editorial
a lição que insistimos em não querer aprender Amadeu Borges Diretor
Em 4 anos, muito se escreveu sobre a tragédia. Diversas boas iniciativas foram lançadas e outras, sem qualquer mérito, permitiram situações de suspeita de má aplicação de apoios. Sem espaço para qualquer dúvida, nenhum valor poderá ser atribuído à perda de uma vida humana e esta sentença deveria ter sido o mote para uma nova política em torno da gestão e ordenamento florestal, bem como de responsabilização dos que permitem ou potenciam a ocorrência de incêndios. Quatro anos volvidos, questiona-se sobre o que efetivamente se aprendeu e sobre o que foi feito para contrariar esta situação. Medidas avulsas e muitas vezes sem consequências, colocam-nos num cenário de perigo iminente de repetição, em qualquer ponto deste nosso país. Ressalvando, novamente, que uma vida não tem valor e que este aspeto deveria ter aberto bem os olhos para quem governa os destinos de Portugal, através da adoção de medidas duras e eficazes, outras questões devem ser colocadas, que sendo de valor inferior, não devem ser postas de parte e esperarmos que a memória dos portugueses seja curta. A área consumida, só por este incêndio, foi de 501 quilómetros quadrados, com emissão total de 203,5 toneladas de carbono negro. Assim é neste como em todos os incêndios que ocorrem em Portugal. Tudo somado, são muitos quilómetros quadrados de riqueza (paisagem natural e não só), que se perdem e muitas toneladas de carbono que são emitidas. Adicionam-se as vidas e as expectativas perdidas, para as quais nenhum valor pode ser considerado. Será que já alguém se deu ao trabalho de contabilizar o verdadeiro custo de um incêndio? É que para além do valor que se perde em floresta, deverão ser, também, adicionados todos os custos www.publico.pt/2021/06/17/local/noticia/particulas-incendio-pedrogao-detectadas-alpes-suicos-1966780 1
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No mês em que se contam 4 anos após a tragédia de Pedrógão Grande, lê-se, na comunicação social, que partículas deste incêndio foram detetadas nos Alpes Suíços1. A tragédia assolou o país e evidenciou que, por muito que custe aceitar, estamos muito longe de sermos capazes de uma gestão florestal capaz de evitar, sejam quais foram as causas, tragédias desta natureza.
indiretos, como, por exemplo, a perda na imagem do país que terá um reflexo negativo no turismo ou o trabalho e operação dos bombeiros (que são os únicos heróis nesta história tão negra de Portugal). Quanto vale o valor da perda em recursos endógenos irrecuperáveis ou da energia sem que esta tenha realizado qualquer trabalho útil? Feitas as contas, os incêndios florestais, num país com tantas necessidades, deveriam ser evitados, através de políticas assertivas e a todo o custo. Muito se tem falado sobre as alterações climáticas e das medidas que a sua reversão exige. É assunto diário. E as emissões de carbono resultantes de um incêndio, será que não contribuem para as alterações climáticas? Pelo que se vê, quando partículas do incêndio de Pedrogão Grande são encontradas nos Alpes Suíços, parece que a resposta está dada. Após quatro anos, parece que não aprendemos a lição. Falamos de energia, de emissões de carbono, mas parece que estamos a ver a “pulga em cima do elefante”. Que importa falarmos das emissões produzidas pelos combustíveis fósseis, quando esquecemos que os nossos recursos endógenos, com possibilidade de serem convertidos em energia, ardem? Que importa falarmos de investimentos avultados na área da energia, quando não valorizamos
os nossos recursos florestais de forma correta, sendo que, para isso, está na hora de haver uma gestão florestal integrada, que permitisse a diminuição dos incêndios florestais e a valorização energética dos sobrantes da floresta? Que importa entoarmos cânticos de vitória porque se encerrou, com anos de atraso, uma central termoelétrica a carvão, mas deixamos que a floresta arda de forma descontrolada? Que importa todas as políticas para a diminuição do risco de incêndio, quando as consequências não se traduzem em igual medida à perda resultante? Deixo estas questões com alguma tristeza que não precisarei de explicar. Quantos anos mais vão ser necessários para que não aconteçam tragédias semelhantes, esperando que a perda de vidas nunca mais ocorra? Por último, uma preocupação. Porque será que são publicadas tantas notícias de tantos investimentos, alguns milionários, financiados por dinheiros públicos, em prol do turismo e de uma ou outra área com pseudo-potencial turístico (muitas vezes em aspetos supérfluos, embora realizados em áreas florestais) e não se vêm notícias de investimentos realizados em prol de uma gestão e ordenamento florestal cuidada e mitigadora dos incêndios florestais?