a nuvem de poeira vinda do Saara e o recurso solar

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investigação e tecnologia

a nuvem de poeira vinda do Saara e o recurso solar OS DADOS DE OBSERVAÇÃO DA TERRA, TAL COMO O ALGODÃO, NÃO ENGANAM.

Entre os dias 15 e 17 de março vimos o céu em Portugal e em parte de Espanha e França “pintado” de tons de laranja e cinzento (chegando em alguns casos a parecer uma cena tirada de um filme). Um fenómeno que a poucos passou despercebido, tal o impacto visual e mediático1,2,3,4. Rodrigo Amaro e Silva Investigador na Universidade MINES ParisTech (França)

A causa foi prontamente divulgada pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA)5: tratava-se de uma suspensão de poeiras vinda do Deserto do Saara, levantada por ventos fortes no norte de África e trazida por um fluxo vindo de Sul (ambos devido à presença de uma tempestade tropical, a depressão Célia). Foram várias as consequências deste fenómeno, tais como menor visibilidade, degradação da qualidade do ar, ou uma redução da produção de energia solar. Para aqueles que queiram ter uma visão geral sobre o tema, sugiro a leitura de um texto6 escrito pela investigadora Alexandra Monteiro da Universidade de Aveiro. Do meu lado, e tendo em conta o público-alvo desta revista, vou focar-me nos impactos deste fenómeno no solar. Começo por partilhar alguns números impressionantes das Redes Energéticas Nacionais (REN) trazidos a público pelo Jornal de Notícias7: este episódio levou a uma quebra de cerca de 50% em média na produção de energia solar fotovoltaica (52%, 72% e 23% nos dias 15, 16 e 17, respetivamente). Mas o que levou a esta quebra, exatamente? A consulta de qualquer fotografia que documente

“Tempestade Célia empurra poeira do Sara para Portugal”, Jornal Público (Carolina Amado), 15/03/2021.

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“Céu laranja. Poeira do Saara atinge Península Ibérica e pode chegar ao norte da Europa”, TSF (Rita Carvalho Pereira), 15/03/2021.

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“As poeiras de África estão de volta. Vamos fotografar o céu?”, Jornal Público/P3, 15/03/2021.

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“Europa sob efeito de poeiras do norte de África”, Rádio Renasceça/Lusa, 16/03/2021.

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“Poeiras em suspensão”, IPMA, 15/03/2021.

6 “Quando o céu, em vez de azul, nasce acastanhado”, Universidade de Aveiro (Alexandra Monteiro), 15/03/2021.

“Poeiras reduziram produção de energia solar em 50%”, Jornal de Notícias (Joana Amorim), 22/03/2021.

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Figura 1 Foto de Lisboa tirada nos dias 14, 15, e 16 de Maço. É notória a alteração da cor do céu e da perceção das cores da envolvente. Fotografias originais de Rosinara Ferreira, montagem por Leonardo Amaro e Silva..

este acontecimento durante o dia (Figura 1) permite-nos chegar a uma resposta qualitativa: a perceção condicionada que temos da cor, brilho e visibilidade indicam-nos que esta camada de poeira levou a que uma menor quantidade de radiação solar, a que informalmente chamamos de “luz solar”, chegasse à superfície terrestre8. Importa então começar por fazer uma análise quantitativa mais a montante, focada no recurso solar e na compreensão da magnitude deste impacto. Para tal, tornam-se fundamentais os dados de observação da Terra – informação recolhida com a intenção de monitorizar e avaliar o estado do planeta. O Serviço de Monitorização da Atmosfera Copernicus9 (do inglês “Copernicus Atmospheric Monitoring Service”, CAMS) é um bom ponto de partida

Ao interagir com a camada de poeira, parte da radiação solar é absorvida e outra parte refletida de volta para a atmosfera.

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CAMS, página web oficial: https://atmosphere.copernicus.eu/


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