
Isso significa que, quanto mais as pessoas notam que as crianças falam sobre temas avançados, maior também é a chance de perceberem preocupações com a aparência, indicando um processo de adultização precoce e pressão estética que vem sendo destacado por diferentes autores na literatura.
Apesar desses pontos de alerta, os participantes também reconheceram benefícios no uso da internet: 51,6% apontaram o acesso a recursos educativos, 24% destacaram o estímulo à criatividade, e outros mencionaram aprendizado de idiomas e autonomia como aspectos positivos. Sobre os dis utilizados, o smartphone apareceu como o principal, com 91,7% das respostas (Figura 3a).
Essa escolha mostrou uma associação significativa com a frequência de uso das redes sociais (χ²(12)=21,73; p=0,0406; V=0,123) (Figuras 3b e 4), ou seja, o tipo de aparelho está ligado ao tempo que a pessoa passa conectada — e o celular, por estar sempre à mão, tende a favorecer um uso mais intenso.
Figura 3 – (a) Dispositivos mais utilizados para acesso à internet pelos participantes. (b) Frequência diária de uso das redes sociais entre os participantes.
Figura 4 – Associação entre tipo de dispositivo e frequência de uso das redes sociais (χ²(12)=21,73; p=0,0406; V=0,123).
Em relação à frequência de acesso, 36,9% disseram passar 2 horas por dia nas redes, 34,1% usam 5 horas por dia, 18,4% mais de 8
horas, e 10,6% afirmaram não usar todos os dias (Figura 3b).
Esses resultados reforçam que as experiências pessoais influenciam diretamente a forma como as pessoas enxergam os riscos e limites da tecnologia.
Por fim, 98,2% afirmaram usar redes sociais, o que mostra como o acesso é praticamente universal entre os participantes.
A partir de todas essas análises, tanto as porcentagens quanto os testes estatísticos, é possível concluir que o uso precoce e prolongado das redes sociais está associado a mudanças de comportamento, incluindo maior exposição a conteúdos inapropriados, preocupação com aparência e maior tempo de tela,
fatores que, juntos, podem impactar o bem-estar emocional e o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.
4. DISCUSSÃO
A análise dos dados obtidos no questionário mostrou com clareza que o uso das redes sociais causa tanto efeitos positivos quanto negativos no desenvolvimento emocional, social e cognitivo de crianças e adolescentes. Os resultados confirmam o que outros estudos já apontam: o uso precoce e intenso das redes está ligado a mudanças de comportamento e de percepção sobre si e o mundo (Park, et al., 2024; Cavalcante, 2024).
Os gráficos e testes estatísticos apresentados reforçam essa dualidade. Um dos resultados mais marcantes foi a relação entre as crianças que falam sobre temas considerados avançados para a idade e aquelas preocupadas com aparência e corpo. A correlação de Spearman (ρ = 0,379; p < 0,001) mostrou uma ligação positiva moderada entre esses dois fatores. Isso significa que, quanto mais os participantes percebem falas “adultas” em crianças, mais também observam preocupações com a
aparência algo que reforça a ideia de adultização precoce, descrita por Suárez-Álvarez (2022) e por Cavalcante (2024), e que vem crescendo com o acesso livre a conteúdos de influenciadores e padrões estéticos nas redes.
Outro ponto importante foi a ligação entre o tipo de dispositivo e a frequência de uso das redes sociais, que apresentou associação significativa (χ² (12) = 21,73; p=0,0406; V=0,123). O smartphone foi o principal meio de acesso (91,7%), e esse dado ajuda a explicar por que o tempo de exposição é tão alto: o celular está sempre à disposição e favorece o uso contínuo, algo que já vem sendo apontado por Tchicusse (2025) como fator de dependência digital e impacto sobre o sono e a concentração.
Os resultados também dialogam com as pesquisas de Azevedo e Torres (2023), que falam sobre a vulnerabilidade digital e o papel da família como mediadora. A maioria dos entrevistados deste estudo (96,8%) indicou os pais e responsáveis como principais orientadores do uso da internet, confirmando o que autores como Odgers e Jensen (2020) e a própria American Psychological Association (APA, 2023) destacam: a mediação parental é um dos fatores mais importantes para reduzir os riscos do uso das redes sociais. Essa mediação familiar é fundamental para equilibrar o uso de tecnologias e o desenvolvimento emocional, conforme também apontam Livingstone & Blum-Ross (2020), que destacam a importância de estratégias de parentalidade digital ativa.
Por outro lado, é importante lembrar que nem todos os efeitos são negativos. Os participantes também reconheceram que a internet pode trazer benefícios
importantes, como acesso a recursos educativos (51,6%) e estímulo à criatividade (24%). Esses dados dialogam com o que a UNESCO (2023) e Liu et al. (2022) apontam sobre o papel das tecnologias na aprendizagem e na ampliação do conhecimento global. Portanto, os resultados obtidos com base no questionário e nas análises estatísticas mostram que o uso das redes sociais é um fenômeno complexo, que depende muito do contexto e da forma como é conduzido. Quando há acompanhamento e orientação, as redes podem servir como ferramentas de aprendizado, socialização e criatividade. Mas, quando o uso é precoce, descontrolado e sem supervisão, os impactos negativos, como adultização, exposição excessiva e baixa autoestima, se tornam evidentes.
Esses achados reforçam a importância de educação digital nas escolas, limites de tempo de tela, participação familiar ativa e políticas públicas voltadas para o uso consciente da internet, garantindo que o ambiente digital possa ser um espaço de desenvolvimento saudável e não de risco.
5. CONCLUSÃO
De acordo com os resultados obtidos, foi possível perceber que o uso das redes sociais tem um papel duplo na vida de crianças e adolescentes: ao mesmo tempo em que oferece oportunidades de aprendizado, criatividade e socialização, também pode trazer riscos importantes quando o uso é precoce, prolongado ou sem acompanhamento.
A maior parte dos participantes (49,3%) acredita que o uso do celular deve começar apenas depois dos 13 anos, o que demonstra consciência sobre a importância da maturidade nessa fase. Além disso, 93,1% reconhecem que o acesso precoce às redes sociais pode prejudicar uma infância saudável, confirmando a preocupação com o bem-estar emocional das novas gerações.
Outro ponto importante foi a associação entre o tipo de dispositivo e a frequência de uso (χ²(12)=21,73; p=0,0406; V=0,123), indicando que o smartphone, por ser o aparelho mais utilizado, está relacionado ao uso mais intenso das redes sociais. Além disso, a correlação entre “preocupação com aparência” e “temas avançados” (ρ = 0,379; p < 0,001) mostrou que o contato precoce com certos conteúdos pode estimular adultização e comparação social, o que está de acordo com estudos recentes (Cavalcante, 2024; SuárezÁlvarez, 2022).
Apesar dos riscos identificados, os entrevistados também destacaram aspectos
positivos, como o acesso a conteúdos educativos (51,6%) e o estímulo à criatividade (24%), reforçando que a internet pode ser uma ferramenta de desenvolvimento quando bem utilizada.
Assim, conclui-se que o uso equilibrado das redes sociais depende principalmente da orientação familiar e da educação digital. A maioria dos participantes (96,8%) apontou os pais e responsáveis como os principais mediadores, o que mostra o papel essencial da família para garantir que a experiência digital seja positiva.
Portanto, o estudo reforça a importância de ensinar o uso consciente da tecnologia, estabelecer limites claros e estimular o diálogo entre pais, filhos e escolas.
Com orientação, as redes podem se tornar espaços de troca, aprendizado e expressão, mas sem acompanhamento, podem gerar impactos emocionais e comportamentais negativos.
Para pesquisas futuras, seria interessante ampliar o público-alvo, incluindo diferentes faixas etárias e contextos sociais, e aprofundar as análises sobre os efeitos de longo prazo do uso das redes. Dessa
forma, será possível compreender com mais clareza como o mundo digital influencia o desenvolvimento das novas gerações e como podemos torná-lo um ambiente mais saudável e seguro para todos.
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Abordagens terapêuticas para doença de Alzheimer: química verde, células-tronco e musicoterapia
Gabriel Rio, Giovana Borali, Vinícius Massao e Yasmim Dreos
A Doença de Alzheimer (DA) é um distúrbio neurodegenerativo caracterizado pela perda progressiva das funções cognitivas, geralmente associada ao envelhecimento. Este artigo tem como objetivo analisar terapias experimentais e não convencionais — química verde, terapia com células-tronco e musicoterapia — no tratamento e na melhoria da qualidade de vida de pacientes com DA, por meio de revisão de literatura. A química verde investiga compostos naturais, como alcaloides, flavonoides, chalconas e cumarinas, com potencial para inibir enzimas ligadas à degradação da acetilcolina e à agregação da proteína tau. Esses compostos podem representar alternativas mais seguras e sustentáveis em relação a fármacos sintéticos. A terapia com células-tronco busca regenerar tecidos neuronais e restabelecer conexões sinápticas. Células pluripotentes induzidas (iPSCs) e embrionárias (ESCs) demonstram potencial promissor, embora desafios como rejeição imunológica e risco tumoral ainda limitem sua aplicação. A musicoterapia, por sua vez, atua de forma complementar, estimulando aspectos cognitivos, emocionais e sociais. Estudos indicam melhora em memória, atenção e bem-estar em alguns casos.
De modo geral, essas abordagens podem ampliar as perspectivas terapêuticas para a DA, mas exigem mais pesquisas para avaliar sua eficácia, segurança e aplicabilidade clínica.
1. INTRODUÇÃO
Doença de Alzheimer (DA) é um transtorno neurodegenerativo que consiste na deterioração progressiva das funções cognitivas. Essa patologia está associada ao acúmulo de placas de beta-amiloide e emaranhados de proteína tau no cérebro. Essas anomalias interferem na comunicação entre os neurônios, provocam inflamação, levam à morte celular gradual e danificam a bainha de mielina (FERREIRA, 2013). Inicialmente, caracterizada por sinais como lapsos de memória, confusão, ansiedade, tristeza, e o comprometimento da formação de novas memórias. À medida que avança, impacta outras áreas, como atenção, linguagem e pensamento, o que afeta a autonomia e gera a necessidade de assistência para atividades diárias básicas.
Além disso, provoca mudanças na personalidade e comportamento, podendo fazer com que o portador fique mais agitado e agressivo (FONSECA, 2023).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 50 milhões de pessoas são acometidas por algum tipo de demência, sendo de 50 a 70% desses casos relacionados à DA. Entre esses casos, a maior parte é causada por fatores exógenos, como estresse crônico e experiências traumáticas, e apenas 5% dos casos são atribuídos a mutações hereditárias (VASIC, 2019). Logo, diferentes fatores como a idade avançada, a predisposição genética e o estilo de vida pouco saudável, contribuem para maior disposição de desenvolver a doença (FERREIRA, 2013).
