Design e Indústria: novas mercadorias e seu valor agregado

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

DEPARTAMENTO DE ARTES – DESIGN, BACHARELADO DESIGN E INDÚSTRIA – PROFESSOR RODRIGO BOUFLEUR

Design e indústria: novas mercadorias e seu valor agregado1

Clara Wanderley2

O Movimento “Faça Você Mesmo” (FVM) presente no cotidiano e na indústria

contemporânea transforma os antigos consumidores passivos em produtores mais ativos: os

novos “Makers”. Consumidores que têm desejo e capacidade de criar, passam a ter a possibilidade de se tornarem verdadeiros criadores e proporciona diversas condições para que façamos nossos

próprios produtos, que podem entrar em circulação no mercado, tornando-se, então, mercadorias. Isso só se dá por meio de alternativas independentes que surgem devido à

democratização das comunicações e ferramentas de produção, ou seja, de uma melhor distribuição dessas ferramentas, pondo-as nas mãos de quem poderá aproveitá-las melhor.

Esse crescente e novo ramo de criadores também pode ser chamado de “artesãos

industriais”. Isso significa dizer que eles não procuram atender às exigências do mercado nem das empresas, mas sim o desejo e as necessidades das pessoas, assim como não buscam grandes resultados lucrativos, ou não têm pretensão de construir novas grandes empresas. O objetivo desse grupo de pessoas e do Movimento FVM é que mais pessoas consigam produzir mais mercadorias de qualidade, para atender às demandas encontradas.

Por serem indivíduos ou pequenos grupos de pessoas, produzem suas mercadorias em

pequenos lotes, porém podem ser cada vez mais e mais customizados. Isso torna seus produtos cada vez mais específicos, aumentando a demanda pelos bens especializados. Segundo Chris

Anderson (2012, página 79) “O interessante é que a hiperespecialização não é necessariamente

estratégia de maximização do lucro, mas, sim, algo que seria mais bem interpretado como estratégia de maximização do significado (meaning-maximizing)”. Este é um dos fatores que agregam valor às mercadorias, tema que será amplamente abordado e exemplificado neste texto.

Quanto mais produtos customizados e que agradam os consumidores são feitos por esses

pequenos empreendedores, como está acontecendo nos dias de hoje, menos se perceberá a necessidade de financiamento das grandes empresas, tornando o mercado cada vez mais alheio

às indústrias e cada vez mais autossuficiente. Isso demonstra como o controle dos meios de

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https://issuu.com/clareia/docs/di_mercadorias_e_valor_agregado clarawoa@gmail.com

produção está, cada vez mais, nas mãos do público, das pessoas, e não das empresas e indústrias,

como uma vez fora. Assim, amplia-se os “efeitos de rede” em escala maciça, ou seja, aumenta-se ainda mais o ciclo virtuoso presente no Movimento Maker, onde a cultura colaborativa se faz

fortemente presente: quanto mais pessoas se juntam, mais ideias são formuladas e, portanto, mais (e novos) valores são gerados.

A procura por bens especializados transforma essas mercadorias específicas em produtos de nicho – objetos produzidos principalmente pelos Makers, destinados a públicos-alvo

extremamente restritos e exigentes – e encaixa-se no que se chama “economia da felicidade”, onde as pessoas procuram, de fato, a satisfação nas mercadorias que consumirem. Por esses

fatores, é permitido que sejam postos nesses produtos de nicho, preços mais elevados. Isso só é

possível porque as pessoas para as quais esses produtos são realmente projetados, se mostram dispostas a pagar tal preço, devido a sua excelente qualidade, ao bom serviço e à satisfação pessoal.

Esses fatores entram no que se chama “poder da singularidade”, que opõe-se à produção

em massa. Quando o consumidor encontra-se frente a um produto singular, único, de altíssima qualidade, ou a um serviço de excelência, e que não poderá ser encontrado em outros locais ou

adquirido por outras pessoas muito facilmente, ele aceita o preço imposto, sem questioná-lo muito e, muitas vezes, até achando-o justo, pois houve nele uma maximização de seu significado, resultando no aumento de seu valor agregado e, consequentemente, no seu valor de troca.

[...] Esse modo de ser da mercadoria como valor de uso coincide com sua existência natural palpável. [...] O valor de uso só tem valor para o uso, e se

efetiva apenas no processo de consumo. O mesmo valor de uso pode ser

utilizado de modos diversos. Contudo, a soma de suas possíveis utilidades está resumida em seu modo de existência como coisa com propriedades

determinadas. [...] O valor de uso é diretamente a base material onde se apresenta uma relação econômica determinada – o valor de troca.

