COHRE Bulletin Latin America Vol3 No.6 2010 - Portuguese

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Ano 3_No. 6 Março 2010

CENTRO PELO DIREITO À MORADIA CONTRA DESPEJOS

Boletim_ Direito à Moradia e à Cidade na América Latina 2010 | #06

Especial sobre Gestão e Participação democrática das cidades

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Editorial

Brasil

Argentina

México

Créditos | Apoios

Por uma efetiva gestão democrática das cidades

Direito à Moradia Digna e Participação Social

Direito à Cidade e gestão democrática Plano Urbano Ambiental da Cidade de Buenos Aires

Carta da cidade do México pelo direito à cidade Conquistas e perspectivas da participação social

Por Marcelo Corti

Por Enrique Ortiz

Por Regina Fátima C. F. Ferreira


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Editorial Por uma efetiva gestão democrática das cidades

Nos dias de hoje, a Democracia é o ponto central de qualquer integração mundial entre os países, seja em suas relações internas ou externas. Utilizase o discurso de implementação da democracia como requisito básico para inserção dos países no cenário mundial, assim como a defesa das liberdades civis e políticas. Uma política que atenda uma verdadeira representação democrática, compatível com as obrigações dos direitos humanos que defendemos, tem que contar com uma participação real e efetiva de todos os segmentos da sociedade nas instâncias que constroem processos de decisão política em um determinado país. O sistema democrático nos países propõe mecanismos de representatividade e de participação política institucionalizada, mas as imposições e regras do mercado, somadas a uma total desregulamentação do Estado (sem poder de intervenção e decisão), inviabilizam em vários países da região uma efetiva participação e representação política do conjunto da população, a qual nem sempre é considerada.

O que pensar, então, quando falamos de gestão democrática das cidades? Com efeito, existe uma verdadeira luta e pressão social para garantir que a sociedade civil tenha voz, participação e decisão nos processos de construção legal, de planejamento urbano, de políticas públicas e, propriamente, na gestão das cidades. O presente Boletim trata justamente disso, ou seja, do relato de experiências de participação popular para abertura nos processos decisórios que dizem respeito à cidade. Nesse sentido, Regina Ferreira aborda o processo de construção da participação popular no Brasil a partir da articulação dos movimentos e entidades para incidência no processo Constituinte de 1987, que resultou na promulgação da Constituição Federal de 1988. Regina faz importante reflexão sobre os festejados processos participativos brasileiros e sobre as dificuldades que existem para que realmente esses processos atendam as necessidades das comunidades de baixa renda no Brasil. Por outro lado, Marcelo Corti abordará os desafios de garantir a participação popular na cidade de Buenos Aires, onde se discute o planejamento urbano

a partir da análise do marco jurídico local, que garante certo grau de participação, mas é insuficiente e precisa ser aperfeiçoado para realmente existir. Além disso, Enrique Ortiz apresenta o relato da luta e da mobilização social existentes no México para a implementação do direito à cidade, as quais estão retratadas na “Carta de la Ciudad de México por el Derecho a la Ciudad” e, mais ainda, demonstra a importância da garantia de participação social como eixo estratégico da demanda apresentada perante o Governo Federal. É certo que o direito à cidade não se concretiza por si só. É necessário que sejam garantidos maiores processos de participação popular onde esteja previsto o protagonismo de todos e todas nas decisões que se implementam nas cidades como modo de realmente atuar democraticamente.

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Brasil Direito à Moradia Digna e Participação Social Por Regina Fátima C. F. Ferreira *

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A moradia como um direito foi incorporada ao texto da Constituição Brasileira em 2000, embora muito antes disto o Estado já fosse signatário de tratados e convenções internacionais que reconheciam o direito humano à moradia. No entanto, esse direito ainda não é uma realidade para a maior parte da população do Brasil. Retrato de um país cuja história, do colonialismo à redemocratização, é marcada pela apropriação da maior parte da riqueza por poucos, restando à grande maioria violação de seus direitos, exclusão e segregação sócio-territorial.

Ao mesmo tempo, temos um número de domicílios vagos que equivale a 75% do déficit habitacional, revelando que os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade — para que a propriedade cumpra sua função social — ainda são ferramentas distantes da sua aplicação por parte dos governos municipais no exercício da gestão das cidades.