Os tratamentos convencionais para a DA visam melhorar a qualidade de vida funcional por meio do alívio de sintomas cognitivos, comportamentais e neuropsiquiátricos. Incluem inibidores da colinesterase, antagonistas NMDA e psicotrópicos. Os avanços no desenvolvimento de tratamentos para DA são modestos, mesmo sendo relevantes para a cognição e comportamento, e os medicamentos disponíveis apresentam efeitos colaterais significativos ao organismo humano. Vale ressaltar que ainda não existem tratamentos capazes de curar a DA, ou impedir sua progressão, apenas tratamentos paliativos (FONSECA, 2023).
Nesse cenário, os tratamentos experimentais, como a química verde, que, no contexto da DA, tem como objetivo desenvolver tratamentos menos prejudiciais ao organismo, através do desenvolvimento e implementação de produtos químicos e processos que minimizam ou eliminam substâncias prejudiciais à saúde humana (LENARDÃO, 2003). Além da química verde, o tratamento com células-tronco - que não são especializadas - possui a capacidade de formar tecidos específicos e apresenta potencial para tratar doenças neurodegenerativas por meio da engenharia de tecidos (SHAH, 2024). Entre os não convencionais, existe a musicoterapia, que utiliza elementos musicais para promover o bem-estar físico, emocional, cognitivo e social do portador, por meio da da influência que a música tem em diversas áreas do cérebro, como o hipocampo, a amígdala e o córtex préfrontal, associadas à memória,
emoções, foco, interação social e promover uma melhor qualidade de vida (SOUSA, 2021; GÓMEZ, 2017).
Dessa forma, diante dos desafios impostos pela Doença de Alzheimer, faz-se necessário entender a importância da implementação de abordagens terapêuticas complementares, a fim de otimizar os tratamentos convencionais e contribuir para uma melhora constante no quadro psíquico-clínico e qualidade de vida do paciente (VELLOSA, 2022). Este artigo tem como finalidade abordar a eficácia dessas terapias e sua importância no tratamento da referida patologia.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. DA e as terapias experimentais
A Doença de Alzheimer (DA) trata-se de uma condição que afeta progressivamente funções cognitivas vitais, como a memória, a linguagem e o raciocínio lógico (VELLOSA, 2022). Essas características estão relacionadas ao significativo processo de redução do volume cerebral dos pacientes pela perda de neurônios e degeneração de sinapses, ligadas no processo de formação do hipocampo (XU, 2020).
Além disso, a degradação da acetilcolina (ACh) pelas enzimas colinesterases (AChE e BuChE) e a formação de emaranhados neurofibrilares- aglomerações anormais da proteína Tau hiperfosforilada dentro dos neurônios, que comprometem a estrutura e o funcionamento das células nervosas, estão entre os fatores associados ao
avanço da DA. As AChE e BuChE se originam quando a proteína Tau, estabilizador de microtúbulos do neurônio, sofre hiperfosforilação, se desprende do citoesqueleto e passa a formar estruturas tóxicas, comprometendo a integridade celular (VELLOSA, 2022).
Em meio ao desconhecimento das causas e da cura do diagnóstico da DA (FERREIRA, 2013), as terapias de doenças neurodegenerativas, que prometem, além de combater sintomas, influenciar de forma positiva o combate à progressão da doença e aumentar a qualidade de vida dos pacientes (FONSECA, 2023), tornam-se ainda mais relevantes diante da crescente incidência da condição da DA e da necessidade de personalização dos tratamentos para uma melhor eficácia no combate às manifestações da doença (FONSECA, 2023).
O método de terapia experimental é empregado na biotecnologia como etapa preliminar ao desenvolvimento de novos tratamentos, visando avaliar sua eficácia e segurança antes da aplicação em pacientes. Essa fase investigativa corresponde ao início do processo de inovação terapêutica e busca fornecer parâmetros sobre os possíveis impactos positivos e negativos das intervenções propostas, de modo a garantir maior confiabilidade em sua utilização (ROSA, 2021).
2.2. A utilização da Química Verde
Entre as abordagens farmacológicas em fase experimental, destaca-se a aplicação dos princípios
da química verde na busca por tratamentos mais seguros e sustentáveis. Essa vertente propõe a elaboração de substâncias e processos químicos que minimizem os impactos negativos à saúde humana e ao meio ambiente, priorizando a redução da toxicidade e o uso de matérias-primas renováveis (ANASTAS; EGHBALI, 2010).
No contexto do tratamento da Doença de Alzheimer, esses princípios vêm sendo incorporados no desenvolvimento de novos fármacos que atuam sobre alvos específicos da doença, como as colinesterases, mas com menor risco de efeitos adversos em comparação aos medicamentos sintéticos convencionais.
Nesse sentido, a aplicação dos princípios gerais da química verde orienta pesquisas farmacológicas voltadas à DA, o que amplia a segurança dos compostos desenvolvidos e direciona os esforços científicos para alternativas mais sustentáveis e compatíveis com a saúde humana.
Nesse cenário, os alcaloides surgem como uma das classes de compostos naturais mais promissoras dentro da proposta da química verde no desenvolvimento de terapias mais seguras para a DA. Presentes em aproximadamente 25% das espécies vegetais, esses compostos nitrogenados têm demonstrado relevante atividade farmacológica. Estudos como o de Viayna et al. (2014) demonstraram que derivados híbridos de alcaloides apresentam atividade inibitória sobre as enzimas
acetilcolinesterase (AChE) e butirilcolinesterase (BuChE), responsáveis pela degradação da acetilcolina (ACh). Além de contribuírem para o aumento da disponibilidade da ACh, essas substâncias estão associadas à inibição da agregação da proteína tau, implicada na degeneração neuronal característica da DA (VELLOSA, 2022).
Em consonância com essa abordagem (ou pode ser ‘Dentro do mesmo contexto’, tentei ser mais formal), os flavonoides reforçam o potencial das substâncias naturais como instrumentos estratégicos no tratamento da DA. Presentes em diversas plantas, frutas e raízes, esses compostos poli fenólicos destacam-se por suas diversas propriedades farmacológicas especialmente pela ação inibitória sobre as enzimas acetilcolinesterase (AChE) e butirilcolinesterase (BuChE), responsáveis pela degradação da acetilcolina (ACh). Essa característica permite uma melhoria na comunicação neuronal, fator crucial no tratamento da DA. Estudos, como o de Sevindik e colaboradores (2015), evidenciaram a eficácia de flavonoides extraídos de Achillea millefolium L. em testes in vitro e in silico, confirmando sua interação com os sítios catalíticos dessas enzimas, além de apontarem efeitos neuroprotetores relevantes (VELLOSA, 2022).
Outro composto que apresenta propriedades semelhantes são as chalconas, encontradas em espécies vegetais e reconhecidos como precursores na biossíntese dos próprios flavonoides, destacam-se por
agregar múltiplas funções farmacológicas relevantes ao combate à DA. Evidências apresentadas por Zhang e colaboradores revelaram que alguns derivados sintéticos de chalconas exercem ação seletiva na inibição da acetilcolinesterase (AChE), além de possuírem atividade antioxidante e inibirem significativamente a monoamina oxidase B (MAO-B), enzima ligada à perda progressiva das capacidades cognitivas. Essa atuação mais complexa contribui para a preservação da função neuronal, complementando os benefícios observados com os flavonoides (VELLOSA, 2022).
Seguindo essa mesma linha de exploração de compostos naturais com potencial farmacológico, as cumarinas surgem como mais uma classe de substâncias de interesse no desenvolvimento de estratégias terapêuticas para a DA. Encontradas em uma grande diversidade de fontes vegetais e até em produtos de origem animal, como o mel, essas moléculas não apenas se restringem a usos cosméticos ou alimentícios, mas também a avanços em pesquisas que apontam que os derivados de cumarinas apresentam uma importante capacidade de inibir a enzima acetilcolinesterase (AChE); destacamse, em particular, aqueles modificados com subunidades específicas, como a N-fenilpiperazina, contribuindo para o aumento da disponibilidade de acetilcolina (ACh) (VELLOSA, 2022).
Além dessas propriedades farmacológicas promissoras, os compostos naturais analisados apresentam importantes vantagens em
relação aos fármacos sintéticos, principalmente no que diz respeito à toxicidade reduzida e à seletividade para alvos terapêuticos. Por serem obtidos de fontes naturais e renováveis, essas substâncias estão alinhadas aos princípios da química verde, que busca minimizar os impactos ambientais e à saúde humana por meio do desenvolvimento de processos químicos mais limpos, sustentáveis e seguros. Assim, a incorporação desses compostos naturais no desenvolvimento de novas terapias para a Doença de Alzheimer representa não apenas um avanço biomédico, mas também uma abordagem ecologicamente responsável.
Apesar do potencial promissor da química verde no desenvolvimento de terapias mais seguras e sustentáveis, a implementação de seus princípios enfrenta desafios relevantes. A adaptação dos processos de síntese e formulação para atender às exigências da química verde pode acarretar aumento de custos e complexidade operacional. Além disso, a transição de métodos tradicionais para alternativas mais ecológicas demanda investimentos significativos em pesquisa e desenvolvimento, bem como ajustes em infraestrutura e conformidade regulatória. Tais fatores limitam, em certa medida, a aplicação ampla da química verde na indústria farmacêutica, sobretudo em contextos de recursos financeiros restritos e alta rigidez normativa (AHMAD, 2024).
2.3. O papel das Células- Tronco
As vertentes farmacológicas sintéticas e associadas à química
verde, por mais que sejam usadas para a estabilização dos comportamentos cognitivos dos portadores da doença, não impedem a destruição dos neurônios. Até o momento, o combate dos causadores dos sintomas da DA é inviável de ser tratado através de medicamentos convencionais. Assim, a criação da terapia experimental de células-tronco para o tratamento da DA busca potencializar a reconexão sináptica e modulação imunológica, de forma a realizar uma reposição neural e retardar a morte celular. (SOUSA, 2022).
As células-tronco consistem em células não especializadas e indiferenciadas capazes de se distinguirem na composição de tecidos particulares. Sua plasticidade permite classificá-las em totipotentes, pluripotentes e multipotentes (MELLO, 2004). A utilização desse tipo de célula no tratamento de doenças neurodegenerativas busca o desenvolvimento de alternativas que ampliem o bem-estar de portadores de DA. As células são usadas na criação e reparação de tecidos danificados no corpo humano e são responsáveis pelo retardo da progressão de sintomas mais agudos da doença (PAIM, 2007).