O valor de troca aparece primeiramente como relação quantitativa em que valores de uso são trocáveis entre si. Em tal relação formam eles a mesma

grandeza de troca. [...] Totalmente indiferente, portanto, ao seu modo natural de

existência, e sem consideração à natureza específica da necessidade para a qual são valores de uso, as mercadorias cobrem-se umas às outras em quantidades determinadas, substituem-se entre si na troca, valem como equivalentes e,

apesar de sua aparência variegada, apresentam a mesma unidade. (MARX, KARL. 1859, páginas 31-32)

Pelas definições de Marx quanto aos valores de uso e de troca, podemos perceber nessas

situações que, o valor de uso desta mercadoria, na verdade, não se alterou, pois ela continua sendo-se em suas qualidades e utilidades. Contudo, o seu valor de troca sofreu um aumento bastante significativo, apenas modificando a percepção que os consumidores têm sobre

determinado produto, ao compará-lo com outras mercadorias, que possuem outras situações de

produção e significância. Os conceitos de Marx serão ainda importados e postos em discussão neste texto, mais adiante.

Outro aspecto importante na construção de valor agregado é a participação dos próprios

consumidores no processo de produção da mercadoria. Anderson (2012, página 80) explica que “Ainda mais importante, as pessoas tendem a atribuir mais valor a produtos de cuja criação terem

participado, seja montando um kit, seja estimulando, on-line, os próprios criadores.” É o chamado “Efeito IKEA”, por ser um conceito brandamente explorado pelas lojas de decoração e mobiliário,

como a IKEA. Neste exemplo, os consumidores vão até as lojas ou adquirem os produtos on-line, mas recebem-no desmontado, para que possam, eles mesmos, ter a experiência da montagem e sentirem-se participantes da produção daquele objeto e, assim, agregar-lhe ainda mais valor.

No texto da Nova Revolução Industrial, de Chris Anderson, é citado um outro exemplo muito interessante, que nos ajuda a perceber a importância que os consumidores dão à essa

participação. Só quando uma alteração no produto permitiu a interação do consumidor na hora da montagem, é que ele foi realmente aceito com sucesso no mercado.

Quando as misturas para bolo foram lançadas, na década de 1950, como parte de tendência mais ampla de simplificar a vida das donas de casa americanas

minimizando o trabalho manual, a primeira reação das mulheres foi de resistência: as misturas facilitavam demais a culinária, fazendo seu trabalho e

suas habilidades parecerem menos valiosos. Em consequência, os fabricantes

mudaram a receita, que passou a exigir a adição de um ovo; embora haja muitas razões para que essa mudança aumentasse a subsequente aceitação do

produto, o acréscimo dessa contribuição adicional à tarefa pareceu ser ingrediente crucial. (ARIELY, DAN apud ANDERSON, CHRIS. 2012, página 80)

Podemos mencionar aqui, também, outro conceito que Marx explica sobre valores de troca e como eles são construídos. “[...] Ou importa saber antes qual é o modo de ser quantitativo daquele trabalho, porque as diferenças de grandeza das mercadorias como valores de troca são

apenas diferenças de grandeza do trabalho objetivado nelas. Já que o modo de ser quantitativo do movimento é o tempo, assim o modo de ser quantitativo do trabalho é o tempo de trabalho” (MARX, KARL. 1859, página 33). Ele explana o conceito de que o tempo de trabalho destinado àquela mercadoria é o que define seus valores de troca.

O tempo de trabalho objetivado nos valores de uso das mercadorias é tão

exatamente a substância que os torna valores de troca, e daí mercadorias, como

também mede sua grandeza determinada de valor. As quantidades correlativas de diversos valores de uso nos quais se objetivou o mesmo tempo de trabalho

são equivalentes, isto é, todos os valores de uso são equivalentes nas

proporções em que contém o mesmo tempo de trabalho acabado, objetivado.

Como valor de troca, todas as mercadorias são apenas medidas determinadas de tempo de trabalho coagulado. (MARX, KARL. 1859, página 33).

Podemos dizer que esse tópico se volta para o artesão industrial – ou seja, aquele indivíduo que produz bens especializados, em um ambiente mais local, numa escala de pequenos

lotes, mas que atende às demandas de um ou vários consumidores de nicho – e o tempo de trabalho que ele dedica à produção de seus produtos, tornando-o mais valorizado, por ser um

trabalho mais singular, com menos presença de maquinarias industriais, mais máquinas de fabricação pessoal e que atende às necessidades reais dos consumidores, e não às exigências lucrativas do mercado. Mas também podemos englobar nessa definição o trabalho que o próprio

consumidor acaba executando, também agregando mais valor àquele produto, não só por

identificar nele um trabalho qualificado de outrem, mas por aplicar nele seu próprio trabalho, percebendo o tempo e os gastos necessários para sua construção, mesmo que parcialmente.

Todas essas concepções e formulações são o que, aos poucos, vão construindo a

transformação que estamos vivendo na indústria: A Nova Revolução Industrial. Acontece,

portanto, uma inovação de baixo para cima: promovida e impulsionada por inúmeros indivíduos, amadores, pequenos empreendedores, trazendo para o foco dos meios de produção, o público, libertando a economia do poder e monopólio das grandes redes industriais. “Em conjunto, todos esses novos produtores reinventarão a economia industrial”. (ANDERSON, CHRIS. 2012, página 255)

Referências Bibliogáficas Anderson, Chris. A Nova Revolução Industrial: Makers. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012 Marx, Karl. Para a Crítica da Economia Política. Berlim, 1859