Popular de Reforma Urbana, em 1987 – movimentos populares, sindicatos, organizações não governamentais, instituições de pesquisa, entre outras –, deram continuidade à mobilização e à luta, constituindo o Fórum Nacional de Reforma Urbana, hoje uma rede com mais de vinte anos de existência e presente em todos os estados brasileiros.

A história do Brasil é feita de luta e de organização social. E é justamente a luta pelo direito à moradia digna e à participação social na gestão das cidades que vamos abordar nos próximos parágrafos.

No Brasil, o déficit habitacional está em torno de 7 milhões de moradias; 15% do total de 53 milhões de domicílios existentes no país. Mais de 22% (11,3 milhões) do total de moradias são afetadas pela falta de algum tipo de infra-estrutura. Quase metade da população (83 milhões) não é atendida por sistemas de esgotos, 45 milhões de pessoas não têm acesso ao abastecimento de água e, quando falamos em mobilidade urbana, 37 milhões de pessoas não conseguem acessar o transporte urbano devido aos altos preços das tarifas.

Participação na gestão das cidades: o surgimento do Fórum Nacional de Reforma Urbana, Conselho das Cidades e Sistema e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social

Neste período, há que se destacar várias conquistas do movimento de reforma urbana: a aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001; a criação do Ministério das Cidades, em 2003 (a partir da eleição de Lula em 2002); a discussão das políticas urbanas através de conferências das cidades; a criação do Conselho das Cidades como resultado da 1ª Conferência Nacional, em 2003; e a aprovação da primeira lei de iniciativa popular, a Lei 11.124, que criou o Sistema e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS e FNHIS), em 2005.

Na esteira da redemocratização da década de 80, o movimento pela reforma urbana se rearticulou no País, conseguindo emplacar um pequeno capítulo sobre a política urbana que incorporou como princípios fundamentais a função social da propriedade e da cidade. 1 As organizações da sociedade civil que construíram a proposta de Emenda

A criação do Ministério das Cidades e do Conselho das Cidades (ConCidades) deu início à construção de uma estrutura normativa representativa e inovadora, quando consideramos a interação entre governo e sociedade. É importante que se diga que os

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Conselhos se constituíram, no Brasil, no formato institucional que materializa os artigos da Constituição Federal, onde se estabelece a participação e o controle social. Os Conselhos das Cidades – nacional, estaduais e municipais – vêm sendo implementados a partir da iniciativa de cada nível de governo, normalmente sob pressão da sociedade para instituí-los. Em 2007, do total de 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal, somente seis tinham Conselhos das Cidades em funcionamento. Em 2008, após a realização da 3ª Conferência das Cidades, este número se havia ampliado para 10 estados, além de mais 4 estados estarem se mobilizando para sua criação. Desafios para uma efetiva participação democrática das cidades Os Conselhos das Cidades podem ser considerados inovadores quando constituem-se em arranjos institucionais que viabilizam o diálogo contínuo entre os diversos segmentos da sociedade civil organizada e os governos, numa esfera pública onde a gestão dos conflitos e a construção de consenso são condições para que


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se avance na formulação e implementação das ações, das políticas e dos programas. Mas são conservadores quando — na sua dinâmica — reproduzem as práticas clientelistas caracterizadas pelo atendimento — pelo poder executivo — de demandas individualizadas ou corporativistas. Nossos Conselhos têm transitado entre a inovação e a reprodução do velho — as práticas clientelistas. Como um processo em construção e de aprendizado permanente, há muito o que se investir, tanto na formação dos sujeitos sociais, quanto no monitoramento e controle social sobre as políticas. Além disso, é fundamental que se avance na regulamentação através de leis destas esferas, garantindo-se seu caráter deliberativo e uma composição que tenha ampla participação dos diversos segmentos sociais. Em muitos estados e municípios — e até no âmbito nacional —, o Conselho das Cidades ainda é regulamentado através de um decreto, o que fragiliza sua atuação e existência enquanto uma política de Estado.

