Revista do Clube Naval - Abr/Mai/Jun de 2019

c lube n aval REVISTA DO

Issn 0102-0382 • ano 127 • Nº 390 • abr/mai/jun • 2019

Batalha Naval do Riachuelo • Brasil vitorioso •

do clube naval

anos Inscrição com entrega de obra(s):

29/07 a 09/08

Exposição ao público:

12 de Setembro a 04 de Outubro

Das 14:00h às 18:00h nos Salões Nobre e Vermelho 3º andar (exceto sábados, domingos e feriados) Regulamento disponível no site: www.clubenaval.org.br e no Departamento Cultural.

Sede Social: Av. Rio Branco, 180 - Centro - RJ | Tel.: 2112-2427

Nesta edição:

editorial

2 • nó górdio • CF (Ref-IM) Osmar Boavista da Cunha Junior.

em pauta

4 • Notas sobre acontecimentos na Sede Social.

11 de junho

6 • a data magna da marinha • Solenidades comemorativas.

clube naval

18 • um exemplo de solidariedade • Ray dos Anjos.

atividades marítimas

20 • navios autônomos • CLC Jones A. B. Soares.

24 • femar vive momentos de conquista • CMG (Ref-T) Carlos Alberto de Sá e Souza.

administração

26 • garantias financeiras contratuais • V Alte (Ref-EN) Renato Vilhena de Araujo.

28 • economia de defesa • C Alte (RM1-IM) Luiz Carlos Faria Vieira.

30 • qualidade (Parte 1) • V Alte (Ref) Rui Barcellos Capetti.

planejamento

34 • política nacional de defesa • V Alte (Ref-EN) Marcílio Boavista da Cunha e

CF (Ref-IM) Osmar Boavista da Cunha Júnior

direito

38 • discurso de posse • Desembargador Reis Friede na Presidência do Tribunal Regional Federal / 2ª Região.

engenharia do trânsito

40 • Receitando o remédio certo • CF (Ref) Celso de Mello Franco.

comportamento

42 • numismática • CMG (Ref-FN) Jaime Florencio de Assis Filho.

história

46 • chocolate • CMG (Ref) Aguinaldo Aldighieri Soares.

52 • será angra a terceira cidade mais antiga do brasil? • Miguel Assad Isaltino.

54 • tenente-coronel francisco leon Cohn • Edward David Luft (Tradução de Fabiana Peixoto).

ciência e tecnologia

56 • ondas, corpúsculos e as duas ranhuras (2ª parte) • CMG (Ref) Paulo Roberto Gotaç.

REFLEXÃO

60 • ESCRAVOS DAS EMOÇÕES • Claudio Fabiano de Barros Sendin.

psicanálise

62 • onde está o inconsciente? • CT (S) Haendel Motta Arantes.

cultura naval

65 • jubileu de ouro da turma esperança • C Alte (RM1-FN) Jorge Mendes Bentinho.

70 • reminiscências de São pedro d’aldeia • CMG (Ref) Paulo de Paula Mesiano.

última página

72 • comandante tenório • C Alte (Ref) Domingos Pacífico Castello Branco Ferreira.

Revista do Clube Naval • 390

1

•••

Clube Naval Av. Rio Branco, 180 • 5º andar Centro • Rio de Janeiro • RJ Brasil • 20040-003 Presidente A Esq (Ref) Eduardo Monteiro Lopes Diretor do Departamento Cultural C Alte (Ref) Antônio Alberto Marinho Nigro Assessor Cultural CMG (Ref-T) Adão Chagas de Rezende

•••

ed

l a i r i to

A

ristóteles foi o preceptor e mestre de Alexandre da Macedônia em sua juventude. Seu estilo didático era peripatético e, caminhando, Alexandre aprendeu a administrar com maestria o uso da habilidade e da força, no sentido da conquista dos resultados.

Consta que na Frígia, quinhentos anos antes, o rei Górdio amarrou sua carroça a uma coluna no templo de Zeus, com um nó impossível de desatar. Os oráculos indicavam que quem desatasse o Nó Górdio dominaria toda a Ásia Menor. Ao passar pela Frígia em campanha, Alexandre observou o feito de Górdio e, após muito o analisar, desembainhou sua espada e cortou o nó. Poucos anos depois,

REVISTA DO

c lube n aval Direção de Arte e Diagramação Arte-Final (21) 99773-9990 Produção José Carlos Medeiros Ray dos Anjos Fabiana Peixoto revista@clubenaval.org.br Tel.: (21) 2112-2425

•••

As informações e opiniões emitidas em entrevistas, matérias assinadas e cartas publicadas são de exclusiva responsabilidade de seus autores.

Não exprimem, necessariamente, informações, opiniões ou pontos de vista oficiais da Marinha do Brasil, nem do Clube Naval, a menos que explicitamente declarado.

A transcrição ou reprodução de matérias aqui publicadas, em todo ou em parte, necessita da autorização prévia da Revista do Clube Naval.

•••

Os artigos enviados estão sujeitos a cortes e modificações em sua forma, obedecendo a critérios de nosso estilo editorial.

Também estão sujeitos às correções gramaticais, feitas pelo revisor da revista.

As fotos enviadas através de e-mail devem medir o mínimo de 15cm, em jpg ou psd, com 300dpi.

•••

2

Revista do Clube Naval • 390

NÓ GÓRDIO tornou-se senhor de toda a Ásia Menor.

Atualmente, o Brasil preserva um arremedo de democracia, com a manutenção de suas principais instituições, e vive um momento considerado historicamente difícil pela atuação dessas mesmas instituições.

O Executivo, em gestões anteriores, deteriorou-se após um longo período de corrupção e incompetência. O Judiciário, principalmente alguns membros do seu órgão supremo, desgastou a sua imagem e sua respeitabilidade.

O Legislativo, além de haver acompanhado, e muitas vezes liderado o tsunami de corrupção, teve um comportamento irresponsável em momento dramático que atravessa o Brasil, esquecendo-se do seu papel de órgão harmonizador da própria democracia.

Que esses órgãos, na atual conjuntura, livrem o país desse nó histórico e intrincado, cuja dificuldade em desatá -lo lembra mesmo um nó górdio.

Esperamos que os Três Poderes desviem o país dessa trajetória e afastem a possibilidade de um novo Alexandre e sua espada.

Osmar Boavista da Cunha Junior Capitão de Fragata (Ref-IM)

Revista do Clube Naval • 390

3

e

a t u m pa e tos even rações ial emo com ede soc s na

PALESTRAS E PAINÉIS •

Almirante Elia junto aos profissionais que proferiram elucidativas alocuções durante o painel “Descomissionamento de Plataformas de Petróleo e Gás”

O Clube Naval teve um trimestre agitado em suas atividades culturais, em decorrência da diversidade de palestras e painéis realizados no período.

Guerra Eletrônica, Amazônia Azul, Tecnologia 5G, Energias Renováveis, Descomissionamento de Plataformas de Petróleo e Gás e Tecnologias de Propulsão de Submarinos foram alguns dos temas abordados que, ministrados por renomados profissionais, atraíram grande número de participantes. Para aqueles que não puderam comparecer aos eventos, algumas palestras estão publicadas no site do Clube Naval.

Palestrantes do painel 5G e integrantes do Grupo de Interesse CTEMI

INAUGURAÇÃO DO 27º SALÃO DO MAR • Inaugurado no dia 2 de

maio, o tradicional Salão do Mar exibiu, nos Salões Nobre e Vermelho do Clube Naval, pinturas de artistas inspirados pelo mar. Na foto, Almirante Elia e o artista Eduardo Moreira de Melo, integrante da Associação de Pintores com a Boca e os Pés.

ALMOÇO DE DESPEDIDA DO ALTE ELIA •

Foi num almoço reunindo amigos, esposa e integrantes de sua Diretoria, que o Almirante Elia se despediu do cargo de Presidente do Clube Naval, que ocupava desde junho de 2017. Após suas palavras de despedida, foi aplaudido pelos convidados, em reconhecimento à contínua e incansável dedicação com que exerceu sua função.

44

Revista do Clube Naval • 390

CLUBE NAVAL CONCEDE TÍTULO DE SÓCIO BENEMÉRITO AO ALMIRANTE MOURA NETO • O Almirante Moura Neto,

ex-Comandante da Marinha, recebeu, no dia 7 de junho, o título de Sócio Benemérito do Clube.

A honraria foi concedida em reconhecimento aos serviços e benefícios de alta relevância por ele prestados ao Clube Naval durante o período em que ocupou o cargo de Comandante da Marinha.

A entrega do título foi realizada na Sede Social, durante um almoço que reuniu o então Presidente do Clube, Almirante Elia, integrantes de sua Diretoria e esposas.

LANÇAMENTO DA ANTOLOGIA • Dia

15 de maio foi realizado o lançamento da Antologia do Círculo Literário do Departamento Cultural, iniciativa que visa incentivar a cultura e a literatura através da publicação de obras em verso e prosa dos autores integrantes do Grupo. O evento reuniu os escritores e seus convidados, no Salão dos Conselheiros da Sede Social.

Escritoras que tiveram obras publicadas na Antologia 2019 exibem seus respectivos certificados de participação

ENCERRAMENTO DO CURSO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FEMAR •

A Fundação de Estudos do Mar (FEMAR), em parceria com o Clube Naval, encerrou o curso Introdução ao Comércio Exterior, ministrado pela professora Mônica Feitosa.

O Assessor do Departamento Cultural, CMG (Ref-T) Adão Chagas de Rezende, e a Coordenadora de Ensino da FEMAR, Érica Nuñez, entregaram os certificados de participação aos alunos, no dia 30 de abril, no auditório da Sede Social.

Revista do Clube Naval • 390

55

h n u j de

o

A DATA MAGNA Da marinha 11

O

evento de 11 de Junho, tão tradicional pelas comemorações da Batalha Naval do Riachuelo, que completou 154 anos, e do aniversário do Clube Naval, completando 135 anos, foi acrescido da posse da nova Diretoria, eleita para o Biênio 2019-2021, e pela premiação do Concurso Almirante Jaceguay.

Alegria, elegância e beleza foram observadas diante dos convidados e familiares que participaram do especial encontro da Família Naval. Após a Cerimônia protocolar, os convidados se confraternizaram com um jantar no Salão Passadiço, no 6º andar, seguido do baile, também já tradicional.

A Sessão Magna, presidida pelo Almirante Rui da Fonseca Elia, teve como convidados para compor a mesa de abertura o Almirante de Esquadra Ilques Barbosa Júnior, Comandante da Marinha; Almirante de Esquadra Mauro Cesar Rodrigues Pereira, Ex-Ministro da Marinha; Almirante de Esquadra Julio Soares de Moura Neto, Ex-Comandante da Marinha; Almirante de Esquadra Eduardo Monteiro Lopes, Presidente do Clube Naval eleito para o biênio 2019-2021; General de Divisão Eduardo José Barbosa, Presidente do Clube Militar; e, Major Brigadeiro do Ar Marco Antonio Carballo Perez, Presidente do Clube de Aeronáutica.

6

O vencedor do Concurso Almirante Jaceguay 2019, CMG (RM1) Claudio da Costa Braga, recebendo o Prêmio das mãos do Exmo. Sr. Alte Esq Ilques Barbosa Júnior, Comandante da Marinha

Revista do Clube Naval • 390

Revista do Clube Naval • 390

7

A DATA MAGNA

Da marinha

Palavras do Contra-Almirante Marcos Borges Sertã Comandante da Escola Naval

B

oa noite!

Não tenho a pretensão tampouco a presunção de ensinar algo a respeito da dinâmica e da conjuntura do episódio mais célebre da História Naval Brasileira a tão seleta audiência. Por isso, vou rememorar alguns fatos que antecederam o dia 11 de junho de 1865 e que ocorreram durante e após a Batalha Naval do Riachuelo, apresentando, assim, uma síntese de parte do trabalho dos Instrutores de Liderança e História Naval dos Aspirantes, que ressaltam, em conjunto, em suas disciplinas, as atitudes tomadas pelos heróis e vultos navais partícipes de tão importante feito de nossa história, enquadrando-as nos valores e princípios constantes na Rosa das Virtudes.

Além de mencionar e comentar a respeito das dezesseis virtudes praticadas durante a mais relevante conquista de nossa invicta Armada, ressaltar-se-á, ainda, a importância do estudo e do preparo individual, para a tomada de decisões, a luz do exemplo do Almirante Barroso, mostrando que Riachuelo pode ser considerado um “triunfo do conhecimento e dos valores fundamentais de nossa Força”, servindo de motivação e exemplo para que as gerações atual e futura se espelhem nesse passado de glórias, que, seguramente, somente teve desfecho favorável à nossa Marinha em função das virtudes, do preparo e do conhecimento profissional do Comandante-em-Chefe de nossa Esquadra naquela ocasião. Suas atitudes confirmam a validade e atualidade do pensamento do filósofo romano Cícero de que “a História é mestra da vida. É no passado que se encontra o futuro. É na história que se devem buscar os ensinamentos capazes de construir o futuro”.

Na segunda metade do século XIX, mais precisamente em maio de 1865, após hostilidades paraguaias, constituía-se uma

coligação contra seu governo, inscrevendo a República da Argentina e a República Oriental do Uruguai do lado brasileiro. Mesmo para seus contemporâneos, foi uma Guerra de muitas controvérsias, esmaecidas, todavia, pela publicação posterior de algumas obras incontornáveis.

O eixo explicativo mais consente sobre as razões da guerra reside nas questões geopolíticas vinculadas à Bacia do Prata.

Ao Brasil, importava a fixação e o estabelecimento das fronteiras com o Paraguai e, mormente, a livre navegação dos rios, essencial para a integração da Província do Mato Grosso com a corte imperial, no Rio de Janeiro. Em contrapartida, atento ao princípio da “balança de poder”, guardava a pretensão de inviabilizar a reconfiguração política do antigo Vice-Reinado do Prata, que congregara os territórios da Argentina, Uruguai e Paraguai. Para o Paraguai, convinha uma saída para o mar.

Iniciada a guerra, o Brasil não estava pronto para o combate. Dos quarenta e cinco navios brasileiros, trinta e três eram de propulsão mista. Todos eram de madeira, portanto defasados em relação ao que havia de mais novo em termos de tecnologia naval. Para além, eram navios oceânicos, portanto com calado inadequado para a navegação fluvial. A Guerra da Crimeia e principalmente a Guerra de Secessão Americana explicitaram a relevância do uso de hélices, couraças, canhões de maior calibre, projetis explosivos e raiamento de tubo alma. A Revolução Industrial afetava os modos de se fazer a guerra. No Império, as discussões parlamentares inviabilizavam o desenvolvimento da Esquadra. Discutiam a pertinência de investimentos em meios navais, rotulados pejorativamente por alguns deputados como “agentes de destruição”.

Outros aferravam-se na construção de 8

fortalezas, em detrimento da aquisição de novos meios, alegando que o Brasil se mostrava com uma nação pacífica. Em face de tantos debates, constrangia-se a existência de uma Marinha moderna.

No deflagrar das hostilidades paraguaias, o Almirante Joaquim Marques Lisboa, então Visconde de Tamandaré, encontrava-se no Uruguai como Comandante das Forças Navais Brasileiras em Operação. Os rios eram as principais vias de comunicação da região. Por isso, a estratégia brasileira estava assentada na negação de acesso ao território paraguaio, com o propósito de asseverar seu isolamento, por meio de uma operação naval típica, o bloqueio.

Com o avanço das tropas paraguaias pelo Rio Paraguai, em direção ao Brasil e à Argentina, Tamandaré designou seu Chefe de Estado-Maior, o Chefe de Divisão Francisco Manoel Barroso da Silva, para assumir o Comando da Força Naval brasileira, por confiar em sua lealdade, virtude por excelência de proeminentes Chefes Navais.

Os preparativos para o ataque aos navios brasileiros foram realizados sob a orientação e supervisão direta do próprio Francisco Solano López, Presidente do Paraguai. O plano consistia em surpreender os navios brasileiros fundeados, abordá-los e, após a vitória, rebocá-los para a fortaleza de Humaitá, o que explica o fato de os navios paraguaios estarem superlotados com tropas.

Com a intenção de desferir seu ataque na noite de 10 para 11 de junho, López selecionou seus melhores navios, dentre eles a Corveta Taquari, um navio propriamente de guerra, e capitânia da esquadra paraguaia; bem como a Pirabebe, única embarcação de ferro, com hélice, a navegar nesse momento sobre as águas do Paraná. Além disso, López dispunha de chatas: pequenas embarcações que operavam na linha d’água, com um único canhão de grosso calibre.

Uma avaria na máquina do Vapor paraguaio Iberá, associada à dificuldade de reboque das chatas, que não contavam com propulsão ou tripulação, impediu que o princípio da surpresa fosse alcançado.

Somente às oito horas da manhã de 11 de junho, um domingo, avistaram-se as duas esquadras. A força inimiga contava com oito navios e seis chatas, enquanto a brasileira, com nove navios. Ao se desvelar o inimigo, Revista do Clube Naval • 390

interromperam-se de imediato as fainas matutinas cotidianas, como a escolha e o corte de lenha, para poupar carvão, sinal de economia e de zelo com o material, além de atenção com a logística e propulsão dos navios. A Canhoneira Mearim logo içou o sinal de “inimigo à vista”. A disciplina, atributo que reflete organização e empenho, foi imputada pela Fragata Amazonas: do sinal de “preparar para o combate”, sucederam-se outros, como “safa geral”, “aquecer caldeiras” e, mais adiante, “o Brasil espera que cada um cumpra o seu dever”, “atacar e destruir o inimigo o mais próximo que puder”, e finalmente “sustentar o fogo que a vitória é nossa”.

Em linha de coluna, as esquadras se confrontaram, sob intensa descarga, depois das 9 horas. O inimigo dirigiu-se a

Revista do Clube Naval • 390

jusante, estacionando sob a embocadura de um pequeno riacho, o Riachuelo, na margem esquerda do Rio Paraná. Nesse ponto, protegia-se sob o apoio de fogo de cerca de trinta peças de artilharia de terra, camufladas na vegetação da barranca. Na aproximação da Força Naval brasileira, sob o “mais vivo fogo”, a fumaça espessa resultante da artilharia dificultou as comunicações. A Jequitinhonha, avariada, encalhou.

No extremo, somente o exercício das virtudes morais poderia reverter o infortúnio. O espírito militar cadenciou uma luta terrível que se travou em seu convés. Na plenitude do espírito de sacrifício, Marcílio Dias, símbolo do marinheiro, e o Guarda-Marinha Guilherme Greenhalgh lutaram até a morte. A Belmonte avançou contra o inimigo; contudo, isolada, recebeu a concentração

9

da artilharia paraguaia, e acabou por encalhar para não afundar. A Parnaíba, em cooperação com a Jequitinhonha, quebrou seu leme na orla de um banco.

Com valorosa tenacidade, Barroso, para reorganizar suas forças e obter vantagem, demonstrou toda sua coragem, disposição dos bravos, e enfrentou a fuzilaria de terra.

Desceu o Paraná até ser possível a manobra para o reengajamento em combate. Às 13 horas, a vitória parecia paraguaia. A Amazonas e os demais navios brasileiros completavam a volta na Ilha de Santa Catalina. Na nova aproximação, Barroso instrumentalizou um artifício tático inesperado: aproveitando-se do porte elevado e da resistência da madeira da Amazonas, utilizou-se, como excepcional Comandante, de seu preparo prévio e conhecimento, além do atributo da decisão, característico dos grandes líderes, para lançar seu navio como se um aríete fosse contra as embarcações paraguaias, abalroando quatro navios inimigos e uma chata. Ao final da batalha, havia cerca de mil paraguaios mortos, aproximadamente quatro vezes mais do que o número de brasileiros.

Riachuelo, sob certos aspectos, pode ser considerada uma batalha decisiva.

Graças a essa vitória, a esquadra paraguaia estava praticamente aniquilada, não tendo mais participação relevante no conflito.

Estava afiançada também a conservação do bloqueio brasileiro no Rio Paraná, o que impedia que o Paraguai recebesse armamentos e até os navios encouraçados que adquirira no exterior. Além disso, estavam cortadas as comunicações entre Assunção e as tropas paraguaias que invadiram o Rio Grande do Sul, o que as colocou sob dificuldades logísticas. Resultado: após algumas operações terrestres e o bloqueio imposto à Uruguaiana, por Tamandaré, cerca de 5.500 paraguaios se renderam em Uruguaiana.

Presente à rendição, o imperador D. Pedro II viajara ao teatro de operações por fidelidade ao Brasil, valor daqueles que são probos.

Não se deve negligenciar que Riachuelo reverteu a opinião pública brasileira, até então prevalente de que o Brasil sucumbiria à guerra. A vitória calou muitos críticos e ofereceu esperanças aos mais pessimistas. Uma atmosfera mais abrangente de patriotismo, qualidade daqueles que tem senso de dever, passou a influenciar o destino do conflito.

A DATA MAGNA Ponto de inflexão tecnológica, Riachuelo foi a última grande batalha naval brasileira cujos navios eram praticamente todos de madeira. Ao reverso, parece ter sido a primeira batalha naval no mundo em que apenas se empregaram navios de propulsão a vapor. É indiscutível que a iniciativa de Barroso, não ponderada pelos paraguaios foi uma virtude imprescindível para o desfecho positivo do embate. Ao ensejar o abalroamento, o Barão do Amazonas se remetia a uma tática naval milenar, típica dos conflitos mediterrânicos da Antiguidade. Foram os fenícios e gregos, e depois cartagineses e romanos, que utilizaram a própria galera a remo como armamento naval. Diferentes da Fragata Amazonas, essas embarcações dispunham de proa reforçada, além de um esporão, para perfurar o costado das embarcações inimigas. Consumada a operação, se a embarcação não afundasse ou se isolasse da batalha, havia o transbordo da infantaria embarcada.

A prática estava há séculos em desuso.

Mesmo na célebre batalha naval de Lepanto, de 1571, em que centenas de galeras a remo se confrontaram no Mediterrâneo, a tática prevalente não foi a do abalroamento, mas a pautada no uso da artilharia. Poucos anos depois, a Armada espanhola de Felipe II, muito embora contasse com os tercios embarcados, não pôde experimentar o engajamento da infantaria, senão da artilharia, a partir de então elemento hegemônico no fazer da guerra do mar.

A ação de Barroso evidencia, assim, como o Almirante estudava e conhecia a história naval, ou, noutra hipótese explicativa, como acolhia atenta e analiticamente as notícias de batalhas navais que lhe eram contemporâneas. Isso porque, desde outubro

Da marinha de 1855, durante a Guerra da Crimeia, quando as fortalezas de Kinburn não foram capazes de destruir navios franceses com couraça, o emprego desse tipo de blindagem se tornou cada vez mais corrente. Se os navios tinham seus costados blindados, as obras vivas, todavia, permaneciam apenas em madeira, sujeitando-os a golpes subaquáticos decorrentes de abalroamento.

No momento do combate, Barroso soube manejar esses conhecimentos disponíveis que, com o atributo da abnegação, estudou e apreendeu. No limite, o conhecimento se mostrou uma competência distintiva essencial, capaz de influir decisivamente na evolução e no sentido da guerra contra o governo do Paraguai.

Mesmo depois de Riachuelo, não foi diferente. Com recursos materiais defasados, engenheiros e oficiais da Armada Imperial foram capazes de fazer construir, em tempo célere, no Arsenal de Marinha da Corte, navios modernos, que tiveram êxito na passagem das fortalezas paraguaias. Ainda graças ao conhecimento existente, superaram os desafios e construíram um Arsenal em Cerrito, em pleno teatro de operações.

Barroso devia refletir com rigor sobre as tendências e possibilidades da guerra naval em meados do século XIX. A Batalha Naval do Riachuelo evidencia como o conhecimento é nevrálgico para o desempenho acertado na guerra. Para além, dela também se infere um conjunto de valores morais não negociáveis, consignados na Rosa das Virtudes. Muitos deles puderam ser facilmente identificados, outros perpassam todo o processo. Nessa senda, a ordem pressupõe organização individual e é, assim, valor imanente à preparação de cada um que operará na relação ótima entre tempo

10

e execução laborativa. O fogo sagrado, por seu turno, é fator motriz para se alcançar a motivação, base do conhecimento. Por fim, a honra é o Norte: está presente em tudo, desde as ações mais basilares até os gestos mais nobres.

No mundo atual, a complexidade dos desafios presentes não permite que assumam contornos cristalizados. É preciso investir nos processos de inovação incremental, que refinam e agregam valor ao existente, bem como promover e avaliar os processos de inovação disruptiva, transformadores de paradigmas. Nesse intrincado contexto, o preparo individual de cada oficial, e o recentemente criado programa de leitura profissional desempenham papel fundamental. Ademais, nossas instituições de ensino, como a Escola Naval, academia de transmissão dos atributos morais e éticos essenciais de nossa Instituição, presentes na Rosa das Virtudes, e de construção do conhecimento básico, onde se desperta o interesse pelo saber; o Centro de Instrução Almirante Wandenkolk, onde são desenvolvidos conhecimentos técnicos; e a Escola de Guerra Naval, berço dos conhecimentos tático, operacional e estratégico, adquirem posição ainda mais prevalente: são os lócus privilegiados que estimulam a sede de saber, plenitude do ser humano virtuoso. São, portanto, a coluna do Poder Naval brasileiro, cerne da reflexão futura sobre sua própria existência, direção e sentido.

Por isso, os exemplos de Barroso e seus comandados, além de representarem uma inspiração, por conterem a totalidade dos valores cultuados em nossa invicta Marinha, servem de motivação para as gerações atuais e futuras de nossa Força Naval e de nosso País.

Encerro, assim, ensejando que Riachuelo seja sempre enaltecida como um “espelho do passado e uma Luz para o futuro”, de forma que, como verdadeiro “triunfo do conhecimento e dos valores presentes em nossa Rosa das Virtudes”, seja permanentemente utilizada para que os alunos do Colégio Naval, os Aspirantes e os oficiais, no decorrer de suas carreiras, abracem e acreditem na missão interminável de entronizar nossas virtudes e de avançar as fronteiras do conhecimento.

Viva nossos heróis de Riachuelo!

Viva nossa invicta Marinha!

Revista do Clube Naval • 390

Palavras do Almirante de Esquadra Ilques Barbosa Júnior Comandante da Marinha

“O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever!”

“Sustentar o fogo que a vitória é nossa!”

“Mar grosso é o que faz bons marinheiros!”

C

om estas frases inicio estas breves palavras destacando a honra que sinto por estar a bordo do Clube Naval, na Data Magna da nossa Marinha. Encontrar amigos de ontem e de sempre nestes conveses é, sem dúvida alguma, um dos momentos, por mim, mais aguardados no ano.

A fraternal reunião desta noite nos remete ao sentimento de camaradagem que vivemos a bordo dos navios da Marinha, especialmente em nossas praças d’armas.

Aqui, gerações de oficiais, de ontem e de sempre, têm a oportunidade de compartilhar experiências, ideias e expectativas, tanto sobre a vida no mar quanto sobre a nossa sociedade. O Clube Naval foi parte ativa em relevantes episódios de nossa história. Hoje, do alto de seus cento e trinta e cinco anos de fundação, este Clube continua a se posicionar diante de importantes temas discutidos no seio de nossa sociedade.

No contexto das comemorações deste dia especial para a Força Naval, agradeço ao Contra-Almirante Sertã que nos brindou com suas precisas palavras sobre os históricos feitos daquele 11 de junho de 1865.

Sua alocução reaviva nossas lembranças e nos enche de orgulho dos nossos heróis do passado.

Neste momento de júbilo, saúdo, ainda, o Vice-Almirante Rui da Fonseca Elia, que passa hoje a Presidência do Clube, após dois profícuos anos de plena dedicação e inúmeras realizações. Em realidade, suas contribuições ao Clube Naval são de longa data, posto que desempenhou várias outras funções em sua administração, tais como Primeiro Secretário, Diretor do Departamento Cultural e Membro do Conselho Diretor, em períodos que somam mais de dezesseis anos.

Revista do Clube Naval • 390

11

A DATA MAGNA Prezado Almirante Elia, sua postura exemplar ao timão desta distinta nau contribuiu sobremaneira para que o Clube Naval se mantivesse como uma referência na nossa sociedade. Sua hábil administração, auxiliada por uma Diretoria leal e por Conselheiros comprometidos com os objetivos traçados, permitiu que o Clube preservasse em excelente estado suas instalações, ao mesmo tempo em que oferecia diversas opções de esportes, cultura e lazer a seus associados.

Outra característica marcante de seu período como Presidente foi a forma firme e ponderada com que expressou as opiniões oficiais do Clube, sempre em defesa de valores morais e éticos que cultivamos em nossa Instituição.

Por fim, pelas suas incontestáveis contribuições ao nosso Clube Naval receba os nossos sinceros agradecimentos e, ainda, por dever de justiça, aproveito esta Sessão Solene para tornar público que a Força Naval terá a honra de agraciá-lo, em breve, com a Medalha Naval dos Serviços Distintos pelos serviços meritórios prestados à Marinha do Brasil. Almirante Elia, Missão Cumprida. Bravo Zulu.

Ao Almirante de Esquadra Eduardo Monteiro Lopes, apresento efusivos votos de sucesso e felicidade como Presidente deste emérito Clube. Estou convicto que sua larga experiência como Chefe Naval, aliada à acumulada experiência na administração do Clube, o permitirão navegar sempre por águas seguras. Seja muito feliz no timão desta importante casa.