Dentre as três células mais utilizadas, as células-tronco mesenquimais (ASCs), quando comparadas às célula-tronco embrionárias (ESCs) e as pluripotentes induzidas (iPSCs), possuem menor plasticidade e capacidade de proliferação, de modo a limitar sua utilização no cérebro humano. Embora as ESCs possuam maior pluripotência, sua utilização é dificultada em
pesquisas e estudos, porque sua extração ocorre através de embriões humanos. Ainda que seja possível identificá-las por meio de biópsias que não afetam os embriões, estas alternativas enfrentam problemas éticos dentro da ciência (FERREIRA, 2019).
Já a extração das células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs) é realizada por meio de uma reprogramação de células adultas que já eram especializadas (BOSI, 2010).
Com a utilização de fatores de transcrição, como o OCT4, SOX2 e KLF4, é possível retornar estruturas celulares diferenciadas em uma forma mais plástica e potente permitindo gerar neurônios funcionalmente maduros e modificá-los em subtipos neuronais (RECCHIA, 2020).
O propósito do uso de célulastronco no tratamento de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, faz parte de um longo processo de descobertas e aprimoramento da biotecnologia ao longo das décadas. Um dos grandes avanços consiste na constante demonstração da importância das vias Notch e PI3k/AKT, que podem promover a determinação mais precisa nos resultados da diferenciação das células embrionárias e pluripotentes induzidas (ZHENG, 2024).
Em pesquisas feitas em camundongos que possuíam a DA, os animais que receberam células-tronco hematopoiéticas demonstraram um acúmulo menor de β-amiloide e a neuroinflamação reduzida, apresentando, assim, a memória mais preservada (SHAH, 2024). Como tanto as ESCs e iPSCs podem se diferenciar
em hematopoiéticas, sua utilização demonstra resultados na diminuição de placas β-amiloide, contribuindo para a um impacto positivo na prevenção do agravamento da doença (ZHAO, 2020).
Para além disso, estudos com camundongos demonstraram uma relação entre o nível de Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (BDNF), uma neurotrofina importante para a sobrevivência e fortalecimento neural, e a aplicação de células-tronco neoplásicas (NSCs). Entre as atuações da NSCs nos animais afetados, a célula foi responsável por recuperar a perda de sinapses e suplementar o conjunto de proteínas BDNF. A partir da descoberta dessa propriedade da NSCs, o BDNF passou a ser evidenciado como estratégia terapêutica, visto que ele aumenta o potencial das células-tronco no tratamento de doenças neurodegenerativas (WU, 2016). Entretanto, por estar em uma fase experimental e pré-clínica, a terapia regenerativa na DA ainda possui limitações. Dentre elas, os riscos de formação de tumores (teratomas) e respostas imunológicas adversas são desafios clínicos que o tratamento apresenta, principalmente, quando as células não são totalmente diferenciadas (MENDES, 2024). Ademais, também existe a possibilidade de alterações nos circuitos neurais de pacientes durante o tratamento que podem gerar sintomas e reações adversas (KRISHNA, 2023).
A rejeição imunológica pode ser consequência da utilização de uma homotransplantação, transplante de tecidos de uma mesma espécie que são geneticamente diferentes, em que
as células implantadas são vistas como ameaça pelo sistema imunológico e são combatidas, de modo a comprometer a eficácia do tratamento. Além disso, essa incompatibilidade pode ser acometida pelo fato da DA consistir em um estado inflamatório crônico que dificulta a implantação das células-tronco (ORLANDO, 2019).
2.4. A musicoterapia como terapia não-convencional.
Apesar de estratégias regenerativas, como a terapia com células-tronco, apresentarem grande potencial para reparar danos neuronais, desafios como a rejeição imunológica e o contexto inflamatório crônico da DA ainda limitam a eficácia e a viabilidade ampla dessas intervenções (ORLANDO, 2019). Essas barreiras demonstram que, por mais avançadas que sejam as terapias que atuam diretamente no nível celular, ainda é necessário considerar alternativas complementares para garantir qualidade de vida ao paciente. Nesse sentido, é possível destacar abordagens não convencionais, voltadas a favorecer a preservação das funções cognitivas e o bem-estar dos portadores de DA. Essas terapias buscam ir além da ação puramente fisiológica, atuando no estímulo mental, emocional e social, e consolidam-se como estratégias na construção de um cuidado mais humano, abrangente e alinhado às necessidades dos pacientes (PEIXOTO, 2023).
A musicoterapia é uma prática terapêutica não convencional, que, por meio da intervenção de profissionais
qualificados, utiliza-se de recursos sonoros e musicais, com a finalidade de promover o bem-estar biopsicossocial dos pacientes (MIRADOURO, 2015).
No que se refere às aplicações clínicas, se trata de uma terapia recomendada para auxiliar no tratamento e reabilitação de diversas condições como: doenças neurodegenerativas - DA e Doença de Parkinson (DP) -, transtornos mentaisansiedade e depressão -, Acidente Vascular Cerebral (AVC) e Transtorno do Espectro Autista (TEA) (GÓMEZ, 2017).
No contexto da DA, pode ser recomendada principalmente para idosos em estágios leve a moderado e diante do cenário de envelhecimento populacional - em que de acordo com o Censo Demográfico 2022, a população idosa registrou um aumento expressivo em relação a 2010 (IBGE, 2022) -, sua aplicação torna-se cada vez mais relevante (MIRADOURO, 2015). Assim, pode ser recomendada como tratamento complementar para pacientes que enfrentam prejuízos cognitivos e emocionais, com o intuito de melhorar sua qualidade de vida sem recorrer exclusivamente a medicamentos.
Dessa maneira, o tratamento pode ocorrer através de duas técnicas distintas: a ativa em que o paciente participa diretamente cantando, tocando instrumentos e dançando; ou a receptiva no qual o paciente escuta músicas selecionadas para estimular emoções e memórias (MIRADOURO, 2015).
Entretanto, os efeitos da musicoterapia podem variar em função de fatores como a regularidade das
sessões - sendo relevante destacar que a continuidade do tratamento é essencial, já que seus possíveis benefícios tendem a desaparecer após algumas semanas de interrupção da terapia -, o ambiente em que são realizadas - que deve ser acolhedor, tranquilo e propício à concentração e interação - e a dinâmica de participação (coletiva ou individual) - promovendo socialização e o fortalecimento de vínculos afetivos, que são tão afetados pela DA (MIRADOURO, 2015).
Nesse sentido, essa terapia através da música e de seus elementos, é passível de atuar ativando diversas regiões do cérebro, de modo a possivelmente estimular áreas fundamentais para as funções cognitivas, emocionais, motoras e fisiológicas dos portadores de DA. Dessa forma, para compreender os potenciais benefícios deste tratamento, é importante analisar como ela influencia áreas cerebrais distintas, as quais medeiam diferentes funções essenciais para a qualidade de vida (GÓMEZ, 2017).
No hipocampo, região crucial para a formação e recuperação das memórias, a musicoterapia pode estimular a evocação das lembranças autobiográficas, preservadas mesmo em estágios mais avançados da doença. Isso pode contribuir para a reconexão com a própria história de vida e conduzir ao reforço da identidade do paciente, que é perdida conforme a progressão da patologia (MIRADOURO, 2015).
O sistema límbico, que engloba estruturas como a amígdala, é ativado pela música, possivelmente promovendo o equilíbrio neuroquímico
e favorece a estabilização emocional sem o uso de medicamentos, bem como a melhora do humor e da autoestima. Isso ocorre à medida que evoca memórias afetivas e emoções positivas, promovendo consequentemente bem-estar e reduzindo sintomas emocionais como ansiedade, irritabilidade e agitação. (PEIXOTO, 2023).
Por sua vez, as áreas do córtex, como o pré-frontal, respondem aos estímulos musicais por meio do possível aprimoramento das funções executivas, como a atenção, o planejamento e o controle emocional, o que gradualmente melhora a capacidade cognitiva dos pacientes. O temporal está diretamente envolvido no processamento auditivo e linguístico e, ao ser estimulado pela musicoterapia, pode promover a melhora da comunicação, da linguagem e da prosódia. No âmbito social, isso favorece a comunicação verbal e nãoverbal, resgata a expressão pessoal do portador de DA e reforça seus vínculos afetivos (GÓMEZ, 2017). Outra área do córtex diretamente impactada pela musicoterapia é o parietal, responsável pela integração sensorial e espacial, possivelmente resultando em maior atenção e percepção do ambiente. As regiões motoras do cérebro, como o córtex motor e o cerebelo, por sua vez, são ativadas especialmente nas técnicas que envolvem o movimento, o que pode contribuir para a melhora da coordenação motora e do ritmo (GÓMEZ, 2017).
Além disso, a atuação da musicoterapia nos circuitos corticais e subcorticais envolvidos na mediação das respostas emocionais e cognitivas
pode ativar o sistema nervoso autônomo e o sistema neuroendócrino, que possivelmente leva à liberação de hormônios sexuais (testosterona e estradiol), que podem exercer efeito neuroprotetor e auxiliar na proteção das células. Dessa forma, pode contribuir para a regulação hormonal e fisiológica, que pode favorecer estabilidade emocional e a preservação das funções cerebrais (MIRADOURO, 2015)
Nesse sentido, tendo em mente os benefícios proporcionados pela musicoterapia, torna-se relevante destacar que possui algumas limitações - questões que, embora não constituam o foco do artigo, representam oportunidades para investigações futuras -, como eficácia reduzida em estágios avançados da patologia, necessidade de continuidade, falta de padronização nas técnicas e protocolos utilizados e a escassez de estudos com acompanhamento de longo prazo (MIRADOURO, 2015).
3. Considerações finais
Portanto, esse artigo tem por objetivo analisar como utilização das terapias experimentais, que abrangem a química-verde e a terapia regenerativa de células-tronco, e a terapia não-convencional da música no tratamento e beneficiação dos portadores de DA. De modo a desenvolver técnicas menos prejudiciais ao organismo e promover o bem-estar e melhorar a qualidade de vida do paciente.
A química verde, ao utilizar compostos naturais, como os alcaloides, flavonoides, chalconas e
cumarinas, é parte de um tratamento seguro e sustentável. As células-tronco também se destacam como terapia regenerativa pela eficácia das iPSCs e ESCs, em uma terapia não farmacológica que tem o escopo de impedir a progressão da doença, ainda que haja benefícios, há também limitações, como o risco de formação de tumores, respostas imunológicas adversas e alterações no circuito neural durante o tratamento.