A aprovação da lei que criou o Sistema e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) marca uma luta histórica dos movimentos de moradia e foi um importante passo para a construção de uma política de habitação descentralizada e articulada, na medida em que vinculou o repasse de recursos do FNHIS à implantação de sistemas similares nos estados e municípios. No entanto, apesar da adesão formal de todos os estados e de mais de 90% dos municípios ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (dados de 2008), na prática, estados e municípios ainda estão em processo de construção de um Sistema de Habitação de Interesse Social. Poucos são os que já formularam sua política e seu plano de habitação de interesse social, constituíram um Fundo dotado de recursos próprios (do Estado ou do município) e têm Conselho Gestor deste Fundo em funcionamento. Importante ressaltar que essas são as condições para integrar o SHIS e concorrer a recursos do FNHIS. Assim, apesar dos avanços ocorridos nos últimos anos na abertura de espaços de participação social, são muitos os desafios para se garantir de

fato o direito à moradia e à cidade no Brasil. O êxito na construção de um sistema nacional de participação em torno das políticas urbanas, vinculado tanto ao Conselho das Cidades quanto ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, dependerá não só de uma nova concepção de política urbana que integre as políticas setoriais, os programas, os três níveis de governo (federal, estadual e municipal) e os diversos conselhos, mas, sobretudo, do protagonismo dos sujeitos sociais e da sua capacidade de produzir conflito e provocar mudanças.

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1. A Constituição Brasileira define que a propriedade deverá atender à sua função social. Desta forma, o direito de propriedade não pode ser exercido contra o interesse social ou coletivo, que deverá ser explicitado no Plano Diretor Municipal, conforme definiu o texto constitucional : “a propriedade cumpre a sua função social quando satisfaz as exigências fundamentais de ordenação da cidade, expressas no plano diretor” (CF. 1988, art. 182, parágrafo 2º). * Regina Fátima C. F. Ferreira. Arquiteta e urbanista, mestre em planejamento urbano e regional e educadora da organização não governamental FASE – Solidariedade e Educação, na qual atua como Assessora do Programa Nacional Direito à Cidade. Integra o Observatório das Metrópoles do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É Secretária Executiva do Fórum Nacional de Reforma Urbana e conselheira do ConCidades, representando a FASE/segmento das ONGs.


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Direito à Cidade e gestão democrática/ Argentina Plano Urbano Ambiental da Cidade de Buenos Aires

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Por Marcelo Corti *

Apesar de existirem mecanismos e regulamentos de participação democrática no atual Plano Urbano Ambiental da Cidade Autônoma de Buenos Aires, poucos são seus poderes reais e normas de gestão que permitem uma concreta realização do direito à cidade para todos os portenhos. Plano Urbano Ambiental (PUA): ambiguidade na regulamentação do direito à cidade e a gestão democrática. O Plano Urbano Ambiental (PUA) da Cidade Autônoma de Buenos Aires, Lei 2930,1 foi sancionado em 2008, após uma década de controvérsias sobre a sua elaboração. O anterior plano urbanístico da cidade datava de 1962; seu instrumento mais influente foi o Código de Planejamento Urbano de 19772 (que ainda está em vigor, mas com numerosas modificações). A Constituição da Cidade3 estabeleceu em 1996 a realização do PUA, “lei marco à qual deverão se ajustar a normativa urbanística e as obras públicas”. No entanto, ambos projetos de PUA — enviados ao Poder Legislativo da Cidade em 2000 e em 2004, respectivamente —, perderam status de projeto de lei devido a questionamentos de organizações da sociedade civil que consideravam que não haviam sido cumpridos os mecanismos participativos obrigatórios durante seu processo de elaboração.

O terceiro projeto do Plano Urbano Ambiental foi reduzido na sua extensão e na abrangência de seus programas e projetos em relação aos anteriores, com o objetivo de procurar o consenso necessário para sua aprovação. Esse plano, finalmente aprovado, resultou em um documento sintético, limitado a umas poucas linhas gerais de caráter territorial, setorial e instrumental. E nisso residem, precisamente, seus pontos fortes e suas debilidades.

sociais de menor renda, como às condições da qualidade ambiental que deve manter o habitat em seu conjunto”. O inciso “d” propõe especificamente “a promoção de políticas de aquisição de moradia dirigidas à população em situação de déficit habitacional”, mediante a resolução habitacional dos setores com dificuldades de acesso ao mercado imobiliário; a melhoria das situações habitacionais críticas e o uso de imóveis fiscais.