A celebração do aniversário da Batalha Naval do Riachuelo, que completa hoje cento e cinquenta e quatro anos, é uma propícia ocasião para refletirmos sobre a situação atual da Força Naval e da conjuntura na qual ela está inserida. Acolhido por esta

Da marinha fraternal audiência, que comigo comungam do mesmo amor pela Marinha e da esperança de dias melhores para nosso País, quero compartilhar algumas informações que julgo importantes.

O País vive um momento em busca da recuperação econômica e, portanto, nossa capacidade de investimento se encontra reduzida. Ainda assim, tais quais os marinheiros de Barroso, sustentamos o fogo. No último ano, tivemos significativas incorporações de meios navais. Dou destaque ao Porta-Helicópteros Multipropósito Atlântico, nosso Capitânia, que soma à nossa esquadra importantes capacidades anfíbias e de operações navais com helicópteros embarcados, contribuindo para a proteção de nossa Amazônia Azul.

Também no segundo semestre de 2018, foram incorporados três Navios de Apoio Oceânico da Classe Mearim, alavancando nossas capacidades de apoio logístico móvel, patrulha, inspeção naval, busca e salvamento.

Em dezembro último, foi lançado ao mar o Submarino Riachuelo. Construído pelo Programa de Desenvolvimento de Submarinos, este é o primeiro de outros três de sua classe. Neste mesmo mês, apresentamos na ONU a solicitação de inclusão à nossa Amazônia Azul da Elevação de Rio Grande, uma área equivalente à Região Sudeste do nosso País, com 944 mil km².

Quanto a nossos meios aeronavais, os dois primeiros helicópteros SuperLynx modernizados já estão em serviço na Força Aeronaval, enquanto outros seis estão a caminho. Três aeronaves SuperCougar foram transferidas para o setor operativo, aumentando o poder de combate do binômio navio-aeronave.

O Corpo de Fuzileiros Navais recebeu novos vinte e três carros lagarta anfíbios (CLAnf), colocando nossa Marinha num patamar de capacidade de projeção de poder sobre terra único no hemisfério sul. Outro acréscimo de vulto é o Sistema Integrado

de Comando e Controle para o CFN, que potencializará as capacidades de nossos Grupamentos Operativos de Fuzileiros Navais.

A chegada desses importantes meios minimiza a obsolescência em alguns setores, mas ainda deixa muito a ser feito.

Sobre o futuro de nossos meios navais, anunciamos, em março último, o consórcio com a melhor oferta para o Projeto de Obtenção, por construção, dos Navios da Classe Tamandaré, com entrega planejada para o período entre 2024 e 2028.

Nossa força, contudo, não se resume ao aço de nossos meios, mas nos braços dos homens e mulheres que com muito orgulho envergam nossa farda. A contínua capacitação do nosso maior patrimônio caracteriza a nossa maior prioridade. Entre outras iniciativas, está planejada a instalação do Instituto Naval de Pós-graduação Almirante Vidigal em dezembro próximo Acompanhando a marca dos novos tempos, a presença da mulher nos corpos e quadros da Marinha vem aumentando. As Aspirantes do sexo feminino que receberam o Espadim no último sábado, por exemplo, poderão optar daqui a dois anos, pela primeira vez, pelo Corpo da Armada ou pelo Corpo de Fuzileiros Navais, além do Corpo de Intendentes da Marinha.

A Reestruturação da Carreira e a reforma do Sistema de Proteção Social dos Militares vem recebendo redobrado esforço das Forças Armadas. Suas premissas básicas são o atendimento às peculiaridades da carreira militar, a correção de distorções acumuladas no passado, a valorização da meritocracia independente de níveis hierárquicos e o compromisso com as metas econômicas do Governo. A Marinha constituiu um grupo-tarefa intitulado “Nosso Barco, Nossa Alma” com o propósito de prestar assessoria e atuar junto aos poderes Executivo e Legislativo de modo a contribuir para a tramitação do projeto de lei.

Ao finalizar minhas palavras, rendo especial reconhecimento aos ex-Ministros e ex-Comandantes da Marinha e tantos outros oficiais que, com suas experiências e assessoramentos seguros, conduziram nossa Marinha até aqui. Muito obrigado.

12

Viva à Marinha!

Revista do Clube Naval • 390

Palavras de despedida do vice-Almirante (Ref ) rui da fonseca elia Ex-Presidente do Clube Naval

Revista do Clube Naval • 390

13

D

ando continuidade a uma sagrada rotina cívica, a Marinha do Brasil hoje se engalana para reverenciar aqueles marinheiros que na épica manhã do 11 de Junho de 1865, sob o comando do então Chefe de Divisão Naval, o venerável Almirante Barroso, legaram à Nação, na Batalha Naval do Riachuelo, memoráveis exemplos de patriotismo e bravura. Muitos, como o Guarda-Marinha Greenhalg e o Imperial Marinheiro Marcílio Dias tornaram-se ícones do juramento primeiro da nossa incorporação, que proclama a inteira dedicação ao serviço da pátria e a defesa de sua honra, integridade e instituições, com o sacrifício da própria vida.

Creio que a alocução do Contra-Almirante Marcos Borges Sertã – Comandante da Escola Naval –, que acabamos de ouvir, já nos brindou com um belo resumo dos heroicos feitos daquela manhã.

Esta magna data foi também eleita pelo Clube Naval para comemorar o aniversário de sua criação, ocorrido nos idos de abril de 1884, por iniciativa do então Capitão de Fragata Luiz Phillipe de Saldanha da Gama e a colaboração de outros eminentes patriotas.

Uma nobre associação que preserva ao longo de seus 135 anos e com intenso desvelo o propósito de sua criação, que na dicção do seu Estatuto assevera: “estreitar os laços de estima, camaradagem e solidariedade entre os oficiais da Marinha do Brasil, entre estes e os das demais Forças Armadas, bem como entre as respectivas famílias”.

Para o nosso Clube, é tempo também de renovação da Diretoria, e dos Conselhos Diretor e Fiscal, que ocorre ao final do biênio dos respectivos mandatos.

Por decisão de foro íntimo e em nome do saudável princípio da renovação, entendi ter chegado a hora de passar a Cana do Leme deste querido Clube e não concorrer às eleições para o biênio que ora se inicia.

Sempre na certeza de que o Clube Naval permanecerá conduzido, como sempre aconteceu em sua história, por oficiais que guardam os mesmos sagrados valores recebidos em nossas escolas de formação.

Desta feita, o Clube estará sob a liderança do querido amigo e companheiro de outras singraduras, o Almirante de Esquadra Eduardo Monteiro Lopes, que hoje também deixa a presidência do nosso Conselho Diretor.

A DATA MAGNA Estes dois últimos anos somam-se a mais outros quatorze anos de serviços ao Clube Naval, desde que aqui cheguei, em 1977, junto com o meu estimado amigo e antecessor, o Almirante Dobbin, ambos trazidos pelas mãos do saudoso Almirante Maximiano Fonseca, de quem éramos, respectivamente, Assistente e Ajudante de Ordens no Comando do Primeiro Distrito Naval. Eu, assumindo as funções de PrimeiroSecretário, ele, a de Encarregado de Esportes Terrestres do Departamento Esportivo (Piraquê). Posteriormente, fui também honrado para estar à frente do Departamento Cultural do Almirante Wollstein, e, mais adiante, integrar os respectivos Conselhos Diretores das administrações dos Almirantes Stoffel, Veiga Cabral e Dobbin e do saudoso Almirante Pedrosa.

Foram tempos de muita felicidade, que vieram acrescentar caras recordações àquelas angariadas na minha longa travessia na Marinha, vivenciadas em mais de quarenta e quatro anos no serviço ativo, ainda acrescentados de mais sete anos à frente da Procuradoria Especial da Marinha junto ao Tribunal Marítimo, quando já na reserva, convocado que fui pelo estimado amigo, colega de turma, e então Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Moura Neto. Ao todo, posso me orgulhar de 53 anos dedicados às nossas Instituições Navais.

O trabalho da nossa Chapa 10, que denominei de “Nossos Valores”, além do propósito de conservar o elevado estado de conservação e beleza das três sedes do nosso Clube – Social, Esportiva e Náutica – realidade legada pelo desvelo dos colegas que nos precederam, foi aquele de aperfeiçoar aquilo que eventualmente acreditamos poder ser completado.

Podemos afirmar que as nossas duas sedes departamentais, carinhosamente denominadas pelos nossos associados de “Piraquê” e “Charitas”, mercê da proficiência e dedicação dos seus Comodoros, mantiveram o prestígio e a admiração, que ano após ano, crescem no âmbito das melhores agremiações da cidade.

Também, na esteira do programa da nossa Chapa 10, promovemos nesta Sede Social – testemunho histórico da fundação e dos primórdios do Clube Naval – um intenso programa de eventos visando aqui

Da marinha aumentar a frequência da jovem oficialidade e seus familiares, bem como o salutar congraçamento e troca de experiências entre os oficiais da ativa, da reserva e reformados.

Foi também permanente nossa disposição em estreitar o relacionamento com associações civis, centros de estudos, jornais, revistas e outras mídias, universidades, elites intelectuais, autoridades e jovens, sempre enfatizando a nobilíssima missão constitucional das Forças Armadas, a defesa da pátria, e sua indelegável atribuição complementar de, em última instância, garantir a integridade do estado democrático.

Da mesma forma, direcionamos nossas atenções para as cerimônias das nossas escolas de formação e para os eventos do calendário histórico-marítimo – com especial ênfase no heroico esforço da Força Naval do Nordeste para proteger os nossos navios mercantes dos covardes ataques dos submarinos inimigos, que se encontravam ainda desprotegidos no início da Segunda Guerra Mundial. No mesmo sentido, procuramos o estreitamento dos laços de amizade com nossa Marinha Mercante, um bravo segmento do poder marítimo nacional, jamais descurado pela Marinha.

Tudo sem descurar das necessárias atividades de lazer, com nossas já bem procuradas festas noturnas periódicas e os não menos bem frequentados happy hours do nosso aprazível terraço, no entardecer das quintas-feiras De fato, recebi o Clube Naval muito bem organizado administrativamente e com suas três belas sedes – Social, Esportiva e Náutica, que harmoniosamente se completam, igualmente muito bem cuidadas.

Acredito que estabilidade, um dos princípios basilares da administração pública e empresarial, significando uma garantia na continuidade do planejamento e na execução dos problemas vitais, foi sempre muito observada pela Marinha do Brasil, de quem, sem sombra de dúvida, o Clube Naval é uma instituição inseparável e que dela faz seu paradigma institucional.

Aos componentes da minha Diretoria, aos quais peço vênia para nominá-los pelos nomes de guerra: os Almirantes Lawrence, Primeiro Vice-Presidente; Cândido, Segundo Vice-Presidente; Salgado, Diretor da Carteira Hipotecária e Imobiliária; Monteiro, 14

Comodoro do Departamento Esportivo; Lima, Diretor do Financeiro; Da Silva, Diretor da Caixa Beneficente – Cabena; os Comandantes Santos, Comodoro do Departamento Náutico; Boavista, Diretor Cultural; Spranger, Diretor Social; Pires, Primeiro-Secretário; e Quadros, Segundo-Secretário, deixo o meu profundo agradecimento pela desvelo e seriedade com que desempenharam suas funções, e frise-se, sem qualquer compensação material, como preconiza o nosso Estatuto.

De igual forma, agradeço o competente assessoramento dos presidentes do Conselho Diretor e do Conselho Fiscal, respectivamente, o Almirante Monteiro Lopes, que com muita alegria, ora transmito a presidência do nosso Clube, e o Comandante Haroldo, que continuará colaborando com sua sedimentada experiência no campo financeiro, agora na qualidade de membro do Conselho Diretor. Em nome destes honrados colegas estendo os meus agradecimentos a todos nossos proficientes Conselheiros. De forma especial, registro minha gratidão ao meu Chefe de Gabinete, caro amigo, colega de turma, e companheiro de muitas jornadas o Comandante Raposo – pelo permanente empenho e entusiasmo que sempre emprestou na colaboração do planejamento e execução dos eventos mais significativos do Clube. Caro amigo, obrigado.

Aos presidentes do Clube Militar e do Clube de Aeronáutica que comigo vivenciaram, neste biênio, diversas experiências comuns aos três clubes militares, o General de Exército Antônio Hamilton Martins Mourão, os Generais de Divisão Gilberto Rodrigues Pimentel e Eduardo José Barbosa, e os Majores Brigadeiros do Ar Marcus Vinicius Pinto Costa e Marco Antonio Carballo Peres, agradeço a amizade e a colaboração.

Aos integrantes da Comissão Interclubes Militares, Almirante (FN) Fernando Nascimento, Almirante (FN) Bentinho e Comendante (FN) Fagundes, pelo inestimável assessoramento no trato das questões comuns entre os clubes militares irmãos, meus agradecimentos e Ad Sumus!

A todos os laboriosos funcionários do Clube Naval, agradeço a colaboração e a seriedade no desempenho de suas tarefas, imprescindíveis ao bom funcionamento da nossa Instituição. Faço aqui especial referência à lealdade e à vontade firme de Revista do Clube Naval • 390

acertar dos três funcionários integrantes do meu gabinete: Alessandra, Rosângela e Reinaldo e à incansável funcionária Sandra, da Secretaria Central do Clube.

Ao Exmo. Sr. Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Ilques Barbosa Junior, agradeço o tradicional prestígio que anualmente nossos chefes maiores emprestam a este histórico evento e em nome de quem

Revista do Clube Naval • 390

peço vênia para cumprimentar todas as autoridades, civis e militares, senhoras e senhores, e os caros associados que aqui vieram prestigiar o nosso Clube Naval. À minha mulher – LEILA – esposa leal e inseparável colaboradora, há 53 anos, mãe das minhas quatro filhas e avó dos meus seis netos, renovo o meu eterno carinho.

Vó Leila, te amo!

15

Caríssimo Almirante Monteiro Lopes: desejo-lhe o mesmo sucesso e toda felicidade pessoal que de forma permanente acompanharam sua longa travessia na Marinha, ao lado de sua esposa, Neilda, e de toda bela família.

Que o nosso bom Deus, da Terra de Santa Cruz, abençoe todos nós, a Marinha e o Brasil.

A DATA MAGNA

Da marinha

discurso de posse do almirante de esquadra (Ref ) Eduardo Monteiro Lopes Presidente do Clube Naval

D

epois de mais de 47 anos dedicados ao Serviço Naval, aceitei um novo desafio proposto por alguns amigos: disputar a presidência do Clube Naval. Sabendo da importância do cargo, iniciei as tratativas para reunir o apoio indispensável que me permitisse montar uma chapa com cerca de 80 nomes, compondo a Diretoria, Conselho Diretor, o Conselho Fiscal e as respectivas suplências. Teriam que ser 80 sócios que, conhecendo o Clube Naval, estivessem dispostos a emprestar parte do seu tempo à nossa administração.

Estas são as regras de nosso Estatuto. Nessa empreitada contei com a colaboração inestimável dos membros da minha Diretoria e, até para minha agradável surpresa, com o apoio de vários sócios, muitos dos quais nem sequer fariam parte da minha chapa.

Daí, talvez, a razão de uma única chapa.

Aproveito esta oportunidade para apresentar meus agradecimentos a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para que a nossa Diretoria fosse forjada na união do corpo social.

Assim é que hoje, com muita satisfação, assumo o cargo exercido no passado por ilustres chefes navais, substituindo meu antigo Comandante: o Almirante Rui da Fonseca Elia. Esses fatos fazem com que eu entenda que exercer a Presidência deste centenário e tradicional Clube é uma honra por muitos desejada, mas por poucos alcançada. Por outro lado, qual a outra face da moeda, é um cargo com pesadas responsabilidades que advém das características do Clube Naval. Somos um Clube que toma da Marinha do Brasil sua própria razão de ser 16

e somos a ela ligados indissoluvelmente.

Tudo o que aqui acontece respeita as tradições navais. Tudo o que aqui ocorre busca manter o convívio ameno que, ao longo do tempo, tornou nosso Clube um lugar extremamente agradável. Este é o lugar que o nosso corpo social usa – e continuará usando – para receber nossos amigos civis e militares. Enfim, o Clube Naval é a nossa casa e, por isso, teremos muito cuidado com a sua administração.

No tocante à essa área – a administrativa – acredito na necessidade de constante evolução. Desejo introduzir novas e modernas práticas de gestão que melhorem ainda mais o nosso Clube. Agindo desta forma, estaremos apenas dando prosseguimento a tudo aquilo que já vem sendo feito por aqueles que nos antecederam e que, com postura idêntica, nos legaram um Clube muito bem administrado. Considero ser importante, por exemplo, buscar a unificação de métodos e processos nas três diferentes sedes do Clube: esta belíssima e centenária sede social; o eficiente e bem administrado Piraquê; e o importantíssimo Charitas, fiel das nossas tradições veleiras e nossa “saída para o mar”. Creio ainda que toda essa evolução possa ser implementada, respeitando-se as diferenças de cada uma das sedes e a autonomia limitada estabelecida no nosso Estatuto. Por outro lado, a evolução que aqui defendo deve e pode ocorrer sem prejuízo das nossas tradições e sem o descarte do conhecimento e da experiência daqueles que nos antecederam.

Por tudo isso, o nome da nossa chapa: “Valores Renovados”. Evoluir sempre, sem descuidar dos conhecimentos adquiridos e respeitando nossas tradições.

Também não podemos perder de vista que o nosso Clube é parte integrante da sociedade brasileira. Sabemos que o nosso país passa hoje por momentos difíceis, tal como o navio que altera bruscamente seu rumo em um mar agitado. Julgo ser impossível nos mantermos alheios ao que ocorre à nossa volta. Entendo, entretanto, que há claros limites a serem observados. Primaremos pelos limites éticos, morais e disciplinares que nos formaram e que balizam a postura do oficial da Marinha. Respeitaremos o nosso estatuto que veda discussões de política partidária, mas debateremos sim Revista do Clube Naval • 390

os grandes temas nacionais, atentos à evolução do mundo e do país, atentos ao pulsar do coração do nosso quadro social, atuando na defesa dos nossos ideais e de nossos princípios, sempre prontos a contribuir para o atingimento dos objetivos nacionais. Agiremos, como sempre o fizemos,

Revista do Clube Naval • 390

de forma independente mas preservando a harmonia com a Marinha do Brasil, de onde buscaremos o esquadro e o compasso para traçar nossos rumos. Creio que esta postura está totalmente de acordo com a tradição histórica do Clube Naval, partícipe da vida nacional e que sempre se fez ouvir quando

17

necessário. Essa independência também não nos privará de manter estreito contato com os outros clubes militares, através da Comissão Interclubes ou até diretamente, quando a ocasião assim indicar. As presenças nesta seção solene dos Presidentes do Clube Militar e do Clube da Aeronáutica demonstram a união e a cordialidade que sempre carecterizaram nosso relacionamento. Senhores Presidentes dos Clubes Militar e da Aeronáutica, muito obrigado pelas gentis presenças.

Permitam-me agora, pela primeira vez, falar em nome do quadro social. Sr. Almirante Rui da Fonseca Elia, receba os agradecimentos dos seus companheiros de praça d’armas. V.Exa. destinou quase meio século de vida à Marinha e parte deste tempo foi utilizado no Clube Naval, exercendo os cargos de secretário, diretor cultural, conselheiro e presidente. Parte do que hoje é o nosso Clube é fruto do seu trabalho, da sua entrega, da sua dedicação. Como seu antigo subordinado, e que tem a pretensão de ser seu amigo, digo-lhe que ainda mais importante que o trabalho realizado tem sido o exemplo de honradez, moral ilibada e retidão ética que V.Exa. nos transmitiu por todo esse tempo. Espero poder ainda contar com suas orientações como conselheiro vitalício. Senhor Almirante, V.Exa. pode baixar à terra com a sensação do dever cumprido. Bravo Zulu.

Finalmente, na certeza de já tê-los cansado em demasia – e lhes peço desculpas por isso, registro minha intenção de atuar sempre de acordo com os valores éticos, morais, cívicos e disciplinares que são apresentados na “rosa das virtudes” mostrada em nossas escolas de formação. No solo sagrado de Villegagnon ou na Ilha das Enxadas todos nós oficiais de Marinha apuramos um especial modo de nos comportar; apuramos uma grande lealdade à Marinha e um profundo amor à pátria; apuramos um salutar espírito de corpo; apuramos um invejável companheirismo e um enorme respeito às nossas tradições. Não nos consideramos melhores que ninguém, mas somos, positivamente, diferentes. É esse modo de ser especial, comum a todos nós oficiais de Marinha, que manteremos no nosso Clube Naval.

Muito obrigado. n

c lu

va a n be

l

UM exemplO DE

SOLIDARIEDADE Ray dos Anjos*

“A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana.”

Franz Kafka

O

mês era abril, dia 8, numa segunda feira do corrente ano, quando o Rio de Janeiro foi surpreendido por um temporal, comparado quase a um tsunami que provocou transtornos.

Muitos perderam suas casas, outros, as próprias vidas. Os estragos foram tamanhos que o governo considerou o dia seguinte inviável para os trabalhadores, e o Presidente do Clube Naval, Almirante Elia, atento, dispensou seus funcionários na terça-feira.

Bem em frente à Sede Esportiva do Clube Naval, Piraquê, na Lagoa Rodrigo de Freitas, duas Vans paradas, cheias de crianças do Colégio Pedro Segundo corriam o risco de se tornarem vítimas de uma grande tragédia.

Foi quando o Vice-Comodoro, Comandante José Fernando Teixeira Alves, teve a ideia luminosa, com certeza alavancada pelo seu espírito de solidariedade. Abriu as portas do Clube para acolher, ou talvez mais que isso, salvar aquelas crianças, que, naquele momento estavam vulneráveis a todas as formas de tragédias. O Assessor Administrativo, Comte Paulo Frederico, e o sócio Comte Luiz Tarcício Matos, participaram de maneira direta dessa empreitada humana.

Assim, tanto as crianças e adultos que se encontravam no Clube, quanto as que estavam nas Vans, foram acolhidas e passaram aquela noite nas dependências

do Clube Piraquê. Praticamente todas as dependências, como por exemplo, sala de leitura, de ginástica, de Judô e muitas outras foram palco de um acolhimento inédito na história do Clube Naval.

O restaurante, por ser um dia de segunda feira e não funcionar, não tinha como oferecer refeições àqueles inesperados 18

hóspedes. Entretanto, foi distribuído todo o estoque de biscoitos que havia na lanchonete. Dessa forma, todos se alimentaram, ainda que precariamente e pelo tempo suficiente para o retorno às suas casas.

Foi uma noite em que os funcionários que lá se encontravam se aliaram para oferecer os seus préstimos, boa vontade e solidariedade, para uma missão inusitada

em seus ambientes de trabalho. A exemplo das funcionárias Odete, Arlinda e Maria do Carmo, que permaneceram atentas por toda madrugada, incansáveis e com especial atenção às crianças, segundo o relato da senhora Ana Cristina Chagas Monteiro, Ouvidora e esposa do Comodoro, Almirante Monteiro, que nos forneceu dados Revista do Clube Naval • 390

importantes para que esta reportagem fosse feita. Na ocasião, ela encontrava-se no Clube e tomou algumas providências imediatas, como o acolhimento de alguns sócios com seus filhos na própria Comodoria. Sem exceção, todos os funcionários que testemunharam aquela noite deram a sua contribuição de um modo ou de outro.

Algumas mães que estavam com seus filhos, como a Dra. Flávia Vasques, que ratificou o acontecimento e elogiou muito a atitude do Comandante Fernando, narrando o fato com detalhes, sendo surpreendida quando se encontrava nas dependências do Clube acompanhando o seu filho. Ao saber que faríamos esta reportagem ela expressou a sua gratidão, que registramos aqui. Não menos grata, a senhora Ilene Falcão, que fez coro com a Dra. Flávia nos elogios ao Comandante Fernando e aos funcionários ali presentes, e solicitou um especial agradecimento à funcionária Maria do Carmo, da Sala de Leitura. Os agradecimentos

foram muitos através de e-mail, como o do senhor Cesar Monteiro, senhoras Luciana Ferreira e Chiara Monteiro, dentre outros.

Apesar de tudo, para aquelas crianças foi uma noite diferente e de alegria, haja vista o sorriso em seus rostinhos, longe de imaginarem a gravidade da situação. A pergunta do menino Lucas: “mãe, quando vamos passar outra noite no Clube?”, demonstra que realmente foi quase que uma festa para elas.

Em muitos casos, a solidariedade não significa apenas reconhecer a situação delicada de uma pessoa ou grupo social, mas também consiste no ato de ajudar essas pessoas.

O sociólogo francês Émile Durkheim disse que existem dois tipos de solidariedade: a mecânica e a orgânica.

“A solidariedade mecânica expressa a aparição entre indivíduos e ajusta os detalhes da ligação entre esses mesmos indivíduos. Este tipo de solidariedade se Revista do Clube Naval • 390

19

manifesta através da religião, família, dos costumes e tradições, ou seja, aspectos que contribuem para o vínculo social.

A solidariedade orgânica também tem como objetivo melhorar o vínculo social, mas isso acontece através da divisão social do trabalho. Neste caso, a diferenciação entre os indivíduos através do trabalho resulta na solidariedade, quando existe a interdependência e o reconhecimento que todos são importantes.”

Nos parece que o acontecimento em questão se adequa às duas definições. A nossa admiração ao Comandante José Fernando, nossos agradecimentos a Ouvidora Ana Cristina, pela colaboração em nos receber para essa reportagem, e aos funcionários que tiveram a oportunidade de demonstrar união, dedicação e colaboração que espelhou bem o ânimo e o espírito da equipe do nosso Clube Naval. n *Departamento Cultural

des a d i at i v í t i m a s mar

Navios Autônomos – Um ponto de vista O

CLC JONES A. B. SOARES*

mundo vive hoje uma verdadeira mudança de Era. Em vários campos da sociedade, em diversas expressões como política, econômica, psicossocial, militar, e cientifico-tecnológica, observamos a ocorrência de modificações intensas.

Porém, a pressão exercida por uma destas expressões, a que trata da automação e digitalização, começa a se destacar como indutora para as outras, pelo seu grau de rapidez e transformações, e traz no seu bojo a Inteligência Artificial como principal elemento deste processo. No cenário do Transporte Marítimo não é diferente. Um dos assuntos mais comentados hoje em dia é o tema intitulado Navio Autônomo.

MASS, IMO, Yara Birkeland, e muitas dúvidas Segundo a IMO, que recentemente discutiu o tema, em maio de 2018, no Comitê de Segurança Marítima (Maritime Safety Committee -MSC), o termo empregado para definir o navio autônomo é MASS (Maritime Autonomous Surface Ship), ou seja, Navio de Superfície Autônomo Marítimo. Passaremos a utilizar este termo para designar neste artigo o navio autônomo.

O MASS é definido como um navio que, numa escala variável, pode operar independentemente da interação humana.

Este tipo de navio tem seus graus de autonomia organizados, não hierarquicamente,

da seguinte maneira (um MASS pode estar operando em um ou mais dos seguintes níveis de autonomia durante o percurso de uma única viagem): 1 - Navio com processos automatizados e suporte à decisão: os marítimos estão a bordo para operar e controlar os sistemas e funções existentes. Algumas operações podem ser automatizadas.

2 - Navio controlado remotamente com marítimos a bordo: o navio é controlado e operado a partir de outro local, mas os marítimos permanecem.

3 - Navio remotamente controlado sem marítimos a bordo: o navio é controlado e operado a partir de outro local.

4 - Navio totalmente autônomo: o sistema operacional do navio é capaz de tomar decisões e determinar ações por si mesmo.

Mas observamos, pela definição acima da IMO, que navio autônomo não significa navio sem tripulação.

Diversos estudos estão em andamento em vários países e alguns protótipos têm aparecido. O mais badalado deles parece ser o Yara Birkeland.

A Yara International, fabricante de fertilizantes e a Kongsberg, empresas da Noruega, desenvolvem este projeto de navio mercante operado remotamente por meio de sistema de navegação GPS, sensores e sistemas informatizados. A embarcação carregará até 120 contêineres com fertilizantes de Porsgrunn até Larvik, cidades 20

Projeto de embarcação autônoma Yara Birkeland

Revista do Clube Naval • 390

norueguesas. Quando em operação plena, o navio pretende substituir 100 caminhões, que fazem 40.000 viagens por ano, com diminuição nas despesas operacionais e contribuição ambiental com 700 toneladas de gás carbônico a menos na atmosfera.

Porém, mesmo com o protótipo acima, no estágio atual da ideia MASS, temos muito mais dúvidas que respostas.

O MASS realmente é um navio ? Como fica o cumprimento de diversas convenções internacionais que estão no centro da Cultura de Segurança Marítima, por exemplo: SOLAS, Marpol, SAR (Busca e Salvamento) etc?

Como as informações dos sensores a bordo de um MASS podem ser fundidas e interpretadas de modo a construir uma imagem compreensível da situação da sua

Revista do Clube Naval • 390

própria embarcação autônoma e para aquelas nos arredores, cumprindo integralmente o regulamento para evitar abalroamento e colisão no mar – RIPEAM ?

A Regra 33 do Capítulo V da SOLAS (Convenção para Salvaguarda da Vida Humana no Mar. É a mais importante convenção sobre a segurança da Marinha Mercante), estabelece que em caso de perigo no mar, o comandante e seu navio, após ser contatado, deve prosseguir com toda a rapidez para ajudar pessoas em perigo.

Como se dará o cumprimento num caso de um MASS na área do sinistro no mar?

Será que o investimento necessário para construir e operar um MASS vai ser realmente atraente para os armadores?