Além disso, a terapia não convencional da música é responsável por estimular múltiplas áreas cerebrais, podendo promover benefícios cognitivos e emocionais em pacientes com a DA. Apesar desses efeitos, sua eficácia depende da constância dessa abordagem e enfrenta limitações em estágios avançados da doença.
A partir disso, essas abordagens terapêuticas funcionam como medidas complementares aos tratamentos convencionais, pois, embora apresentem resultados positivos, ainda possuem muitas limitações que impedem sua eficácia plena, como falta de estudos em acompanhamentos a longo prazo.
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12.
Ambiente emocional familiar e desenvolvimento infantil: impactos neurais, hormonais e emocionais da primeira infância
Ana Luiza Alvarez Frugoli, Fernanda Fagundes Camara, Luiza Midori Florio Tsukamoto e Maitê Pádua Galindo
A infância constitui um período crítico de desenvolvimento neurobiológico e psicológico, caracterizado por elevada plasticidade cerebral e sensibilidade a estímulos ambientais. Este estudo revisa a influência do ambiente emocional familiar sobre a saúde mental infantil, considerando fatores de risco, como estresse tóxico, divórcio parental mal conduzido e pressão excessiva por desempenho, e fatores de proteção, como afeto consistente e interação com animais de estimação. Evidências das neurociências indicam que a ativação prolongada do eixo hipotálamohipófise-adrenal (HPA) e níveis elevados de cortisol podem comprometer estruturas cerebrais essenciais, como o córtex pré-frontal, a amígdala e o hipocampo, impactando a regulação emocional, o comportamento e a formação de vínculos afetivos. Por outro lado, ambientes estáveis e enriquecidos promovem a consolidação de conexões neurais relacionadas à empatia, autorregulação emocional e resiliência. A literatura aponta que intervenções precoces, suporte emocional consistente e estímulos positivos no contexto familiar são fundamentais para prevenir efeitos adversos do estresse e favorecer o desenvolvimento integral. Conclui-se que a qualidade das experiências vividas na infância é determinante para o equilíbrio emocional e a saúde mental ao longo da vida, reforçando a necessidade de estratégias preventivas e de promoção do bemestar psicológico infantil.
1. INTRODUÇÃO
A infância é um período delicado e decisivo da vida humana. Mais do que uma fase marcada apenas por mudanças físicas, configura-se um momento em que a criança começa a formar as primeiras impressões sobre quem é, sobre as pessoas a seu redor e sobre o mundo em que vive. É uma construção que acontece de maneira intensa e que depende das experiências cotidianas, principalmente daquelas que envolvem afeto, segurança e estabilidade emocional. Por isso, compreender como fatores externos influenciam esse processo pode contribuir para garantir uma infância mais saudável e um desenvolvimento emocional e comportamental mais equilibrado ao longo da vida (SHONKOFF; PHILLIPS, 2000).
O ambiente emocional no qual a criança está inserida tem impacto direto no funcionamento do cérebro, especialmente nas fases mais sensíveis da infância. Quando exposta com frequência a situações de instabilidade, como brigas familiares, ausência de apoio emocional ou insegurança afetiva, a
criança pode sofrer alterações fisiológicas e hormonais. O aumento prolongado de hormônios como o cortisol e a adrenalina, por exemplo, pode comprometer áreas do cérebro como o córtex pré-frontal e a amígdala, responsáveis por regular emoções, desenvolver empatia e controlar impulsos (LUPIEN et al., 2009; McEWEN, 2012).
Nesse cenário, o divórcio dos pais aparece como um dos fatores comprometedores para o bem-estar emocional da criança quando ocorre de forma conflituosa e sem o suporte necessário. Embora a separação possa representar um alívio em contextos familiares marcados por conflitos constantes, quando ocorre sem diálogo, acolhimento ou acompanhamento psicológico, pode despertar sentimentos de medo, abandono e insegurança nos filhos. Esses impactos, muitas vezes silenciosos, se manifestam não apenas na infância, mas também nas fases posteriores, influenciando os modos de se relacionar e de lidar com as próprias emoções na vida adulta (KELLY, 2000; AMATO, 2000).
Além disso, a própria convivência familiar, mesmo em lares estruturados, pode exercer
uma pressão sobre o desenvolvimento emocional da criança. A família pode impor expectativas elevadas ao exigir resultados ou a cobrar comportamentos específicos de modo a criar um ambiente onde o erro não é aceito. Esse tipo de exigência pode desencadear ansiedade, baixa autoestima e dificuldade em lidar com frustrações (GINSBURG; SCHLOSSBERG, 2002; BAUMRIND, 1966).
Importante destacar que esse padrão pode se perpetuar ao longo das gerações e criar um padrão em que pais que passaram por muita pressão durante a infância reproduzem as mesmas cobranças com seus filhos (GRUSEC; DAVIDOV, 2010).
Por outro lado, há experiências que funcionam como um ajuste emocional:a convivência com animais de estimação é uma delas. Estudos recentes mostram que interações com cães, gatos ou outros animais domésticos podem reduzir o estresse, estimular a empatia e fortalecer os laços afetivos (BEETZ et al., 2012). Para crianças, especialmente em contextos de vulnerabilidade, o vínculo com um animal pode representar uma forma
de apoio emocional, ajudando a expressar sentimentos, desenvolver afeto e responsabilidade. Essas experiências podem funcionar como fatores de proteção ao promover equilíbrio e bem-estar mesmo diante de desafios (PUREWAL et al., 2017).
Considerando esses elementos, tanto os que representam riscos - conflito familiar, a ausência de afeto ou o divórcio mal conduzido - quanto os que funcionam como proteçãoconvivência com animais -, esta pesquisa investiga de que forma a saúde mental das crianças pode ser influenciada por tais contextos, reunindo diferentes perspectivas e contribuindo em práticas que colaborem na construção de ambientes preparados para acolher as necessidades emocionais da infância.
2. DESENVOLVIMENTO
A infância é uma fase de desenvolvimento cerebral acelerado, marcada pela formação de milhões de conexões neurais a todos os instantes processo conhecido como exuberância sináptica (Araújo & Carvalho, 2014). Essas conexões são moldadas pelas experiências da
criança, especialmente no ambiente familiar. Interações positivas fortalecem circuitos ligados à regulação emocional, linguagem e autocontrole, enquanto experiências negativas ou instáveis podem comprometer esse desenvolvimento (Souto, 2017).
Com o tempo, o cérebro realiza a chamada poda neural, eliminando conexões pouco utilizadas e consolidando as mais ativas. Essa seleção depende da qualidade e consistência dos estímulos recebidos. Regiões como o córtex pré-frontal e a amígdala são particularmente sensíveis nesse processo, visto que são influenciadas por fatores como afeto, previsibilidade e segurança emocional (Vilela, 2016).
A plasticidade cerebral da infância torna essa etapa uma janela de oportunidade para o aprendizado, mas também um período de vulnerabilidade a experiências adversas, cujos efeitos podem perdurar por toda a vida (Ministério da Saúde, 2015).
O cérebro da criança registra não apenas os estímulos positivos, mas também os negativos, como negligência, rejeição, punições físicas e exposição crônica ao
estresse. Tais experiências podem desencadear o chamado estresse tóxico, uma ativação prolongada do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), que prejudica a arquitetura cerebral (Center on the Developing Child, 2016). Esse eixo funciona como um circuito de comunicação entre o cérebro e o corpo, e é ativado sempre que o organismo percebe algum tipo de ameaça (GUNNAR; QUEVEDO, 2007). O processo começa no hipotálamo, uma estrutura cerebral que identifica o estressor e envia sinais à hipófise, que libera substâncias químicas responsáveis por estimular as glândulas adrenais, localizadas acima dos rins. Essas glândulas liberam o cortisol, o principal hormônio relacionado ao estresse (LUPIEN et al., 2009).
Quando a criança vive em contextos marcados por estresse constante, gritos, instabilidade ou ausência de cuidado emocional, o eixo HPA permanece hiperativado, elevando os níveis de cortisol e afetando negativamente o desenvolvimento de áreas como o hipocampo e o córtex pré-frontal (Souto, 2017; McCrory, De Brito & Viding, 2011). Essa configuração aumenta a vulnerabilidade
emocional e pode comprometer a saúde mental ao longo da vida. Estudos em neuroimagem indicam que crianças expostas a contextos desfavoráveis apresentam alterações estruturais e funcionais em regiões cerebrais críticas para a saúde mental. O hipocampo, por exemplo, tende a ter seu volume reduzido, o que prejudica a memória e a aprendizagem; a amígdala pode tornar-se hiper-reativa, aumentando a sensibilidade a ameaças; e o córtex pré-frontal pode ter seu desenvolvimento comprometido, afetando o controle inibitório e a tomada de decisões (McCrory, De Brito & Viding, 2011; Teicher & Samson, 2016).
Diante desse cenário, tornase evidente a relevância de ambientes familiares seguros, estáveis e emocionalmente nutritivos durante a infância. Pesquisas indicam que o ambiente emocional familiar não apenas influencia o comportamento cotidiano, mas também molda a organização e o desenvolvimento do cérebro infantil ("Safe, stable, nurturing environments for children", 2020; "Parental influences on neural mechanisms underlying emotion regulation" 2019). Em contextos
positivos, a neuroplasticidade favorece a aquisição de competências socioemocionais e a resiliência , e além de oferecer estabilidade e apoio, a criança encontra segurança para explorar o mundo, desenvolver empatia, aprender a lidar com emoções difíceis e construir autoestima. Por outro lado, em contextos adversos, quando esse ambiente é marcado por brigas constantes, ausência de afeto ou frieza emocional, o efeito sobre o cérebro infantil pode ser bastante negativo (SHONKOFF; PHILLIPS, 2000), podendo consolidar padrões disfuncionais de resposta emocional e estresse, com repercussões ao longo de toda sua vida (Souto, 2017).
Situações de estresse frequente dentro de casa como conflitos entre os pais, cobranças excessivas ou negligência emocional ativam no corpo da criança o eixo HPA. Em algumas situações, o cortisol tem uma função importante: preparar o corpo para reagir a desafios, aumentando o estado de alerta, a frequência cardíaca e a liberação de energia. Porém, quando a produção desse hormônio se torna constante, o que acontece com crianças expostas
diariamente a ambientes emocionalmente instáveis, o organismo entra em estado de alerta permanente e corpo passa a funcionar como se estivesse sob ameaça constante, mesmo quando o perigo não é real (McEWEN; STELLAR, 1993).