Em seu artigo 3º, o PUA propõe “como política de Estado, dar suporte ao processo de planejamento e de gestão da Cidade, a partir da materialização de consensos sociais sobre os aspectos mais significativos da cidade que se almeja e a transformação da cidade real, de maneira a dar resposta ao direito à cidade para todos seus habitantes” (grifos do autor). Depreende-se daqui o reconhecimento legal do direito à cidade que, entretanto, não é definido expressamente na Lei.4 Tal indefinição ocasiona uma notória ambiguidade sobre os conteúdos efetivos desse direito.

No entanto, o exercício efetivo desse direito à moradia é a dívida mais grave da democracia e da autonomia da Cidade de Buenos Aires. Segundo diferentes estimativas, o déficit de moradia poderia afetar pelo menos 200.000 pessoas (alguns consideram que essa cifra chega ao dobro), podese dizer que cerca de 8% da população da cidade, que vive em favelas, cortiços, casas invadidas, hotéis miseráveis ou até mesmo em situação de rua. Como demonstra um informe recente,5 o Instituto de Moradia da Cidade continua sendo um organismo apartado dos processos de planejamento urbano e com sérias deficiências institucionais e de gestão, reduzido à produção (cada vez mais restrita) de moradias e sem visão da cidade. Uma disposição recente lhe tirou, inclusive, a competência para urbanizar as favelas da zona sul da cidade, tarefa demandada à estatal Corporação Buenos Aires Sul. Enquanto isso, permanece indefinida a

A Constituição da Cidade de Buenos Aires não faz menção ao direito à cidade, embora reconheça, sim, em seu Artigo 26, o “direito de gozar de um ambiente saudável” e, em seu Artigo 30, o “direito a uma moradia digna e a um habitat adequado”. A respeito de Habitat e Moradia, o artigo 8º do PUA se refere “tanto à melhoria do habitat dos setores

implementação da Lei 1.408, de Emergência Habitacional, segundo a qual se deveria criar um Fundo para a Emergência Habitacional “que deverá ser destinado exclusivamente a programas existentes ou criados por lei específica que tenham por objeto as soluções habitacionais transitórias ou definitivas” para a população afetada pelo déficit. A aparente impossibilidade de o distrito mais rico do país resolver seu déficit de moradia não deve ser atribuída somente à evidente ineficiência dos sucessivos governos locais. A própria riqueza da Cidade torna-a atratora de moradores à procura de oportunidades de emprego e de serviços, mas com dificuldades de ter acesso a uma moradia digna no mercado formal. O déficit tende, então, a se autorreproduzir e torna-se impossível saná-lo se, simultaneamente, não se trabalha em outros distritos, especialmente na Área Metropolitana de Buenos Aires. 6 Participação democrática efetiva: um desafio real No que diz respeito à participação da população na elaboração e execução de planos urbanos, o PUA dedica seu Capítulo IV aos Instrumentos de Participação, indicando em seu artigo 25 que “os diversos objetivos e instrumentos do PUA devem ser decididos e


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implementados em eventos participativos que assegurem o consenso e a adequação às expectativas dos habitantes da cidade, mediante a intervenção metódica e ordenada da maior quantidade e diversidade de atores sociais: responsáveis políticos e técnicos da gestão, organizações sociais e comunitárias e cidadãos individualmente” Entre os mecanismos de participação existentes que o Plano se propõe a “ajustar” e a melhorar, se encontram: a Comissão Assessora do Conselho do Plano Urbano Ambiental, o Fórum Participativo Permanente desse mesmo Conselho (ou seja, em ambos os casos são organismos internos do Conselho) e a Audiência Pública.7 Também são propostos “programas específicos e consistentes de difusão pública e massiva”. Talvez conscientes da limitação desses mecanismos — em um contexto de crescente divergência sobre as questões urbanas —, os legisladores portenhos ordenaram “criar novos dispositivos que promovam e facilitem as atividades participativas”. Porém, não são precisas sua abrangência e suas características. Portanto, será mister avançar nesse sentido, considerando a crescente demanda de participação cidadã no planejamento e na gestão urbana que se impõe atualmente em Buenos Aires e em muitas outras cidades. Sem entrar em detalhes sobre os instrumentos e as normas que possam ser