Muita redundância de equipamentos vai ser requerida e infraestrutura em terra para

21

operar um MASS com um padrão adequado de confiabilidade.

Será que este navio realmente é mais seguro do que aqueles com humanos a bordo? E os novos riscos que podem ser criados? Como combater uma poluição num MASS? Alguns estudos indicam potencial para reduzir acidentes. Mas outros indicam que não, como por exemplo, os que citam que um MASS, ao se envolver em alguns tipos de acidentes, como encalhe, incêndio, explosão ou alagamento, terá consequências talvez bem mais sérias do que um navio totalmente tripulado.

Isso pode ser atribuído ao fato de que a propagação de falhas não pode ser adequadamente mitigada, pois não haverá meios de contingência adequados para controlar os danos, como com tripulação.

Projeto de centro de controle de embarcação autônoma – Rolls Royce E os aspectos de responsabilização neste tipo de navio em casos de acidentes?

Quem será o Comandante de um MASS? Hoje, a cultura de segurança a bordo é centrada na figura do Comandante do navio. A Lei nº 9.537/97, que dispõe sobre a Segurança do Tráfego Aquaviário em águas sob jurisdição nacional estabelece, no seu artigo 2º § IV – Comandante (também denominado Mestre, Arrais ou Patrão) – tripulante responsável pela operação e manutenção da embarcação e condições de segurança, extensivas à carga, aos tripulantes e às demais pessoas a bordo; Num caso de um MASS, nível de automação da IMO 2 e acima, quem seria responsabilizado num problema ou acidente envolvendo a embarcação?

Os navios não tripulados representam uma ruptura de todo o conhecimento e segurança marítima tradicionais e devem levar em consideração todas as consequências desta transformação no transporte marítimo.

MASS não é somente assunto técnico, tem perspectivas sociais e éticas A navegação passou por vários momentos de grande transformação ligados à tecnologia e que tiveram impacto direto na vida dos marítimos a bordo. Os principais foram: • Invenção do cronógrafo, por John Harrison, o que apoiou o cálculo da longitude

em 1735 e desenvolvimento da navegação astronômica.

• Invenção do Sextante, em 1757, instrumento para cálculo de posição, também em navegação astronômica.

• Evolução do navio com propulsão à vela para o navio com propulsão a vapor/ carvão, em1797; e do navio com propulsão a vapor para o navio com propulsão a diesel, em 1950.

• Introdução do navio porta-contêiner, em 1960.

•Substituição da estação rádio pelo conceito GMDSS (Global Maritime Distress Safety Sistem), com remoção da necessidade do oficial de radiocomunicações de bordo e Introdução da Praça de Máquinas desguarnecida, no final dos anos 90, e consequente redução do número de tripulantes necessário para operar; Podemos estar hoje diante de um desses pontos de disrupção. Talvez o mais importante da história da nossa atividade marítima.

Em todos estes momentos, certamente os marítimos puderam e tiveram que se adaptar. Os carvoeiros que não se transformaram, na passagem do navio à vela para carvão e do navio a carvão para motor; ou os oficiais de radiocomunicações que foram substituídos pelo equipamento GMDSS e não se adaptaram, ficaram para trás. Mas, aqueles que tiveram a oportunidade e passaram por processos de realinhamento nas suas capacitações continuaram com 22

suas carreiras marítimas. As companhias de navegação que não evoluíram da carga geral ensacada para o contêiner, também sofreram grandes efeitos.

Mesmo com esste tipo especial de navio que está para surgir, habilidades e conhecimentos marinheiros/náuticos, de manutenção e da especialidade de máquinas, continuarão sendo muito necessários para o negócio de Transporte Marítimo eficaz e eficiente.

Logo, num cenário em que o navio autônomo se torne real, haverá consequências graves para o emprego dos marítimos. Ou, pelo menos, se não forem criados mecanismos de adaptação para o novo panorama.

E isto vale para múltiplas outras profissões no mundo, que sofrerão impacto com a digitalização, como advogados, médicos, militares etc.

Será que precisaremos repensar os padrões futuros de certificação e treinamento dos marítimos previstos na STCW (A convenção internacional sobre padrões de treinamento, certificação e serviço de vigilância para os marítimos, que estabelece padrões mínimos de qualificação para marítimos em navios mercantes), incluindo uma nova categoria de oficiais de náutica e máquinas, junto com a convencional?

Será uma oportunidade de crescimento e não de diminuição de postos de trabalho?

Teremos uma nova função e/ou um novo tipo de Comandante e Chefe de Máquinas?

Alguns estudos já iniciaram neste sentido.

Revista do Clube Naval • 390

Conclusão – Pelo humano sempre no centro do novo loop digital. Pelo marítimo sempre no centro do loop do mar.

Pela ética igualmente neste debate A inovação é o motor para aumentar a competitividade da indústria. Digitalização é um novo campo que se abre com a chamada Indústria 4.0.

De todas as tecnologias que compõem esse movimento, a inteligência artificial é a que tem maior poder de mudar nosso cenário humano e mundial. As outras, como por exemplo, big data, impressão 3D etc., são coadjuvantes.

Porém, é importante que todos os efeitos da digitalização em qualquer indústria, inclusive nos navios, sejam também estudados e acompanhados, nos campos social, ambiental, de segurança, operacional etc., inclusive do ponto de vista ético.

Se a hipótese deste navio autônomo ou MASS se tornar realidade, qual deve ser a nossa atuação? Devemos ignorar? Ou uma postura ludista? Ludismo foi um movimento de trabalhadores ingleses do ramo de fiação e tecelagem, ativo no início do século XIX, nos primórdios da primeira Revolução Industrial, e que se notabilizou pela destruição de máquinas como forma de protesto.

Ou devemos acompanhar o movimento, estudando, analisando, debatendo e participando do processo de mudança, com nossos conhecimentos e cultura marinheiras?

Acredito que esta última é a melhor opção.

Revista do Clube Naval • 390

Projeto de embarcação autônoma – Rolls-Royce Independentemente de qual tipo de indústria estamos falando, que vai sofrer os efeitos da digitalização, concluo, levantando dois pontos: • A tecnologia deve ser feita para servir o humano, como ferramenta, e não vice-versa.

• O humano deve estar sempre presente neste novo loop digital, ou seja, em todos os processos industriais etc., inclusive nos meios de transporte marítimos autônomos. E particularmente, nas tomadas de decisão, a última palavra deve ser sempre humana. E no mar, dos marítimos.

Esta é uma das principais linhas que muitas empresas irão trabalhar, no curto e médio prazos. Potencializar seus negócios e aumentar a segurança e eficiência, com o apoio da tecnologia, tentando garantir diferenciais competitivos e mantendo o humano e o marítimo no centro.

Devemos ter pontos de conduta ética

23

para a inovação tecnológica, que seja positiva para todos, igualmente, em qualquer campo industrial presente. Devemos querer um mundo em que a inteligência artificial crie ocupações qualificadas para a maioria das profissões, inclusive a dos marítimos. Em que a concentração de renda diminua e que as novas gerações tenham experiências de vida e trabalho superiores, proporcionadas pelo progresso tecnológico. Um planeta onde a diferença entre os países se reduza e não aumente.

Para isso é necessário haver transparência e que a inteligência artificial seja projetada e operada de maneira compatível com os ideais de dignidade, direitos e liberdade do ser humano. n *Diretor Técnico do Centro dos Capitães da Marinha Mercante cmt.jones@petrobras.com.br

des a d i at i v í t i m a s mar

Femar vive momentos de conquista E CMG (Ref-T) Carlos Alberto de Sá e Souza*

m mais uma oportunidade, vem a FEMAR trazer ao conhecimento do público leitor novas notícias das suas atividades nas áreas de ensino, pesquisa, extensão e inovação tecnológica, bem como de seus projetos de responsabilidade social, sem perder o foco na sua missão estatutária de difundir a mentalidade marítima no Brasil.

Recentemente, completamos cinquenta e três anos de profícua e contínua existência e temos muito o que comemorar. Nesse sentido, para melhor cognição, pontuamos algumas de nossas conquistas que muito nos orgulham, pois colocam a FEMAR num patamar de excelência, como a seguir detalhado.

• Certificação ABNT NBR ISO 9001: 2015 – na sua busc a const ante de

aprimoramento dos processos de gestão, a FEMAR ingressa no seleto grupo de instituições possuidoras do Certificado ISO 9001: 2015, após ter sido avaliada pela auditoria de certificação levada a efeito pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), com escopo na área de ensino.

• Título de Utilidade Pública da Cidade do Rio de Janeiro – A FEMAR foi contemplada com este título, conferido pela Lei Municipal n°6.529/2018, como reconhecimento do trabalho social desenvolvido pelo Projeto Escola no Mar (PROEMAR), junto às Secretarias de Educação do Estado e do Município do Rio de Janeiro. Essa parceria beneficiou, no biênio 2017/2018, 1.512 alunos do ensino fundamental de 53 Escolas Estaduais e Municipais. Para 2019, espera-se atender 1.230 alunos de 41 Escolas.

Reunião de abertura da Auditoria de Certificação pela ABNT

24

• Ampliação do alcance social da Escola Técnica de Estudos do Mar (ETEMAR) – em parceria com o Governo do Estado do Rio de Janeiro, desde 2018, mediante celebração do Termo de Colaboração, a FEMAR vem ministrando de forma gratuita o Curso Técnico em Transporte Aquaviário no Colégio Estadual Infante Dom Henrique, tendo hoje duas turmas, na modalidade articulada com o ensino médio. Agora, em abril último, essa parceria foi ampliada, com o Curso Técnico em Portos, para uma turma, no Colégio Estadual Amaro Cavalcanti, na modalidade concomitante com o ensino médio.

Destaca-se que, nas instalações da FEMAR, continuam acontecendo os Cursos Técnicos em Comércio Exterior, aberto ao público em geral, para candidatos que passaram por processo seletivo e são detentores do ensino médio completo. O Curso funciona no período vespertino e conta com 26 alunos matriculados. Recentemente, a FEMAR recebeu do Conselho Federal de Administração (CFA) o parecer favorável do Registro Profissional, o que assegura aos seus alunos, ao final dos cursos, o registro técnico e a Carteira de Identidade Profissional.

• Não menos importante, revelou-se, pelos resultados alcançados, o Acordo firmado com a Escola de Guerra Naval tendo como objeto o desenvolvimento de estudos relacionados com as Políticas Nacionais voltadas para o Mar, tratando das atividades do Poder Marítimo, materializadas na Política Nacional para Assuntos Antárticos, na Política Marítima Nacional, Revista do Clube Naval • 390

Visita ao Museu Histórico Nacional

No descerramento da Placa Indicativa de Cooperação SEEDUC – FEMAR, no C. E. Amaro Cavalcanti, o Superintendente Executivo da Fundação; a Diretora Pedagógica da FEMAR; a Diretora do Colégio; e oSecretário Estadualde Educação, Pedro Fernandes

Apresentação do Simpósio “O Brasil e a Economia Azul” feita pelo Contra-Almirante (RM1) Marcos Lourenço de Almeida

Em Brasília, o Simpósio contou com a ilustre presença da senadora Ana Amélia Lemos e do Comandante da Marinha, Ilques Barbosa Junior

na Política Nacional para os Recursos do Mar e no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, onde foram indicadas sugestões para o aperfeiçoamento dessa matriz.

Tal projeto foi permeado de Simpósios e Workshop que, juntamente, com o trabalho de pesquisa, rendeu como produto final um extenso relatório.

• Crescem as atividades da FEMAR nas áreas de pesquisa, extensão e inovação – a participação como Fundação de Apoio, junto às Instituições de Ciência e Tecnologia da Marinha, teve um significativo avanço, com o incremento de projetos de caráter científico e tecnológico, originando a assinatura de vários Contratos nessa modalidade. Nesse contexto, buscando estabelecer as melhores condições para formação do conhecimento sobre o funcionamento e atuação de uma Fundação de Apoio, a FEMAR filiou-se ao Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (CONFIES).

Assim, é relevante destacar, dentre outros, o Contrato de Fundação de Apoio firmado com o Centro de Análise e Sistema Navais, (CASNAV) para atender ao Projeto Hermes, dedicado a interoperabilidade entre os Sistemas de Comando e Controle das Forças Armadas, e o Projeto de Exame de Situação Operacional (ESO), relacionado com a evolução do Sistema de Planejamento Operacional Militar (SIPLOM), ambos de fundamental importância para o Ministério da Defesa nas Operações Conjuntas.

• Em relação às novas parcerias, releva mencionar o Termo de Cooperação firmado com a Petrobras S.A. e o Centro de Hidrografia da Marinha (CHM) para dar continuidade às atividades do Programa de Levantamento da Plataforma Continental (LEPLAC), na sua 3ª fase, com escopo direcionado para a Margem Oriental da Costa Brasileira, com esta Fundação atuando como interveniente. Já na fase final de ajustes, estaremos brevemente celebrando o Termo de Cooperação com a Petrobrás S.A. e a Secretaria da Comissão para os Recursos do Mar (SECIRM), importante pela pesquisa científica que se realizará, cujo objetivo será o de desenvolver as atividades do Programa Setorial para os Recursos do Mar (PSRM) e o Programa Antártico (PROANTAR), com a FEMAR executando a gestão administrativa do Acordo. n

*Assessor de Controle Interno e Qualidade Revista do Clube Naval • 390

25

açã r t s i min

o

GARANTIAS FINANCEIRAS CONTRATUAIS ad

V Alte (Ref-EN) Renato Vilhena de Araujo

“pacta sunt servanda”

A

(os contratos devem ser cumpridos)

s garantias financeiras contratuais são um mecanismo expedito para remediar a eventual quebra de compromissos assumidos por alguma das partes contratantes, usando só providências administrativas, sem ter que recorrer ao Poder Judiciário.

Se eventualmente for necessário entrar na Justiça para cobrar da outra parte o cumprimento de algumas obrigações assumidas, ou o pagamento de indenizações, é sinal de que o contrato já fracassou.

Quanto aos contratos públicos, este assunto está tratado na Lei 8.666/93 (à qual se referem as menções a artigos que se seguem), mas de modo incompleto, assistemático, fragmentado e disperso, em que pese sua vital relevância para o sucesso dos negócios jurídicos do setor público.

COMPRAS Por definição, um contrato é um conjunto equilibrado de pagamentos e fornecimentos, que deve ser mantido durante toda sua execução, isto é, a cada pagamento efetuado, deve corresponder uma entrega

de bens, serviços ou garantias de igual valor, conforme esquematizado na figura.

Por exemplo, o eventual pagamento de uma parcela de entrada na assinatura do contrato (que é um valor pago antes de qualquer fornecimento) deve ser equilibrado por uma garantia de pagamento antecipado de igual valor (art. 65, inciso II). Mediante a prestação de uma garantia adequada (“advance payment guarantee”, nos contratos escritos em inglês), uma parcela de entrada deixa de ser um pagamento antecipado, que é vedado, para se tornar um pagamento garantido equilibrado que, em tese, seria admissível.

Trata-se apenas de por em prática a sabedoria popular que aconselha que nunca é uma boa ideia pagar adiantado por algo, a menos que o risco de não receber o fornecimento seja considerado insignificante, como é o caso das entradas para sessões de cinema, por exemplo.

Outras circunstâncias pedem outros tipos de garantias como, por exemplo: a garantia de proposta, que é um valor a ser perdido pelo licitante que não honrar a proposta apresentada e se negar a assinar 26

o contrato dela decorrente (art. 31, inciso III); a garantia de fiel execução, que é um valor a ser perdido pelo contratado em caso de inadimplência total ou parcial (art. 6º, inciso VI); a garantia de fiel depositário, que é um valor a ser perdido pelo contratado que não devolver bens que tenha recebido para executar o contrato (art. 56, § 5º); a garantia de indenização de danos causados a terceiros (art. 71) etc.

A lei não limita as garantias que podem ser necessárias para apoiar a execução dos contratos. Em um contrato de construção naval, por exemplo, cujo cronograma costuma ter muitos eventos sujeitos ao risco de só serem cumpridos com atrasos, pode ser adequado se estabelecer um mecanismo para cobrança administrativa de eventuais multas, tanto moratórias quanto punitivas, que não forem pagas espontaneamente pelo contratado (como soe acontecer). Por exemplo, poderia ser previsto que as multas seriam descontadas do pagamento de parcelas subsequentes.

CARACTERÍSTICAS As garantias devem ficar todas bem explicitadas nos contratos e, para serem eficazes e cumprirem suas finalidades, devem sempre ser: a) dadas na assinatura do contrato (não deixar para depois); b) unilaterais (a serem pagas mediante simples cobrança administrativa pelo contratante); c) incondicionais (independentes Revista do Clube Naval • 390

da ocorrência de quaisquer outros fatos); d) líquidas (expressas em moeda corrente); e) certas (independentes de maior confirmação); f) imediatas (a serem pagas à vista); g) irrevogáveis (imunes a cancelamento ou caducidade); e g) liberadas somente após cumprirem plenamente a sua finalidade (a liberação precoce compromete o equilíbrio econômico-financeiro contratual). É frequente se encontrar nos termos de garantia, quando sugeridos por empresas contratadas, dizeres que as tornam ineficazes, justamente por suprimirem alguma das características acima. No entanto, é imprescindível que as garantias se mantenham sob o domínio indiscutível da Marinha.

Nos contratos públicos, as garantias podem ser prestadas através das seguintes modalidades: caução em dinheiro ou títulos da dívida pública, seguro-garantia ou ainda através de fiança bancária (art. 56, § 1º).

Não são admitidas as chamadas garantias pessoais, ou fidejussórias, como as fianças e avais dados por pessoas físicas, muito comuns nos contratos particulares.

Tendo as características mencionadas acima, as garantias podem prover a necessária segurança financeira para o bom desenvolvimento do negócio jurídico firmado, uma vez que podem restaurar as condições vigentes antes da quebra contratual e, desta forma, permitir que se providencie, sem demora, nova contratação para substituir a que malogrou.

VENDAS Estamos acostumados a pensar na Marinha como compradora de bens e serviços, mas ela também faz muitas vendas como, por exemplo, as de navios velhos que deram baixa do serviço ativo, ou a prestação de variados serviços extra Marinha

Pagamentos $

Contratante Bens, serviços ou garantias

pelas Organizações Militares Prestadoras de Serviços (OMPS) como, por exemplo, as docagens de navios mercantes nos diques secos das bases navais.

Nestes casos, a garantia principal a ser exigida é a chamada garantia contra maus pagadores.

Por exemplo, A Marinha Americana, com base na sua notória credibilidade, se garante nas suas vendas pelo sistema Foreign Military Sales (FMS), requerendo sempre o pagamento integral adiantado de tudo que for encomendado. Durante a 2ª Guerra Mundial, devido às grandes incertezas da época, se usava um tipo de contrato chamado de “cash and carry”, que previa pagamento à vista, em espécie, ficando todo o transporte dos bens comprados por conta e risco do comprador.

Outra garantia útil em certos casos é o chamado direito de retenção, que permitiria à MB, por exemplo, só devolver uma embarcação reparada em base naval ao seu dono após o cliente ter pago tudo que deve. Para evitar enormes polêmicas, deve sempre ficar bem explicitado que esta faculdade será usada, se necessário.

Trata-se de um direito de autodefesa, fundado na exceção de contrato não cumprido previsto no Código Civil, art. 476, uma vez o a MB não precisa cumprir sua obrigação de devolver o bem pertencente ao cliente até que este cumpra sua obrigação de pagar pelos serviços contratados.

Nos Estados Unidos, este tipo de garantia é chamado de “vínculo dos mecânicos” (mechanics lien) fazendo alusão ao fato de que as oficinas mecânicas podem reter os carros reparados até que os donos paguem o que devem pelos consertos. Trata-se de um caso peculiar de supergarantia, pois os valores dos consertos costumam ser muito inferiores aos valores dos carros retidos, quando a regra geral é a de que as garantias e as obrigações respectivas devem ser aproximadamente de igual valor.

CONCLUSÃO

Contratado

Revista do Clube Naval • 390

27

As garantias contratuais são essenciais para se manter sempre o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e, assim, se prevenir contra inadimplências dos contratados nos contratos públicos que, infelizmente, são comuns no nosso país.

Por este motivo, devem ser sempre objeto de análise detida e minuciosa em todas as contratações. n

açã r t s i min

o

A ATIVACÃO DO DEPARTAMENTO DE FINANCIAMENTOS E ad

ECONOMIA DE NO MINISTÉRIO DEFESA DA DEFESA C Alte (IM) LUIZ CARLOS FARIA VIEIRA

N

a década de 2000, aproveitando-se do cenário de expansão fiscal e de medidas anticíclicas, iniciou-se o desenvolvimento de inúmeros projetos estratégicos no Brasil, tais como: Programa de Desenvolvimento de Submarino (Prosub), programa de aquisições de aeronaves de combate (FX-2), do lançamento do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), da aquisição dos blindados Guarani, do programa de Defesa cibernética, dos helicópteros de transporte pelo programa H-XBR, do satélite geoestacionário de Defesa e segurança (SGDC), além de outros programas como do cargueiro tático KC-390, dentre outros. Além disso, nesse período também foi promulgada a Lei 12.598/2012 para fortalecimento da Indústria de Defesa e foi criado o RETID – Regime Especial Tributário para a indústria de Defesa (lei 8.122/2013).

Nesse período, a movimentação na indústria de Defesa brasileira foi intensa e a euforia dos empresários levou à entrada de novos atores no mercado. Contudo, a crise fiscal chegou e a necessidade de readequação dos contratos firmados alargou o cronograma físico-financeiro desses projetos estratégicos gerando importantes

impactos sobre a cadeia produtiva e sobre a geração de emprego e renda, inclusive importantes empresas estratégicas fecharam, foram redimensionadas ou foram incorporadas por outras empresas.

Em 2016, o Brasil presenciou a maior retração acumulada da atividade econômica da história. Por muito pouco, vários dos projetos estratégicos iniciados não foram suspensos. Portanto, era preciso pensar “fora da caixa” para minimizar o impacto adverso e manter acesa a indústria 28

de Defesa.

O Ministério da Defesa ativou, em 2018, o Departamento de Financiamentos e Economia de Defesa (DEPFIN), dentro da estrutura da Secretaria de Produtos de Defesa, tendo sido criado, inicialmente, como Núcleo de Financiamentos e Garantias (NUFIN). Para dirigir o setor, foi designado um Almirante do Corpo de Intendentes da Marinha.

O surgimento desse Departamento foi consequência da necessidade prevista Revista do Clube Naval • 390

na Lei nº 12.598/2012, que estabelece normas especiais para as compras, as contratações e o desenvolvimento de produtos e de sistemas de Defesa, além de dispor sobre regras de incentivo à área estratégica de Defesa. Dessa forma, o DEPFIN veio buscar o acesso a financiamentos específicos e competitivos para as nossas Empresas Estratégicas de Defesa (EED), suprimindo a carência que existia de um setor específico para cuidar de ações voltadas para o desenvolvimento da Base Industrial de Defesa (BID) nacional. Nesse sentido, o papel do Departamento é atuar em, basicamente, três grandes frentes de apoio à nossa BID e às nossas Forças Armadas. São elas: a) busca de financiamentos e garantias às operações de pré e pós embarque (exportações) de nossas indústrias de Defesa, bem como implementação de estratégias de investimentos de Defesa no Brasil; b) participação e coordenação das atividades e estratégias de comércio exterior, conforme definidas pela Câmara de Comércio Exterior (CAMEX); e c) acompanhamento da economia de Defesa,

dentre os quais se destacam: negociação com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social de linha de crédito internacional, de país a país, beneficiando a produção da indústria nacional de Defesa; negociação de Fundos de Investimentos em Participação (FIP) para promover investimentos na BID, fomentando o desenvolvimento de novas tecnologias de emprego militar; tramitação do Projeto de Lei nº 10.834/2018, ampliando as possibilidades de apoio financeiro do Fundo da Marinha Mercante (FMM) para à Marinha do Brasil (MB), com o objetivo de fomentar a indústria naval brasileira; inclusão das empresas de Defesa, após negociações com o Ministério da Integração, que quiserem se instalar nas regiões do Nordeste e Centro-Oeste, nas linhas de financiamento dos Fundos Constitucionais das citadas regiões; participação na agenda de elaboração da Estratégia Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social do Brasil com a inclusão da agenda de Defesa; participação das negociações para a adesão do Brasil à Organização de

(BIF-2017/2018), a fim de buscar parceiros estratégicos para o desenvolvimento da BID; criação do Grupo Técnico de Defesa da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX); e tramitação de proposta de Decreto com a inclusão do MD na CAMEX. Com a entrada do Ministério da Defesa na Camex e com o fortalecimento da indústria militar a partir de projetos estratégicos, temos uma janela de oportunidades para aumentar a inovação e o desenvolvimento tecnológico no Brasil. No entanto, para exportar ou mesmo fazer parte da cadeia global de valores do setor de Defesa, há necessidade do estabelecimento de uma linha de financiamento específica para a área de Defesa. Não basta possuir um bom produto de Defesa, para exportar é fundamental possuir uma linha de financiamento consolidada. Outro ponto importante, que contribui significativamente para as exportações de um produto de Defesa é a sua utilização pelas nossas Forças Armadas.

Assim, verifica-se que a Defesa contribui não apenas para a soberania de uma nação,

entendida como a área da Economia que, a partir das estratégias definidas pelo Ministério da Defesa, analisa os dados correntes do setor de Defesa, nacionais e estrangeiros, com vistas a aperfeiçoar as políticas de Estado voltadas para este mesmo setor.

Como se observa, o DEPFIN tem a função de “pensar fora da caixa” em busca de soluções inovadoras para o desenvolvimento e sustentabilidade da BID e, para tal, vem trabalhando para ampliar as possibilidades de investimentos na citada Base Industrial,

Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); participação no Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB); operacionalização dos benefícios nas aquisições de bens e serviços das Forças Armadas por meio da utilização do Regime Especial Tributário para a Indústria de Defesa (RETID); interface da relação entre o MD e a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN); organização e coordenação, a pedido do Governo Federal, da Sessão Paralela de Defesa no Brasil Investment Forum

sua atuação no setor econômico é vital, sendo um dos polos de desenvolvimento de novas tecnologias, bem como das tecnologias ditas disruptivas.

Ressaltar a importância da Economia de Defesa para a soberania, o progresso e desenvolvimento nacional e o bem-estar de nossa sociedade é a principal tarefa atualmente da Secretaria de Produtos de Defesa, particularmente do seu novo Departamento, o de Financiamentos e Economia de Defesa. n

Revista do Clube Naval • 390

29

aç r t s i in

ão

QUALIDADE EM DEFESA adm

DE UMA IDEIA V Alte (Ref-EN) Rui Barcellos Capetti

“Na obtenção ‘entre guerras’, como estamos hoje em dia, é quando podemos ter o efeito mais profundo sobre a capacidade de combate, mesmo quando enfrentamos mudanças demográficas, pressões orçamentárias e um mundo cada vez mais complexo.”

James P. Woolsey President Defense Acquisition University (2016-2019).

A

o longo de muitos anos na carreira procuramos motivar a Marinha do Brasil para uma estratégia administrativa com base em conceitos sobre Qualidade, em outras palavras, da Qualidade ser tratada no ambiente naval como atributo que se referisse tanto ao gerenciamento do pessoal como ao gerenciamento do material.

Vivíamos transição da assim chamada Era da Garantia da Qualidade (caracterizada pelo foco na Gerência) para a Era da Qualidade Total (cujo foco priorizava o cliente).

Essa evolução nos motivava a pesquisar cada vez mais profundamente a história da Qualidade, no sentido de aperfeiçoar os processos do serviço naval.

Em 1986, disseminamos nossas percepções e ideias pelo artigo “Uma política de qualidade para a MB” (1), quando concluímos pela urgência em implantar e implementar uma estrutura sistêmica para tratar da Qualidade. Já nos empolgava as considerações sobre a Qualidade, como abordadas por diversos gurus da Qualidade, aí incluídos Juran e Deming, devido à leituras sobre

o sucesso da recuperação japonesa no pós-guerra.

As primeiras ações na Marinha para absorver formalmente considerações sobre Qualidade se deram timidamente, a partir da criação do PBQP em 7/11/1990.

Mas algumas instâncias da Qualidade já tinham sido objeto de consideração, como a tentativa da DHN, em 1987, auxiliada pela COPPE-UFRJ, de implantar a Garantia de Qualidade nos seus trabalhos, iniciativa essa que ficou comprometida por falta de aporte financeiro, uma vez que a sistemática do Plano Diretor não permitia cobertura para despesas que não estivessem devidamente previstas em algum Plano Básico, Em nome da precisão cronológica, identificamos movimento produtivo da Marinha do Brasil, em prol da Qualidade, anterior ao lançamento do PBQP. Segundo RIOS (RIOS,1994) (2):

30 30

Parte I

“A busca pela qualidade pelas empresas de maior porte começou na década de 70, principalmente para as empresas que forneciam material para o Programa Nuclear Brasileiro. A exigência de garantia de qualidade dos produtos obrigou as empresas a procurarem tecnologias e gerência de padrão mundial.”

A ação seguinte rumo à Garantia da Qualidade deu-se na década dos anos 70, com o início das construções das Fragatas no Brasil. Tal evento levou o AMRJ e DEN a desenvolverem procedimentos em função daquela importante função da Qualidade.

O artigo “Garantia de Qualidade na construção de navios de guerra” (3) descreve as providências tomadas pela Diretoria de Engenharia da Marinha.

No artigo seguinte, “Garantia de Qualidade na operação de navios de guerra” (4), enfatizamos a consideração de que também no chamado setor operativo deveria haver preocupação com tal temática. Entráramos na Era da Garantia da Qualidade.

