A função dos rituais no processo do luto

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A função dos rituais no processo do luto Psicólogo clínico e especialista em luto

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riar um novo vínculo com o ente querido falecido faz parte do processo do luto que a pessoa enlutada realiza. Este passo consciente é essencial para progredir em direção à aceitação. Os rituais são uma boa forma de reconstruir a conexão emocional com o falecido, tendo uma função terapêutica por si só, porque ajudam a cuidar do sofrimento dos enlutados. O ritual oferece uma estrutura reconfortante e regular, na qual os gestos e atitudes são repetidos, dia após dia. Esse encontro consigo mesmo e com o seu ente querido, nutre e pacifica o vínculo que os une. O ritual é como um marco no espaçotempo onde os pensamentos podem ser organizados, o que lhe permite uma melhor concentração na sua atividade diária.

Um momento de partilhar Os rituais podem ser públicos ou privados. Para rituais públicos, temos a ida ao cemi-

Rui Ribeiro

tério, o colocar flores na campa e fazer a sua limpeza. Ir à missa em memória do ente querido… Podemos escolher celebrações mais pessoais com amigos e familiares, numa data de aniversário, fazer uma caminhada em grupo, um jantar, lançar balões, um concerto de música em memória do falecido.

Um diálogo silencioso Rituais particulares são íntimos. Pode ser plantar uma árvore ou uma flor num local simbólico; criar um pequeno altar com uma vela ao lado da foto do falecido e iniciar um diálogo silencioso com ele todos os dias. Escrever-lhe num caderno reservado para isso; sentar-se nesta ou naquela cadeira com a almofada que ele gostava. O ritual tem o seu poder na sua realidade cadente. Representa uma estrutura fixa benéfica quando tudo à volta da pessoa enlutada vacila.

Com o passar dos dias, um diálogo é estabelecido com o ser desaparecido. Podemos contar-lhe o nosso dia-a-dia. O ritual é o tempo das emoções, de lágrimas, mas também o momento em que meditamos e recarregamos baterias. Ajuda a manter o falecido vivo e cria um novo vínculo pacífico com ele. O ritual permite também fazer a ponte entre o ontem e o amanhã, essa troca silenciosa, essa transição suave, quando o falecido estava cá (ontem) e quando não o veremos mais (o amanhã). O ritual pode de facto evoluir, ser mais discreto durante o luto e às vezes desaparecer. Não há motivo para o manter igual a si mesmo, por vários anos, cristalizando a vida ao seu redor. Seria esvaziá-lo do seu significado.

A aproximação de dois corações Os rituais podem ser partilhados com outros que também perderam o seu ente querido. Por exemplo, reuniões familiares regulares em torno da foto da pessoa querida, acendendo uma vela, onde todos podem falar sobre o falecido, alimentar a sua dor, as suas memórias e lágrimas, num clima de confiança e sem julgamentos. Não só desvanece a dor como cria um novo vinculo entre os vivos, permitindo uma troca emocional, onde é revigorado o sentimento de pertença a uma comunidade, com a perceção de uma grande proximidade entre corações.


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