dossier sobre bioenergia
biomassa: uma aposta de peso rumo à descarbonização A problemática do aumento da temperatura do planeta, provocado pelo aumento exponencial das emissões de gases de efeito de estufa (GEE), não é de agora. Já em 1896, Svant Arrhenius, químico sueco galardoado com o Prémio Nobel de Química em 1903, propôs uma relação entre as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera e a temperatura global. Géssika Morgado INEGI – Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial
O artigo intitulado “On the influence of carbonic acid in the air upon the temperature of the ground” sugeria que uma concentração de CO2 atmosférico duas vezes superior à que se registava naquele período poderia provocar um aumento de 5 ºC na temperatura da Terra. A descarbonização da produção de energia elétrica, aliada à eletrificação da indústria e da mobilidade, através de fontes de energia renovável constitui um processo complexo e muitas vezes pouco viável, técnica e financeiramente. Indústrias como a vidreira, siderúrgica e cerâmica, por exemplo, não dispõem de alternativas tecnológicas viáveis para eletrificação dos seus processos ou de uma relação custo-benefício razoável, devido às elevadas necessidades de energia térmica.Todavia, descarbonizar é determinante para potenciar a redução das emissões de GEE e o combate às alterações climáticas. Como? As tecnologias de conversão da energia química da biomassa têm vindo a ser cada vez mais exploradas como uma solução. A bioenergia, definida no Decreto de Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, como a fração biodegradável de produtos, resíduos ou detritos de origem biológica provenientes de agricultura, incluindo aquicultura, bem como resíduos industriais e urbanos, é o único recurso energético renovável que contém carbono e que pode ser considerado emissor neutro de CO2, obtido a partir da biomassa. Os 3 principais combustíveis processados sob a categoria de bioenergia são o bioetanol, biodiesel e o biogás. O potencial energético e químico dos resíduos de origem alimentar, florestal, do cultivo agrícola e da pecuária é substancial, assim como o efeito na economia, favorecendo o aumento da empregabilidade e o desenvolvimento de pequenas comunidades. Porém, apesar de, por definição, a bioenergia conter carbono na sua composição, abre-se a discussão sobre o enquadramento do hidrogénio obtido por meio da gasificação da biomassa, nesta classificação. Em 2009, a Diretiva das Energias Renováveis RED I permitiu definir metas para os anos de 2010 a 2020 e requisitos de sustentabilidade e redução de GEE, tendo em conta a promoção da produção e consumo de biocombustíveis e bio-líquidos. Esta diretiva foi revista e atualizada uma vez que a promoção da utilização de biocombustíveis agrícolas provocou o aumento da desflorestação para cultivo da palma para produção de biodiesel. Em 2018 foi então publicada a RED II para o período compreendido entre 2021 e 2030, com o intuito de promover o consumo de energia proveniente de fontes renováveis com requisitos para setores da bioenergia, nomeadamente a produção de biogás e utilização de biocombustíveis sólidos ou gasosos. A RED II para além de revogar o apoio aos biocombustíveis 40
tradicionais, usualmente obtidos a partir de culturas alimentares e com elevado risco de desflorestação, também estipula os requisitos em termos de matéria-prima, para que um biocombustível seja considerado “avançado” e realça o papel preponderante desta alternativa renovável, incentivando a sua produção e utilização. Segundo a Diretiva 2009/72/CE, os biocombustíveis avançados são definidos como biocombustíveis produzidos a partir das matérias-primas enumeradas no Anexo IX, Parte A, que incluem, desde a fração de biomassa de resíduos urbanos mistos e industriais impróprios para uso na cadeia alimentar humana ou animal, palhas, estrumes, bagaço e cascas, até aos óleos alimentares usados e gorduras animais. A produção nacional de biocombustíveis equivale atualmente a cerca de 90% do volume de biocombustíveis declarados, sendo o restante proveniente de importação. Em 2020, a produção atingiu os 301 392 m3 de biodiesel e diesel verde (óleo vegetal hidrotratado, HVO). Já o consumo de gasóleo e biodiesel rondou os 3 939 796 e 317 949 m3, equivalendo a 3961 e 248 tep, respetivamente. Em 2019, a produção total de resíduos urbanos (RU) foi de 5,3 milhões de toneladas (97% no continente, 3% nas ilhas). Portugal ainda deposita anualmente em aterro cerca de 3 milhões de toneladas de RU, em alguns casos com o aproveitamento energético do biogás libertado durante o tratamento. Uma das metas estabelecidas e aprovadas pela União Europeia (EU) estipula a redução da deposição de RU em aterro até um máximo de 10% da quantidade total de RU produzida, até 2035. Relativamente às emissões de GEE, em 2019 7,2 % foram provenientes da gestão de resíduos urbanos, sendo 6,8% provenientes do metano libertado em aterros sanitários. Até 2007, o biogás em Portugal era maioritariamente obtido em aterros sanitários uma vez que as medidas de gestão de resíduos urbanos promoviam a deposição destes. Após alterações à legislação vigente com o intuito de limitar a deposição de RU em aterro, instalações de digestão e codigestão anaeróbia de efluentes como lamas de Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), resíduos industriais, urbanos e do setor agropecuário começaram a entrar em funcionamento, provocando um aumento da produção de biogás para utilização em centrais de cogeração. O aumento da eficiência da utilização dos resíduos para obtenção de bioenergia pode ser alcançado pela purificação do biogás em biometano, o qual, após compressão ou liquefação, pode ser armazenado, injetado diretamente na rede de gás natural, ou distribuído por postos de combustíveis veicular ou