HARVEST
PT A Galeria Municipal de Arte de Almada apresenta Harvest, a primeira exposição individual institucional em Portugal do artista luso-francês Wilfrid Almendra. A sua obra parte de uma profunda atenção ao trabalho e à classe trabalhadora, bem como aos materiais que nos rodeiam, à fragilidade, à precariedade e às economias alternativas, questionando simultaneamente a nossa relação com o consumo, o conforto e o valor das coisas.
Na Galeria Municipal, Harvest assume a forma de uma instalação imersiva composta por várias placas de vidro (recolhidos de estufas desativadas), objetos hiper-realistas em bronze e alumínio, elementos híbridos de madeira e plantas. Este labirinto material e simbólico desenha um espaço de atravessamentos, de pausas e de transparências, onde se cruzam memórias do trabalho agrícola e operário, a força e a fragilidade da matéria, a evocação das hortas comunitárias e referências culturais que vão da pintura ao cinema. Ao que convoca um olhar atento amplo e ao detalhe, Harvest propõe uma leitura poética e crítica sobre o valor do trabalho, de formas alternativas de comércio e sobre a forma como habitamos o mundo.
Há um gesto persistente no trabalho de Wilfrid Almendra: o de recolher, reparar e transformar. Entre o que a cidade rejeita e o que a terra devolve, o artista constrói uma economia paralela feita de trocas, confiança e proximidade. Cada obra nasce de uma circulação de matérias e de afetos — pedras, tecidos, vidro, flores secas, pedaços de metal, laranjas, azeite, conversas — que compõem um território íntimo, partilhado e precário. Em Almendra, tudo é transformado, tudo se converte em signo de uma experiência vivida. O território rural português surge como um arquivo afetivo, atravessado pela memória e pela perda, mas também pela persistência das coisas simples.
A prática de Almendra assenta num lugar de tensão entre o que é frágil e o que resiste. As esculturas parecem sempre à beira da rutura: uma cerâmica tão
fina que quase se parte, uma pedra que sustenta uma estrutura/porta, uma flor que srevive entre duas placas de vidro. Mas é dessa instabilidade que surge a força. O gesto de manter o equilíbrio — mesmo quando tudo parece pronto a desfazer-se — é, em si, uma forma de resistência.
Os materiais não são neutros: transportam histórias, memórias e geografias. Muitos são recolhidos em estaleiros, terrenos baldios ou oficinas desativadas, outros resultam de trocas diretas ou de colaborações com comunidades que habitam os interstícios do sistema produtivo. Essa economia de reciprocidade desloca o centro do valor: o que importa não é o preço das coisas, mas a relação que as sustenta. Assim, o processo artístico torna-se também um gesto político e cívico — uma forma de imaginar outras maneiras de viver em comum.
O olhar que Almendra dirige ao mundo é o de quem recusa a hierarquia entre o útil e o descartável. Tudo pode ser matéria, tudo pode ser portador de sentido. O que é considerado lixo, sobra ou falha ganha uma nova dignidade ao ser incorporado nas obras. Há, em todo o seu trabalho, uma ética da atenção — um modo de reparar no que é pequeno, vulnerável ou invisível, e de reconhecer aí um potencial de beleza e de verdade.
As obras de Almendra não se impõem; distribuem-se em pequenas constelações, convidando o visitante a um percurso lento, quase doméstico. Cada peça pede uma aproximação física e emocional, um olhar atento. O conjunto forma um campo de relações — um ecossistema precário e poético onde tudo se liga: o corpo, o objeto, o território e o tempo.
Harvest é, em última instância, uma reflexão crítica sobre a possibilidade de reconstruir a partir do que resta. Oferece uma meditação sobre os modos de consumo contemporâneos, explorando caminhos alternativos de troca e questionando a nossa relação sensível com o mundo.