implementados com esse objetivo, parece que o mais apropriado é privilegiar aqueles que permitam aos técnicos e políticos escutar a opinião dos cidadãos antes da realização de planos e projetos e em âmbitos o mais próximo possível de suas residências (para isso, pode ajudar a implementação da demorada Lei de Comunas, um ambicioso programa de descentralização estabelecido por mandato constitucional). Por outro lado, as já mencionadas ambiguidades e indefinições do PUA podem e devem ser resolvidas a partir de revisões e atualizações sucessivas, estabelecidas pela Lei 71 em prazos não maiores do que cinco anos. Esse mandato foi o que levou alguns profissionais (entre os quais me encontro) a apoiar, mesmo com as inconsistências apontadas, a sanção do PUA. Em nossa opinião, priorizamos a necessidade de romper uma discussão improdutiva e contar com um instrumento que será aperfeiçoável, a partir dessa revisão e atualização urgentes.8

1. As leis da Cidade Autônoma de Buenos Aires citadas nesta nota podem ser consultadas no menu “Normativa” da página na internet do Governo da Cidade. (www.buenosaires.gov.ar). 2. Vale esclarecer que, enquanto o Plano Diretor de Buenos Aires foi elaborado pelo Escritório do Plano Regulador sob a direção de Eduardo Sarrailh e Odilia Suárez durante um governo democrático, o Código de Planejamento Urbano foi sancionado pelo prefeito de fato durante a última ditadura militar argentina. 3. Esta Constituição local é elaborada a partir da reforma da Constituição Nacional em 1994 que confere à Cidade de Buenos Aires sua autonomia e permite aos cidadãos da capital argentina eleger democraticamente seu Chefe de Governo. Anteriormente, e como resultado da imposição que as demais províncias argentinas realizam sobre a Província de Buenos Aires em 1880 (por meio da qual a cidade se federaliza e é designada Capital da Nação), o Prefeito de Buenos Aires era designado de forma direta pelo Presidente da Nação. 4. Ainda que seu artigo 5º postule como aspectos da Cidade desejada, os de ser Integrada e Plural, além de Policêntrica, Saudável e Diversa. 5. O IVC frente às vilas da Cidade: pouco direito e muita discricionalidade, publicação conjunta do COHRE e da Associação Civil pela Igualdade e pela Justiça – ACIJ, 2008. 6. A Área Metropolitana de Buenos Aires engloba 25 municípios da Província de Buenos Aires (jurisdição diferenciada da Cidade Autônoma de Buenos Aires desde que essa foi declarada Capital da República Argentina, em 1880), com uma superfície de 3.600 km2 e uma população de 8.684.437 habitantes, aos quais se somam 200

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km2 e 2.776.138 habitantes da Cidade (Censo Nacional de População e Moradia 2001). 7. Descrita na Lei 6 da Cidade como “uma instância de participação no processo de tomada de decisão administrativa ou legislativa, na qual sua autoridade responsável habilita um espaço institucional para que todos aqueles que possam se sentir afetados ou tenham um interesse particular expressem sua opinião. O objetivo desta instância é que a autoridade responsável por tomar a decisão tenha acesso às distintas opiniões sobre o tema de forma simultânea e em pé de igualdade por meio do contato direto com os interessados.” 8. Sobre os assuntos mencionados nesta nota, ver, também, a seção Terquedades da revista digital Café de las Ciudades (www.cafedelasciudades.com.ar) * Marcelo Corti é arquiteto graduado pela Universidade de Buenos Aires e urbanista, com pós-graduações realizadas na UBA e na Universidade de Barcelona. Realizou projetos e obras de arquitetura e estudos urbanísticos e territoriais em Buenos Aires e em várias províncias argentinas. Foi colaborador da seção de Arquitetura do jornal Clarín. Edita a revista digital Café de las Ciudades. É professor na Faculdade de Arquitetura, Desenho e Urbanismo da UBA e no Curso de Arquitetura e Artes do Teatro, da Universidade del Salvador (Buenos Aires). Desde 2004, integra as equipes técnicas de Planejamento da Cidade de Buenos Aires.