Revista do Clube Naval • 390

A motivação para aquele artigo surgiu em extensão, por assim dizer, de um artigo sobre Garantia da Qualidade enaltecendo as atividades como somente de responsabilidade dos processos de engenharia, na construção para cada tipo de navio de guerra.

Depois de introduzirmos os conceitos da Qualidade Total na MB (1992) (como Diretor de Ensino, fizemos a Diretoria patrocinar cursos sobre a Gestão pela Qualidade Total (GQT) para alguns engenheiros, pessoal do Corpo da Armada e Fuzileiros Navais, na Fundação Christiano Ottoni (MG), uma das três organizações no ambiente civil fomentadoras (5) dos princípios da Qualidade, mesmo contrariando a opinião do nosso escalão hierárquico superior, que a isso se opunha por não haver verba específica para tal fim (a mesma razão que comprometera a iniciativa da DHN, só que dessa vez os custos não eram altos). Tal iniciativa determinou uma linha de pensamento sobre Qualidade, mais aderente aos ensinamentos de Juran e Deming do que a outros gurus da Qualidade.

Pouco tempo depois o Estado-Maior

Revista do Clube Naval • 390

da Amada (EMA) implementou a idéia fazendo publicar o manual de GQT (Gestão Pela Qualidade Total, encaminhado aos Órgãos de Direção Setorial em 23/1/1993), assumindo para a MB a metodologia da Gestão pela Qualidade Total (6). Cedo, contudo, a administração naval cedeu ao apelo holístico e sistêmico das abordagens e adotou o que era referido como Gestão Contemporânea que, sem mudar as idéias subjacentes da Gestão pela Qualidade Total, tendeu à obviedade (7).

Isso nos deu ânimo para prosseguir e escrevermos texto e proferirmos palestras em várias Organizações Militares (OM) da Marinha sobre a “Gerência da Qualidade Total – uma filosofia de vida”(8). Já veiculava visão mais abrangente nas considerações sobre Qualidade, desde 1990, quando começara a era referida como a Era da Gestão Estratégica da Qualidade. Embora o objetivo da GQT fosse o de alcançar a excelência na produção, a aplicação dos seus princípios podia perfeitamente se estender para as várias situações no decorrer das inúmeras atividades do serviço naval, dando asas as nossas idéias de que mais do que estratégia administrativa, tais princípios poderiam constituir até uma filosofia de vida.

Convictos da utilidade do nosso propósito de

31

disseminar uma metodologia da Qualidade no âmbito naval, produzimos o artigo “Da GQT a GECON ou a implantação sistemática da Qualidade na MB” (9). Prosseguimos nesse rumo escrevendo outros artigos com propósitos vinculados à propagação das técnicas de gerência do material. Enquanto a MB caminhava para a Gestão, nos preocupava aspectos da Gerência do material. Em 2006 escrevemos o artigo “Por um sistema de Qualidade na MB” (10), enfatizando a necessidade que a temática fosse abordada segundo o enfoque sistêmico, como então era comum às instituições que lidavam com aspectos técnicos da obtenção e da aplicação do material de emprego militar com foco no desempenho.

A falta de abordagem do assunto Qualidade nos incomodava. A declaração (a posteriori) de um ex-Diretor da DEN comprovava o descaso. Afirmara que “Nessa época (1981), Quality Assurance era assunto quase desconhecido no Brasil” (11). Era, mas especialmente na Marinha, o que nos levou a declarar: “Consideramos nosso elo perdido a falta de um sistema formal de Qualidade na Marinha. Embora existindo regras para a Qualidade , na forma de Gestão (GECON) não encontramos, até então, menção ao sistema pertinente” (12).

Implantar um sistema de Qualidade não significava, como não significa, que não houvesse a preocupação com os aspectos da Qualidade. A implantação de um sistema de Qualidade visa a garantir que o grau de Qualidade definido e praticado será mantido e que a melhoria da Qualidade será obcecadamente perseguida por meio de ações contínuas e preventivas.

Julgamos que no passado (13) o aproveitamento dos conhecimentos sobre Qualidade, na Marinha, foi inapropriado. Nas especificidades em que poderiam oferecer algum avanço, nas áreas de atuação das Diretorias Especializadas, os engenheiros não tinham formação adequada sobre Qualidade, talvez por força até da fraca disseminação desses conhecimentos nos seus cursos de formação, mas também pelo isolamento das suas Organizações Militares em face dos conhecimentos externos e pela falta do hábito de leitura e de pesquisa. O fato é que a Marinha acompanhou com restrições a história da evolução da Qualidade.

Um exemplo que pode corroborar essa impressão são nossos engenheiros navais formados no curso junto a Politécnica da USP, no passado. Sofreram as mesmas restrições que a própria USP no acompanhamento da história da Qualidade, haja vista que somente em 1984 a Fundação Vanzolini participou do primeiro estudo de normas sobre Qualidade, o qual deu origem ao Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), a partir do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (PADCT).

Uma consideração de natureza muito pessoal e que talvez possa ajudar a ratificar a opinião acima é a nossa observação, no tempo de serviço ativo que vivemos, que a engenharia agia como engenharia de campo. Atividades acadêmicas eram raras, com poucas exceções, como por exemplo o artigo anteriormente citado sobre Garantia de Qualidade na construção de navios de guerra, publicado em 1989. Comenta-se, na literatura em geral, que engenheiros não gostam de escrever relatórios, formalizar normas e procedimentos, exercer atividades administrativas, e odeiam a logística.

Apesar das várias medidas encetadas pelo Estado-Maior da Armada (EMA), em prol do fortalecimento e disseminação dos conceitos da Qualidade, a GQT foi vista pela administração naval holística e sistemicamente, sem ser considerada seriamente como particular ferramenta para o aprimoramento dos processos e, nessa condição, evoluiu para a Gestão Contemporânea (1998). Como tal (Gestão), expressava mais o sentido estratégico da abordagem do que propriamente seu valor como instrumento

32

de aperfeiçoamento, pelo menos no setor do material (Gerenciamento da Qualidade).

Considerações de importância em Qualidade, tais como Garantia da Qualidade e Controle da Qualidade, a primeira uma função de direção, ou do comando, visando a garantir que todas as medidas estariam sendo tomadas para assegurar a Qualidade, enquanto a segunda, inerente no processo de produção, visando a verificar os desvios aos requisitos estabelecidos, ficaram entregues à diferentes abordagens. Por sua essencialidade tecnicamente flagrante e pelo conteúdo do que se entendia como Controle da Qualidade, a atividade de inspeção sobreviveu naturalmente, embora na formalização, somente o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro contemplasse em sua organização administrativa com estruturas orgânicas destinadas ao Controle da Qualidade (Departamento de Controle da Qualidade, então AMRJ-23). As atividades industriais das Bases Navais, contudo, não eram contempladas com organização pertinente, como pode ser constatado na documentação da época (14).

Ao mudar para Gestão Contemporânea

Revista do Clube Naval • 390

a Marinha colocou ênfase no fortalecimento da liderança(15), corretamente no nosso entender, mas descurou do preparo adequado de Gerentes para diversas atividades de caráter técnico. De fato, líder e gerente são coisas diferentes. Segundo cotação frequentemente atribuída a Peter Drucker, “ao líder cabe fazer as coisas certas, enquanto que ao gerente cabe fazer certo as coisas.”(16).

Segundo Kotter(op. Cit. p. 21) as diferenças entre líderes e gerentes são que os primeiros: • lidam com mudanças enquanto os segundos com complexidades; • traçam rumos e os segundos planejamento e orçamentação; • alinham pessoas enquanto os segundos as organizam e criam grupos de assessoramento e execução; • motivam pessoas enquanto aos segundos cabe controlar e resolver problemas.

Essas considerações não são excludentes entre si e claro que a metodologia da Engenharia de Sistemas (17) se vale de todos esses conceitos.

A ênfase na liderança presume atitudes em prol do

aperfeiçoamento dos processos, como na melhoria contínua, mas é preciso quem a advogue, agrupando atividades afins, e quem a promova. Na Marinha do meu tempo, enquanto surgiam publicações e cursos sobre liderança, pouco era feito para o preparo de pessoas para atuarem como Gerentes. A atividade (gerência) era tratada como o óbvio, que não precisava cuidados específicos. Porém, havia exceções: na Intendência, sempre houve mais cuidado com os aspectos técnicos e gerenciais dos processos na área dos Suprimentos (Abastecimento, na época) do que nas demais áreas técnicas, principalmente a da Manutenção.

Disso procuramos alertar quando escrevemos o artigo “Inexistência da gerência de material na MB e consequências para a função logística manutenção” (18).

Embora tivessem ocorrido várias ações de melhoria da Qualidade em diversas organizações militares, na MB o conceito não se concretizava na forma sistêmica. Não conhecemos, no período, qual a Política de Qualidade adotada. Não desistimos, como veremos na Parte II desse trabalho. n

Notas (1) RMB2T/1986 p.45 a 61 (2) RIOS, Ricardo Sérgio Paes. Gestão pela Qualidade Total. Escola de Guerra Naval. 1994 (3) SÁ FREITAS, Elcio. LEITE, Elcio. Garantia de Qualidade na Construção de Navios de Guerra.

RMB (jan/mar 1989) (4) RMB 4T/1990 p. 45 a 57 (5) Eram três, à época: Instituto Brasileiro de Qualidade Nuclear (IBQN)(fundado em 1978); Fundação Carlos Alberto Vanzolin (criada em 1967) junto a USPi e Fundação Christiano Ottoni (fundada em 1974) junto à UFMG. Essa última foi escolhida por disponibilizar imediatamente cursos e obras de referência, escritas principalmente pelo Professor Vicente Falconi.

(6) GQT Qualidade Naval. Disponível em https://submarinosdobr.com.br/Artigos/Artigo17_3. htm Acesso em maio/2019.

(7) Advogar sobre gestão contemporânea significa discorrer sobre uma gestão que serve em qualquer tempo. É uma abordagem de gestão que consegue acontecer em qualquer momento, em qualquer contexto. O contemporâneo é o tempo que representa o agora, o que significa dizermos que todos os tempos já foram contemporâneos e ainda o serão quando estiverem acontecendo.

Então, uma gestão contemporânea é aquela que consegue transformar uma direção, um objetivo, uma meta, em uma sequência de ações capazes de concretizar resultados, independentemente do tempo e contexto que esteja acontecendo.

(8) RMB 4Tri/1992 p. 69 a 85 (9) RMB 2Tri/2000 p. 11 a 127 (10) RMB 2Tri/2006 p. 95 a 102 (11) SÁ FREITAS, Elcio. A Busca de Grandeza.

Marinha, Tecnologia, Desenvolvimento e Defesa, DPHDM.2014.

(12) RMB 2Tri/2006 p. 100 (13) Principalmente nas duas últimas décadas do século passado.

(14) Deu margem a uma carta que escrevemos para o então responsável no EMA, CMG Carvalhedo, alertando para esse fato e sugerindo inserir na documentação a obrigatoriedades das estruturas organizacionais daqueles estabelecimentos industriais conterem Departamentos e ou Divisões de Garantia e de Controle de Qualidade, tomando como referência o AMRJ. (15) Forte influência dos princípios de Deming, que via o sucesso do fortalecimento dos princípios da Qualidade 85% na atuação da Alta Administração e 15% no setor de execução.

(16) Peter Drucker apud Systems Engineering Handbook. Wiley. 4th edition (17) O processo de Engenharia de Sistemas aplica a análise científica e técnicas e métodos de engenharia para criar um sistema que atende a uma específica necessidade (Jones. James V. Suportability Engineering Handbook p. 4.6) (18) RMB 4Tri/2002 p. 57 a 74

Revista do Clube Naval • 390

33

me a j e an

n to

POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA pl

uma metodologia para sua formulação

V Alte (Ref-EN) Marcílio Boavista da Cunha CF (Ref-IM) Osmar Boavista da Cunha Júnior

A Política de Defesa Nacional (PDN) foi editada em 1996, reformulada em 2005, como Política Nacional de Defesa (PND), e revista em 2008, 2012 e 2016. A Lei Complementar n° 136, de 2010, estabeleceu que o Poder Executivo atualizará e encaminhará a PND à apreciação do Congresso, de 4 em 4 anos (1).

Este artigo apresenta um roteiro para aperfeiçoar essa atualização regular da PND, ou orientar sua reformulação, combinando novas ideias com conceitos que são comuns no planejamento militar há muitos anos (2).

P

1 – Regras de Planejamento

lanejar é uma atividade muito comum, que pode ser aplicada para a conquista de um sonho ou a solução de um problema. Planejamos um programa de fim de semana, a compra de um imóvel, a constituição de uma família, uma carreira profissional, o projeto de uma corveta e, até mesmo, uma política pública.

A experiência nos mostra que as chances de sucesso de um planejamento aumentam se algumas regras básicas forem seguidas.

Cada indivíduo ou instituição desenvolve suas próprias regras, mas, todas apresentam elementos comuns, consolidados pela experiência acumulada.

Assim, o primeiro passo no planejamento costuma ser o de tomar conhecimento da situação, da melhor forma possível. Nesse momento, podemos dizer que estamos na fase ou zona da “iluminação”.

Com o conhecimento da situação, escolhemos o que nos convém. Passamos, assim, para a zona de “definição dos objetivos”.

Sabendo o que desejamos, podemos partir para determinar o que precisamos obter e reunir para alcançar os objetivos definidos. Estamos, agora, na zona de “determinação das capacidades”.

A seguir, podemos buscar os meios necessários para construir ou preservar as

FIGURA 1 • REGRAS DE PLANEJAMENTO 1

• ZONA DE ILUMINAÇÃO

2

• ZONA DE DEFINIÇÃO DOS OBJETIVOS

3

• ZONA DE DETERMINAÇÃO DAS CAPACIDADES

4

• ZONA DE IDENTIFICAÇÃO DOS RECURSOS

5

• ZONA DE SUSTENTAÇÃO 34

Revista do Clube Naval • 390

Nacional de Defesa (END).

Em resumo, a PND fixa os objetivos nacionais de defesa e estabelece diretrizes e orientações para a elaboração da END.

capacidades determinadas. É a fase ou zona de “identificação dos recursos”.

Enquanto executamos o planejado, não podemos deixar de colher informações que nos permitam avaliar sua eficácia e a eventual necessidade de sua atualização, devido a imprevistos, mudanças de objetivos, dificuldades inesperadas ou intransponíveis etc. Chamamos esta fase de “sustentação”.

A figura 1 ilustra essa sequência padronizada de fases, que usaremos ao longo do artigo.

3 – Formulação da Política Nacional de Defesa Seguindo as regras básicas de planejamento descritas, e entrando na zona de iluminação, o primeiro passo para a formulação/reformulação/atualização da PND deve ser a análise da conjuntura, nos seus níveis internacional, regional, nacional e setorial.

Considerando os eventos históricos, os atuais e projetando os futuros, esta análise é a base do planejamento e elemento essencial para conformá-lo com a realidade do mundo em que vivemos.

A seguir, na zona de definição dos objetivos, devem ser considerados dois elementos essenciais: as aspirações nacionais (3) , que precisam da DN para serem alcançadas e sustentadas; e as vulnerabilidades estratégicas (4), que poderão ser atenuadas ou eliminadas pelo emprego do poder militar.

No nosso entendimento, no mundo atual, em que as ameaças são difusas, dificilmente podendo ser relacionadas com um país ou uma região, esses elementos substituem, com vantagens, as antigas hipóteses de guerra ou de conflito.

Definidos os objetivos da política de defesa, o passo seguinte será o estabelecimento de diretrizes e orientações para a elaboração da END. Isso pode ser obtido percorrendo as zonas restantes das regras básicas de planejamento, quais sejam, as de determinação das capacidades, de identificação de recursos e de sustentação.

As primeiras diretrizes e orientações devem se referir à zona de determinação das capacidades, e tratar preferencialmente das capacidades militares a desenvolver, aprimorar e preservar para alcançar os objetivos nacionais de defesa. Na atualidade, o papel das forças armadas não está mais limitado à guerra e, embora sua tarefa principal seja defender o país contra as ameaças que se evidenciarem, é forçoso reconhecer que elas têm um papel muito importante em ações de não-guerra. O conceito de que as forças armadas são um seguro que a sociedade faz para, no caso de guerra, se proteger do inimigo, é incompleto, inadequado e obsoleto.

2 – Política e Estratégia de Defesa Apliquemos agora essas regras de planejamento a um problema mais sério, o de formulação ou atualização da Política Nacional de Defesa, uma política pública de Estado. Primeiro, lembremos alguns conceitos e definições.

O Estado é um ente simbólico criado pela inteligência humana, do qual o ser humano passou a ter dependência vital e recíproca. É, simplesmente, a estrutura de poder instituída sobre um determinado território e população, e se identifica através de um poder político, de um território e de um povo ou nação. É sobre a defesa desse Estado que estamos tratando.

A defesa não é apenas mais uma das atividades do Estado. É uma condição presente em todas as suas atividades, afetando a vida de cada indivíduo e instituição. O estado de defesa é permanente, pois sabemos que o Estado que tiver que se preparar às pressas para enfrentar uma ameaça, certamente não disporá mais de tempo para isso.

Essa condição o obriga a promover, através de um planejamento democrático, uma atitude de permanente desenvolvimento para a defesa, cobrindo tanto o campo militar quanto os campos político, diplomático, econômico, científico, tecnológico, social, cultural, moral e ambiental.

Entende-se como Defesa Nacional (DN): o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas.

Entende-se como Política Nacional de Defesa (PND): o instrumento (do mais alto nível) que fixa princípios, conceitos e objetivos de defesa do Estado e estabelece diretrizes e orientações para a elaboração da Estratégia Revista do Clube Naval • 390

35

Assim, considerando o real papel das forças armadas, vamos identificar os dois elementos essenciais para a definição da capacidade militar da nação: as operações militares de guerra e as operações militares de não-guerra.

Convém ressaltar que são as operações de guerra que vão orientar precipuamente o desenvolvimento e o preparo do poder militar – naval, militar terrestre e aeroespacial. No entanto, é preciso avaliar quais são as operações em tempo de paz que devem ser atribuídas às forças armadas, para verificar se as capacidades identificadas para a

guerra atendem a estas novas necessidades – o que é altamente provável – ou, então, se o preparo dos militares, principalmente em termos psicológicos, é o adequado para algumas das operações de não-guerra (5).

As diretrizes e orientações seguintes precisam abordar a zona de identificação dos recursos. No caso, a forma como essas capacidades militares serão desenvolvidas, obtidas, aprimoradas e preservadas. Por uma questão metodológica, distinguimos aqui mais dois elementos: a base industrial, logística, científica e tecnológica (ou, simplesmente, base industrial de defesa – BID)

e a mobilização.

A BID representa as possibilidades de a economia nacional produzir e manter a capacidade militar definida como necessária. A ênfase na produção nacional é elemento básico, evitando-se ao máximo a dependência externa nessa área, embora ela nunca possa ser totalmente eliminada.

A mobilização é o elemento que assegura o uso dos recursos civis da nação para o esforço de guerra. É definida como o conjunto de atividades planejadas, orientadas e empreendidas pelo Estado, complementando a logística militar, destinadas a

FIGURA 2 • OCTÓGONO DA DEFESA • ELEMENTOS PARA UMA POLÍTICA DE DEFESA • ANÁLISE DA CONJUNTURA

• ZONA DE ILUMINAÇÃO

• ASPIRAÇÕES NACIONAIS

• OPERAÇÕES MILITARES DE NÃO-GUERRA

• MOBILIZAÇÃO

• ZONA DE DEFINIÇÃO DOS OBJETIVOS

• VULNERABILIDADES ESTRATÉGICAS

• OPERAÇÕES • ZONA DE DETERMINAÇÃO DAS CAPACIDADES

• ZONA DE IDENTIFICAÇÃO DOS RECURSOS

MILITARES DE GUERRA

• BASE INDUSTRIAL DE DEFESA

• ZONA DE SUSTENTAÇÃO

• INTELIGÊNCIA E CONTRA-INTELIGÊNCIA 36

Revista do Clube Naval • 390

capacitar o país a realizar ações estratégicas no campo da defesa nacional. Seu preparo é tarefa permanente e indispensável para viabilizar a mobilização nas horas de crise (6).

As últimas diretrizes e orientações de grande importância devem tratar da zona de sustentação. Nesta última zona há um único e complexo elemento, sobre o qual todos os demais se apoiam: inteligência e contra-inteligência. Sem um eficaz sistema de inteligência, associado à contra-inteligência, operando eficazmente no país e no exterior, para se opor à inteligência do inimigo, os demais elementos para a política de defesa não podem ser corretamente desenvolvidos. Caberá à política de defesa orientar as agências responsáveis, e levantar os questionamentos necessários ao desenvolvimento deste elemento.

4 – Uma Síntese: o octógono da defesa Na descrição acima, os oito elementos considerados básicos para a formulação/reformulação/atualização da política nacional de defesa e para a realização de qualquer outro estudo sobre defesa nacional foram: análise da conjuntura, aspirações nacionais, vulnerabilidades estratégicas, operações militares de guerra, operações militares de não-guerra, base industrial de defesa, mobilização e inteligência e contra-inteligência.

A figura 2 mostra, esquematicamente, a conexão desses oito elementos com as zonas de planejamento – o octógono da defesa.

Observações: a) o octógono se transforma em uma figura de três dimensões quando se acrescentam novos elementos (como as operações não-militares) ou se divide os atuais elementos (como a separação da base científica e tecnológica da

base industrial e logística); b) o trabalho de atualização da PND pode ser executado por uma grande equipe que siga o método passo a passo, ou por várias equipes menores trabalhando em paralelo, cada uma cuidando de um ou mais elementos básicos; c) a obrigação de atualizar periodicamente a PND (de quatro em quatro anos), requer que as equipes de trabalho não sejam desmobilizadas e continuem trabalhando permanentemente; e d) a essas equipes também pode ser determinada a revisão e atualização da END e da LBDN, e a formulação da Política Militar de Defesa (PMD) e das Políticas Naval, Militar Terrestre e Aeroespacial de Defesa.

5 – Considerações Finais Na figura 2 estão representados, de forma resumida, os elementos da política de defesa que foram apresentados e discutidos neste trabalho, acompanhados de seus principais desdobramentos. Esses oito elementos são considerados essenciais para a elaboração de uma competente política nacional de defesa e para a condução de estudos de alto nível sobre defesa nacional.

A defesa é um tema do interesse e da responsabilidade de toda a sociedade, não estando restrita apenas à classe militar.

Por envolver todos os setores da sociedade, a complexidade da defesa nacional é desafiadora. A política é apenas um dos elementos de estruturação, enquanto a efetiva implementação da defesa requer a existência de uma organização que a promova e, permanentemente, acompanhe, fiscalize e avalie o seu desenvolvimento.

Esta tarefa cabe ao sistema de defesa nacional, que deve contar com uma gama de recursos de diferentes naturezas para, no

conjunto, atender às demandas das guerras e dos conflitos armados. Os recursos são de ordem material e imaterial: entre os primeiros, incluem-se o pessoal, os meios de combate (navios, aeronaves, carros de combate), as armas e as munições; entre os segundos, as doutrinas, o ordenamento legal, os planos, as políticas e o nível de preparo da defesa, inclusive no campo psicológico, pois a vontade e a determinação dos povos para enfrentar os desafios requeridos pela defesa também fazem parte dos recursos imateriais. É preciso reconhecer, também, que as ameaças ao Estado não decorrem apenas das forças militares, regulares e convencionais do inimigo. As ameaças que afrontam as pessoas e a ordem internacional, por exemplo, são vistas de forma indissociável com as ameaças que afrontam os Estados.

As ações do terrorismo, do narcotráfico internacional (com seus enormes recursos e poder), da guerra cibernética (com invasão de sistemas estratégicos dos Estados) e dos criminosos internacionais (que desconhecem fronteiras e afrontam a soberania de alguns Estados), são exemplos de ameaças reais e atuantes que, por sua enorme capacidade de causar dano, afligem pessoas, Estados e a ordem internacional.

Finalmente, acreditamos que essa apresentação pode e deve ser aprimorada. Em especial, sentimos falta de um tratamento mais profundo sobre a natureza do conflito, o que vem a ser, no final, a razão da Defesa; além de uma análise operacional de cada elemento básico do octógono, ressaltando a interdependência desses elementos entre si, bem como o caráter permanente de seu funcionamento, o que se pretende em artigos complementares fazer. n

Notas (1) Deverão ser encaminhados também a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco da Defesa Nacional, de acordo com o § 3°, Artigo 9°, da LC 136/2010.

sociedade pode aspirar a resolver disputas primordialmente através do diálogo, ou a buscar a grandeza coerente com a riqueza e dimensão territorial do país.

(2) Resumindo e atualizando o livro “Metodologia para a Formulação de Políticas”, de autoria de Vidigal, Armando; Boavista, Marcílio; Barbosa, Afonso; e Boavista, Osmar, publicado em 2017 pela Editora Brasil Rotário.

(4) Por exemplo, a extensão e diversida-

(3) Com interpretação essencialista, histórica ou geopolítica. Por exemplo, a Revista do Clube Naval • 390

de das fronteiras terrestres, as imperfeições conjunturais do país, e a Amazônia brasileira, objeto de interesse internacional - ao se levar em conta sua extensão, sua baixa densidade demográfica, nossa pequena expressão militar e fraco poder político no campo internacional, e considerando que não estamos

37

preservando a floresta adequadamente.

(5) Como o emprego político do poder militar, as ações destinadas a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem, as operações de paz, de evacuação e resgate, de apoio às autoridades civis, e as operações subsidiárias e de ação social.

(6) O preparo da mobilização, a execução da mobilização e a desmobilização são as fases importantes do processo. Envolvem os campos político, econômico, industrial, psicossocial, pessoal, cívico e militar.

discursode posse i to e r i d

do Desembargador Federal Reis Friede na Presidência do tribunal regional federal /2ª região

A

pós persistentes e reiteradas tentativas de manter a nossa Pátria nas sombras do atraso, do permanente subdesenvolvimento e da servidão às ideologias estrangeiras (e, sobretudo, ultrapassadas pela própria história), o Brasil finalmente chegou ao Século XXI. Uma verdadeira renascença nacional, – através de uma autêntica refundação da República –, inaugura-se no presente ano de 2019, a permitir que a Nação brasileira possa, de fato, libertar-se das amarras do passado e buscar, finalmente, seu merecido lugar em um promissor futuro de paz e prosperidade.

A uma só voz, – vale dizer, a voz do povo, senhor absoluto de seu destino –, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, – harmonicamente e de mãos dadas –, têm, por conseguinte, não somente o inarredável compromisso, mas também, dito de maneira mais categórica, o inafastável dever de fazer cumprir o destino manifesto de nossa Nação.

Nesse novo Brasil, não há, destarte, mais espaço para a corrupção endêmica, – fenômeno que, conforme amplamente noticiado, instalou-se em todos os níveis do Estado, putrefando as estruturas estatais –, como ainda não pode mais haver a

permanência do desleixo, da manutenção do caos administrativo, da prevalência da incompetência manifesta, da ousadia da ditadura do crime organizado e, igualmente, da perniciosa forma nada republicana de gestão da coisa pública.

Nesse contexto, é mister a plena consciência de que a corrupção, – notadamente a de matiz institucionalizado –, corrói os alicerces estatais, ameaçando o valor supremo da democracia, bem como a própria existência do Estado Democrático de Direito.

Trata-se, reconhecidamente, de gravíssimo problema que somente poderá ser superado por meio da celebração de um novo e amplo pacto republicano, envolvendo todos os Poderes do Estado, e ensejando, assim, uma espécie de reconstrução patriótica, a envolver, de modo harmonioso, respeitoso, colaborativo e articulado, – e em prol de uma árdua luta em comum –, o Judiciário, o Executivo e o Legislativo, cujas independências institucionais jamais deverão funcionar como fator de desunião.

Afinal, o Poder Judiciário Brasileiro encontra-se estruturado, – assim como os demais Poderes da República –, de modo ramificado, porém jamais dividido, devendo a perfeita integração entre as instituições constituir um objetivo a 38

ser permanentemente trilhado.

Destarte, somente um Estado forte e coeso, – o que, evidentemente, abrange uma imprescindível conjugação de esforços entre todos os Poderes –, poderá vencer o ignóbil mal da corrupção, despertando um sentimento de nacionalidade e pertencimento que, felizmente, volta a ser vivenciado pelo Povo brasileiro. Afinal, é fato que, juntos, somos (e sempre seremos) mais fortes.

Cabe ressaltar que o diálogo entre os três Poderes da República não significa todos ingressarem em uma espécie de acordo, mas sim todos caminharem juntos, ainda que, cada qual, com sua identidade e seu respectivo conjunto de atribuições. Nesse sentido, deve haver pluralidade de funções estatais, mas sempre com unidade de propósito, vale dizer, com os olhos voltados exclusivamente para o bem comum da Nação.

Ainda que seja cediço reconhecer que o Poder Judiciário tenha cumprido, com maestria, seu importante papel constitucional de garantia da estabilidade político-institucional, em conjunto com as gloriosas Forças Armadas nacionais, – razão maior de estarmos aqui, neste exato momento, desfrutando, em paz e harmonia, da plenitude da democracia e do regime democrático, com absoluta obediência aos ditames previstos na Constituição da República. É importante concluir que todas essas relevantes conquistas não são, por si sós, suficientes para conduzir o país a um justo e merecido lugar perante a comunidade internacional.