A exposição contínua aos altos níveis de cortisol interfere no desenvolvimento cerebral, pois, quando excretado em excesso pode prejudicar o amadurecimento do córtex pré-frontal, que está envolvido em funções como tomada de decisões, planejamento, controle de impulsos e regulação emocional. O córtex, que continua se desenvolvendo até o início da vida adulta, é sensível às influências do ambiente durante a infância (CASEY; JONES; HARE, 2008) e a exposição ao hormônio torna mais difícil para a criança pensar antes de agir, manter a atenção, organizar pensamentos e lidar com emoções intensas.
Ao mesmo tempo, o excesso de cortisol não afeta apenas o córtex pré-frontal, mas também o funcionamento da amígdala, que atua como um processador cognitivo de estímulos de ameaça. Ela analisa o ambiente e identifica sinais de
ameaça, perigo ou tensão, localizada mais profundamente ao cérebro, dentro do sistema límbicoum sistema fundamental para o equilíbrio emocional, e por regular as emoções, as memórias afetivas e as motivações básicas - a amígdala analisa o ambiente e identifica sinais de perigo, ameaça ou tensão. Em situações de estresse contínuo, como quando a criança vive em um ambiente familiar tenso ou instável, a amígdala passa a trabalhar de forma exagerada, ou seja, identifica qualquer circunstância como ameaçadora, mesmo quando não há nenhum perigo real. Assim, a criança pode reagir com medo, nervosismo ou irritação diante de situações simples do dia a dia, como uma correção dos pais ou um barulho inesperado. O cérebro mantém-se em estado constante de hipervigilância, antecipando a possibilidade de eventos adversos, condição intensificada pelo cortisol. Quando ele é liberado em grandes quantidades e por muito tempo, fortalece esses alarmes do cérebro, deixando a amígdala ainda mais sensível. Com o passar do tempo, a criança pode crescer interpretando o mundo como um lugar inseguro, o que afeta sua forma de se relacionar,
confiar e lidar com as pessoas e suas emoções. (TOTTMAN et al., 2019; DAVIDSON; JACKSON; KALIN, 2000). Essas mudanças no cérebro são refletidas nas atitudes da criança: ela passa a apresentar um comportamento mais reativo e, por vezes, agressivo.
O ambiente familiar é o primeiro cenário onde a criança observa e aprende sobre afeto, limites e segurança emocional, além de como lidar com frustrações, como reagir diante de críticas e como confiar em quem está à sua volta (GINSBURG; SCHLOSSBERG, 2002; SHONKOFF; PHILLIPS, 2000). Lares que acolhem, validam sentimentos e permitem que a criança erre sem medo tendem a fortalecer a capacidade infantil de se conhecer, confiar e se relacionar com o outro (GRUSEC; DAVIDOV, 2010). Já em espaços onde ocorrem críticas constantes, distanciamento afetivo ou exigências rígidas, é comum que a criança desenvolva sentimentos de insegurança, insuficiência e vergonha de si, como se fosse necessário esconder quem realmente é apenas para ser aceita (BAUMRIND, 1966; CICCHETTI; TUCKER, 1994).
Quando a criança é exposta a um ambiente adverso, as experiências vivenciadas não permanecem no passado: elas se convertem em cicatrizes emocionais que podem se estender até a fase adulta, favorecendo o surgimento de ansiedade, depressão, agressividade e dificuldades nos vínculos afetivos (CICCHETTI; TUCKER, 1994; RUTTER, 2000).
Cuidar da saúde emocional na infância é um ato protetivo, possível de construir bases para o bem-estar no presente e no futuro. O que acontece dentro de casa, nas palavras, nos olhares, nos gestos de afeto ou na ausência deles molda a forma como o cérebro se organiza e pode definir a maneira de como a criança vai se relacionar consigo mesma e com o mundo ao seu redor.
Nesse contexto, eventos específicos que alteram a estrutura familiar, como o divórcio dos pais, podem representar momentos delicados para os filhos. Embora atualmente seja mais reconhecido como uma forma de reorganização familiar, essa transição pode afetar o bem-estar emocional da criança se não for conduzida de maneira cuidadosa. Estudos indicam que, mesmo quando os pais acreditam
agir em benefício da família, a separação pode gerar impactos negativos para os filhos (Eymann et al., 2019; Brito, 2007).
Quando a separação acontece em meio de brigas ou com ausência de afeto, algumas crianças podem sentir que tem algo distinto e mesmo que não consiga expressar com palavras, o seu cérebro, por ser imaturo, interpreta essa instabilidade como uma ameaça (Gunnar & Quevedo, 2007). Esse processo está diretamente ligado à neuroplasticidade, uma capacidade que o cérebro tem de se adaptar e aprender a partir das experiências vividas (Kolb & Gibb, 2011). Na infância, essa habilidade pode ser positiva quando o ambiente é marcado por afeto, estabilidade e acolhimento. No entanto, quando a realidade é cercada por conflitos, insegurança ou ausência emocional como pode ocorrer em divórcios conduzidos de forma conflituosa e sem suporte adequado , o cérebro também se adapta, mas com foco na sobrevivência. Nesses contextos, ele começa a construir caminhos baseados no medo, na desconfiança e na autoproteção (Cicchetti & Tucker, 1994). Esses padrões não desaparecem com o tempo: podem
se fixar e acompanhar a criança por muitos anos, influenciando profundamente a forma como ela sente, pensa e se relaciona com o mundo. Assim, podem surgir comportamentos como ansiedade, dificuldade de confiar nas pessoas, medo de ser rejeitada ou a necessidade de controlar tudo ao seu redor para se sentir segura (Rutter, 2000; Kelly, 2000). Essas respostas emocionais não são “birras” nem escolhas conscientes, mas marcas deixadas por um cérebro que tentou se proteger como pôde em um momento de dor.
No entanto, se faz necessário reiterar que apenas a separação dos pais não causa esse impacto e o que determina o efeito emocional é o modo como esse processo é conduzido (Kelly & Emery, 2003).
Quando os adultos conseguem manter o cuidado, a presença, o afeto e o diálogo ativo, a criança se sente segura mesmo em meio à mudança e podem compreender que a nova configuração familiar não representa, necessariamente, uma ameaça efetiva.
Por isso, independente do contexto da separação, o que realmente importa é garantir que a criança não se sinta sozinha nesse
processo. O cuidado com a saúde emocional da criança durante o divórcio não se restringe ao campo afetivo, mas também exerce influência direta nos processos fisiológicos. Um ambiente de acolhimento e estabilidade pode reduzir a ativação recorrente do eixo hipotálamo–hipófise–adrenal (HPA), responsável pela liberação de cortisol em situações de estresse (Gunnar & Quevedo, 2007). Dessa forma, ao evitar a exposição prolongada a esses gatilhos hormonais, aumenta-se a probabilidade de a criança desenvolver recursos emocionais mais adaptativos, capazes de favorecer vínculos saudáveis e uma percepção de si mesma mais equilibrada ao longo da vida.
Além de situações pontuais, como o divórcio dos pais, lares considerados estáveis podem exercer pressões de outra ordem sobre crianças que influenciam seu desenvolvimento emocional. Avaliações indicam que expectativas elevadas dos pais, relacionadas ao desempenho acadêmico e ao comportamento, podem estar associadas a níveis mais altos de ansiedade e ao medo de falhar na infância (Grolnick & Ryan, 1989;
McLeod et al., 2007). Crianças em processo de formação de identidade podem associar seu valor pessoal às conquistas, possibilitando a preocupação contínua com a aprovação dos responsáveis e relutância em assumir riscos ou cometer erros (Ryan & Deci, 2000; Chorpita & Barlow, 1998).
Esse medo, por sua vez, interfere diretamente em sua liberdade de experimentar, explorar e aprender. Segundo estudos como os de Sorkkila e Aunola (2020), ambientes familiares altamente exigentes estão associados ao surgimento de quadros de estresse crônico em crianças e adolescentes, além de sintomas de esgotamento emocional ainda durante a infância. Com o tempo, essa dinâmica influencia a forma como a criança percebe a si mesma e o mundo ao seu redor. Ao notar que seu reconhecimento depende principalmente dos resultados, e não de suas tentativas ou esforços, ela tende a avaliar seu valor com base apenas no desempenho, o que pode fragilizar sua autoestima. (SOENENS; VANSTEENKISTE, 2010). Esse processo pode contribuir para a construção de uma autoestima frágil e instável, que
depende de fatores externos para se manter. Soenens e Vansteenkiste (2010) destacam que essa forma de controle psicológico exercida pelos pais – mesmo que sutil – contribui para o surgimento de um padrão de perfeccionismo disfuncional e autocrítica elevada. Além disso, em alguns casos, a ansiedade pode se desenvolver diante de situações avaliativas, como provas escolares ou atividades públicas (FRIEDBEN; SMITH; JOHNSON, 2017).
Esse ciclo de cobrança e auto exigência pode se perpetuar na vida adulta. Grusec e Davidov (2010) apontam que os modelos parentais vivenciados na infância moldam as práticas de cuidado futuras, reforçando padrões que muitas vezes causam sofrimento, mesmo que de forma não intencional. Indivíduos que crescem sob intensa pressão podem se tornar adultos que mantêm altos padrões de exigência consigo mesmos, com dificuldade de reconhecer suas próprias conquistas. Além disso, repetem com seus próprios filhos o padrão de cobrança internalizado, perpetuando uma lógica geracional.
Em casos mais graves, o impacto dessa pressão contínua pode desencadear transtornos
emocionais sérios, como a fobia escolar, em que a criança evita o ambiente escolar por medo de falhar, e a ansiedade generalizada, marcada por preocupação excessiva, tensão constante e dificuldade em relaxar. Ginsburg e Schlossberg (2002) ressaltam que crianças expostas à cobrança constante e ao medo de desapontar os pais têm mais chances de desenvolver sintomas ansiosos relacionados ao desempenho, o que pode interferir diretamente na aprendizagem e na socialização.
Valorizar o esforço, aceitar o erro como parte do crescimento e construir relações baseadas na escuta e no apoio emocional são atitudes que fortalecem a saúde mental da criança e criam uma base emocional mais segura para o futuro.
Esse apoio emocional, importante para um desenvolvimento saudável, pode ocorrer em outras experiências além da relação familiar. Nesse sentido, o contato entre crianças e animais surge como uma forma valiosa de proporcionar companhia e segurança, contribuindo para que a criança desenvolva habilidades socioemocionais de maneira mais equilibrada.
