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revisão da regulamentação para o autoconsumo abre portas às Comunidades de Energia Renovável
Madalena Lacerda
APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis Tel.: +351 213 151 621 comunicacao@apren.pt. www.apren.pt
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Em maio de 2021 assistimos a importantes avanços no setor da eletricidade renovável em Portugal, pela revisão do regulamento para o Autoconsumo de Energia Elétrica. O setor vê finalmente introduzidas alterações à regulamentação nacional, que permitem dinamizar outras modalidades de autoconsumo dando um passo mais à frente na transposição da visão europeia, assegurando o direito dos autoconsumidores poderem produzir, armazenar, partilhar e vender eletricidade. Passam a estar definidas as bases regulamentares para a integração de dispositivos de armazenamento de energia renovável em sistemas de autoconsumo com ligação à rede elétrica de serviço público, uma solução que abre portas para a participação ativa dos cidadãos na transição climática e energética, quer individualmente, quer por partilha através de um sistema de autoconsumo coletivo ou através de uma comunidade energética. A integração destes novos intervenientes vem também ajudar no cumprimento das exigências da Diretiva das Energias Renováveis relativa ao desempenho energético dos edifícios, que define que os edifícios novos devem ter necessidades quase nulas de energia e que se deve facilitar a transformação rentável dos edifícios existentes em edifícios com necessidades quase nulas de energia. Acrescenta-se ainda que para promover a integral participação ativa dos consumidores falta eliminar as barreiras ao nível da adequação e regulamentação do mercado de serviços de sistema. Desta forma pode ser criada uma abertura para a implementação de novos modelos de negócio e desbloqueadas novas fontes de receita para os participantes. Deverá ser dada a oportunidade aos serviços de agregação de prestarem serviços de sistema essenciais para a estabilidade, adequação e adaptação da rede elétrica ao novo paradigma energético, de forma custo-eficaz, ou seja, desbloqueando a sua total potencialidade no que será o papel da geração distribuída no futuro, sem onerar os sistemas. Para além disso, este regulamento traz clarificações muito úteis, nomeadamente o facto de um autoconsumidor poder participar numa Comunidade de Energia Renovável (CER) enquanto consumidor e/ou enquanto produtor, dependendo do sentido do fluxo de eletricidade medido a cada 15 minutos. Estabelece ainda as regras para partilha da eletricidade produzida pelas instalações de produção e sistemas de armazenamento integrados num Autoconsumo Coletivo (ACC), assim como para os encargos e receitas da injeção na rede e venda em mercado. São permitidas duas abordagens distintas para a partilha em ACC, quer através de coeficientes fixos; quer através de coeficientes proporcionais, calculados em proporção dos consumos medidos a cada 15 minutos. A par destas soluções está previsto o teste a novas regras de partilha por parte do Operador de Rede, que deverá avaliar a implementação de modelos inovadores, nomeadamente baseados em algoritmos hierárquicos e em coeficientes dinâmicos de partilha.
O regulamento dá ainda abertura ao desenvolvimento de projetos-piloto que visem testar a viabilidade técnica e económica de inovações tecnológicas a enquadrar no setor do autoconsumo ou CER, abrindo portas regulatórias para a sua implementação. Contudo, existe ainda um longo caminho a percorrer para garantir um enquadramento jurídico e de mercado encorajador e justo para todos os intervenientes. De acordo com o atual regime regulamentar, os sistemas de armazenamento são vistos como instalações de produção ou consumo consoante o comportamento dominante do armazenamento em cada período quarto-horário. Sendo que do ponto de vista tarifário é exigido o pagamento das tarifas de acesso à rede, quer na extração quer na injeção de eletricidade no armazenamento. Esta situação é totalmente inaceitável e contrária às disposições impostas pela Diretiva Europeia das Energias Renováveis, e cria condições diferenciadas que podem afetar a competitividade dos sistemas na prestação de serviços à rede, quando comparados com as hidroelétricas com bombagem, que não são sujeitas ao pagamento de tarifa de acesso à rede para o consumo. Para além disso, é importante sublinhar que a metodologia de partilha selecionada incide sobre o sistema de armazenamento. Por exemplo, no caso de uma partilha proporcional, a eletricidade produzida pelas instalações de produção é distribuída proporcionalmente entre as instalações de consumo e armazenamento, o que impõe limitações aos autoconsumidores na gestão otimizada dos sistemas de armazenamento, impedindo-os de participar livremente nos mercados de eletricidade, o que poderia contribuir para assegurar a rentabilidade dos projetos de autoconsumo com armazenamento. A revisão deste regulamento constituía ainda uma oportunidade, não aproveitada, para fundamentar e aprofundar conceitos que foram vagamente ou insuficientemente descritos no Decreto-Lei n.º 162/2019. Nomeadamente, conceitos como a “rede interna” e a sua relação e alinhamento com definições já estabelecidas em legislação nacional, como é o caso da “rede de distribuição fechada”, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 215-A/2012. Teria sido igualmente oportuna a fundamentação de soluções como a “comercialização entre pares”, para a qual fica ainda por clarificar o modo como esta será operacionalizada. Existe, por tanto, um leque de medidas, soluções e melhorias que devem ainda ser implementadas, contudo, nesta fase é essencial eliminar as barreiras ao nível da operacionalização e ir ganhando experiência, e mantendo o regulamento um elemento dinâmico que vai sendo corrigido com aprendizagem do setor. Destaca-se por último, que os desenvolvimentos têm sido positivos, continuando Portugal a caminhar no sentido da democratização e descarbonização do setor energético, e de uma transição justa e sustentável.