Obras / Works
Piso / floor 0
1 Ginette, 2020
Chapa ondulada galvanizada, alumínio fundido, silicone, cobre, penas de pavão / Galvanized corrugated sheet, Aluminium casting, silicone, copper, peacock feathers
2 Where the sun Pauses 2, 2025 Vidro, papoila, silicone / Glass, poppy, silicone
3 Where the sun Pauses 3, 2025 Vidro, papoila, silicone, aço, pedra / Glass, poppy, silicone, steel, stone
4 Where the sun Pauses 4, 2025 Vidro, papoila, silicone, aço, pedra / Glass, poppy, silicone, stone.
5 Where the sun Pauses 1, 2025 Vidro, papoila, silicone, pedra / Glass, poppy, silicone, stone
Piso / floor -1
1 Pierre, 2020
Chapa ondulada galvanizada, granito, pintura de aço. / Galvanized corrugated sheet, granite, steel painting.
2 Poppy, 2025
Vidro, papoila, silicone / Glass, poppy, silicone
3 Poor harvest, 2025
Alumínio fundido, tinta acrílica / Cast aluminium, acrylic paint
4 Andorinha III, 2023
Bronze, crosta de rocha, couro, vidro catedral, plantas, silicone, chapa galvanizada. / Bronze, rock crust, leather, cathedral glass, plants, silicone, galvanised sheet metal
5 Where the sun pauses 5, 2025
Vidro, papoila, silicone, tinta acrílica / Glass, poppy, silicone, acrylic paint
6 Where the sun pauses 6, 2025
Vidro, papoila, silicone, tinta acrílica / Glass, poppy, silicone, acrylic paint.
7 Sonata XXIX, 2024
Aço, silicone, espelho, chumbo, latão, mármore, planta, vidro, aglomerado / Steel, silicone, mirror, lead, brass, marble, plant, glass, hardboard
8 Daniel, 2023
Alumínio fundido, tinta acrílica / Cast aluminium, acrylic paint
9 Désiré, 2014
Cerâmica, pastilha de travão, plexiglas, aço galvanizado, silicone. / Ceramic, brake pad, Plexiglas, galvanized steel, silicone.
10 Poppy 1, 2025
Vidro, papoila, silicone / Glass, poppy, silicone
11 Sonata XXXII, 2024
Aço, vidro, vidro catedral, mármore, silicone para ladrilhos / Steel, glass, cathedral glass, marble, floor tile silicone.
EN Almada’s Municipal Art Gallery presents Harvest, the first institutional solo exhibition in Portugal by the Luso-French artist Wilfrid Almendra. His work stems from a deep attention to labour and to the working class , and well as to the materials that surround us, to fragility and precarity and to alternative economies, while questioning our relationship with consumption, comfort, and the value of things.
At the Galeria Municipal, Harvest takes the form of an immersive installation composed of several pieces of glass (collected from decommissioned greenhouses), hyperrealist objects in bronze and aluminium, and hybrid elements combining wood and poppies. This material and symbolic labyrinth outlines a space of crossings, pauses, and transparencies, where memories of agricultural and industrial labour intertwine with the strength and fragility of matter, the evocation of the allotment garden and cultural references ranging from painting to cinema. Calling for both an attentive and wide gaze, Harvest proposes a poetic and critical reading of the value of work, of alternative forms of exchange, and of the ways in which we inhabit the world.
A persistent gesture runs through Wilfrid Almendra’s work: that of collecting, repairing, and transforming. Between what the city rejects and what
12 Poppy 2, 2025
Vidro, papoila, silicone / Glass, poppy, silicone
13 Andorinha IV, 2023
Bronze, crosta de rocha, alumínio fundido, tinta acrílica, vidro, vitrocerâmica, vidro catedral, árvores borboleta, silicone / Bronze, rock crust, cast aluminum, acrylic paint, glass, vitroceramic glass, cathedral glass, butterfly trees, silicone
14 Shoes, 2023
Alumínio fundido, tinta acrílica / Cast aluminium, acrylic paint.
15 Andorinha V, 2025
Bronze, crosta de rocha, alumínio fundido, tinta acrílica / Bronze, rock crust, cast aluminum, acrylic paint.