Esta interação entre crianças e animais de estimação pode se configurar como um recurso para a regulação emocional e como um fator protetivo em contextos de vulnerabilidade. Além disso, o cuidado com o animal exige dedicação, tempo e atenção através de brincadeiras e afeto. Os benefícios se estendem ao autor: acariciar um animal pode reduzir níveis de cortisol e aumentar a produção de serotonina e dopamina, associados à felicidade. A liberação de oxitocina durante o contato com animais, por exemplo, está relacionada a efeitos calmantes e à melhoria da regulação emocional, reforçando o papel dos animais como agentes facilitadores do desenvolvimento psicológico saudável. Dessa forma, a combinação de um ambiente enriquecido, suporte emocional familiar e fatores protetores como o contato com animais pode potencializar os efeitos positivos das intervenções precoces, garantindo um desenvolvimento integral e resiliente.
Ademais, a presença de um animal pode promover uma relação de confiança, acolhimento e responsabilidade. É possível
identificar também, que o animal é capaz de fornecer para a criança amor, afeição e atenção, diante disso torna-se mais fácil fazer com que ela possa se sentir entusiasmada frente a relações interpessoais (MUELLER; FINE; GEE; BURES; CURL; JOHNSON, 2023). Além de proporcionar um alívio da rotina do cotidiano, bem como, momentos de lazer, sentir-se menos isolado, oportunidade de convivência e até comunicação com o animal e motivação. Nos benefícios emocionais, pode ser identificado, redução da ansiedade, espontaneidade das emoções como amor e atenção, momentos de relaxamento e alegria, constatação de valor e troca de afeto (CROSSMAN; KAZDIN; MATIJCZAK; KITT; SANTOS, 2020).
Em situações de ambientes familiares hostis ou instáveis, os animais representam uma fonte consistente de afeto e aceitação incondicional, funcionando como uma figura de apego seguro, que auxilia na autorregulação emocional da criança e no fortalecimento da autoestima (Sable, 2013). Esses vínculos afetivos são capazes de amenizar os impactos negativos de contextos adversos, promovendo
resiliência e maior estabilidade psicológica, além de favorecer o equilíbrio emocional necessário para o desenvolvimento saudável (Nimer & Lundahl, 2007). Assim, a presença constante de um animal de estimação pode atuar como um suporte emocional tangível, ampliando os recursos internos da criança para lidar com desafios cotidianos e adversidades no ambiente familiar.
Outro fator importante que vem ganhando destaque na literatura científica é o contato com animais de estimação como elemento de proteção emocional. Estudos indicam que a interação com animais pode reduzir significativamente os níveis de estresse, ansiedade e sintomas depressivos, além de promover um senso de companhia e segurança emocional, especialmente em crianças e adolescentes (Beetz et al., 2012).
3. CONCLUSÃO
A infância é um período marcado por intensa neuroplasticidade, o que torna o cérebro altamente sensível às
experiências do ambiente, especialmente no convívio familiar. Essa plasticidade, por um lado, pode favorecer o aprendizado emocional, mas, em contrapartida, torna a criança vulnerável a traumas, como negligência, rejeição e violência emocional. Quando exposto a contextos desfavoráveis como ambientes instáveis, cobranças excessivas, ausência de afeto ou conflitos familiares , o cérebro da criança registra essas experiências negativamente, de modo a ocasionar possíveis alterações em áreas fundamentais como o hipocampo, a amígdala e o córtex pré-frontal. Isso pode resultar em quadros de estresse tóxico, ansiedade, depressão, baixa autoestima e dificuldades na formação de vínculos afetivos.
Em contrapartida, ambientes familiares seguros, previsíveis e afetivos promovem o fortalecimento de conexões neurais relacionadas à empatia, autorregulação emocional e resiliência. O suporte emocional, o acolhimento e o respeito ao ritmo da criança incluindo a valorização do esforço e a aceitação dos erros são fundamentais para seu desenvolvimento saudável. Quando há diálogo e estabilidade emocional,
mesmo diante de situações adversas como o divórcio dos pais, é possível minimizar impactos negativos e proteger a saúde mental da criança.
Além disso, a presença de um animal de estimação pode funcionar como um fator de proteção. Em lares hostis ou emocionalmente distantes, os animais oferecem afeto, aceitação e estabilidade, auxiliando na regulação emocional e no fortalecimento da autoestima. O contato físico com os pets, por exemplo, ajuda a reduzir o cortisol e estimula a liberação de serotonina e dopamina, promovendo bem-estar.
4. REFERÊNCIAS
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O desenvolvimento psicossexual infantil e o consumo de pornografia: implicações
nas
relações afetivas adultas
Anne
Cardozo, César da Costa, Natália Freitas e Rafaela Mees
Este artigo aborda a relação do desenvolvimento psicossexual infantil com as determinadas fases que o compõe (oral, fálica e de latência), mostrando como ele pode ser afetado pela exposição precoce à pornografia (visto que há a liberação excessiva de dopamina no cérebro do infante) e a mal elaboração do Complexo de Édipo, caso haja uma carência de educação sexual e emocional - estas que devem ser pautadas no acolhimento e estabelecimento de um vínculo de confiança mútuo entre o responsável e a criança - durante a infância. Com isso, o objetivo principal da pesquisa teve base em uma análise de como esse impacto, durante o amadurecimento sexual, pode ter reflexo na maioridade do infante, levando em consideração, principalmente, seus relacionamentos afetivos e sua vida sexual, seja ele do gênero feminino ou masculino. Sendo assim, por meio de uma revisão bibliográfica, conclui-se que a educação emocional é um fatorchave para o desenvolvimento de relações mais saudáveis, baseadas em confiança, intimidade, engajamento mútuos e menos pautadas em estereótipos
1. INTRODUÇÃO
A sexualidade humana tem seu início durante a infância de cada ser. Dentro desse cenário, segundo Freud, existem fases as quais envolvem o desenvolvimento psicosexual de cada criança (FURTADO; VIEIRA, 2014).
O estágio oral - durante os primeiros doze meses de vida do bebê (EUZÉBIO, 2023) - é responsável pela primeira manifestação dos desejos inconscientes do infante. Enquanto isso, a fase fálica - que ocorre dos 4 aos 6 anos (EUZÉBIO, 2023) - marca a entrada do público infantil no Complexo de Édipo (MOLINARI, 2012), período marcado pela idealização da mãe, conduzindo a um sentimento subconsciente de amor espontâneo, e ao mesmo tempo, confrontando a figura paterna. Já a fase de latência - dos 6 anos até a puberdade (EUZÉBIO, 2023) - representa o momento em que as curiosidades sobre o próprio corpo são despertadas, causando assim, uma ânsia no infante em explorar sua sexualidade particular. Ao longo dos quatro primeiros anos de vida, até a chegada do período puberal, a educação
emocional e sexual entra como um álibi (DO ESPÍRITO SANTO; ARAÚJO, 2016) para auxiliar em uma elaboração saudável do Complexo de Édipo. É neste momento, durante a fase fálica, no qual a criança deve renunciar o desejo incestuoso pela mãe e passar a compreender o pai como uma figura de respeito, pois emerge-se a ameaça da privação do objeto de desejo, como elaborado na Teoria da Castração (FURTADO; VIEIRA, 2014). Além disso, a integração funcional do Complexo de Édipo, somada a tais orientações revelamse importantes como uma forma de prevenir que o infante busque por conteúdos pornográficos a fim de possuir suas dúvidas sanadas.
Caso tal direcionamento afetivo-sexual não seja devidamente transmitido durante a infância, a criança tende a idealizar inadequadamente a figura materna e paterna. Ademais, pode passar a acessar pornografia de forma excessiva - quando algo é consumido por um indivíduo em uma quantidade muito maior do que é considerado saudável, impactando em sua saúde física, social e mental (MACIEL, 2023) -, visto que o consumo
recorrente desse material libera uma grande parcela de dopamina no cérebro, o que altera as funções do sistema de recompensa e pode provocar modificações no córtex préfrontal do infante, em processo de maturação.
Diferentemente dos materiais eróticos - que além de explorar a sutileza e a sensualidade do ato sexual, preza pelo respeito a ambos os gêneros, masculino e feminino, os conteúdos pornográficos, a partir de seus cenários roteirizados e idealizados por uma indústria tradicional e hegemônica, podem fazer com que certos estereótipos sejam reafirmados, pois além de impor sobre a imagem da figura feminina uma ideia de submissão e inferioridade, favorece o comportamento controlador e machista no homem, o que fortalece o ideal da masculinidade viril (CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013). Nesse sentido, quando ocorre o consumo desse tipo de conteúdo precocemente, durante a terceira infância (DE JESUS RODRIGUES; JÚNIOR, 2022), o infante pode acabar enfrentando certas problemáticas que podem se manifestar ao longo de sua vida, pois
por ele ainda estar passando por um processo de amadurecimento sexual, a exposição à pornografia pode ocasionar uma deturpação da visão sobre o sexo e o relacionamento, impactando negativamente suas relações afetivas no futuro (CECCARELLI, 2013).
O presente estudo busca investigar, por meio de uma revisão bibliográfica, de que maneira a falta da educação sexual impulsiona o consumo de conteúdos pornográficos durante o desenvolvimento psicossexual infantil, aprofundando-se no Complexo de Édipo e suas consequências na hegemonia masculina. Dessa forma, a análise visa contribuir para uma compreensão mais igualitária das dinâmicas sexuais, problematizar o consumo excessivo de pornografia e ressaltar a importância da educação sexual durante a infância.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Infância
A infância é o momento em que ocorre o desenvolvimento social, cognitivo e emocional do ser
humano, por meio da expansão das suas relações com as pessoas que compõem o seu cotidiano. É durante este cenário que a sexualidade começa a ser construída, visto que neste momento também há um desenvolvimento psicossexual do infante (FURTADO; VIEIRA, 2014).
Com isso, o trabalho de Freud (1970) propôs uma divisão dessa formação em algumas fases, cujo o intuito é compreender a maneira como diferentes experiências moldam a constituição de cada sujeito e, consequentemente, suas relações afetivas.
Embora o psicanalista tenha feito tal delimitação em cinco estágios (EUZÉBIO, 2023) por fins de foco teórico e aprofundamento analítico, este estudo abordará apenas três dessas fases: oral, fálica e de latência.