Apesar da inconteste importância da estabilidade político-institucional, – que, convém frisar, restou ameaçada pelos mais diversos escândalos de corrupção revelados justamente a partir de uma inédita, paradigmática, célere e, acima de tudo, eficiente atuação do Poder Judiciário Federal (juntamente com aquelas instituições que compõem a denominada Tríade da Justiça Federal: o Ministério Público Federal e a Polícia Judiciária Federal), cujos contornos revelaram ao País quão contaminadas e Revista do Clube Naval • 390

carcomidas encontram-se determinadas instituições nacionais –, é cediço concluir, – não obstante a relevância do combate à corrupção –, que o Povo, com absoluta razão, demanda e espera muito mais do Poder Judiciário. Nesse sentido, exige-se, ainda: a) Uma Justiça forte, unida e valorizada; b) Uma resposta judicial efetiva e em tempo hábil. c) Uma atuação jurisdicional firme e pragmática, com a correspondente serenidade como um dos principais atributos inerentes à Magistratura. d) A primazia da prudência e do diálogo respeitoso com os demais Poderes como fatores determinantes. e) E, finalmente, uma esperança em busca de Justiça.

Consequentemente, para tanto, exige-se a urgente adequação de sua estrutura funcional às novas expectativas inauguradas na atual centúria, na qual o fator tempo afigura-se como o Senhor da Razão.

Urge, portanto, que as estruturas organizacionais do Poder Judiciário sejam pensadas (e repensadas) para prover uma prestação jurisdicional efetiva e em tempo hábil.

Destarte, morosidade e ineficiência não possuem mais espaço no âmbito do Poder Revista do Clube Naval • 390

Judiciário do Século XXI, cujo elevado status institucional requer medidas urgentes, inovadoras e efetivamente capazes de solucionar os gravíssimos, antigos e permanentes problemas institucionais.

Em vista dessa urgência, precisamos, juntos, e com a força e a inspiração de Deus, – e no contexto de um novo Brasil que se deseja ver passado a limpo –, criar novos mecanismos e modernos instrumentos que tornem o Judiciário não só eficaz, – no seu desiderato último de prestar a tutela jurisdicional –, mas, sobretudo, verdadeiramente eficiente no que se refere a esse nobre e essencial mister.

Afinal, mais que resgatar a esperança, cumpre ao Poder Judiciário do Século XXI ser a principal luz inspiradora capaz de iluminar, com maestria, a escuridão, restabelecendo a fé do “povo de um brado retumbante” nas infinitas potencialidades da grande Nação brasileira, consolidando, desta feita, a plenitude do regime democrático.

Empregando um salutar tom provocativo, algo inerente aos grandes debates, pensamos que esse processo de mudança passa, em primeiro lugar, por constatar que a alavancagem institucional do Judiciário (enquanto Poder) não foi, paradoxalmente, suficiente para ensejar o mesmo 39

panorama quanto ao serviço prestado pela Instituição, fenômeno que, certamente, poderá ocasionar um retrocesso quanto ao aludido status alcançado. Afinal, a sociedade não tolera mais um Poder Judiciário tão custoso e moroso.

Mesmo ciente da absoluta relevância de todas as estratégias adotadas até o momento para o tornar serviço judiciário melhor, bem como dos resultados obtidos até então, acreditamos, de coração aberto, que é preciso, entretanto, muito mais. É necessário inovar, em todos os aspectos possíveis, até mesmo no âmbito do inadiável aperfeiçoamento do Texto Constitucional, para literalmente desafogar o Judiciário e tornar a prestação jurisdicional mais célere, tendo em vista a sua imprescindibilidade, e dotado de real credibilidade popular.

Tecnologias inovadoras, tais como a virtualização das sessões de julgamento, bem como a introdução de novos instrumentos legais, – que impeçam a realização de um trabalho inútil e repetitivo, como o fato de um mesmo juiz julgar, infinitas vezes, a mesma causa, ou mesmo a situação de vários juízes distintos julgarem causas idênticas. E que, adicionalmente, possibilitem a redução drástica do excessivo (e inexplicável) número de recursos passíveis de serem interpostos (em flagrante desafio ao Princípio do Duplo Grau de Jurisdição), devem ser a tônica de reais e imediatas mudanças a serem promovidas com o intuito de prover o Poder Judiciário das condições necessárias para que a Instituição possa corresponder, em última análise, às justas expectativas de um povo que renasce, – reerguendo-se das cinzas –, e que tanto clama por justiça.

Um renascer, – que, frise-se –, precisa ser corretamente compreendido por todos os atores institucionais envolvidos; um renascer derradeiro que jamais poderá ensejar negação e/ou violação aos direitos fundamentais tão arduamente conquistados; um renascer que deve se pautar sempre nos pilares de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, do que avulta (mas sem qualquer predomínio!) o papel a ser exercido, prudente e respeitosamente, pelo Poder Judiciário no cenário institucional.

Este é o compromisso inarredável que ora se torna público, e que, com a força do Criador, se tornará uma realidade efetiva em nome da própria credibilidade do Poder Judiciário Federal, em particular, e da Justiça brasileira, em geral. n

ria a h n o e ng et r â n si t do

RECEITANDO O

REMÉDIO CERTO CF (Ref) Celso de Mello Franco*

Este artigo apresenta um assunto de grande importância para a Nação, autêntico “furo” de reportagem, uma vez que não mereceu a divulgação que eu, o “pai da criança”, portanto sob suspeição, acho que merece.

Como sou honrado com a amizade do Desembargador aposentado Egas Moniz Barreto de Aragão, padrinho do então candidato Jair Bolsonaro, tomei a iniciativa de auxiliar o candidato, enviando ao meu amigo Egas, a carta que se segue:

R

io, em 13 de agosto de 2018.

Caro amigo Egas Moniz.

Tendo visto o debate entre os presidenciáveis, pude saber da preocupação do nosso candidato com a “indústria de multas”, fato que também me aflige, pelas razões que passo a explicar: Convivo com o trânsito dede 1958, quando as mãos do destino me propiciaram o aprendizado da ciência de controlá-lo, que me permitiram exercer, por duas vezes, a direção do DETRAN, sendo a primeira no governo Negrão de Lima, na GB e, a segunda no governo da Fusão do novo Estado do Rio. Tornei-me um especialista respeitado.

Hoje exerço atividades neste setor, que me ajudam a complementar a minha

aposentadoria naval. Desde quatro anos atrás, exerço, no DETRAN RJ, a função de presidente da primeira JARI (Junta Administrativa de Recursos de Infrações) onde nas suas onze JARIs, recebemos, por mês, 5.600 recursos para julgamento, sendo que 98% são indeferidos. A indisciplina que este total representa nos faz pensar no que pode estar errado e, com toda razão, o nosso candidato denunciou a “indústria de multas”, que infelizmente existe, com a conivência dos responsáveis pelo Sistema Nacional de Trânsito.

Como tive a minha formação no exterior, na Europa, onde o ensino enfatiza a filosofia que sempre deve, nas soluções, preceder a ciência, tornei-me, eu ousaria dizer, um “cientista do trânsito”. Como criaram os “cientistas políticos”, por que não 40

também no trânsito?

Os alicerces do sucesso numa administração baseia-se no conselho lapidar de Sir Alker Tripp, lendário diretor de trânsito de Londres, na década de 30 do século passado, quando escreveu, em seu livro fundamental, Road Traffic Control: “No trânsito, tudo que se puder conseguir através de medidas construtivas, não deve ser imposto mediante restrições legais”. Infelizmente, não é o que se vê, não só no nosso Código de Trânsito mas também nos demais países. Ele é punitivo e arrecadador, longe de ser disciplinador, ou se preferirem, educador. O exemplo para disciplinar o trânsito com medidas construtivas, nos deu a International Board, da FIFA, a fim disciplinar, ou conter a violência no nosso futebol, com a criação do cartão amarelo de advertência, antes da punição (expulsão), com o cartão vermelho.

Seguindo este exemplo é que proponho que a primeira multa aplicada pela infração seja também encarada como advertência.

O infrator que cometesse uma infração Leve, teria que ficar um mês sem cometer nenhuma falta, para tê-la anulada; para a Média, dois meses; para a Grave, três meses; e para a Gravíssima, cinco meses.

Caso neste período estabelecido para o seu perdão, cometesse alguma multa, teria a punição automática de suspensão da autorização de dirigir pelo tempo que deveria se comportar sem faltas. Antes do término deste prazo, poderia recorrer, ou Revista do Clube Naval • 390

pagar o valor da multa estabelecida pela infração cometida, a fim de retornar a ter autorização de dirigir. Em resumo, não existe o direito de recorrer da advertência, por não ser multa. É fácil de se imaginar o efeito disciplinar que tal medida acarretaria, além de acabar com a malfadada “indústria de multas”, além da economia da estrutura julgadora e dos advogados que, inutilmente hoje, tentam salvar os seus clientes.

Esta medida encontrará a forte oposição do Sistema, face à drástica diminuição de arrecadação, uma vez que o infrator só pagará multa se for incorrigível.

Atenção: a fim de evitar a burocracia, não é necessário que o motorista advertido – ao ter a sua punição confirmada por não cumprir o prazo da advertência – entregue a sua Carteira de Habilitação. Basta que venha na notificação da suspensão a advertência de que, se for dirigir com a sua CNH suspensa, estará cometendo crime, conforme determina o nosso Código de Trânsito vigente. Aliás, na regulamentação desta nova lei revolucionária, deverão vir, detalhadamente, todas as explicações.

Outro absurdo, é a maneira que se fiscaliza a “lei seca”. A lei é clara quando diz no seu artigo 165: “Dirigir sob a influência do álcool”. Pois bem, a fiscalização se limita a verificar se o motorista bebeu, numa tolerância máxima, em desacordo com a tolerância estipulada pelos médicos especializados, sem que o motorista seja submetido a qualquer prova prática, de que está com absoluto controle do seu veículo (ou não), antes de ser submetido ao teste do ar alveolar. Deveria, por exemplo, ser obrigado a entrar numa vaga longitudinal, a fim de demonstrar que detém o controle do veículo. Caso não consiga, aí sim, teria que demonstrar que está sóbrio, ou que foi por nervosismo.

O valor desta multa é tão alto que jamais mexerão no seu rito de fiscalização, a não ser que seja regulamentado pelo CONTRAN. Concluindo, como medida muito posterior ao sucesso da criação da medida de advertência, tirar o motorista do anonimato, que o permite praticar atos que normalmente não faria se estivesse identificado. Exigir, na atual inútil placa dianteira, que repete a traseira, sem visibilidade noturna, a ter o nome do proprietário, amarrando-o, definitivamente, com medidas construtivas, a criar um trânsito disciplinado.

Talvez com estas medidas se consiga cumprir o compromisso internacional, assinado pelo Brasil, de reduzir, em até 50%, o número de acidentes fatais no trânsito, até o ano de 2020 ou 2022, creio eu. n

*Consultor de Trânsito Revista do Clube Naval • 390

41

NUMISMÁ co m

to n e m a p ort

O fascínio por colecionar MOEDAS E CÉDULAS

cuidados que requerem uma coleção.

Com a redução do meu rítmo de trabalho e afazeres, resolvi, por que não, tornar-me um numismata, naturalmente de categoria mediana, limitando a coleção às emissões nacionais, embora mantendo o hábito de trazer algumas delas das viagens ao exterior. Não começei a juntá-las recentemente, pois, quaisquer cédulas ou moedas novas que pass avam em minhas mãos, tinham sempre um exemplar recolhido. Pequenas heranças de família e CMG (Ref-FN) Jaime Florencio de Assis Filho contribuições de amigos ajudaram, de certa forma, na constituição do acervo atual.

Analisando os catálogos de moedas do olecionar selos, moedas e cédulas por numismata. Todavia, há controvérsias Brasil, percebi a existência de vários tipos são atividades ainda cultivadas, no sentido de definí-lo como a pessoa espede moedas, emitidas em diversos lugares que despertavam as atenções de cializada ou estudiosa da numismática. Por do país, quer sejam de ouro, prata, brongente em todas as idades. No anos, essa prática tem sido para muitos uma entanto, percebo que dia a dia ze, cobre, aço inoxidável etc. Sobre as de forma de investimento, uma vez que elas o interesse por coleções dessa ouro, há registros de cunhagem, em 1645, podem se valorizar com o passar do tempo. natureza tem diminuido. Tempos atrás, tive Uma pesquisa mais aprofundada sobre pelos holandeses em Recife. Eram moedas a oportunidade de ler artigos desta revista este tema nos remete ao período do Império quadradas de 3, 6 e 12 florins (também versando sobre a filatelia – colecionar Romano, quando a aristocracia e os impechamadas de obsidionais) conhecidas por selos –, hobby que iniciei aos dez anos ducado brasileiro. radores demonstravam grande interesse de idade, sem influência de familiares ou Ao final do século XVII e início pelas moedas, todavia, sem o compromisso amigos, por pura curiosidade ao vê-los nas do XVIII, foram cunhadas moedas em de estudá-las. Reis europeus também praticartas que se trocavam frequentemente réis nas Casas da Moeda do Rio de cavam esse hobby, hoje difundido em nas décadas de 1950 e 1960.

Janeiro, da Bahia e de Pernamquase todos os países. As moedas Posteriormente, passei a me interessar buco. A última moeda de ouro e cédulas nos proporcionam também por moedas e cédulas. Tendo emitida pela Casa da Moeda conhecimentos, pois ao estuem vista ser um tema pouco explorado dá-las travamos contato com a do Brasil (CMB) ocorreu em feresolvi abordá-lo, de forma superficial, história dos povos. vereiro de 2016, comemorativa neste artigo. A numismática é uma palavra dos Jogos Olímpicos Rio 2016, No Brasil, a numismática originária do latin “nomisma” que significa iniciou-se a partir do século XIX, própria para colecionadores, sem Foto 1 moeda. Podemos definí-la simplesmente, tendo a frente elementos da arisuso como meio circulante. sob o ponto de vista histórico, artístico e As moedas de prata, por sua vez, são tocracia, tal qual o modelo europeu. D. econômico, como o estudo das cédulas, tão antigas quanto as de ouro. Os catálogos Pedro II, amante das artes e da história, moedas e medalhas. Todavia, essas últimas registram informações de cunhagens que sempre que retornava do exterior trazia não serão motivos desta matéria. datam de 1643, aproveitando-se de moeconsigo moedas de lembrança.

No âmbito popular, o adepto de colecioAté poucos anos, eu as guardava (modas portuguesas e espanholas empregadas no dia a dia (1). A mais recente produção nar qualquer um desses itens é conhecido edas e cédulas) sem a preocupação e os

C

42

Revista do Clube Naval • 390

MÁTICA de moedas de prata pela CMB ocorreu, também, em fevereiro de 2016, em comemoração aos Jogos Olímpicos Rio 2016. Ver foto 1. (Moeda de prata) Na modalidade cobre, o período de circulação vai de 1693 a 1845, sendo cunhadas em diversas províncias do Brasil,

Foto 2

carimbar todas as moedas que encontravam para circular nos lugares por eles ocupados.

Tal situação ensejou várias falsificações.

Ver foto 2.

De 1868 até 1912 circularam moedas de bronze. As do Império contemplavam de um lado a efígie de D. Pedro II e no outro brazão do Império. Já as do período republicano estampavam ora o Cruzeiro do Sul ora as Armas da República e no outro o valor monetário em réis (3).

Ainda no Império, foram cunhadas moedas em outros tipos de material, como

o níquel, no período que vai de 1871 a 1942. Simultâneamente à circulação delas surgiram as de bronze-alumínio, de 1922 a 1939, basicamente, para comemorar acontecimentos nacionais como o 1º Centenário da Independência do Brasil (1922) e o 4º Centenário de São Vicente (1932), bem como para homenagear brasileiros ilustres como Duque de Caxias, José de Anchieta, Regente Feijó, entre outros.

Comentarei agora sobre as emissões que nos transportam aos tempos de garotos, isto para os que têm mais de 60 anos, evidentemente. Tratam-se das moedas e cédulas no novo padrão monetário – o cruzeiro –, as primeiras em bronze-alumínio, que foram cunhadas na CMB, e começaram a circular em 1942.

As cédulas, não obstante, foram fabricadas em dois lugares: Estados Unidos da América, com inscrições no pé delas “American Bank Note Company”; e Inglaterra “Thomas da La Rue & Company Limited, London”. Elas diferiam nas cores do anverso, para um mesmo valor monetário. Ver foto 3 (Cédula de 20 cruzeiros emitida na Inglaterra)

dentre elas, além das anteriormente citadas, a Casa da Moeda de Goiás, de Cuiabá e da República de Piratini (2). Neste último caso, os revolucionários farroupilhas, por falta de moeda própria, mandaram

Foto 3

Foto 4 Revista do Clube Naval • 390

43

Na conversão monetária daquela época, um cruzeiro valia mil réis (CR$ 1,00 = R$ 1.000). Nessa ocasião, surgiu, pela primeira vez, a divisão da unidade monetária com a emissão das moedas de centavos(4). (Ver foto 4)

No caminhar dos anos, o processo inflacionário, que assolou o país durante a vigência do cruzeiro, ensejou alterações contínuas nos padrões monetários, fato que se repetiu em sete ocasiões até chegarmos finalmente ao real, como será observado a seguir: cruzeiro novo, em 1967; retorno do cruzeiro, em 1970; cruzado, em 1986; cruzado novo, em 1989; cruzeiro em 1990; cruzeiro real em 1993 e, por último, o real, em 1994.

Com tantas mudanças, o leitor compreenderá o motivo da profusão de moedas e cédulas emitidas, que contribuem para aumentar o desafio na constituição de uma coleção e na busca e aquisição de peças numismáticas. Vou explicar o porquê: • Uma moeda de cinquenta

aquisitivo do numismata.

• No tocante às cédulas de cruzeiro, ainda nos referindo aos anos de 1940, as diferenças entre as peças residem na estampa de quem as fabricou – anverso e verso –, nos valores monetários, obviamente, e nas chancelas, estampadas no lado onde aparece a efígie do homenageado, que variaram com o passar dos anos, decorrentes das mudanças das personalidades ocupantes de funções-chaves da estrutura governamental. Assim, poderemos encontrar, em cédulas de mesmo valor monetário, assinaturas,

colecionadores mais exigentes e afortunados. Ver fotos 5 e 7 (Cédula de 20 cruzeiros emitida nos EUA e de 5 cruzeiros, emitida aqui no Brasil).

No intuito de encourajar, cativar e carrear jovens e adultos para a prática da numismática passo, a seguir, algumas dicas para quem aceitar o desafio:

Foto 5

centavos de cruzeiro ( C R $ 0 , 5 0 ) em bronze-alumínio, como a da foto 4, é apenas uma peça numismática, dentre tantas outras emitidas no mesmo valor, tamanho e peso, cunhadas em anos diferentes, entre 1948 a 1956.

Portanto, a série completa, levando-se em conta uma emissão a cada ano, totalizaria nove moedas. Isso sem considerarmos as raridades, normalmente assim classificadas, por conta de erros na cunhagem, que atribuirão a elas um maior valor nas trocas ou comercializações, podendo fazer parte da coleção, dependendo da vontade e poder

• Escolham inicialmente entre colecionar moedas e cédulas e estabeleçam um período: Império ou República. No meu caso elegi o segundo, pois as peças do primeiro são raras e caras, embora seja posaos pares, do Diretor da Caixa de sível ainda encontrá-las com preços mais Amortização e Ministro da Fazenda, de baratos devido à quantidade de emissão 1942 a 1967; dos Presidentes do Conselho ter sido elevada. Levando-se em conta as Monetário Nacional e do Banco Central do moedas do período republicano, descartei Brasil, de 1970 a 1989; e do Presidente do as de ouro e prata, mais caras, com a resBanco Central do Brasil e Ministro da Fazensalva que as segundas podem da, de 1967 a 1970, e ser adquiridas a preços de 1989 aos dias módicos, em se traatuais. Em alguns tando do uso de breves períodos prata de baixo vasurgirão menções lor, normalmente a outras funções misturada a outros como o Ministro da metais ou de emisFoto 6 Economia, Fazenda e sões recentes da CMB; Planejamento. Confiram tal situação com • Comecem, a partir de hoje, a separar as notas circulantes do real e verão essas as peças do atual padrão real, conforme as particularidades. As raridades, decorrentes orientações abaixo: de erros de impressão, também são alvos de Moedas: elas começaram a circular em 44

Revista do Clube Naval • 390

1994 e hoje já somam quase 150 tipos diferentes, nos valores de 1 real e suas divisões de 5, 10, 25 e 50 centavos. Até 2004 foram emitidas moedas de 1 centavo, algumas já consideradas difíceis de se encontrar. As moedas das olimpíadas de 2016 são, atualmente, as mais procuradas.

Ver foto 6 (Moeda de 1 real) Cédulas: iniciem com as de baixo valor monetário, observando o que foi dito anteriormente acerca das assinaturas.

• Adquiram catálogos de moedas ou de cédulas, muitos úteis para o controle da coleção, que podem ser adquiridos em lojas numismáticas no Centro do Rio de Janeiro e outras capitais.

• Uma vez definidas as opções anteriormente citadas, recorram aos mais velhos da família, que costumam juntar moedas e cédulas e já terão percorrido um bom caminho. As cédulas não devem estar amassadas e de preferência sem dobras.

• Usem a internet para pesquisas,

de moedas e cédulas, às vezes muito sujas e misturadas por ano e padrão monetário.

Adquiram as mais caras somente quando já tiverem um bom acervo e maior conhecimento sobre a numismática.

• Não se preocupem em completar logo os espaços vazios – moedas faltantes -, pois tem sempre alguém se desfazendo de coleções ou peças avulsas herdadas ou disponíveis por outros motivos.

• E por fim, estudem e procurem conhecer o motivo pelo qual as moedas ou cédulas foram emitidas e a história que carregam sobre os homenageados, em ambos os casos. Assim, poderão constatar que numismática também é cultura. n

Referências: BRASIL. Decreto-Lei n. 4.791, de 5 de outubro de 1942. Institui o Cruzeiro como unidade monetária brasileira, e dá outras providências.

Rio-Grandense. Disponível em: <http:// www.forum-numismatica.com/viewtopic. php?t=101698>. Acesso em: 8 março 2019.

GOVE R NO DO B RAS I L. Apresenta Conheça a história das cédulas e moedas nacionais. Disponível em: <http://www. brasil.gov.br/governo/2009/11/conheca-a -historia-das-cedulas-e-moedas-nacionais>.

Acesso: em 8 Mar 2019.

VIEIRA, Julio. Catálogo Vieira - Moedas brasileiras – 15ª Edição. Rio de Janeiro: Studio R, 2015. 327 p.

Notas: (1) A cunhagem era realizada sobre moedas já circulantes.

(2) Também conhecida por República Rio-Grandense, foi um Estado-Nação não reconhecido no extremo sul do Império brasileiro, em território equivalente ao atual estado do Rio Grande do Sul, durante a

Foto 7 mas, não se empolguem muito com as ofertas milagrosas de venda expostas em sites.

• Frequentem feiras de antiguidades, a exemplo da existente aos sábados na Praça XV de Novembro no Rio de Janeiro, onde alguns vendedores costumam oferecer moedas e cédulas antigas a preços razoáveis. Será preciso uma boa dose de paciência para garimpar as melhores peças Revista do Clube Naval • 390

CASA DA MOEDA DO BRASIL. Apresenta Moedas do Brasil. Disponível em: http:// www.moedasdobrasil.com.br/moedas/ cmb.asp. Acesso em: 8 Mar 2019.

FÓRUM DE NUMISMÁTICA. Apresenta Estudos sobre as primeiras moedas brasileiras. Disponível em: <http://www.forum-numismatica.com/viewtopic.php?t=31628>.

Acesso em: 7 março 2019.

FÓR U M DE N U M I S MÁTICA. Apresenta Moedas de cobre na República 45

revolução Farroupilha (1835 a 1845).

(3) O padrão monetário era o real.

Todavia as moedas eram emitidas em réis – plural do real.

(4) Cabe lembrar que, apesar da mudança do padrão monetário, em 1942, as moedas em réis ainda foram utilizadas por muito tempo. n Fotos 1, 3, 4, 5 e 6 – do autor • Foto 2 – retirada do site do Fórum de Numismática.

ó h i st

ria

O T N E M I AL EUSES D S DO

CMG (Ref) Aguinaldo Aldighieri Soares

Versailles, século XVII – Maria Teresa da Áustria, esposa de Luís XIV, segredava:

“Eu tenho duas paixões, o Rei e... chocolate!”

E

Etimologia do cacau

m nahuatl, o dialeto falado no sul do México, as amêndoas de cacau denominavam-se cacahuatl; para os aztecas, a bebida feita com o cacau chamava-se xocoatl. No século XVIII o botânico sueco Carl Von Linneus pôs ordem no caos botânico de então batizando as espécies vegetais do planeta com nomes científicos em latim; mas, em 1753, quando lhe apresentaram o cacaueiro e seus frutos, ele teve um acesso de lirismo e deu-lhe o deslumbrante nome grego de Theobroma Cacao (alimento dos deuses, em grego)(1).

As migrações do cacaueiro O cacaueiro teve origem há mais de quatro mil anos, nas bacias do Amazonas e do Orinoco. Ele só se desenvolve entre as latitudes de 20° N e 20° S, em ambientes sombreados, com clima quente e úmido. A partir do segundo milênio a.C., sua cultura migrou para a América Central e o sul do México. Arqueólogos afirmam ter encontrado a mais antiga prova de utilização das amêndoas de cacau como bebida entre 1400 e 1100 a.C., em Honduras.

Em 1746, um fazendeiro do Pará levou mudas de cacaueiro para plantio no

município de Canavieiras, e em 1752 para Ilhéus, no sul da Bahia. No início do século XIX, a Venezuela produzia mais da metade do cacau mundial.

Em 1822 e 1852, dois fazendeiros portugueses da Bahia levaram mudas de cacaueiros, respectivamente para as ilhas do Príncipe e de São Tomé – colônias portuguesas na África. Na mesma época, os espanhóis também levaram mudas de cacaueiros para a Ilha de Fernando Pó – atual Guiné Equatorial –, sua única colônia na África. Em poucos anos os cacaueiros cobriam a mor parte dessas três ilhas do Golfo da Guiné. Daí, em 1879, o cacau migrou para o continente africano. Em poucos anos, Gana tornou-se grande exportadora, suplantada no início do século XX, pela Costa do Marfim.

Não há informações precisas de quando os holandeses levaram mudas de cacaueiro para a sua colônia da Indonésia; seja no século XVIII ou XIX, o fato é que este país tornou-se também um importante produtor.

No final do século XIX, o sucesso da borracha extraída das seringueiras condenou ao abandono as culturas cacaueiras da Amazônia.

Em 1989, os cacaueiros da Bahia foram atacados por uma praga denominada 46

“vassoura de bruxa”, que dizimou grande parte das plantações, com a consequente diminuição da produção. A solução foi descoberta e implantada a partir de 2004, com o enxerto de clones resistentes à praga.

Os maiores produtores em 2017, eram:

Cacaueiros com frutos Revista do Clube Naval • 390

REGIÕES CACAUEIRAS

Costa do Marfim (42%), Gana (19%), Indonésia (7%), Equador (6%), Nigéria (5%), Camarões (5%), Brasil (4%).

Transformação do cacau em chocolate Para as civilizações maya e azteca, as amêndoas do cacau eram um produto de luxo e utilizadas como moeda desde o ano 1000 a.C.; nos territórios conquistados em que havia cacaueiros, as amêndoas eram exigidas como tributo. Os aztecas associavam o chocolate à deusa da fertilidade e à diminuição da fadiga. Os mayas cultivavam cacaueiros e utilizavam as amêndoas do cacau, torradas e moídas, misturadas com água quente, para fazer uma bebida levemente amarga, por vezes aromatizada com baunilha e pimenta, o que foi comprovado em túmulos e peças de cerâmica na Guatemala e em Belize.

Em 1519, em Tenochtitlán – capital do Império Azteca e atual Cidade do México –, o explorador espanhol Hernán Cortés provou essa bebida, que lhe foi oferecida em taças de ouro pelo Imperador azteca Moctezuma, sob o nome de xocoatl.

Cortés levou à Espanha, em 1528, as primeiras amêndoas de cacau, com os acessórios necessários à fabricação da bebida, e ofereceu-a ao Rei Carlos I; mas inicialmente Revista do Clube Naval • 390

47

a corte acolheu a bebida sem entusiasmo.

Entretanto, após juntarem açúcar ou mel, baunilha ou canela, e pimenta, ela, aquecida, passou a ser a bebida da moda. Essa receita foi guardada em segredo pelos espanhóis durante 80 anos.

A partir do século XVII, o consumo do chocolate líquido e quente estendeu-se a outras colônias espanholas, como Holanda e Flandres. Os judeus fugidos da Inquisição na Espanha e Portugal introduziram-no na França, inclusive adicionando leite. O Rei Luís XIV e sua Rainha Maria Teresa da Áustria passaram a utilizar o chocolate na corte de Versalhes, consumido como bebida quente como o café. Entretanto, a bebida continuava a ser muito cara, apenas acessível aos nobres. Em Londres, a primeira chocolateria foi inaugurada em 1657, onde o chocolate era servido como o chá e o café, mas só acessível às elites. Várias chocolate houses serviam a bebida em uma taça de Vinho Madeira aquecido, misturado a uma gema de ovo. Os holandeses constataram o valor comercial do cacau e Amsterdam passou a ser um importante centro de comércio de suas amêndoas, que eles traziam do Caribe através da Ilha de Curaçao. Mas o cultivo do cacau não se espalhou pelas Antilhas devido à concorrência da canade-açúcar, mais rentável.