16 Poppy 3, 2025
Vidro, papoila, silicone / Glass, poppy, silicone
17 Poppy 4, 2025
Vidro, papoila, silicone / Glass, poppy, silicone
18 Poor harvest, 2025
Alumínio fundido, tinta acrílica / Cast aluminium, acrylic paint
Todas as obras são / all works are Cortesia do artista e / Courtesy of the artist and Galerie Ceysson & Bénétière, Paris
the land returns, the artist builds a parallel economy based on exchange, trust, and proximity. Each work arises from a circulation of materials and affections — stones, fabrics, glass, dried flowers, fragments of metal, oranges, olive oil, conversations — composing an intimate, shared, and precarious territory. In Almendra’s hands, everything is transformed, everything becomes a sign of lived experience. The rural Portuguese landscape emerges as an affective archive, crossed by memory and loss, but also by the persistence of simple things. Almendra’s practice is grounded in a tension between what is fragile and what endures. His sculptures always seem on the verge of breaking: a ceramic so thin it almost shatters, a stone supporting a door or structure, a flower surviving between two panes of glass. Yet it is from this instability that strength arises. The act of maintaining balance — even when everything seems ready to collapse — is, in itself, a form of resistance.
His materials are never neutral; they carry stories, memories, and geographies. Many are gathered from construction sites, vacant lots, or disused workshops; others result from direct exchanges or collaborations with communities that inhabit the interstices of the productive system. This economy of reciprocity shifts the very notion
of value: what matters is not the price of things, but the relationships that sustain them. The artistic process thus becomes a political and civic gesture — a way of imagining other forms of living together. Almendra looks at the world refusing the hierarchy between the useful and the discarded. Everything can become matter, everything can carry meaning. What is deemed waste, residue, or flaw gains a new dignity when incorporated into his works. His practice is guided by an ethics of attention — a way of noticing what is small, vulnerable, or invisible, and recognising within it a potential for beauty and truth.
Almendra’s works do not impose themselves; they are distributed in small constellations that invite the viewer to move slowly, almost domestically. Each piece calls for physical and emotional proximity, an attentive gaze. Together they form a field of relations — a precarious and poetic ecosystem where everything connects: body, object, territory, and time.
Ultimately, Harvest is a critical reflection on the possibility of rebuilding from what remains. It offers a meditation on the contemporary modes of consumption, exploring alternative pathways of exchange, and questioning our sensitive relationship to the world.
HORÁRIO
Terça a sábado: 11H-13H / 14H-19H Encerra domingos, segundas e feriados
SCHEDULE
Tuesday to Saturday: 11am-1pm / 2pm-7pm Closed on Sundays, Mondays and public holidays
MORADA/ ADDRESS
Galeria Municipal de Arte Av. Nuno Álvares Pereira, 74 A 2800–177 Almada T. 212 724 724 casadacerca@cma.m-almada.pt
GALERIA MUNICIPAL DE ARTE
Presidente da Câmara Municipal de Almada e Vereadora da Cultura / Almada City Council Mayor and Culture Councilor Inês de Medeiros
Diretor Municipal de Desenvolvimento Social / Social Development Municipal Director Mário da Rocha Ávila
Diretora de Departamento de Cultura / Culture Department Director
Rute Moura
Chefe de Divisão do Centro de Arte Contemporânea / Head of the Contemporary Art Centre
Nuno Moura
A partir da programação de / From a programme curated by Filipa Oliveira
Produção / Production
Ana Taipas, Paulo Ramos
Comunicação / Communication
Paula Freire
Secretariado e Apoio à Direção / Administration Support Carla Novais
Serviço Educativo / Education Department
Ana Sofia Godinho, Filipa Albino, Mário Rainha Campos, Sílvia Moreira
Frente de Casa / Front of House Elsa de Sousa
Montagem / Installation
Wilfrid Almendra, Louis Post, Elsa de Sousa, Paulo Ramos, Divisão de Manutenção de Equipamentos Municipais da CMA
Design Gráfico / Graphic Design
Joana Machado
Tradução / Translation José Roseira
impressão / Printing
Veia