2.1.1 Estágio oral
Esta etapa ocorre dentro da fase pré-genital, e se apresenta durante o primeiro ano de vida da criança. É uma fase marcada pela manifestação precoce da sexualidade infantil, podendo ser reconhecida, por exemplo, durante o período de amamentação (FURTADO; VIEIRA, 2014).
A mãe deposita no bebê toda sua devoção e investimento exclusivo no momento da amamentação. O bebê, por sua vez, obtém um prazer sexual oral além de satisfazer sua necessidade e se sentir cuidado, protegido e amado pela mãe. O amor envolve, necessariamente, uma relação com o outro, inicialmente a mãe. Ela constitui uma imagem de um ser desvalido que proporciona ao bebê um cuidado amoroso, que, momentaneamente, o completa e o livra do sentimento de desamparo. (Amado, 2003, p. 31).
É neste momento que ocorre o desenvolvimento do vínculo afetivo com a progenitora, visto que, de acordo com Freud (1914), a mãe, além de desenvolver funções indispensáveis para a sobrevivência do bebê, estabelece com ele uma relação simbiótica de dependência mútua, na qual a criança experimenta as primeiras formas de satisfação sexual.f
2.1.2 Fase fálica
Ocorrida entre os 4 e 6 anos de idade, marca a entrada da criança no Complexo de Édipo (MOLINARI, 2012), período moldado pela idealização do modelo materno, gerando um sentimento genuíno de
amor, e ao mesmo tempo, rivalizando a figura paterna.
Tal teoria surgiu a partir de Sófocles, um teatrólogo, escritor da tragédia clássica de Édipo Rei, em que o protagonista, sem saber, mata o pai e se casa com a própria mãe, cumprindo a profecia. Com isso, Freud desenvolveu o Complexo de Édipo, o qual refere-se à fase de desenvolvimento psicossexual infantil. No início da vida, a criança se enxerga como objeto e centro do mundo, ou seja, passa por um momento denominado narcisismo primário, período este, que reconhece o primeiro objeto de amor de uma criança: o seio materno (MOLINARI, 2012). Considerando que,
[...]os primeiros objetos sexuais de uma criança são as pessoas que se preocupam com sua alimentação, cuidados e proteção: isto é, no primeiro caso, sua mãe ou quem quer que a substitua. (Freud, 1914/2006, p.94)
Como consequência, esse objeto se amplia para a mãe, fazendo com que o bebê a reconheça como um objeto de satisfação. Tal elo constrói um modelo de felicidade que se mantém como referência na escolha de objetos amorosos posteriores. Desse modo, "a criança aprende a
amar outras pessoas que a ajudam em seu desamparo e satisfazem suas necessidades" (Freud, 1905/2006, p.210).
Nessa etapa, o menino deseja se conectar de maneira amorosa à mãe, ao mesmo tempo que nutre sentimentos hostis em relação ao pai (SOARES, 2017), considerando que este a possui. Tal desejo incestuoso, por não ser saciado, faz com que o infante tenha que encontrar outra forma de alcançar uma satisfação
total e um complemento do que ele sentiu que foi perdido, por isso, há o desvio desse desejo para outro objeto de amor.
Com isso, o apogeu do Complexo de Édipo se dá quando o garoto precisa realizar uma escolha pelo temor à castração (DE ULHÔA CINTRA, 2021): abandonar o desejo sexual que possui pela mãe, aceitando que ela "pertence" ao pai, em troca da preservação de seu pênis. Em uma resolução ideal do conflito edípico, o menino escolhe proteger o pênis e abandonar a figura materna. Dessa forma, ele deixa de desejar sexualmente a mãe e busca reprimir impulsos e fantasias. Simultaneamente, começa a se espelhar no pai, adotando-o como modelo de
comportamento masculino, além de tomá-lo como um ideal.
Sodré (2025) afirma que a qualidade das primeiras relações afetivas que a criança internaliza influenciará diretamente no sucesso de seus relacionamentos amorosos futuros. Portanto, as escolhas afetivas realizadas durante a infância servem como base para as decisões amorosas ao longo da vida. Logo, a não resolução do Complexo pode apresentar consequências na vida adulta, provindas das lacunas deixadas no período infantil.
O desenvolvimento de neuroses, dificuldades na aceitação de figuras autoritárias e estigmas relacionados à identidade de gênero se fazem presentes, até porque a maneira como a castração é tratada impacta diretamente na formação do Superego (EUZÉBIO, 2023)elemento estrutural do aparelho psíquico, responsável por imposição de sanções, normas, e padrõesCaso haja uma identificação e um respeito ao pai, ocorre o fortalecimento do mesmo, funcionando como um protetor das normas morais e éticas, por outro lado, caso ocorra uma elaboração inadequada pode-se verificar a
formação de um Superego frágil ou demasiadamente punitivo.
Portanto, a elaboração saudável do Complexo apresenta seus efeitos durante a vida do jovem, pois ele ajuda a desenvolver a constituição de um ego estruturado, da identidade sexual e da capacidade de amar. Além disso, o sujeito consegue distinguir e integrar os afetos sem permanecer fixo a figuras parentais (KAST, 2022), considerando que, uma vez que a criança reconhece que não pode possuir os pais como objetos de desejo, ela os toma como objetos de seu eu, desejando inconscientemente ser ou ter alguém como eles, portanto, internaliza seus genitores.
Dessa forma, quando mal elaborado, o ser acaba por ter fixações inconscientes e padrões relacionais disfuncionais³. Isso se faz notório pela dificuldade em estabelecer relações amorosas maduras e em diferenciar amor e desejo (FREUD, 1909), como se fosse impossível desejar sexualmente e amar profundamente a mesma pessoa. Tais efeitos são tidos como uma consequência de uma falha na simbolização do lugar do pai e da mãe no psiquismo da
criança (FREUD, 1912), que acaba por prejudicar a formação pessoal do sujeito que sente dificuldade em se relacionar de maneira ética e afetiva.
Embora a elaboração do complexo gere momentos de conflito, ele também faz-se essencial para que a criança comece a organizar suas emoções, internalizar limites e construir a base das suas relações afetivas futuras. Desse modo, pode-se afirmar que a vivência edípica faz com que o infante tenha que aprender a lidar com sentimentos intensos e, de certa forma, contraditórios - como o amor e a rivalidade -. Com isso, é recomendável que os responsáveis tenham um papel ativo nesse momento da vida da criança (por meio do apoio afetivo e da segurança emocional), pois ele depende da forma como eles mediam e acolhem tais emoções.
Por o infante estar passando por um momento de amadurecimento psicossexual, quando ocorre uma ausência da educação emocional e sexual por parte dos pais ou cuidadores, que pode ser marcada por silenciamento ou pela negação do que é sentido pela criança, a constituição desse complexo é comprometida.
2.1.3 Período de latência
Por último, tem-se o período de latência, fase vivenciada pela criança dos 6 anos até o momento de sua puberdade. É nesta etapa que o infante deve lidar com impulsos sexuais recalcados, impulsionando seus desejos sexuais de maneira assexuada, que são refletidos dentro de suas relações cotidianas (EUZÉBIO, 2023). É ao decorrer deste período que a criança começa a entender sua sexualidade por meio de sua identificação de gênero como menina ou menino, desencadeando curiosidades corporais e àquelas relacionadas aos atos sexuais, o que as desperta o desejo de explorar este campo desconhecido.
Entretanto, tal processo de amadurecimento acontece em meio a um tema socialmente vedado (PERA; CORREA, 2015) - devido aos preconceitos acumulados durante a história da sexualidade, as relações sexuais, uma vez que a sexualidade infantil gera certo constrangimento aos adultos, que entendem que o caráter ingênuo da criança deve ser preservado (DE JESUS RODRIGUES; JÚNIOR, 2022). E, por isso, como
apresentado por Schindhelm (2011), alguns genitores (DE JESUS RODRIGUES; JÚNIOR, 2022) acabam associando o sexo a algo proibido e inapropriado para a idade do infante, marginalizando um desejo inconsciente e, consequentemente, reprimindo a sexualidade infantil (PERA; CORREA, 2015).
Quando os sentimentos despertados são ignorados ou reprimidos, a criança perde a oportunidade de desenvolver recursos psíquicos para lidar com frustrações, desejos e afetos. Essa falha pode contribuir, futuramente, para a construção de uma sexualidade atravessada por angústias, idealizações e referências externas, como a pornografia, que podem ocupar o lugar do diálogo familiar. Diante disso, o primeiro contato da criança com a vida sexual pode ocorrer por meio do consumo de conteúdos pornográficos, os quais acabam se tornando a única forma de educação sobre sexo acessível a ela (PINTO et al., 2024).
2.2 Pornografia
Antes da puberdade, há um desejo natural de explorar a dimensão sexual. Diante disso, a
pornografia apresenta-se como um meio acessível para que o infante consiga compreender sua sexualidade pessoal, e potencialmente, influencia a forma como os jovens compreendem o sexo e os relacionamentos, deturpando sua visão sobre o que seria uma relação saudável (BRAUN-COURVILLE; ROJAS, 2009), em que há a satisfação conjugal baseada em aspectos positivos dentro do relacionamento (COSTA; MODESTO, 2020) - como uma boa comunicação, comprometimento e intimidade (BAUMEL et al., 2020) -. Nesse sentido, percebe-se que tal distorção ocorre quando a pornografia é consumida excessivamente e de maneira precoce, devido a alta liberação de neurotransmissores dopaminérgicos no cérebro de quem a assiste.
A dopamina é responsável pelo funcionamento do sistema de recompensa cerebral. Ela é relacionada a atividades que despertam o prazer no ser humano, como comer, se expor ao sol, fazer sexo e entre outros. Quando há a emissão da dopamina no cérebro, há também um estímulo que induz o organismo a compreender que
determinadas atividades devem ser repetidas, reforçando tais comportamentos. Esse mesmo mecanismo é ativado durante o consumo de conteúdos pornográficos, pois no momento em que há a exposição, ocorre a liberação desses neurotransmissores no cérebro, visto que as imagens e vídeos causam prazer ao espectador (DE JESUS RODRIGUES; JÚNIOR, 2022). O acesso recorrente a esse tipo de material provoca mudanças no circuito de recompensa cerebral. Se as funções desse circuito são alteradas, o córtex pré-frontal também é. O córtex, no período da pré-adolescência, ainda está em evolução, e tem como atribuição o controle de impulsos, a tomada de decisões e a regulação das emoções, aspectos que fazem parte do desenvolvimento cognitivo e emocional dos jovens (KÜHN; GALLINAT, 2014) Ou seja, se o préadolescente acessa materiais adultos durante um momento em que ainda está ocorrendo uma maturação cerebral, isso pode alterar sua visão sobre o sexo em geral e culminar em problemas em seus relacionamentos no futuro.