Casa inglesa Fry & Sons, descobriram que No início do século XVIII, as casas misturando cacau em pó, manteiga de de chocolate espalharam-se em Londres, cacau e açúcar, obtinham uma pasta mole, para competir com as coffee houses. Os que podia ser espalhada em moldes para quakers ingleses louvaram a bebida como endurecerem e se tornarem tabletes. um saudável substituto para o gin; mas o E o suíço Henri Nestlé, em 1866, funda a chocolate ainda era um produto exótico, Companhia Nestlé, em Vevey, Suíça. No ano de luxo, custoso para cultivar e transportar. seguinte, cria a sua grande invenção: o leite A primeira fábrica de chocolate do Novo desidratado ou leite em pó, o que facilitou Mundo foi inaugurada em 1765, em Masenormemente o transporte e a conservação sachusetts – a Walter Baker & Co. do leite. Essa invenção permitiu, em 1875, Em Bristol, Inglaterra, em 1780, o médico a criação do primeiro chocolate ao leite, na Joseph Fry abriu uma pequena manufatura fábrica da Nestlé em Vevey, pelo suíço Daniel de pasta de cacau cuja produção era venPeter, colaborador de Henri Nestlé, misturandida às farmácias da cidade. Em 1795, seu filho passou a utilizar uma máquina a vapor do a pasta de chocolate com o leite em pó. para esmagar as amêndoas de cacau, o que Em 1879, o suíço Rudolf Lindt inventa permitiu produzir a pasta de cacau em maior a conchagem: um processo de afinamento quantidade, não apenas para o uso farmado chocolate que realça seus aromas e texturas, e que consiste em remexer a pasta cêutico, mas também para bebidas achocodurante um mínimo de doze horas, a 60º C, latadas, doces e bombons, desenvolvidos a fim de homogeneizar o produto após a inpelos confeiteiros e pelas chocolate houses.

Com a Revolução Industrial do final corporação da manteiga de cacau adicional, do século XVIII / início do século XIX, a do açúcar, do leite em pó, e das especiarias indústria de chocolate ganhou grande imdesejadas, tornando-a mais untuosa. pulso. As manufaturas se multiplicaram. Em 1819, na Suíça, François Cailler inaugurou uma fábrica, logo seguido por Philipe Suchard e Charles Köhler.

Em Birmingham, Inglaterra, em 1824, nascia a Cadbury.

A mecanização propiciou um aumento da produção de chocolate e da concorrência, o que forçou os preços a baixarem continuamente, ampliando o número de consumidores.

Uma inovação, em 1828: o químico holandês Conrad Van Houten, em Amsterdam, produziu o primeiro cacau em pó graças a uma prensa hidráulica.

Com isso ele conseguiu separar a torta de cacau da manteiga de cacau, o que permitiria aos fabricantes dosar a quantidade desejada de cada um. Sua fábrica passou a vender latinhas de cacau em pó para toda a Europa, com instruções para dissolvê-lo em água ou leite.

Enfim, a invenção do tablete, isto é, a evolução do chocolate bebida para o chocolate mastigável: em 1847, os três irmãos Fry – filhos de Joseph Fry –, então donos da Anúncio do primeiro chocolate produzido nos EUA 48

A Casa Fry & Sons, com 1.500 empregados, ganha, em 1880, o título de primeira chocolateria do mundo. Ela fundir-se-ia com a Cadbury, em 1919.

Na Pensilvânia, EUA, em 1894, Milton Hershey lança no mercado a barra de chocolate ao leite, porém usando leite fresco.

Na Suíça, em 1899, Jean Tobler produz o Toblerone; e Philippe Suchard, o tablete Milka.

Em 1910, aparecem grandes chocolate makers e chocolatiers. Na Bélgica: Callebaut, Godiva, e Neuhaus; na França: Fauchon. Em 1912, o belga Jean Neuhaus inventa o Praliné.

Na década de 1930, a Nestlé lançou sua última invenção: o chocolate branco, feito com manteiga de cacau e açúcar, sem o pó de cacau.

Atualmente, o mercado de chocolate no mundo é dominado por seis grandes empresas: Nestlé (suíça), Cadbury (britânica), Ferrero (italiana), e três americanas, Hershey’s, Mars, e Kraft.

Processo de fabricação do chocolate A colheita do cacau ocorre durante todo o ano, principalmente de setembro a fevereiro. Cada fruto contém de 20 a 40 amêndoas, envoltas numa polpa branca e gelatinosa, a mucilage. Elas são retiradas da fruta e colocadas em caixas ou cestos, cobertas com folhas de bananeiras, onde repousam por uma semana, perdendo a mucilage e tornando-se marrons. Nesse período ocorrem naturalmente três fermentações, devido às leveduras do ar e às altas temperaturas ambientais. Isso reduz seu amargor, exalta seus aromas, e neutraliza as bactérias.

Em seguida, para diminuir a umidade, as amêndoas são secadas ao sol, por cerca de quinze dias, constantemente reviradas. Aqui termina o processo nas fazendas e inicia-se o trabalho dos chocolate makers, tanto no Brasil como em outros países.

Etapas Limpeza: seleção das amêndoas e retirada mecânica das impurezas.

Revista do Clube Naval • 390

Torrefação: torra das amêndoas, a uma temperatura entre 120º e 150º C, por cerca de 20 minutos.

Trituração: quebra e separação das cascas, deixando apenas os miolos, os nibs.

Moagem: devido ao alto teor de manteiga de cacau (cerca de 50 %), a moagem resulta em uma massa não homogênea, chamada de licor ou pasta de cacau.

Prensagem: separa a pasta em manteiga de cacau e em torta de cacau.

Refinação: reduz o tamanho das partículas e torna a pasta mais homogênea.

Conchagem: incorporação à pasta de manteiga de cacau adicional, do açúcar, do leite em pó, das especiarias, além da homogeneização da mistura.

Temperagem: responsável pelo brilho e ausência de manchas; o chocolate é aquecido até uma temperatura entre 55º e 58º C para o “amargo”, e entre 45º e 50º C para o “branco” e o “ao leite”; em seguida, resfriado até 28º C. Moldagem: o chocolate líquido é colocado em formas, resfriado e desenformado.

O processo de nove etapas acima descrito é denominado bean-to-bar, ou da amêndoa à barra de chocolate, e é praticado pela maioria dos produtores de chocolate de alta qualidade, cujas Revista do Clube Naval • 390

também a fábrica da marca Kopenhagen.

Na principal avenida da cidade de Gramado (RS) há uma dezena de lojas de bons chocolates artesanais – alguns melhores que outros – mas que não alcançam um elevado grau de qualidade.

Na vizinha cidade de Canela funciona a Escola de Chocolataria Castelli.

Listo a seguir algumas marcas de chocolates brasileiros de alta qualidade, que seguem os processos bean-to-bar, tree-to-bar, ou de transformação: Kopenhagen, Cacau Noir, Dengo, Mission, Q-Aquim, La Barr, Luisa Abram, Mestiço, Mendoá, Modaka, VAR, Amma, Andrei Martinez, Gallette, Baianí, Chocolah. As marcas Kopenhagen, Cacau Noir, e Amêndoas de cacau ainda com mucilage Dengo têm lojas próprias no Rio e em São Paulo; a fábricas, no Brasil, situam-se principalmenQ-Aquim tem lojas no Rio e em Lisboa; te no Estado de São Paulo; eles compram a Luisa Abram tem lojas em São Paulo e as amêndoas de fazendas selecionadas na fornece para a Cocoa Runners em Londres; Bahia. Há duas exceções: a chocolatière a Mission tem lojas em Nova York e San Luísa Abram que compra suas amêndoas Francisco; a La Barr tem lojas em Brasília; de produtores de cacau selvagem do Esa Amma tem lojas em São Paulo e Salvatado do Amazonas, e o chocolatier Andrei dor. Estas e as demais têm seus produtos a Martinez, que trabalha com amêndoas de venda: em São Paulo, na Casa Santa Luzia, produtores paraenses. na Casa do Sabor Amma, e na Eataly; no Há poucos anos surgiu uma variante Rio, nas redes Zona Sul, Pão de Açúcar, e desse processo: o denominado tree-to-bar, nos shoppings. Ainda no Rio, os excelentes ou do cacaueiro à barra de chocolate, chocolates da loja Envídia, no Leblon, são praticado por cacauicultores baianos emproduzidos com matéria prima Callebaut, penhados em qualidade, que tornaram-se importada da Bélgica. também produtores de chocolate.

Os chocolates das grandes indústrias E há também os exímios chocolatiers, têm nível de qualidade inferior, mesmo artesãos do chocolate de transformação, que a concentração de cacau seja a mesque utilizam chocolates básicos de alta ma. Os chocolates comuns são produzidos qualidade de grandes produtores, para com uma mistura de cacau de origens produzirem seus bombons e tortas. Eles diferentes, escolhidos pelo preço, não pela efetuam apenas as etapas de Temperagem qualidade; são uma mescla de frutas boas e Moldagem, do processo descrito acima. e ruins; para o sabor ruim não aparecer, os grãos são torrados além do necessário, o Chocolates de qualidade no Brasil que provoca adstringência e sensação de No ano de 2010, a Callebaut, grande secura na boca; e muitos fabricantes adiprodutora belga de chocolate básico, cionam aromatizantes para corrigir o sabor. implantou uma indústria em Extrema, sul Há ainda maus produtores que substituem de Minas Gerais, o que impulsionou sena manteiga de cacau – ou parte dela – por sivelmente a produção de chocolates de óleos vegetais, mas o resultado não pode qualidade no país. Nesta cidade encontra-se ser chamado de chocolate!

49

Escultura na Chocolate House – Luxemburgo

Tipos de chocolates Composições clássicas: • Chocolate negro – 70 % de pasta de cacau e manteiga de cacau adicional + 30 % de açúcar; • Chocolate ao leite – 35 % de pasta de cacau e manteiga de cacau adicional + 35 % de açúcar + 30 % de leite em pó.

Tortas da Wittamer – Bruxelas

• Chocolate branco – 35 % de manteiga de cacau + 40 % de açúcar + 25 % de leite em pó.

Bombons e coberturas: • Ganache – mistura de creme de leite (ou de leite, ou de manteiga, ou dos três) e de chocolate, em proporções iguais ou que variam conforme o desejo do chocolatier.

• Praliné – pasta que contém açúcar, amêndoas ou avelãs, baunilha, e manteiga de cacau, envolvida em chocolate ao leite; • Gianduia – pasta de chocolate e de avelãs finamente trituradas + açúcar + manteiga de cacau.

• Trufas – mistura de creme de leite fresco, baunilha, e pó de cacau; essa mistura é mergulhada em chocolate líquido e envolvida em pó de chocolate.

Mas, receitas de chocolates são segredos dos chocolatiers!

Curiosidades

Torta Sacher com creme chantilly – Viena

No final do século XX, alguém presenteou um produtor e exportador de cacau da Costa do Marfim com uma barra de chocolate. Surpresa! Ele jamais havia provado chocolate!

Chocolate engorda? Sim para quem tem vida sedentária, pois é um ótimo alimento energético. Qual o segredo para os chocólatras manterem-se esguios? Trabalhar duro...

50

Chocolate é afrodisíaco? Casanova acreditava que sim e bebia várias taças antes de suas noitadas. E reza a lenda que o Imperador Moctezuma sorvia seu xocoatl puro antes de honrar seu harém. Talvez haja fundamento nesses hábitos, pois ele contém três substâncias que podem confirmar esses mitos: a estimulante cafeína; a theobromina, estimulante do músculo cardíaco e do sistema nervoso; e a feniletilamina, reputada como antidepressivo e moduladora do humor!

Turismo chocólatra Bruxelas: a Place du Grand Sablon, na parte alta da cidade, exala aromas de chocolate, pois aí situam-se as produções das excelentes chocolaterias Wittamer e Pierre Marcolini, além de lojas da Godiva e da Neuhaus; a trufa ao champanhe da Wittamer é magnífica.

Luxemburgo: delicioso o chocolate líquido da Chocolate House of Luxembourg, situada em frente ao Palais Grand-Ducal, residência do Grão-Duque de Luxemburgo.

E a cidade é um charme. \ Colônia/Köln: é imprescindível a visita ao Schokoladenmuseum – Imhoff, à margem do Rio Reno; foi inaugurado em 2006, apresenta uma viagem de três mil anos em torno do chocolate, e possui uma Revista do Clube Naval • 390

Trem do Chocolate – Montreux – Suíça estufa que reproduz uma mata tropical com cacaueiros. \ Barcelona: o Museu de la Xocolata foi fundado no ano 2000 e exibe principalmente esculturas de chocolate.

Birmingham: no Cadbury World há tours autoguiados em quase todas as línguas; em média os visitantes dispendem mais de três horas na visita completa.

Londres: há delícias nas chocolaterias Paul A. Young Fine Chocolates e na Rococo Chocolates; além das boas marcas encontráveis na Harrods, na Selfridges, e na Fortnum & Mason.

Hershey, Pennsylvania: no Hershey’s Chocolat e World, o visit ante tem à

Escultura no Schokoladenmuseum - Colônia

disposição o Chocolate Tour, a Tasting Experience, o Create Your Candy Bar, e o Chocolate Movie.

Montreux, Suíça: é imperdível o tour de um dia no Train du Chocolat, trem que parte de Montreux para Broc (com retorno após visita também a Gruyère); em Broc, percorre-se a Maison Cailler, da Nestlé, onde assiste-se às histórias do cacau e do leite, à fabricação dos chocolates, a um espetáculo de som e luz, e inclui degustação dos produtos. \ Paris: há muitas magníficas boutiques espalhadas pela cidade, com produtos de grandes chocolatiers: Pierre Hermé, Jean Paul Hévin, Pierre Marcolini, Fauchon, e La Maison du Chocolat; mas o leitor (a) ficará em desgraça com os deuses se despedir-se da Ville Lumière sem saborear o esplêndido chocolate líquido e quente da Angeliná (Rue de Rivoli, quase em frente à estação de metro Tuileries); ele chega a ser voluptuoso!

Sugestão Recomendo aos leitores (as) reverem o filme com a comédia romântica “Chocolate” – produção britânica de 2000, com Juliette Binoche e Johnny Depp. n

Nota: (1) O cupuaçuzeiro, primo do cacaueiro, também originário da Amazônia; foi batizado como “Theobroma grandiflorum”; a aparência interna do cupuaçu é semelhante à do cacau.

Revista do Clube Naval • 390

51

ór t s i h

ia

Angra Será

a terceira cidade mais antiga do Brasil?

R

Miguel Assad Isaltino*

ecentemente assisti pela TV Câmara a um evento que ocorrera no Iate Clube Aquidabã, onde se comemorava o 517º aniversário de Angra dos Reis (RJ). Durante a locução de alguns homens públicos presentes a cerimônia, ouvi que Angra era “a terceira cidade mais antiga do Brasil”.

Da mesma maneira que o município não possui 365 ilhas e tão pouco 2.000 praias, é uma inverdade em ser titulada como a terceira mais antiga do nosso país.

Vamos rever um pouco da História: a navegação de 1501-1502 no Brasil.

O rei de Portugal, Dom Manuel I, ouvira conselhos de alguns capitães da esquadra de Cabral, já retornados de Calicute (Índia), que ele deveria organizar uma expedição para explorar a nova terra “descoberta” em 22 de abril de 1500, por Pedro Álvares Cabral. Assim, o monarca luso organizou uma esquadra com três caravelas e entregou o comando a Gonçalo Coelho com o intuito de reconhecer o litoral ora descoberto no Ocidente. Partindo de Lisboa a 14 de maio de 1501, esta expedição exploradora trazia a bordo o cartógrafo italiano Américo Vespúcio, que descreveria esta viagem através de uma carta (Mundus Novus), que ele enviaria ao rico e poderoso banqueiro florentino, Lourenço de Médicis, provavelmente em 1503. Após sessenta e sete dias de navegação, a esquadra aportou em 7 de agosto de 1501 no litoral nordestino, nas imediações

do atual Rio Grande do Norte. Como era de praxe aos navegantes ibéricos, os lugares que efetuaram escalas ou os acidentes geográficos que por eles foram avistados, na costa brasileira, eram denominados de acordo com o dia do calendário dedicados a santos e festas religiosas da Igreja Católica.

Desta maneira, quarenta e dois foram os topônimos por eles registrados até o litoral Sul do Brasil. Veja no quadro abaixo.

Pelos topônimos registrados, Angra estaria em 34º lugar. Para se tornar uma cidade, haveria primeiramente de ser povoada e os primeiros colonos só chegaram ao nosso município em 1556 e em 1559. Em 1593, foi elevada à categoria de Paróquia e em 1608 tornou-se Vila, recebendo o nome de Vila de Nossa Senhora da Conceição de Angra dos Reis da Ilha Grande. Em 27 de junho de 1808, por determinação do príncipe Regente D. João, fora criado o cargo de Juiz de Fora; em 27 de janeiro de 1829, era criada e instalada a Comarca, que abrangeria também Mangaratiba, Itaguaí e Paraty.

Somente em 28 de março de 1835, a Vila de Nossa Senhora da Conceição, através de um Decreto Provincial, era elevada a categoria de cidade, com o título de Angra dos Reis, juntamente com Niterói e Campos de Goytacazes.

Desta maneira, por falta de conhecimentos históricos, aqueles que afirmam que Angra é a 3ª cidade mais antiga do Brasil, se baseiam na data de seu descobrimento 52

(6/1/1502), desconhecendo que a esquadra lusa vinha desde 15 de agosto de 1501 do Nordeste, em direção ao Sul, denominando os topônimos (nome próprio de lugar ou de acidentes geográficos), do litoral brasileiro. Na época da colonização do Brasil o título de VILA era o termo utilizado pelos portugueses para designar uma cidade organizada. Para tanto se fazia necessário que já estivesse instalado a Câmara, a

Relação de algumas cidades/vilas mais antigas que Angra, por ordem cronológica de suas fundações: • Cananeia (SP) – 1531 • São Vicente (SP) – 1532 • Igarassu (PE) – 1535 • Pereira (BA) – 1536 • Olinda (PE) – 1537 • Iguape (SP) – 1538 • Santos (SP) – 1545 • Salvador (BA) – 1549 • Vitória (ES) – 1551 • São Paulo (SP) – 1554 • Rio de Janeiro (RJ) – 1565 • João Pessoa (PB) – 1585 • Natal (RN) – 1599

Cadeia, a Igreja e o Pelourinho que eram os símbolos da colonização e bases da administração lusa. Assim, Angra não pode ser considerada a 3ª cidade mais antiga, pois somente em 1608 tornou-se Vila e em 1835 era elevada à categoria de cidade. Veja a relação no quadro ao lado.

Revista do Clube Naval • 390

Cananeia e São Vicente disputam pelo título de ser a primeira Vila brasileira. Contudo, a primeira cidade organizada é Salvador, que fora a primeira capital do Brasil.

A esquadra com as três caravelas que se encontrava no litoral Sul-rio-grandense retornaria para Europa e chegaria a Lisboa

exploradora e a colonização de Angra: “O rei de Portugal, D. Manuel I, ao tomar conhecimento da “descoberta” de novas terras em 22 de abril de 1500 por Pedro Álvares Cabral, através da carta do escrivão Pero Vaz de Caminha, que fora enviada na nau de mantimentos que retornou à Portugal antes da esquadra de Cabral, o monarca luso resolveu organizar uma expedição exploradora dessas terras, formada com três • Serra de São Tomé caravelas, e as entregou ao co(21/12/1501), atual serra Itaoca. mando de Gonçalo Coelho com o intuito de reconhecer o litoral • Arquipélago de São Paulo, ora descoberto no Ocidente.” atuais ilhas de Cabo Frio.

(Prof. Fernando Carvalho) • Rio dos Reféns (1/1/1502), Conforme o historiador anatual Rio de Janeiro, baía grense Camil Capaz: “... com a de Guanabara. luta entre índios e portugueses naquela época, o início da Topônimos colonização em Angra nunca poderia ter começado em 1556. registrados em Angra: Isso é conversa que vem do his• Baía dos Reis Magos toriador General Honório Lima, (6/1/1502), atual Angra que estava desinformado a resdos Reis. peito. Só após a expulsão dos franceses e dos tupinambás, aí • Pináculo da Tentação, por volta de 1570 ou 1580, isso atual pico do Frade. se tornou possível.” n • Rio Jordão (13/1/1502), atual rio Mambucaba.

no dia 22 de julho de 1502. Porém, na passagem por Serra Leoa (África) onde ficaram 15 dias descansando, colocaram fogo em uma das caravelas que não tinha mais condições de navegar.

Segundo a visão de outros historiadores em relação à organização da expedição

Topônimos registrados pelos portugueses: • Santa Maria da Graça (15/8/1501), atual praia dos Marcos. Ponto de chegada da frota ao Brasil, em 7 de agosto, e de onde prosseguiram a 14 do mesmo mês.

• Santa Maria de Arrábida

(15/8/1501), atual Barreira do Inferno ou do Zumbi.

• São Roque (16/8/1501); atual enseada de Pititinga, no canal de São Roque.

• Rio de Santa Helena

(18/8/1501), atual rio Potengi.

• Rio de Santo Agostinho (28/8/1501), atual rio Paraíba do Norte.

• Monte de São Vicente (15/9/1501), atual cabo Branco.

• Cabo de Santa Cruz, atual

cabo de Santo Agostinho.

• São Miguel – aguada –

(29/9/1501), atuais morros de Camaragibe. Foz do rio Camaragibe – onde a frota ficou por cinco dias.

• Rio de São Jerônimo

(30/9/1501), atual rio da Alagoa. Desaguadouro das lagoas Mundaú e Manguaba.

• Rio de São Francisco

(4/10/1501), atual rio São Francisco.

• Vaza-barril (enseada),

atual costa norte de Sergipe.

• Rio do Pereira, atual

rio Cotinguiba.

• Serra de Santa Maria da

Graça, atual serra de Itabaiana; • Rio da Canafístula, da Cássia, atual rio Vazabarris, Irapiranga.

Revista do Clube Naval • 390

• Porto Real, atual foz do rio Real.

• Rio das Virgens – Onze mil virgens – (21/10/1501), atual rio Itapicuru.

• Rio do Ódio, da Dúvida, atual rio Inhambupe.

• Rio do Meio, atual rio Jacuipe, Tatuapera.

• Monte Fragoso, atual monte de Tamarari.

• Baía de Todos os Santos (1/11/1501), atual baía de Todos os Santos, onde a frota permaneceu durante 27 dias.

• Rio de São Jacobo (28/11/1501), atual rio Paraguassu.

• Rio dos Cosmos, atual rio das Contas, Pardo, Jequitinhonha.

• Rio de Santo Antônio

• Rio de São João, identificado

(17/1/1502), atual rio Caramburú.

como rio das Contas, rio Pardo e rio Jequitinhonha.

• Porto de São Sebastião (20/1/1502), atual porto da ilha de S. Sebastião.

• Porto Seguro, porto

na parte sul da baía Cabrália.

• Barreiras Vermelhas, nas imediações e ao sul de Porto Seguro.

• Porto de São Vicente (22/1/1502), atual porto de S.Vicente.

• Rio do Brasil, na baía Cabrália, de onde a frota carregou o pau brasil que levou para Portugal.

• Barra do Rio de Cananor (24/1/1502), atual ilha de Cananeia.

• Barossa (Terras Barrosas), nas imediações e ao sul de Porto Seguro.

• Cabo de Santa Marta (23/2/1502), atual cabo de Santa Marta Grande.

• Monte Pascoal (cabralino); Monte Pascoal.

• Porto a 32° Sul (fev. ou março de 1502), atual desaguadouro da lagoa dos Patos.

• Rio de Santa Luzia (13/12/1501), atual rio das Caravelas.

• Porto do Rio Grande (RS), sendo a última escala da frota no continente.

• Ilha de Santa Bárbara

(14/12/1501), atual ilha de Santa Bárbara, dos Abrolhos.

53

*Professor, natural de Angra dos Reis (RJ).

Formado em História pela Sociedade Barramansense de Ensino Superior (SOBEU).

Membro titular do Ateneu Angrense de Letras e Artes (AALA).

Membro fundador da Associação Fotográfica e Cultural de Angra dos Reis (AFOCAR).

Membro da Sociedade Amigos da Marinha de Angra dos Reis (SOAMAR).

Autor dos livros: Angra do Passado (2004), Angra que o Tempo Levou (2007) e Angra Ontem & Hoje (2014).

Bibliografia • ISALTINO, Miguel Assad – Angra do Passado – 2004 • PEREIRA, Moacyr Soares – A Navegação de 1501 ao Brasil e Américo Vespúcio – Rio de Janeiro. 1984.

ó h i st

ria

Tenente-Coronel

Francisco Leão A presença judia Cohn na Guerra do Paraguai 1865-1870

Edward David Luft Tradução de Fabiana Peixoto

A

pós a abertura dos portos no Brasil, decretada em janeiro de 1808 por D. João VI, intensificouse o comércio com as nações amigas de Portugal. Além disso, incentivou a vinda de muitos imigrantes, dentre os quais estava Leon Cohn, da região francesa da Alsácia, onde viviam muitos judeus.

O pai de Francisco Leão Cohn imigrou para o Brasil Leon Cohn era um judeu praticante.

Pelo seu nome, sabemos que sua família é originária do leste da Alemanha ou da Polônia. Ser judeu praticante não era um grande problema na França desde 1791, quando a Assembleia Nacional Francesa, após a Revolução, aboliu todas as desvantagens legais impostas aos judeus antes dessa data. A discriminação sofrida pelo povo judeu só seria sentida novamente durante a ocupação nazista do norte da França na Segunda Guerra Mundial.

O Brasil ainda era uma colônia portuguesa quando Leon Cohn chegou ao Brasil, no final de 1808 ou em 1809. Aparentemente, Leon Cohn conseguiu, no início de sua carreira, ter sucesso em seus empreendimentos comerciais. Em 13 de janeiro de

1814, um grupo de 41 comerciantes solicitou “Sua Alteza Real”, o vice-rei do Brasil em nome do rei de Portugal, pedindo que Leon Cohn fosse admitido como corretor juramentado de comércio.

Parece que a petição foi concedida. Entre outros itens, sua empresa comercializava bolos e charutos de Havana, assim como alimentos em geral.

Francisco Leão Cohn O filho primogênito de Leon Cohn e Teresa de Jesus, Francisco Leão Cohn, nasceu no Rio de Janeiro em 1816, quando havia poucos judeus na cidade. De fato, é possível que a mãe fosse descendente de convertidos do judaísmo ao cristianismo. No século anterior, havia várias mulheres no Rio de Janeiro com o sobrenome de Jesus, e que são conhecidas por terem sido processadas pelo Santo Ofício: Ana Pares de Jesus, natural e residente do Rio de Janeiro, foi condenada à prisão e hábito perpétuo sem remissão, com insígnia de fogo e deportada por 7 anos para Angola, deixando no auto de fé de 24 de outubro de 1717; Brites de Jesus, partiu no auto de fé de 14 de outubro de 1714; Leonor de Jesus partiu no auto de fé de 10 de outubro de 1723; Maria de Jesus saiu no mesmo auto de fé; Teresa de Jesus, filha de Alexandre Freire Pinheiro e Helena de Azevedo, nasceu em 1712; um de seus oito irmãos, André da Veiga Freire, partiu no auto de fé de 16 de junho de 54

1720. Todas nasceram e moraram no Rio de Janeiro. No entanto, não podemos afirmar que Teresa de Jesus, esposa de Leon Cohn, era descendente de uma das mulheres “de Jesus” listadas acima.

Francisco decidiu seguir carreira militar na Guarda Nacional. Em 1842 ele ocupou o cargo de major e foi assistente do comandante. Nesse mesmo ano ele recebeu uma comenda especial do Comandante das tropas, Lázaro José Gonçalves, que afirmava: “Eu nomeei como Mestre Intendente da Guarda Nacional deste Município Major Francisco Leão Cohn, continuando no exercício do Assistente para Ordens deste comandante sênior, porque de sua inteligência, o que o torna mais e mais digno de minha estima e de merecido louvor.”

Francisco Leão Cohn, como Assistente de Ordens do Tenente-General Gonçalves, durante os anos seguintes, assinou mais de cem ordens ou comunicações da Guarda Revista do Clube Naval • 390

Nacional que tratavam dos mais variados assuntos: desfile para o aniversário do Imperador, aniversário do juramento à Constituição, nomeação de funcionários, convocação de reservistas, aniversário da Imperatriz e outros eventos que eram repetidos geralmente uma vez por ano. Sua posição o levou a entrar em contato com o Imperador, e não é de surpreender que este tenha lhe concedido várias condecorações. Em 1842 ele foi condecorado com a medalha de “Cavaleiro da Ordem de Cristo”, por tradição uma distinção reservada exclusivamente para os militares da fé católica.

Quando Lázaro José Gonçalves foi destituído do comando da Guarda Nacional, agradeceu a todos pela cooperação, mencionando, especialmente pelo nome, “o meu Assistente de Ordens, Francisco Leão Cohn, que me acompanhou desde o primeiro dia em que me encarreguei deste comando superior e quem é digno de receber mais uma vez a minha amizade pura e sincera, como recompensa aos bons e valiosos serviços com os quais ele me ajudou.”

Outras atividades de Francisco Leão Cohn Em 1851, Francisco Leão Cohn foi fundador da Sociedade de Recreação Marítima e, como secretário, informou que até o final do mesmo ano, a sociedade já contava com 200 membros e havia realizado sua primeira corrida de barcos. Em 1856, como TenenteCoronel, Cohn foi indicado para os conselhos de qualificação da Guarda Nacional.

