dossier sobre bioenergia
a bioenergia é a solução ou um novo problema? Num cenário de emergência climática, a União Europeia adotou nos últimos anos um conjunto de propostas legislativas com o objetivo de tornar as políticas europeias em matéria de clima, energia, transportes e fiscalidade aptas para alcançar uma redução líquida das emissões de gases com efeito de estufa de, pelo menos, 55 % até 2030, em comparação com os níveis de 1990. Mas a ambição tem um preço, e a aposta na bioenergia demonstra que este é muito elevado. Nuno Forner ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável
Quando se fala em bioenergia, esta é a designação para a energia obtida a partir da biomassa, para produção de calor, eletricidade ou biocombustíveis para motores de combustão. As principais fontes de bioenergia são provenientes de matérias-primas como a madeira e subprodutos, para produção de calor e eletricidade, culturas alimentares, como por exemplo a colza, a soja, a palma e milho, ou resíduos como os óleos alimentares usados, gorduras animais, e outros resíduos orgânicos da indústria, para a produção de biocombustíveis. Até recentemente a Diretiva das Energias Renováveis, revista em 2018, era um dos instrumentos fundamentais nesta batalha, ao estabelecer uma meta de 32% de energia proveniente de fontes renováveis na União Europeia para 2030, mas hoje por força dos acontecimentos outras variáveis foram adicionadas à equação. A crise climática e a recente situação de pandemia obrigaram a pensar numa alteração de paradigma europeu, com o Pacto Ecológico Europeu e com o Objetivo 55, agora em reação ao conflito resultante da invasão da Ucrânia por parte da Rússia, a Comissão Europeia apresentou o plano – Repower EU. Este estabelece uma série de medidas para reduzir rapidamente a dependência dos combustíveis fósseis russos e acelerar a transição verde, ao mesmo tempo que aumenta a resiliência do sistema energético de toda a UE. Mas de forma transversal a bioenergia é vista como parte da solução. É consensual que no atual cenário europeu urge efetuar uma rápida transição para uma energia mais limpa na UE, bem como acabar com as importações
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de energia da Rússia, no entanto é premente manter uma posição baseada na ciência, algo que tem sido constantemente relegado para segundo plano. Diz-nos a experiência da última década que, aquilo que era uma boa intenção, ou seja investir em bioenergia como forma de redução das emissões de gases de efeito de estufa (GEE) com a incorporação de biocombustíveis nos combustíveis fosseis que abastecem os veículos que circulam nas estradas europeia, assim como a produção de energia a partir de uma alegada biomassa florestal residual, mostrou ser um verdadeiro pesadelo. Uma solução que resultou numa cascata de problemas. Quais os problemas da bioenergia? Se poderíamos pensar que a bioenergia seria a solução para a redução do problema das emissões de GEE, constata-se que esta é um contribuinte líquido muito importante para agravar o problema das alterações climáticas. A queima de madeira emite ainda mais CO2 por unidade de energia do que os combustíveis fósseis: “globalmente, por cada quilowatt-hora de calor ou eletricidade produzida, a utilização de madeira é suscetível de acrescentar duas a três vezes mais carbono na atmosfera do que a utilização de combustíveis fósseis”.[1] É verdade que as árvores acabam por voltar a crescer, no entanto pode levar décadas ou até mesmo séculos até que esse carbono que foi libertado esteja de novo sequestrado. Entretanto esse acréscimo de CO2 permanece na atmosfera, contribuindo para o aquecimento global. Acresce que a nível da UE, 60% da bioenergia é produzida através da queima de madeira, e cerca de metade desta madeira é obtida diretamente das florestas [2]. Isto significa que a UE está a destruir as nossas florestas para as queimar e obter energia e não a aplicar a necessária cascata de resíduos no âmbito da tão apregoada economia circular. A procura crescente de madeira para queimar energia coloca uma pressão adicional, sendo expectável que até 2026 a UE perderá 11% do seu “sumidouro de carbono” florestal em comparação com o período entre 2016-2018 [3]. Isto sem falar da importação de madeira fora da EU. Para além disso, a ameaça sobre a biodiversidade é real. O abate de florestas ameaça as espécies locais, destruindo o seu habitat. O corte de árvores ocorre inclusive em áreas classificadas para proteger florestas e espécies raras e ameaçadas [4], como são exemplo a Estónia e Letónia.