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Carta da cidade do México pelo direito à cidade: conquistas e perspectivas da participação social

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Por Enrique Ortiz *

Em 28 de setembro de 2009 foi entregue ao Chefe de Governo do Distrito Federal mexicano o Projeto de Carta da Cidade do México pelo Direito à Cidade. A formulação desse projeto é fruto de um amplo esforço participativo promovido por diversas organizações do Movimento Urbano Popular, tendo como referente o processo internacional da Carta Mundial pelo Direito à Cidade. Antecedentes A partir de 2007, iniciaram-se as negociações com o Governo do Distrito Federal mexicano, as quais foram intensificadas quando essa iniciativa foi aberta a debate público no Fórum Social Mun-

dial policêntrico, realizado na Cidade do México, no fim de janeiro de 2008. Em abril do mesmo ano, se formou um Comitê Promotor integrado pelas próprias organizações urbanopopulares, por representantes do Governo local, pela Coalizão Internacional do Habitat (HIC) - América Latina, pela Comissão de Direitos Humanos do Distrito Federal do México e pelo Espaço de Coordenação de Organizações Civis sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Com isso, deu-se início a um intenso processo de consulta, debate, socialização e difusão que consistiu de três atos públicos, um fórum deliberativo, sessões com múltiplos atores sociais, um concurso de pintura infantil e mais

de 30 reuniões do Comitê dedicadas à coordenação, organização, acompanhamento e avaliação do processo e à sistematização, discussão, redação e revisão dos conteúdos da Carta. A participação social, eixo estratégico da Carta A conjunção de experiências e discussões das organizações populares, organismos civis e entidades públicas que trabalham no campo dos direitos humanos mais a vontade política do atual Governo do Distrito Federal do México, resultaram num documento com profundo conteúdo social que outorga um papel central à participação na gestão da cidade e de seu entorno rural.

O projeto da Carta busca enfrentar as causas da exclusão social em todas as suas manifestações e é proposto como resposta e contraproposta à cidademercadoria e como expressão do interesse coletivo. Sua parte substancial se estrutura com base em uma matriz que relaciona os temas centrais da cidade a que aspiramos, com os seis eixos estratégicos do Direito à Cidade que temos trabalhado no âmbito latino-americano. Trata-se de uma abordagem complexa, que evita limitar os conteúdos da Carta ao campo estreito dos setores administrativos, das disciplinas e das especialidades, que expressa a interdependência dos direitos humanos e que obriga a aprofundar os vínculos, as articulações e os processos.


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Partindo do pressuposto de que não existe democracia sem cidadãos e nem cidadãos sem o pleno exercício dos seus direitos, os delineamentos para a implementação da Carta são demarcados em dois eixos de orientação: > os direitos humanos — reconhecidos e emergentes — e o cumprimento das obrigações que deles derivam. > a democratização de todos os espaços e processos que buscam concretizar o direito coletivo à cidade. Esses enfoques outorgam um papel central à participação ativa, consciente e responsável da população, tanto na construção de uma cidade de direitos como numa gestão que torne possível a realização concreta dessa cidade. Ambas dimensões implicam a responsabilidade principal do Estado e a ação corresponsável dos cidadãos e — mais amplamente — de todos aqueles que nela residem e transitam. Essa proposta abre novos desafios à administração pública, diante da necessidade de estabelecer espaços e gerar instrumentos e mecanismos operacionais que incorporem a participação social organizada — até o mais alto nível — na gestão da cidade e que estabeleçam novas formas de coordenação entre setores e entre agentes

sociais, que obriguem a reconhecer o papel determinante que as comunidades e as organizações sociais e civis podem alcançar na articulação dos programas públicos em seus territórios. Tudo isso exige superar os esquemas participativos que hoje se limitam a utilizar mão-de-obra “voluntária” e realizar consultas para avançar rumo a níveis de incidência mais altos, tais como as mesas de negociação, os conselhos deliberativos e a intervenção tanto na formulação de políticas públicas, instrumentos, planos, programas, pressupostos e projetos, assim como sua realização, acompanhamento e avaliação. A Carta abre, a esse respeito, novas perspectivas e exige a ação participativa dos atores sociais na promoção, defesa e realização dos direitos humanos; a construção de uma sociedade urbana inclusiva considerando condições de equidade e de justiça social; a melhoria da qualidade de vida e das condições de habitação; o fortalecimento da economia popular e a construção de uma cidade social e economicamente viável e solidária; o manejo responsável dos recursos ambientais, energéticos e patrimoniais; a melhoria da convivência e dos espaços públicos numa cidade que se reconhece plural e culturalmente diversa.