Em março de 1857, Francisco era um dos cerca de 200 acionistas de uma empreiteira de obras, a Companhia Edificadora Revista do Clube Naval • 390

Litografia publicada no jornal carioca Semana Ilustrada, com a legenda: “Embarque do contingente da Guarda Nacional da Corte sob o Comando do Tenente-Coronel Francisco Leão Cohn no dia 6 de fevereiro de 1866.”

Doze do Agosto. Em 1858, ele foi designado Comandante do 6º Batalhão de Caçadores e, em 1862, foi um dos dois tenentes-coronéis que comandaram o desfile por ocasião do aniversário de Pedro II naquele ano.

Francisco Leão Cohn durante a Guerra do Paraguai Quando a guerra com o Paraguai eclodiu, a Guarda Nacional foi convocada. O Tenente-Coronel Cohn foi transferido do 6º Batalhão em 26 de fevereiro de 1865 para comandar o 1º Batalhão de Voluntários da Guarda Nacional do Rio de Janeiro, enviado para Montevidéu, no Uruguai. Em 27 de fevereiro de 1865, Cohn recebeu a bandeira do batalhão das mãos do Imperador Pedro II, acontecimento ilustrado na gravura acima.

Pouco depois de chegar a Montevidéu, o Tenente-Coronel Cohn dirigiu uma carta ao conselheiro imperial Furtado, detalhando as tropas, o moral, a necessidade de instrumentos para formar uma banda e outros assuntos, lembrando-o também da promessa de promoção de Cohn ao posto de Coronel. O Corpo Voluntário logo viu o conflito e teve grandes perdas de tropas.

Depois do fim da guerra No final da guerra, Francisco Leão Cohn foi condecorado pelas mãos do próprio Imperador com o título de Coronel da Guarda Nacional do Império.

Embora pareça estranho, ninguém parece ter descoberto nada sobre seu 55

desempenho durante a Guerra do Paraguai.

(Talvez alguém interessado possa pesquisar quaisquer registros e relatórios militares sobreviventes). Após o término de sua carreira militar, Cohn foi colaborador da Gazeta Oficial e serviu como primeiro funcionário e assistente da Guarda do Serviço Alfandegário do Rio. Ele também atuou na Associação Internacional de Imigração e na Loja Maçônica do Grande Oriente do Brasil. Em 1872, era integrante da Sociedade Imperial de Educação. Morreu no Rio de Janeiro, foi sepultado no cemitério de São João Batista, tendo se convertido ao catolicismo romano.

Efeitos da guerra paraguaia no Brasil Assim como a Guerra Civil nos Estados Unidos (1861 a 1865) foi um momento decisivo na história do país e ainda é discutido hoje, a Guerra do Paraguai também foi um momento decisivo para o Brasil.

Foi o ponto alto do Império, mas também o começo de seu desfecho. O Brasil saiu vitorioso, mas o imperador perdia a confiança na sobrevivência de seu regime. Ele se recusou a apoiar tentativas de restauração do Império. Ao contrário de seu pai, Dona Isabel estava mais interessada em religião do que em governo, embora tenha assinado a Lei Áurea. Grande parte dos banqueiros que emprestaram dinheiro para o Brasil durante a Guerra do Paraguai eram judeus ingleses, e é interessante mencionar que o Brasil pagou sua dívida de guerra pouco antes do fim do Império. n

a e ia i c n c i ê olo g t ec n

Ondas, corpú e as duas ran CMG (Ref) Paulo Roberto Gotaç

É

Max Born

interessante assinalar que, ao contrário do que se poderia supor, Schrödindger obteve sua equação, hoje pilar básico para qualquer consideração de Mecânica Quântica, tanto no que diz respeito a cálculos, aplicações tecnológicas e estudos interpretativos, quando se enclausurou em retiro, de modo a se dedicar exclusivamente à questão, e que chegou à sua forma final, não por dedução de algum outro princípio matemático ou mesmo físico, mas por pura intuição e imaginação, embora guiado por fundamentos bem estabelecidos, ligados à Física clássica, que dominava perfeitamente.

Todo o processo parece confirmar que, mais do que em qualquer outra área da Física, no desenvolvimento da Mecânica Quântica, tipificado não só pelo trabalho de Schrödinger, como pelo de seus contemporâneos fundadores – Bohr formulou suas hipóteses para explicar as órbitas do átomo de Rutherford, sem se basear também em deduções matemáticas –, a criatividade na ciência depende de algo mais que a razão pura[1].

Mas afinal, o que são essas ondas imaginadas por de Broglie e formalizadas matematicamente por Schrödinger? O que “ondula”?

O físico Max Born (1882 – 1970)[2], o mesmo que, ao examinar a formulação de Heisenberg, baseada somente em fatos observáveis, exibindo uma incomum não-comutatividade, sugeriu, em 1926, a analogia do formalismo com o

cálculo matricial, propôs, ao refletir sobre fenômenos ligados à colisão de partículas e, com base no Princípio da Incerteza de Heisenberg, que a função de onda de Schrödinger ψconsistia numa entidade cuja amplitude (o quadrado do seu valor num determinado ponto e num determinado instante) expressava a probabilidade da partícula (o elétron, p. ex.), se observada, ser encontrada naquele ponto. A ironia é que o mesmo cientista que ajudou a edificar uma teoria baseada no que podia ser observado, tenha sido o criador de uma entidade que nunca pôde sê-lo, a função de onda, como agente de probabilidade. Pela sua contribuição, Born recebeu o Nobel de Física de 1954.

A Mecânica Quântica (M.Q.) – termo formalmente criado por Born somente em 1924 –, com o formalismo esquematicamente aqui delineado, baseado na equação de Schrödinger, fruto de uma Paul Dirac notável intuição visando a descrever a propagação das ondas imaginadas por de Broglie (outro insight milagroso!), do século passado, quando foi praticamente e nas consequências das suas respectivas concluída, até os nossos dias, por uma transsoluções, aliadas à visão probabilística (mais formação nunca vista, em período comparáuma ousadia de imaginação lastreada pelo vel, ao longo da história da humanidade, do conhecimento teórico de seu proponente), comportamento das pessoas e dos avanços constitui a base de um ramo do conheciem vários outros setores, como a medicina e mento humano notável pela precisão dos as telecomunicações. Para um cidadão nasresultados previstos pela teoria. cido nos últimos 30 anos é difícil imaginar a vida sem celulares, computadores, lasers e É responsável, através dos desdobramentos tecnológicos possibilitados pela recursos de diagnóstico como tomografias aplicação dos citados princípios, criados e ressonâncias magnéticas, entre outros recursos do dia a dia. basicamente até meados da década de 30 56

Revista do Clube Naval • 390

úsculos nhuras 2ª

parte

Perguntas tais como: o que, afinal, significa a função que ninguém nunca conseguiu detectar? A que tipo de probabilidade ela se refere? Como se comportam as entidades quânticas descritas pela matemática correspondente?

Será que a incapacidade de responder a estas e outras indagações decorre da inadequação da linguagem humana, habituada a descrever bem a experiência da escala humana, não se prestando, no entanto, para descobrir a sutileza do microcosmo?

Investigações como essas fazem parte de um campo do conhecimento na Física designado genericamente como “Interpretações da M. Q.”, ao qual inicialmente poucos se dedicaram – por influência da postura ainda dominante no ambiente de trabalho de muitos físicos configurada pelo lema “cale-se e limite-se a calcular” – mas que atualmente vem sendo alvo de um número cada vez maior de pensadores.

Na verdade, são várias, atualmente, as interpretações, com pontos de vista antagônicos, que se encontram na disputa pela tentativa de desvendar o Max Born mistério da realidade física, cada uma O que significa delas defendida com empenho pelos seus A interpretação de Copenhague? proponentes mas nenhuma ainda com aceitação geral.

Em que pese o estrondoso sucesso do Um dos mais notáveis confrontos se iniformalismo matemático da M.Q. no confronto experimental, capaz de desencadear toda ciou já na década de 1920, envolvendo dois essa revolução tecnológica, suas conclusões gigantes da nova visão, Einstein e Bohr, e agridem o chamado senso comum. se estendeu até 1955, ano do passamento Foi natural então que seus próprios criado primeiro. dores, não somente os filósofos, passassem O debate entre os dois, Einstein dea questionar, desde as fundações, o que fendendo um ponto de vista denominado significava tudo isso, que tipo de realidade realista, segundo qual existe uma grande a teoria estava tentando transmitir. realidade independente do formalismo Revista do Clube Naval • 390

57

matemático, cuja descoberta deve constituir a missão principal da ciência, e Bohr, insistindo que a Física não tem por propósito descobrir como a natureza funciona mas simplesmente descrevê-la e que nenhuma realidade exista até que se proceda a uma observação (measurement), talvez constitua uma das mais expressivas disputas intelectuais da história, somente comparável, talvez, ao ocorrido entre Newton e Leibniz (1646 – 1716), em torno do Cálculo infinitesimal [3].

Não serão apresentadas considerações sobre as várias interpretações desenvolvidas ao longo da existência da M.Q. pois tal tarefa extrapola os limites estabelecidos para o presente trabalho.

Menciona-se, no entanto, o fato de que a mais aceita ainda hoje pela maioria dos físicos é a conhecida como interpretação de Copenhague, formulada sob a liderança de Bohr, e que atribui ao ato da observação (measurement) não um papel independente do sistema a ser observado, incapaz de perturbá-lo, como ocorre no caso dos sistemas clássicos, mas de elemento ativo e influente na obtenção dos resultados de medidas em entidades quânticas. Ou seja: diferentes montagens de observação revelam faces diferentes e até antagônicas do mesmo sistema quântico. Apesar de consagrada, a referida interpretação teve vários de seus aspectos apontados como inconsistências desde sua proposta. Cita-se como notável a destacada pelo próprio Schrödinger, um dos oponentes que, baseando-se num Princípio da Superposição, um dos pilares da formulação de Copenhague, estranho aos cânones clássicos, imaginou um experimento de pensamento (Gedanken) no qual um gato poderia estar “morto e vivo” em vez de “morto ou vivo”.[4]

Além disso, o ato de observar apresenta aspectos incluídos na sua interpretação que o próprio Bohr se esquivou de elucidar, como o chamado “colapso da função de onda” que ocorre quando se realiza uma observação que tem que dar um resultado determinado e acessível a quem observa (a posição de um ponteiro, por exemplo, num medidor), com uma determinada probabilidade – não porque haja ignorância sobre os dados, como na probabilidade da previsão do tempo, por exemplo, mas porque eles “só passam a existir após a observação” –, dentre os muitos que estão contidos na função de onda. Trata-se de um processo não contemplado pelas propriedades da equação de Schrödinger sobre a qual a interpretação é construída.

de elétrons que os emite um a um, não em forma de feixe como nos experimentos já citados de Davisson e Germer [7] que, ao atravessarem as duas ranhuras aparecerão no detector posterior (um tubo de TV, p. ex.), que se iluminará no ponto onde cada elétron chegar. O surpreendente é que o padrão apresentado é típico de interferência ondulatória, como se cada ponto luminoso que indica a chegada na tela formando as franjas lentamente, configurasse um elétron passando pelas duas ranhuras ao mesmo tempo, uma inconsistência para os padrões normais de senso comum, já que este não admite que um corpo ocupe o mesmo lugar no espaço simultaneamente.

A terceira figura [8] constitui a foto de um experimento real realizado em 2016

contraposição ao senso comum [5]. É denominado experimento da dupla ranhura (double slit experiment, em inglês) e prescinde, para seu entendimento, de qualquer conhecimento de matemática superior. As três figuras acima o ilustram.

A primeira, repetição de uma já apresentada no trabalho anterior [6] para ilustrar propriedades típicas de ondas, representa uma fonte (de luz ou de som, por exemplo) cuja frente, após passar por uma primeira ranhura, forma outras que vão atingir o anteparo de duplas ranhuras. A partir daí, duas outras são criadas que, ao atingirem a tela de detecção, exibem franjas claras e escuras, mostradas ao lado, como aparecem num filme revelado, no caso da luz, as claras correspondendo à soma de dois máximos

min max min max Source

min

Single slit Double slit

max min max Viewing screen

a

b

c

d

Interference pattern on screen

Fonte: https://www.google.com.br/search?q=double+slit+experiment&tbm= isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ved=2ahUKEwiZ0r6X9fjaAhUHfZAKHbiPCfAQsAR6BAgAEEQ&biw=1366&bih=637#imgrc=VLSS6wztFQDesM

Na verdade, há, segundo Bohr, uma dificuldade de linguagem, pois a que se usa no mundo normal, consistente com a chamada “intuição” convencional, talvez não se adapte à descrição do que realmente ocorre no mundo quântico.

A dupla ranhura Para ilustrar tal perplexidade, tentarse-á descrever um experimento famoso apresentado em muitos cursos introdutórios de M.Q. inicialmente gendanken (de pensamento) mas recentemente já realizado em laboratório, cujos resultados são previstos pelo formalismo, afinados com a interpretação de Copenhague, mas inteiramente em

das ondas e as escuras à de um máximo com um mínimo. O padrão de franjas, denominado interferência, é característico de qualquer encontro de duas ondas sejam elas sonoras, luminosas ou as provocadas por agitações na superfície de um lago. É importante notar que, devido ao fato de que a influência das ondas abrange uma região extensa do espaço, uma mesma frente passa simultaneamente pelas duas ranhuras.

A segunda, à direita da primeira,[17] mostra, na parte superior, um jato de partículas clássicas (grãos de areia, p.ex) que formará então a configuração aproximada delineada.

A parte inferior apresenta um canhão 58

pelo grupo do físico Akira Tonomura [21], onde a tela posterior é fotografada em vários instantes progressivos, mostrando os pontos luminosos marcando a chegada gradativa dos elétrons, até que um número suficiente deles permita distinguir as franjas de interferência.

Mas a perplexidade não para por aí.

Se, com um aperfeiçoamento do arranjo experimental, for possível colocar um detector de elétrons numa, ou nas duas, ranhuras de modo a permitir determinar por qual delas o elétron passou, ou mesmo se uma das ranhuras fosse obstruída de modo a se ter certeza que o elétron passou pela não obstruída, isto é, se for possível determinar Revista do Clube Naval • 390

a sua trajetória, as franjas desaparecem e o aspecto passa a ser o de partículas clássicas mostradas na parte superior da segunda figura, como se o fato da observação do caminho do elétron, ou seja, se ele passa a ser observado, seu comportamento muda de ondulatório para corpuscular. Tudo parece indicar que o elétron participa com o aparato de observação, de uma espécie de esconde-esconde, no qual adivinha as intenções do observador. É neste sentido que a Interpretação de Copenhague assevera que o sistema a ser observado e o esquema experimental usado para tal formam um só conjunto, e que, dependendo de cada montagem, obtêmse resultados diferentes e até antagônicos.

As conclusões delineadas esquematicamente acima são previstas pelo formalismo matemático da M.Q., que permitiram um enorme avanço tecnológico e se afinam com a interpretação proposta pelo grupo dinamarquês. Desnecessário advertir ao leitor que é inútil tentar tal experimento em casa, pois as condições para sua execução são extremamente críticas, só obtidas, até agora, em laboratório Mas a pergunta que não cala é: “o que acontece na realidade com o elétron?” Bohr responde que tal pergunta não faz sentido pois a função da M.Q. não é afirmar como funciona a natureza mas simplesmente investigar o que se pode dizer sobre ela.

Na verdade, não há resposta até hoje que permita descobrir tal realidade e, segundo o lendário físico Richard Feynman (1918 – 1988) [23], Nobel de Física de 1965 pelo seu trabalho no campo denominado Eletrodinâmica Quântica, as estranhas conclusões esquematizadas acima constituem o único grande mistério para o qual o atual estágio da Mecânica Quântica é incapaz de esclarecer o que ocorre, só consegue contar como ocorre [9].

elétrons e os corpúsculos de luz, os fótons, que, no entanto, às vezes se manifestam nas radiações, numa estranha dualidade vislumbrada por Einstein para explicar o efeito fotoelétrico, constata-se mais uma perplexidade, diante de outra dualidade, de certa forma simétrica em relação à primeira, imaginada por de Broglie, formalizada e estendida por Schrödinger, com pitadas de probabilidade acrescentadas por Born, na qual entidades, até então pensadas como partículas indiscutíveis podem apresentar associações ondulatórias, sem que se tenha ideia do que “ondula” nestas ondas de probabilidade, e exibem comportamentos contraditórios, dependendo de como são observadas, às vezes apresentando interferência quando lançadas uma a uma num anteparo de duas ranhuras e noutra configuração, ao tentar-se observar o caminho adotado pela partícula, se manifestam como partículas clássicas. n

1. https://www.nobelprize.org/prizes/physics/1933/summary/ 2. Ball, Philip - Beyond Weird, Bodley Head, 2018 3. https://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Born 4. https://en.wikipedia.org/wiki/Leibniz%E2%80%93Newton_calculus_ controversy 5. https://www.iflscience.com/physics/ schr%C3%B6dinger%E2%80%99s-catexplained/ 6. https://filandiereonline.com/2016/06/29/ one-electron-double-slit-experiment-by-akiratonomura/ 7. Gotaç, P.R. Corpúsculos e Ondas - Revista Marítma Brasileira, v. 137, no. 10/12 outubro/ dezembro 2017 8. https://www.bing.com/search?FORM=INCOH2&PC=IC04&PTAG=ICO-cff7e248&q=Richard+Feynman 9. Feynman, R.; Leighton, R. B.; Sands, M. Lectures on Physics, vol.3 Addison Wesley, 1977

Richard Feynman

Conclusão Do que foi resumidamente apresentado, conclui-se que, além das ondas puras, como p. ex, as sonoras, nas quais o que “ondula” é o meio onde ocorrem, e as eletromagnéticas, nas quais o que oscila é o campo eletromagnético, das partículas autênticas, como os Revista do Clube Naval • 390

Referências Bibliográficas

59

ão

ESCRAVOS DAS EMOÇÕES ex l f e r

Claudio Fabiano de Barros Sendin*

“Tenho que manter a minha fama de mau.”

N

ós, seres humanos, somos escravos das emoções. Conscientes ou não, elas estão por trás de todas as nossas ações, mandando e desmandando. Muitos não concordam, garantem que seguem seus princípios éticos, guardados na consciência, aos quais dá o nome de razão. Mas são raros os momentos em que a razão fala mais alto. Pode-se observar que quase sempre ela é subjugada por impulsos emocionais, que na verdade, ditam as atitudes, decisões e escolhas, tanto para o bem quanto para o mal.

Durante o viver do dia a dia, o lado emocional permanece oculto a maior parte do tempo, como um animal adormecido em sua jaula. Mas assim que algo acontece fora da rotina, solicitando uma atitude, escolha ou decisão importantes, imediatamente as emoções despertam e tomam as rédeas das ações.

Todo esse processo se passa no inconsciente. As emoções conscientes são atuantes, por exemplo, ao ouvir uma música, assistir a um filme, ou presenciar um fato que cause tristeza ou alegria, risos ou lágrimas. Aí sim, há plena consciência de se estar emocionado. Às vezes uma emoção faz alguém agir contra seus próprios princípios, e quando isso acontece, o intelecto habilmente deturpa e adapta a razão, para justificar na consciência o erro cometido. Dessa forma

Erasmo Carlos explica qualquer atitude, mesmo as insanas, evitando a contradição com os próprios princípios éticos, morais etc. Bem dizia Freud que no inconsciente se abrigam os sentimentos e ideias que se mostram intoleráveis para o consciente. Realmente, poucas são as pessoas capazes de reconhecer seus erros e contradições.

Assim funcionam os seres humanos, pode-se dizer, desde o Homo Sapiens. A mente emocional inconsciente dita as ordens, o corpo as cumpre e o intelecto as justifica, com tantos e mais eficientes argumentos, quanto maior for a cultura por ele adquirida.

Porém, a qualidade das emoções que comandam o corpo é determinada pela maior ou menor dose de egoísmo ou altruísmo existentes na formação do caráter de cada um. Nas pessoas de caráter predominantemente egoísta, as emoções assumem esse egoísmo, impelindo-as a favorecer sobretudo a si mesmas, a acumular bens, gozar de todos os prazeres, a buscar riqueza e poder, e a ver nos outros somente a possibilidade de tirar proveito, ou então um obstáculo a ser transposto. É a famosa filosofia do “quero tudo para mim e os outros que se danem!”

Mas o pior é quando o inconsciente incorpora princípios religiosos ou políticos, usando-os conscientemente como bandeira para justificar suas ações. Tal processo costuma fazer parte do que Carl Jung chamou de “inconsciente coletivo”. O incosciente 60

coletivo pode comandar as ações de um povo inteiro, tornando os indivíduos prepotentes, tentando impor a sua opinião ao resto do mundo, sem medir consequências.

Nos casos mais graves, praticam verdadeiras insanidades, à custa da própria vida e de muitas outras. Quantos terroristas e guerrilheiros matam centenas de pessoas e morrem pelo seu fanatismo...

Inversamente, quando no caráter predomina o altruísmo, as emoções inconscientes refletem esse altruísmo, induzindo o indivíduo a ser fraterno com todos e a colaborar para o bem comum, em qualquer circunstância. Muitas vezes a emoção altruísta de amor ao próximo é responsável por atos heróicos, levando a pessoa a salvar vidas, até mesmo com o sacrifício da sua.

No entanto, seja qual for o seu caráter dominante, qualquer um está sujeito a ser induzido por emoções negativas ou positivas de seu inconsciente, nas relações com as outras pessoas e com o mundo. De maneira geral, as emoções derivadas do amor são as mais positivas; e as emoções derivadas do ódio, da inveja, da tristeza ou do medo, as mais negativas. Mas é bom frisar que a inversão é possível. Em circunstâncias especiais, o amor pode se tornar negativo e o ódio positivo. Tal inversão sucede também com outras emoções, como o medo, por exemplo, que se transforma em emoção positiva, quando, diante de uma situação real de perigo, dá forças ao corpo para escapar daquele perigo.

Independentemente das emoções que o comandam, o ser humano vive com a mente cheia de princípios éticos e morais, adquiridos através da cultura que consegue absorver. Tais princípios, em geral meramente intelectuais, raramente influem Revista do Clube Naval • 390

nas decisões emocionais. Servem sobretudo para alimentar a vaidade, exibindo conhecimento e cultura em conversas e discursos.

A vaidade, aliás, entre as emoções negativas é a mais presente nos líderes, a principal mandatária de suas ações.

Líderes populares, tanto os superstars como os atletas consagrados e os políticos, são fortemente dominados pela vaidade. Os primeiros chegam a despertar paixões em milhões de seres humanos, dependendo das oportunidades que conseguiram aproveitar, do talento e sobretudo do carisma que possuem. Em geral, o excesso de vaidade os torna egocêntricos e narcisistas.

Mesmo depois de se tornarem famosos, é comum que suas vaidades insaciáveis os continue impulsionando a tirar mais e mais proveitos dos mecanismos legais que deveriam patrocinar os iniciantes, como, por exemplo, a Lei Rouanet, sem se importarem de estar impedindo, assim, que a lei exerça a principal finalidade para a qual foi criada. Os que procedem dessa maneira –, e não são poucos –, revelam claramente a vaidade que os domina e os faz pensar somente em si próprios. Quem sabe, no fundo, achem que se a lei promovesse realmente os iniciantes, estaria criando novos e

indesejáveis concorrentes?

Mas nem todos são assim. Existem artistas e esportistas famosos que demonstram ser comandados por emoções altruístas. Sem abrir mão do seu progresso profissional, reservam boa parte da fortuna que ganham para incentivar e ajudar os outros, colaborando com o progresso humano. Infelizmente, porém, esses contam-se nos dedos.

Dizem que a paixão cega. O que sem dúvida é uma verdade, pois toda forte emoção impede a mente de enxergar a razão, ou seja, os seus princípios éticos e morais.

Se observarmos os líderes políticos, aí então é que essa verdade se mostra mais evidente. Os líderes políticos são comandados, não só pela vaidade, mas também por outras emoções egoístas. Isso é bem compreensível, pois se querem sair vencedores nessa terrível arena competitiva, precisam de grande dose de ganância –, emoção totalmente negativa, provinda diretamente do egoísmo. Os que não a possuem, costumam desistir logo no início da carreira, ao se verem sós em meio a um verdadeiro ninho de serpentes.

Em aparente contradição, os políticos que mais têm chance de vencer, de galgar

o cobiçado cume do poder, ou seja, os mais gananciosos, são justamente os que se mostram mais carismáticos, mais honestos e humanitários em seus discursos. Dessa maneira, ganham votos e seguidores.

Assim como os líderes artísticos, os políticos também despertam paixões. São capazes de criar um vínculo emocional com seu Partido, a tal ponto, que ele e o Partido se fundem, formando um verdadeiro fetiche. Desse fetiche emana um sentimento mais religioso do que político, contaminando multidões, podendo ser cultuado por milhões de adeptos. Todo esse processo inconsciente é provocado, de um lado pelo carisma, que oculta a ganância do político, do outro pelo amor e adoração despertados em seus seguidores (ou eleitores). E quando a emoção dos seguidores chega ao nível de adoração fanática, impede a razão de acreditar em qualquer um que se oponha. Se o político é corrupto, as possíveis provas da corrupção nem sequer são vistas pelos seus cegos adoradores, ainda que elas sejam bem evidentes.

Nesse estado mental, os que antes eram eleitores, agem no presente como fiéis devotos de uma religião, cujo deus é o seu ídolo político. Movidos pelo amor ao deus, acreditam em tudo o que o político diz, por mais absurdo e contraditório que seja, pois deus não pode errar e muito menos se corromper. É nesse ponto que os polos emocionais se invertem. O amor, que normalmente é a mais positiva das emoções, torna-se negativa, pois induz o apoio a um criminoso, impedindo a mente de reconhecer seus crimes. E na prática, ser solidário com o crime é ser também criminoso.

Nesse caso, então, positivo será o ódio.

A emoção negativa de ódio, desde que não seja diretamente dirigida ao indivíduo, mas sim ao crime, como instituição, estará prestando um serviço positivo à humanidade, pois quebrará o véu do fetiche, revelando o desatino de continuar amando e apoiando o criminoso.

A todo momento o ser humano age sob o jugo das emoções que atuam no seu inconsciente, sejam elas positivas ou negativas. Somos todos seus escravos, embora sem termos consciência desse algoz. n

*Diretor de arte, cartunista e diagramador sendino.claudio@gmail.com Revista do Clube Naval • 390

61

lis á n a c

e

ONDE ESTÁ O INCONSCIENTE? psi

CT (S) Haendel Motta Arantes*

Um século depois de Freud - e agora com a neurociência –, onde está o inconsciente? Sistema límbico! Reptiliano! Não e não. O presente artigo procura esclarecer um pouco a questão, com base na psicanálise de Jacques Lacan.

A

1) O inconsciente lógico

informática nos ajuda aqui: imagine detectar o funcionamento de um software observando apenas o que acende e apaga no hardware – eis o empenho neurocientífico; contudo, para a psicanálise, uma das localizações do inconsciente só se revela quando examinamos a lógica de funcionamento do software em si.

E o que seria esse “software”? Entenda-o como nosso repertório de conhecimento, valores e experiências acumuladas, um arranjo narrativo – feito de palavras – que gera nossa visão de mundo, nosso

mindset (ou posição subjetiva, como se diz na psicanálise).

Então reflita: em que página se encontra a sinopse de um livro? Em nenhuma. Você terá de ler o livro todo – talvez várias vezes – até construir um bom resumo. Digamos então que o resumo está inconsciente no livro.

Esqueça, portanto, o inconsciente como trancado numa página oculta – não, o inconsciente é uma espécie de mainstream (corrente dominante) do mindset, matriz de pressupostos que perpassam a montagem inteira de nossa cadeia repertorial. Algo capaz de gerar as tais “repetições de destino” observadas por Freud: troquei de chefe e

62

voltou o problema com o atual; troquei de casamento e tudo parece igual nesse. É, se o mindset não muda... E, de acordo com a psicanálise, quanto mais distante você estiver da síntese que ordena a montagem de seu repertório, mais estará fadado a repetir velhos erros.

Einstein dizia: “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”– algo um tanto lógico, não?

2) O inconsciente ilógico Gozamos da sensação de ocupar nosso centro de controle, e outro modo de localizar o inconsciente é perceber onde isso nos escapa. Além dos conhecidos atos-falhos e da forma com que nossos sonhos (eventualmente pesadelos) estabelecem um roteiro

Revista do Clube Naval • 390

próprio, destaca-se aqui a incapacidade de nos apaixonarmos por autoconvencimento racional (bem como nos desapaixonarmos pelo mesmo método).

Freud equivale a constatação íntima desse “isso que eu não controlo” a quando Copérnico nos retira a impressão de ocupar o centro do sistema solar – e daí os nomes em latim id e ego: “id (isso) que ego (eu) não controla”.

Enfim, nosso software repertorial não roda num hardware seco, mas embebido num “wetware” vivo, que tem lá suas exigências, vicissitudes e autonomia.

De modo que a síntese inconsciente abordada na primeira parte não resulta apenas de uma extração lógico-linguística – não, ela se monta aliada a impulsos cujas causas desafiam nossa racionalidade. Nos versos de Fernando Pessoa: “Nem sempre consigo sentir aquilo que sei que devo sentir”.