Além disso, tal deturpação também depende do tipo de conteúdo pornográfico acessado, ou seja, que gênero produz os conteúdos e para que gênero ele é destinado. Sendo assim, faz-se uma diferenciação entre a pornografia masculina (produzida e destinada ao homem) e feminina (produzida e destinada à mulher).
O conteúdo pornográfico criado por homens (MESSIAS, 2024) - o qual representa uma parcela da indústria pornográfica hegemônicaé caracterizado pela objetificação e submissão da mulher, de modo que, a responsabiliza pela plenitude do prazer do homem e consequentemente, a sugere como inferior (ARNAUD DE SÁ; DIAS OLIVEIRA; PENA PEREIRA, 2021). Com isso, os homens que endossam tal concepção, podem reconhecerse em uma posição de superioridade, dominância e controle (MESSIAS, 2024).
Dentro desse contexto, temse um reforço de um tipo de masculinidade, sendo esta a hegemônica (CONNEL, 1995) - visto que a hegemonia masculina coloca os homens em uma posição de superioridade dentro da sociedade, justificando a subordinação das
mulheres perante uma figura máscula e dominante (MESSIAS, 2024) -, a qual refere-se a uma configuração de condutas e práticas masculinas que normaliza a subordinação feminina perante a uma figura máscula e viril (FREUD, 1909). Tais ações, quando aplicadas no meio pornográfico, acabam por influenciar os meninos que assistem a seguirem a ideia de que eles precisam estar sempre no controle, pois compreendem que uma relação de poder onde a figura masculina está no topo é estabelecida a partir do momento em que há a dominação sob a mulher. Por conseguinte, o menino pode começar a apresentar atitudes machistas - como disseminar a opressão feminina, tratando tal figura como inferior (DAU, 2011) - e aceita mais facilmente, até mesmo, a violência sexual (GRUBBS et al., 2015).
Esse mesmo nicho pornográfico, quando consumido por meninas, devido a hipersexualização da figura feminina e as performances sexuais roteirizadas, pode ser responsável por causar inseguranças, visto que os padrões fictícios de sexualidade propagados dentro deste tipo de pornografia podem criar expectativas inatingíveis
quanto ao desempenho sexual e á aparência física, o que compromete negativamente a vivência sexual e emocional dos envolvidos em uma relação (ARAÚJO et al., 2023).
Desse modo, percebe-se que o consumo de conteúdos pornográficos traz aspectos negativos para ambos os gêneros, tendo em vista que há um reforço no receio feminino em relação ao sexo, o que fortalece determinadas inseguranças e também leva a figura masculina a idealizar um tipo ideal de mulher durante relações sexuaissendo estas objetificadasfortalecendo, atitudes machistas e dominadoras (GRUBBS et al., 2015).
Nesse contexto, tem-se a possibilidade de um nicho específico roteirizado e dirigido por mulheres com o objetivo de alcançar uma igualdade de gênero dentro das produções pornográficas, este que recebe o nome de pornografia feminista ou feminina e tem a finalidade de, além da desmistificação da objetificação, colocar a mulher em um cenário de protagonismo, sem ser tratada de maneira hostil e desrespeitosa, mostrando que existe relevância do
homem e da mulher na relação íntima (PEREIRA, 2023).
2.3 Consequências
A má resolução da vivência edípica resulta no fortalecimento do sentimento de paixão, em seu modo puro, inocente e irracional, pela figura materna. Já a indústria pornográfica intensifica uma visão feminina construída por ideais machistas que definem a mulher como submissa, inferior e objeto de prazer. Quando um determinado homem, que não teve uma resolução saudável do Complexo de Édipo, envelhece, ele pode buscar nas mulheres, as quais deseja se relacionar, características que se assemelham a sua mãe (FREUD, 1912), pois a atribuem valores relacionados ao cuidado, acolhimento, proteção e nutrição, entendendendo o objeto de amor como uma figura santificada.
Percepção essa, baseada na análise da psicóloga Verena Kast, a qual compreende tais projeções como prejudiciais, pois promovem uma percepção superficial diante das mulheres (KAST, 2022). No entanto, se esse mesmo homem consome a pornografia de maneira excessiva e precoce, ele pode desenvolver uma
idealização específica de parceiras femininas com disponibilidade sexual ousada (FREUD, 1909), como um mero objeto do prazer e sem envolvimento afetivo, distanciando-se daquilo que lhe foi projetado pela relação maternal.
Levando tal cenário em consideração, pode ser que haja uma cisão entre os sentimentos de amor e desejo (PEREIRA, 2023), pois essa parcela dos homens não conseguem amar castamente e desejar eroticamente a mesma mulher, justamente pela visão de uma mãe santa e uma parceira que atenda seus desejos sexuais, concepções estas, construídas pela marginalização da educação emocional e sexual e a má ou incompleta conclusão do Complexo de Édipo³.
Tal perspectiva pode apresentar seus impactos na vida do homem com relações instáveis, traições e a desvalorização afetiva, que acabam por comprometer a intimidade e a confiança no relacionamento (CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013). Esse comprometimento também traz reflexos na vida da figura feminina, principalmente ligados à questão sexual, pois com o rompimento da
conexão emocional e da segurança entre os parceiros, a mulher pode apresentar uma visão deturpada do que é o prazer (ARAÚJO et al., 2023), ficando ansiosa durante relações íntimas e desenvolver, até mesmo, disfunções sexuais, como a anorgasmia - que mesmo quando estimulada, ocorre a dificuldade de atingir o orgasmo (ESTUPARU, 2020).
Ademais, têm-se outras consequências psicológicas referentes às mulheres que lhe são atribuídas a visão santificada - ou seja, figuras femininas vistas como puras, maternais e virtuosas -, o que desvaloriza, consequentemente, outras mulheres, as quais acabam por ser consideradas como corrompidas ou indignas de amor. Esse contraste ocorre justamente devido ao olhar masculino, que enxerga dois tipos de mulheres idealizadas: aquelas que, inconscientemente, se assemelham à sua mãe - e, portanto, são tidas como inocentes - e aquelas que são consideradas inadequadas para se ter um relacionamento afetivo (SANTANA, 2016), visto que tal idealização provém apenas do desejo sexual.
Portanto, enquanto as mulheres julgadas como sagradas, acabam por ser excluídas das relações sexuais e ignoradas quanto ao próprio prazer, desenvolvendo sentimentos como rejeição e abandono, o que promove um cenário propício para a instauração da baixa autoestima e insegurança sob o próprio corpo (COSTA; SILVA, 2023). As demais - tidas como profanas - são invalidadas em áreas pessoais e profissionais, pois ao não exercerem o mesmo papel que a mulher vista como tradicional (àquela que é dominada e submissa ao seu marido), constrói-se a ideia de que, além delas serem incapazes de possuir intelecto, também não conseguem cuidar de uma família. Em síntese, a cisão entre amor e desejo - alimentada pela má resolução do Complexo de Édipo, consumo precoce e deturpado da pornografia e marginalização de uma educação sexual parental (SCHIDHELM15, 2011)compromete a construção de vínculos afetivos saudáveis, tanto para os homens quanto para as mulheres. De um lado, promove relações instáveis, marcadas por idealizações irreais e fragmentadas; de outro, reforça uma lógica de
desvalorização da mulher, seja no campo emocional, sexual ou social. Com isso, consolidam-se padrões afetivos disfuncionais que dificultam o desenvolvimento da intimidade, do respeito mútuo e da autonomia emocional dentro das relações (BATISTA, 2023).
3. CONCLUSÃO
O presente estudo teve o objetivo de discorrer sobre a infância e os três estágios simbólicos a partir da análise e associação de diferentes artigos, sendo estes, a fase oral, fálica e de latência, de maneira que entenda-se o desenvolvimento psicossexual infantil e que haja a devida problematização do infante em contato com a pornografia durante esse momento de maturação e os seus estigmas e impactos futuros.
A fase fálica é responsável por introduzir o infante ao Complexo de Édipo e trata-se de uma experiência individual. Conforme discorrido anteriormente, uma má resolução desse complexo compromete a capacidade de reconhecer figuras impositivas, gera dificuldade no auto entendimento sobre gênero, acarretando negativamente nas relações futuras -
como uma má compreensão da sexualidade feminina -, efeitos que são evitados caso ocorra uma boa resolução do Complexo de Édipo. E é através da castração que o infante passa a reconhecer a autoridade paterna e renuncia o desejo incestuoso pela mãe.
A fase de latência é caracterizada pela repressão dos impulsos sexuais infantis, momento em que a criança passa a lidar com o entendimento sobre a distinção entre o sexo feminino e masculino, levando a curiosidades relacionadas ao corpo e, consequentemente, às relações sexuais. No entanto, por ser considerado um paradigma social (FREUD, 1912), há uma carência de orientação sexual adequada, levando os infantes a buscarem por suas próprias respostas. A revisão bibliográfica evidenciou a possível busca da criança por conteúdos pornográficos, uma vez que tais tradições culturais impedem uma devida educação sexual. Tal marginalização, unida ao consumo excessivo de pornografia, pode prejudicar a forma como o hormônio da dopamina é liberado no cérebro infantil, o que pode ocasionar mudanças no córtex pré-frontal que ainda está em desenvolvimento,
culminando em uma percepção distorcida sobre as relações sexuais. A pornografia destinada ao homem aproxima-se de valores de uma hegemonia masculina, ao colocá-lo como superior e dominante em relação ás mulheres. Por isso, quando meninos têm contato com tal tipo de conteúdo de forma excessiva, isso pode acarretar em práticas machistas e manipuladoras em seus relacionamentos no futuro. Do mesmo modo, quando meninas acessam esse tipo de pornografia, quando expostas à um reforço da submissão da mulher e de padrões estéticos irreais, têm-se a possível formação de inseguranças e expectativas idealizadas. Com isso, a pornografia feminista entra como um agente na compreensão igualitária da sexualidade.
Por fim, a partir da análise realizada sobre o desenvolvimento psicossexual ao longo da infância e de como ele reflete nas relações afetivas do ser humano, percebe-se que a má elaboração do Complexo de Édipo, somada com o consumo pornográfico precoce e a ausência de educação emocional e sexual, impacta e influencia os relacionamentos futuros dos sujeitos que enfrentam essa situação, além
de desencadear distúrbios e estigmas pessoais, o que gera dificuldades em estabelecer vínculos saudáveis.
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