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A ação imediata A Carta é vista como um guia de navegação que exige priorizar as ações para avançar consistentemente na sua implementação. O primeiro passo é obter a sua assinatura e os compromissos nela estabelecidos por parte dos diversos atores envolvidos. Isso permitirá impulsionar o reconhecimento legal do Direito à Cidade no Estatuto do Distrito Federal mexicano e proceder ao desenvolvi-

mento ou à modificação dos instrumentos que permitam avançar paulatinamente na sua implementação. Muitos dos aportes reunidos na Carta já estão incluídos nos programas públicos, mas será necessário visualizar suas interações para concretizar ações e programas intersetoriais que dêem maior espaço de coordenação e participação efetiva às comunidades territoriais e potencializem os recursos e capacidades dos órgãos do governo.

Uma tarefa fundamental será cuidar para que as iniciativas de lei e dos novos instrumentos e programas públicos elaborados estejam alinhados com os objetivos, os fundamentos estratégicos e as diretrizes da Carta e, de outra parte, desenvolver ações que os coloquem em prática. É o caso do amplo programa comunitário de produção e gestão social do habitat que 22 organizações sociais e outros atores temos elaborado e negociado paralelamente à formulação e promoção da Carta.

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* Enrique Ortiz, Coordenador de Projetos da Coalizão Internacional para o Habitat/ Escritório Regional para a América Latina (HIC-AL).


CENTRO PELO DIREITO À MORADIA CONTRA DESPEJOS

O COHRE (Centro pelo Direito à Moradia e Contra Despejos) é uma organização não-governamental, independente e de atuação internacional, comprometida com a defesa e a garantia plena do direito humano à moradia adequada para todos em todos os lugares. Desde 1994, o COHRE trabalha junto a instituições de direitos humanos, comunidades de base, e atua em diversas instâncias intergovernamentais, na sua qualidade de entidade registrada com status consultivo, na Organização das Nações Unidas (ONU), na Organização dos Estados

Americanos (OEA) e com status de observador na União Africana. Para implementar suas ações, o COHRE se organiza em programas regionais: programa das Américas (CAP), programa da África (COHRE – CA), programa Ásia e Pacífico (COHRE – CAPP). Cada um deles, desenvolve as seguintes linhas de trabalho: direito à cidade, direito à água e saneamento, litígio, direito das mulheres à moradia, restituição à moradia e propriedade e prevenção de despejos forçados.

Desde 2002, o Programa para as Américas (CAP) trabalha na defesa do direito a uma moradia adequada na região, organizando programas de capacitação, assistência legal e promovendo o direito à terra de grupos minoritários e comunidades morando em assentamentos informais. O CAP também realiza ações de incidência a nível nacional e internacional, missões de pesquisa, litigios, monitoramento e promoção de campanhas contra a prática de despejos forçados.

Os países-foco de atuação do Programa das Américas são: Argentina, Brasil, Colômbia, Equador. Também desenvolve ações de pesquisa e incidência na Guatemala, México, Perú, Paraguai e Honduras. Paralelamente, o programa tem um amplo projeto regional que envolve toda América latina.

Fotografías tapa / Encuentro Nacional de Tierras Urbanas en Venezuela / Observatori DESC pag 2 / Mobilização Forum Social Mundial 2009. Forum Social Mundial III Belem / COHRE pag 7 / Foto sobre Apresentação de Proposta Elaboração Carta da Cidade do México / HIC - LA pag 8/ Logomarca do Direito à Cidade, Tania Ramirez, HIC-AL pag 9 / Passeata Conselho de Povos de Morelos / HIC-AL

Este boletín es producido por: COHRE –Programa para las Américas– CAP Rua Jerónimo Coelho, 102/31 Porto Alegre, RS - Brasil tel: + 55 51 3212-1904 email: cohreamericas@cohre.org

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Boletim_ Direito à Moradia e à Cidade na América Latina Ano 3_Nro. 6 | Mar 2010 Editor Sebastián Tedeschi Assistente de Edição Soledad Dominguez

Equipe de trabalho do COHRE - Programa para las Américas – CAP: Carolina Fairstein, Fernanda Levenzon, Daniel Manrique, Karla Moroso, Cristiano Muller, Celina Panazzolo, Victoria Ricciardi. Design GLOT (www.glot.com.uy) Tradução e revisão para o português Clarissa Isabel Viega de Oliveira


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