Aqui o inconsciente se localiza como constatação de que não comandamos o que atiça nossas paixões. E isso vale tanto para o campo amoroso quanto para o profissional. Nos estudos sobre a motivação, uma celebrada separação a distingue entre extrínseca e intrínseca. Na motivação extrínseca, motivos de troca são bem conhecidos para o sujeito: “faço isso pelo dinheiro”; já na intrínseca, verifica-se certo desconhecimento (localização do inconsciente): o que determina a escolha por tal pessoa ou atividade? Sabemos apenas que nos atraem e fazem vibrar.

Revista do Clube Naval • 390

Mas o texto de Freud foi por muito tempo entendido como mera teoria da repressão: “entendi, a cura é libertar o id e desprezar o ego”. Não, nada simples assim.

Nossa dinâmica em relação ao inconsciente é complexa, o que nos leva à observação de seu mais inquietante fenômeno: a formação de sintomas.

3) O inconsciente sintoma Localizar o inconsciente enquanto fonte de afetos e predileções que não escolhemos não significa abdicar de nosso edifício moral/racional.

Transtornos da época de Freud já foram atribuídos unicamente ao contexto social repressor que tolhia os “desejos inconscientes”.

Pois então vejamos, o século XX avança, é palco de importantes conquistas de liberdade, e um novo milênio alvorece em clima de referências líquidas e convite ao prazer sem limites – tamanha liberdade moral e de acesso à satisfação extinguiu o mal-estar psíquico e emocional humano? Não.

Hoje, ansiedade, depressão e vícios (comida, remédios, álcool, drogas, web, sexo etc.) representam os principais sintomas de nossa atualidade, denunciando sua acelerada fluidez.

Então chegamos a um terceiro modo de localizar o inconsciente: como aquilo que fura nosso arranjo narrativo, seja ele ordenado por “é proibido” ou “é proibido proibir”.

Inconsciente como algo que nos devolve o que restou ignorado na história que contamos a nós mesmos. Retornos imprevistos – como no exemplo do sujeito que corta radicalmente o hábito de fumar e, meses depois, repara que engordou alguns quilos.

De modo esquemático, poderíamos

63

dizer que, por debaixo da linearidade narrativa do propósito “parar de fumar” (ir de A até B) restam ignoradas as causas que levam o sujeito ao cigarro, causas que o inconsciente atualiza através do sintoma da obesidade. Disso depreendemos a inútil tentativa de combater apenas o sintoma (no caso, o cigarro), sem atentar para a dimensão da causa ali em jogo.

SINTOMA E, em 1930, ao escrever “O mal-estar na civilização”, Freud sugere que a lógica de formação dos sintomas pode ser observada não apenas nos indivíduos, mas na esfera coletiva em geral: “se as viagens marítimas transoceânicas não tivessem sido introduzidas, meu amigo não teria partido em sua viagem por mar e eu não precisaria de um telegrama para aliviar minha ansiedade a seu respeito”, exemplifica Freud.

Um exemplo mais próximo de nossa realidade é o ocorrido no Facebook, que, de um propósito inicial voltado a “conectar pessoas”, passa a ambiente de vinganças digitais e manipulação ilícita de dados pessoais; ou, ainda, como o ocorrido na Coreia do Sul, que de uma arrancada para “possuir a banda larga mais rápida do planeta” obtém em retorno uma alarmante epidemia de viciados em games online.

Na esfera individual, retomando a localização do inconsciente como vista na primeira parte, uma vez que ela não resulta de um exercício meramente lógico (tal como seria extrair a sinopse de um livro), a admissão e trabalho sobre os “recados” advindos de nossos sintomas encaminharia, então, de acordo com a psicanálise, uma via possível para que o sujeito se torne menos suscetível ao giro em falso das repetições de destino (tendência a repetir velhos erros), e um convite à elaboração/ complexificação de sua narrativa repertorial, em contraste à linearidade de alguns de seus anseios.

4) O inconsciente extimidade Lacan complexifica nossa linearidade a ponto de dizer que nosso software repertorial se organiza nos moldes de uma fita de Moebius – já ouviu falar dessa fita?

Num cinto corretamente fechado, seus dois lados não se comunicam – dentro e fora estão bem definidos. Já na fita de Moebius (figura abaixo), dentro e fora estão em continuidade. Muitos pares de opostos

[localizável, por exemplo, numa ressonância magnética], mas, sim, ético. Ética de aposta na movimentação e manifestação de nossas disposições singulares – aquelas que, como visto na segunda parte, são as que legitimamente nos fazem vibrar e ir além da mera sobrevivência animal.

Além disso, uma prática cuja direção será “saber lidar com os sintomas”, conforme o caráter inextinguível do inconsciente

podem ser colocados aí: noite adentro e já é dia; humildade ostentada, vaidade; muito ódio, paixão; no limite da complexidade, um viés simples.

Lacan se interessa por essa fita e cria a palavra “extimidade”, intimidade conectada ao exterior. Se me ocorre um pensamento ou sentimento imprevisto, pode não ser fruto de um porão escuro, mas de uma brecha autoral, criativa.

Dessa perspectiva, uma prática que promova a emergência do inconsciente introduz uma ética. Lacan diz que o estatuto do inconsciente não seria ôntico

na formação dos mesmos.

Freud, citando Leonardo da Vinci, toma como exemplo a pintura, que opera pela via de pôr (tinta sobre a tela), em comparação à escultura, que opera pela via de retirar (lascas da pedra bruta). Nesse sentido, a educação tradicional operaria pela via de pôr: o sujeito ouve, lê, recebe.

Na psicanálise, a via é de retirar: o sujeito fala, permite com isso que o inconsciente se manifeste, e algo de valor ocorre nessa travessia.

E assim ficamos em relação à localização do inconsciente: temos mesmo um 64

lado de fora e outro de dentro? Talvez seja preferível não demarcar com precisão, habitar uma surpreendente – até para nós mesmos – dimensão moebiana. n

*Capitão-Tenente (S) – Mestre em Psicologia (PUC-Rio), psicólogo clínico do Centro Médico Assistencial da Marinha / Ambulatório Naval da Penha. haendelmotta@gmail.com

Referências: • FREUD, S.(1915) As pulsões e suas vicissitudes.

Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Freud. Rio de Janeiro: Imago. Vol.XIV. • FREUD, S.(1917) Uma dificuldade no caminho da psicanálise. Ibid., Vol.XVII. • FREUD, S.(1930) O mal-estar na civilização.

Ibid., Vol.XVIII. • LACAN, J.(1958) Seminário 5, As formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

• LACAN, J.(1963) Seminário 10, A angústia.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

• LACAN, J.(1964) Seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

Revista do Clube Naval • 390

va l a n ura t l u c

Jubileu de Ouro

da Turma Esperança C Alte (RM1-FN) Jorge Mendes Bentinho*

“Nada mais sublime que a amizade. Não envelhece, avigora com o tempo.”

A

(D Pedro II)

diligente Comissão de Festas, capitaneada pelos CMG Roza de Abreu, CMG (IM) Sérgio Henrique e Niso, apoiada por colegas consultores e pelo incansável secretário d’além-mar (2) CMG Almeida dos Santos, programou e executou, com grande sucesso, os eventos comemorativos do Jubileu de Ouro da Turma Luiz Philippe de Saldanha da Gama, a Turma Esperança(3), completado em 2 de março(4). No dia 14, uma missa foi celebrada na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Glória, no Largo do Machado, Rio de Janeiro, pelo Capelão Naval Monsenhor Levi. Na ocasião, renderam-se graças pela exitosa travessia da turma e foram lembrados, de maneira saudosa, os companheiros e as esposas que, depois de ajudar-nos a remar o barco da vida, partiram para uma nova jornada.

Revista do Clube Naval • 390

65

Sexta-feira 15, em ônibus especial ou carros particulares, rumamos para Angra dos Reis, a ocupar hotéis e pousadas. Após atravessarmos a cidade, via Avenida Almirante Marques de Leão, uma suave curva à direita e avistamos o majestoso prédio do Colégio Naval (CN), emoldurado pelo fundo verde da Mata Atlântica.

Os corações dispararam, e estou certo de que lágrimas umedeceram os olhos de muitos.

Entrávamos no clima.

Por ocasião do coquetel de boas-vindas, na Área Recreativa Coqueiro, o saudoso “Clube Coqueiro” de nossa época, em ambiente decorado com esmero e bom gosto, concebido e concretizado pela esposa do Roza de Abreu e demais esposas da atual diretoria da Turma Esperança; o primeiro grande encontro. Saudações, acenos, apertos de mão, abraços, os inesquecíveis sotaques de norte a sul. Os que não se viam há tempos tinham, cada um a seu modo, imagens congeladas da última vez em que avistaram os velhos amigos. Hora da atualização. O tempo inexorável deixou marcas. Pouco a pouco, percebemos os cabelos brancos, as calvas, as rugas, as silhuetas mais rotundas, as passadas e os gestos mais lentos. Sobreposto a tudo isso, o essencial: as manifestações que buscavam restaurar o vigor juvenil de outrora. Por vezes recordávamos o rosto, mas esquecíamos o nome; ou lembrávamos os apelidos, alguns impublicáveis. Aos poucos, tudo foi se acomodando. Lembranças vieram à tona, cada “causo”(5) a puxar outro e mais outro.

Enfim, as alegrias da noite abriram caminho para incontidas emoções.

Homenagens foram prestadas a várias

personalidades: ex-Comandante da Marinha, Alte Esq Leal Ferreira e sua esposa Christiani; Alte Esq Öberg, Alte Esq (FN) Fernando Antonio, V Alte (IM) Alvarez, V Alte (EN) Bezerril; ex-Comandantes do CN, C Alte Guilherme e CMG Cantuária; Comandante do CN, CMG Serafim; e ao experiente velejador, CC (QC-FN) Robinson, estimado Comandante de Companhia no CN e na Escola Naval (EN). Enaltecemos os comandantes à época, CMG Aranda e CMG Paulo Freire, líderes responsáveis pelo início de nossa formação militar naval. O Leal Ferreira não cursou o CN, pois embarcou na Marinha do Brasil (MB) no 1º Ano do Corpo de Aspirantes da EN, em 1971. No entanto, com o seu peculiar cavalheirismo, fez questão de estar presente e agradeceu a cortês acolhida que ele e outros companheiros na mesma situação tiveram por

rez ) Alva e (IM t l A V

CMG Cantuária

66

parte dos oriundos do CN; o que tornou a turma unida “Ad aeternum”, um único espírito. Atitude idêntica foi assumida por Arlindo, Cambraia, Elsio, Ferreira Pinto, Glênio, Guimarães Neto, José Luiz, Leme, Pinheiro, Posada, Wanderley Santos, Walmir e Zanella. Digna de menção a vibrante fala do presidente da Associação da Turma Esperança (ATE), CMG Roza de Abreu, pontilhada de preciosas recordações. Reinou um clima de alegria e descontração, regado a boa bebida, deliciosos salgadinhos e música agradável, em ótimas companhias.

Sábado 16, pela manhã, nós, uniformizados com as camisas azul da cor do mar com o logotipo do jubileu(6); as mulheres com o mesmo modelo, de um corde-rosa suave, todos usando o boné azul

Alt

g e Esq Öber

CC (QC-FN) Robinson (Agraciado)

Revista do Clube Naval • 390

Na foto de baixo, integrantes da Turma Esperança uniformizados com as camisas azul da cor do mar, com a logo do Jubileu.

Acima, as mulheres com o mesmo modelo, em cor-de-rosa suave comemorativo, visitamos as bem cuidadas instalações do CN, com destaque para o Espaço Cultural. Foram disponibilizadas as

Ex-CM Alte Esq Leal Ferreira (Agraciado)

Alte Esq (FN

Revista do Clube Naval • 390

) Fernan

notas dos anos letivos de 1969 e 1970, para constrangimento de alguns, tendo em vista a presença de familiares e amigos, pois as “pembas”(7) foram ressaltadas em vermelho...

d o Anto

nio V Al te ( EN) Beze rril C Alte Guilherme

67

Em sequência, reunimo-nos em frente à entrada principal, para o início da cerimônia. Nosso grupamento estava formado frente a frente com a representação de alunos. Cinquenta anos nos separavam.

Entreolhavam-se experiência e juventude.

De um lado, nós, que guarnecemos as filas dos telefones públicos e escrevemos cartas para as namoradas; do outro, eles, que dispõem de internet e WhatsApp. Nós, que embarcamos nos AvOc Baependi e Bauru; eles, que têm a chance de embarcar no PHM Atlântico. Víamos o que fomos há cinco décadas. Será que eles imaginavam como estarão quando chegarem ao seu jubileu? Não creio, pois em geral os jovens se preocupam em realizar seus sonhos, e a terceira idade não faz parte deles.

Cantou-se o Hino do CN, organização militar que ostenta no brasão o dístico “Classis Spes” (Esperança da Armada). Mais lágrimas! Seguiu-se a cordial saudação do Comandante do CN e o evocativo discurso do orador, C Alte Guilherme. Foi realizada a abertura dos portões pelos Alte Esq Leal Ferreira, Alte Esq Öberg, Alte Esq (FN) Fernando Antonio, V Alte (IM) Alvarez, V Alte (EN) Bezerril e C Alte Guilherme, que reeditou o próprio gesto de 2 de março de 1969, posto que foi o primeiro colocado no concurso de admissão para aquele ano.

Ao toque de “Ordinário Marche!”, bumbo no pé esquerdo, a entoar a canção Cisne Branco, adentramos o histórico portal do saber. Foram efetuados o descerramento da placa comemorativa e a leitura da mensagem inscrita, pelo CMG Roza de Abreu. O capelão, 1º Ten (CN) Guimarães, numa feliz alocução, ressaltou o significado da palavra Esperança. Fotos, aplausos, o tradicional “Quiricomba!”(10) puxado pelos alunos e acompanhado por nós, o “Fora de forma!”.

Colégio Naval – Turma de 1969: amigos para sempre!

Abraços, beijos e muita conversa, ao som de Amigos para Sempre. Fotos das esposas, dos almirantes e de todo o grupo foram clicadas em frente ao busto do Almirante Batista das Neves(11). Em seguida, ao Coqueiro, para degustar o lauto churrasco, com direito a banho de mar. Nessa sugestiva e calorosa atmosfera, foi inevitável o retorno das famosas “hidráulicas”(12), que surpreenderam a alguns incautos. O encontro

estendeu-se até altas horas.

No domingo 17, o passeio pela Baía da Ilha Grande, a bordo das escunas Copacabana e Ipanema. Paradisíaco visual, com atracação para almoço e banho de mar na aprazível Ilha da Gipoia. Rememoramos a navegação em canadenses(13), escaleres e barcos a vela, as primeiras aventuras marítimas de nossas vidas.

Somos gratos à Cristina “Gato” (14) e

família e a todos os que contribuíram para a ampla cobertura fotográfica que enriqueceu o nosso acervo. Cumprimentos ao Jardel, pelo esmero na edição digital especial do Gingilim(15).

Houve considerável adesão às comemorações, mas nem todos puderam participar de todos os eventos. Foi muito bom reviver as performances dos atletas Rodrigo, Madeira, Bento, José Luiz, Sérgio Henrique, Souza Rocha, Pádua, Prudente

TURMA ESPERANÇA 50 anos CN 1969

EN 1971 68

GM 1974 Revista do Clube Naval • 390

Notas: 1 Agradeço as prestimosas e substanciais colaborações dos amigos CA Guilherme e CMG (FN) Ubiratan, que atuaram também como revisores.

2 Almeidinha, mesmo residindo em Cascais; Portugal, manteve-se como vibrante secretário da ATE. 3 Embora a turma tenha como patrono o eminente Chefe Naval; o Diretor da EN, Alte Rubem José Rodrigues de Mattos, em sua Ordem do Dia de 11 de junho de 1971, referente à cerimônia de entrega dos Espadins de Aspirantes a Oficial, denominou-a como Turma Esperança, o que se consagrou no ambiente naval.

4 A matrícula foi efetuada formalmente em 1 de março de 1969; mas a apresentação ocorreu, de fato, em 2 de março.

5 Caso, no linguajar naval. Também usual em algumas regiões do Brasil.

6 Estabelecido por meio de concurso

e Cambraia (Atletismo); Negreiros, Silveira Neto, Baldner, De Souza e George Hebert (Basquete); Alvarez, Adalberto, Álvaro Valente, Cantuária, Celso Santos, Clemente, Dias Ferreira, Duarte, Mozart, Tarcísio e Travassos (Futebol); Jardel (Judô); Miranda (Natação); Gambôa, Suzarte, Carvalho e Abreu (Vela); Postarek e Coelho (Voleibol).

Que enorme prazer os reencontros, especialmente com os colegas que por razões diversas não seguiram a carreira naval (16), mas que cultivam os mesmos valores e representam garbosamente a MB em outros setores da sociedade. Duas noites e dois dias foram insuficientes para “botar os assuntos em dia”. Não queríamos que aqueles momentos terminassem. Se possível, pararíamos o sol. Passou rápido, mas voltaremos daqui a pouco: temos pela proa os jubileus das entregas do Espadim e da Espada, quinquênios e decênios...

Naquele trecho da costa verde Esperança, no fim de semana em Angra, ao lado de nossas Rainhas, filhos, filhas, netos e amigos; fomos todos Reis.

Não foi em vão o livramento de um quase naufrágio, concedido em face do mar tenebroso (17) após o suspender do porto de New York, por ocasião da 17ª Viagem de Instrução de Guardas-Marinha (GM) do Navio-Escola Custódio de Mello, em 1975. Aqueles GM, reforçados pelos Revista do Clube Naval • 390

demais pertencentes à turma (18), teriam muito a realizar nos planos profissional e pessoal. E o fizemos com o melhor das nossas energias. Com imenso orgulho, vemos que companheiros continuam a labutar, na MB e em outras instituições, em prol do engrandecimento do Estado Brasileiro.

Obrigado, Senhor!

Viva a Turma Esperança!

Viva a Marinha! n

em âmbito interno, vencido pelo CMG (IM) Sérgio Henrique.

7 Notas baixas, reprovações.

8 Avisos Oceânicos, como foram redenominados os antigos Contratorpedeiros Escolta remanescentes da II Guerra Mundial.

9 Porta-Helicópteros Multipropósito, incorporado à MB em 2018.

10 Grito de guerra entoado pelos alunos do CN. 11 Comandante do Encouraçado Minas Gerais, assassinado quando da eclosão da Revolta dos Marinheiros, em 1910.

12 Saco plástico cheio d’água lançado sobre os distraídos.

13 Embarcação miúda, de alumínio, a remo.

14 Esposa do Adalberto. Oooooops... apelido agora é bullying... foi mal!

15 Jornal organizado pelos alunos do CN. Jardel foi, à época, nosso principal Editor.

16 Ademar, Baggio, Campos Filho, Couto, De Souza, Espíndola, Espírito Santo, George Hebert, Jardel, Jorge Costa, José Cordeiro, Luiz Augusto, Luiz Roberto, Moacir, Mozart, Niso, Novais, Pádua, Peon, Prudente, Souza Rocha, Valdner e Mendes Gonçalves.

17 Furacão enfrentado pelo NE Custódio de Mello.

18 Colegas de CN-1969 e EN-71 declarados GM em turmas posteriores, bem como os que não seguiram carreira, citados no item 16.

Almirante Bentinho 69

va l a n ura t l u c

REMINISCÊNC DE SÃO PEDRO (1970-1972) D’ALDEIA CMG (Ref) Paulo de Paula Mesiano

N

aquela ocasião, exercíamos o Comando do Esquadrão de Helicópteros Anti-Submarino, o HS-1. Morávamos em São Pedro d’Aldeia, na nossa Base Aeronaval BAENSPA. Conversando com um oficial da Base, ele nos disse que o seu sogro, Coronel Aviador, tinha acabado de passar para a Reserva, estava em sua casa, na Vila Naval, curtindo os netos. Comentou que ele, após 30 anos de serviço, nunca havia voado de helicóptero, ao que retruquei: temos que corrigir isso, transmita a ele o convite para fazer um “tour de pista”, para que possa ir para a reserva sem esse trauma.

Realmente, o helicóptero é uma “geringonça” que deve ser voado para acreditar que a ideia de Leonardo Da Vinci estava

correta, pois a concepção do helicóptero é anterior à do balão e do avião, inventados pelo nosso patrício Alberto Santos Dumont.

Foi assim que recebemos o Coronel, emérito caçador, que tinha bastante voos em aviões multimotores, tendo inclusive comandado um esquadrão de C-130, o Hercules, e voado em todos os aviões produzidos pela nossa EMBRAER. Feitas as devidas apresentações, no Hangar do HS-1, na nossa sala de brieffing, foi hora de apresentarmos o SH-3, a aeronave que iríamos voar. Após todas as explicações, fomos para a aeronave.

Ele ocupou o cokpit (a FAB chama de nacele), no lugar de 2p. O SH-3, em voos de tour de pista, permite que se voe com um só piloto, fazendo demonstração para a pessoa que ocupa o assento do 2p; em

70

voos normais é obrigatório dois pilotos qualificados. Acomodado no cokpit, o nosso convidado olhou para o painel e me disse: “igual ao das aeronaves que voei, só estou estranhando é a falta de asa.” – Mas ela está aqui, acima das nossas cabeças, disse eu.

Aquilo que alguns chamam de hélice, são na realidade as nossas asas rotativas, as pás do nosso rotor, que é o aerofólio simples, pois, ao contrário dos aviões, não temos nas nossas asas flaps, slots, nem spoilers.

O helicóptero, desde o instante em que engaja o rotor, está na rotação programada, voando mesmo no solo. Da mesma forma que o avião, não pode perder a velocidade de seu deslocamento, se não stola, ou seja, perde a sustentação; então, o helicóptero não pode perder a rotação.

Da mesma forma que o avião, o helicóptero está sujeito a quatro forças, a

Revista do Clube Naval • 390

CÊNCIAS

saber: sustentação lift, gerada pela rotação do rotor principal; as suas asas rotativas, pelo seu peso weight. Sua estrutura, fuselagem, equipamentos, motores, combustível e carga, formam o payload. A outra força é o power, decorrente da decomposição do lift em dois componentes: um horizontal, que dá o deslocamento, e outro vertical, que mantém a sustentação. Para isso, quando o helicóptero se descola, o piloto tem que aumentar a potência. Aí entra em função o rotor de cauda, que compensa o torque. Se não compensar com os pedais, o torque tende a girar o helicóptero no sentido contrário do giro do rotor principal em S, deslocando o rotor de cauda ainda se comporta como se fosse um leme. A última força é o drag, ou seja, a resistência. Quando se iguala à power, vamos ter velocidade constante.

Quando o power é maior que o drag, há incremento de velocidade, quando é menor, temos diminuição de velocidade.

Os comandos do helicóptero são: o Coletivo que comanda as pás coletivamente, alterando o seu ângulo de ataque por igual; é responsável por aumentar ou

Revista do Clube Naval • 390

diminuir a sustentação. O outro é o Cíclico, que comanda um ângulo de ataque das pás de forma diferenciada ao longo do seu giro, o que faz que o disco de sustentação, gerado pelas pás, se incline para o lado que o piloto desejar. É aí que a sustentação, sempre perpendicular ao helicóptero e ao disco gerado, se decompõe em dois componentes: um horizontal, o power, e o outro vertical, o lift. Evidentemente que nessa força perpendicular, o lift principal precisa ser incrementado. Esperamos que essa explicação dê para entender a aerodinâmica do rotor.

Enquanto o avião voa porque gera o seu vento relativo, se deslocando com velocidade pela pista de decolagem, recebendo ainda o auxílio do vento real existente na área, o helicóptero também se utiliza do vento relativo gerado pela rotação das suas asas rotativas, também recebe o auxílio do vento real existente na área, e quando está muito pesado e se dispõe de uma pista, ainda se beneficia do vento gerado pelo seu deslocamento: decola feito um avião. Assim, o helicóptero obtém a sustentação pelo vento relativo às suas pás, pela

71

rotação e pelo vento real na área, e tem um incremento pelo seu deslocamento.

Decolamos como helicóptero, puxando no hoover ou voo librado, e uma vez que tudo estava normal, demos nariz e iniciamos o voo, saímos da BAENSPA, sobrevoamos a lagoa e rumamos para a praia de Maçambaba, voltamos para a Base e pedimos à Torre para fazer um pouso corrido. Em seguida decolamos corrido como se fora um avião, fizemos mais um sobrevoo de área e fomos para pouso num campo próximo. Alertamos nosso convidado que o piloto de helicóptero, por posar e decolar em qualquer terreno, requer muito mais atenção que os pilotos de avião, que decolam e pousam em pistas com informações de vento (direção e intensidade) e outras pertinentes, enquanto os pilotos de helicópteros têm que checar tanto a direção do vento, como adivinhar a sua intensidade, e prestar muita atenção aos obstáculos.

Isso faz a diferença. Os Helos Drivers como gostam os americanos de nos chamar, não são melhores e nem piores do que os asas fixas, apenas diferentes.

Voltamos a BAENSPA, pousamos, cortei o rotor, e no procedimento comandei a dobragem das pás e cortei o motor remanescente, encerrando o voo.

Recebi os cumprimentos do Coronel por ter gostado muito do voo, e de como aquela “geringonça” voava, mas disse que não me ofendesse, pois tinha feito tudo certo enquanto voávamos, mas que tanto a decolagem quanto o pouso, fiz de forma errada. Pedi que me explicasse, e ele respondeu: “Você decolou de nariz para baixo e pousou de nariz para cima”, o que era inaceitável para uma velha águia, como ele. n

ági p a im

na

Comandante

ú lt

Tenório A C Alte (Ref) Domingos pacífico Castello Branco ferreira*

CARO AMIGO

última vez em que tivemos um encontro mais demorado foi no restaurante do piraquê, há alguns anos. Era um dos almoços periódicos de turmas e eu estava sentado, mais ou menos, no meio da mesa. Você se aproximou por trás e colocou as mãos nos meus ombros impedindo que me levantasse. E assim ficou por alguns minutos cumprimentando os colegas mais próximos, até que pude ficar de pé para um abraço firme e carinhoso. Foi puxada uma cadeira e ficamos conversando por algum tempo.

Depois disso, nos vimos na missa de sétimo dia do querido colega Carlinhos, onde você, já com dificuldade de locomoção, mas com grande presença de espírito, fez os presentes rirem, contando “causos” do inesquecível “Charlot”... Que deve ter apreciado muito de onde ele está.

O Comandante Tenório teve um desempenho extraordinário, como Diretor Cultural do nosso amado Clube Naval, nos quatro anos (1997-2001) em que, juntos, tivemos a honra de dirigi-lo.

Na ocasião, a vetusta e bela sede social, de 1910, estava se deteriorando, rapidamente, na tentativa de absorver um quadro social muitas vezes maior ao existente no início do século XX. Daí, decorreu a decisão de adquirir dois

andares e doze vagas de garagem em um prédio moderno próximo, na avenida Almirante Barroso. Para lá, foram transferidos vários setores administrativos do clube, liberando espaços na sede original.

Tal medida possibilitou atingir-se o objetivo de a sede abrigar somente atividades de direção superior, sociais e culturais. Além disso, foi levada a termo uma completa revisão e restauração do prédio da sede.

Nesse afã, o 5º andar foi todo destinado ao departamento cultural e entregue ao Comandante Tenório, ao qual ele se dedicou com coração, engenho e arte.

O resultado foi magnífico, como pode se constatar, tanto pelas instalações, como no elevado nível das atividades culturais, abrangenndo música, artes plásticas, etc...

Além disso, cabe ressaltar a qualidade da biblioteca e dos instrumentos de divulgação, convergindo na “Revista do Clube Naval”.

Nesse contexto, destacou-se a criação do “Círculo Literário do Clube Naval”, com instalações adequadas à suas várias expressões, incluindo

a outorga dos prêmios “Jaceguai” e “Tamandaré”, e consolidadas pela publicação periódica do folheto “Mare Nostrum”.

Contudo, dentre todas as realizações do colega Tenório, no departamento cultural, o marco maior foi a construção do auditório, em tamanho adequado para atender às suas múltiplas atividades. Foi desse ambiente e espírito, que a diretoria do clube decidiu homenageà-lo dando seu o nome à sua obra.

Parabéns, querido companheiro!

Além do intenso desempenho no departamento cultural, o Comandante Tenório era muito atento e participante na diretoria, onde sua voz, com sinceridade e bom senso, era ouvida e respeitada.

Ele estava sempre disponível para colaborar, como o fez no projeto da “Nau Capitânia”, quando faltaram recursos devido ao choque financeiro de desvalorização, em 60%, da nossa moeda, ao final de 1998.

Tenório era amigo de infância do vice -presidente Marco Maciel e fomos, juntos, à Brasília tentar o apoio federal para o projeto, o que foi concedido.

Contudo, o desembolso, por várias razões políticas, ocorreu em ritmo muito lento, atrasando sua conclusão.

Irmão de fé Tenório Já me alonguei neste texto, e não quero lhe incomodar mais. Contudo, as coisas aqui embaixo estão se complicando e meu tempo diminui rapidamente. Por isso, aproveito para lhe fazer um pedido.

Na certeza de que você fez boas relações com São Pedro, peço-lhe interceder a meu favor junto à autoridade, para: • me deixar entrar; • nós ficarmos juntos, no seu camarote; • meu beliche ser o de cima, com vista pela vigia.

Até breve.

Um abraço, Domingos n

Comandante Tenório e a esposa Cleide.

Carinhosamente, ele a chamava de Cleidinha.

*domingos860@gmail.com 72

Revista do Clube Naval • 390

7 de julho

39ยบ aniversรกrio do

Ingresso da Mulher na Marinha do Brasil