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vozes do mercado
“regula mentes para Luzes” PORTARIA N.º 138-I/ 2021 DE 1 DE JULHO. Vítor Vajão Eng.º Conselheiro Especialista em Luminotecnia
A recente publicação desta Portaria tem vindo a desencadear comentários desfavoráveis no seio da comunidade luminotécnica, pelo desajuste em relação à realidade do projecto. Para melhor contextualizar a situação vejamos como se situa a arte luminotécnica e a produção de regulamentação. 1. O QUE É ILUMINAR? A evolução da ciência luminotécnica a par dos avanços tecnológicos das fontes de luz, tem determinado e actualizado os conceitos de bem iluminar. Iluminar não mais se limita a criar quantidades de luz em determinados espaços, com maior ou menor uniformidade, mas sim conceber as arquitecturas de luz conducentes a ambiências com emoções e sentimentos provocados, adequados a cada funcionalidade. Com a luz vê-se e sente-se. A luz permite ver, não somente através dos sentidos, mas através da alma. Com ela vemos, mas é a iluminação que permite que se veja aquilo que queremos que seja visto: esta é a tarefa do luminotécnico. Iluminar é trabalhar a luz com conta, peso e medida. As condições de iluminação podem afectar o desempenho de tarefas de três maneiras: pelo sistema visual, pelo timing do sistema circadiano e por alterações do bem-estar e da motivação. Quando recorremos a um luxímetro para avaliar a quantidade de luz incidente num ponto, a informação obtida nada nos diz sobre como nos sentimos nesse ambiente luminoso, no fundo, aquilo que gostaríamos de saber. Tão pouco saberemos sobre a capacidade visual porque estamos a medir a luz incidente e não a reflectida, aquela que vai transmitir informação ao sistema nervoso de formação de imagens. Artigo redigido segundo o Antigo Acordo Ortográfico. www.oelectricista.pt o electricista 79
Na verdade, mais do que criar maiores ou menores níveis de iluminação, há que considerar como se processa a luz reflectida, principalmente nos planos da tarefa, nas verticais envolventes e como se efectua a adaptação visual. Seguindo as leis da natureza, que ao longo de milhões de anos formatou a relação harmoniosa entre a luz solar e a vista humana, verificamos que num ambiente natural e saudável não existem uniformidades de luminâncias no campo visual: a capacidade visual é ditada por contrastes de luz e sombra e não pelas quantidades de luz (e quando ela é demais até usamos óculos escuros). Num dia de céu limpo sentimo-nos bem, porque existem contrastes no campo visual que acentuam tridimensionalidades e perspectivas, enquanto num dia de céu nublado, com a luz uniforme sem sombras marcantes, a ambiência torna-se monótona e cansativa. Repare-se que até na regulamentação europeia vigente, a referência à uniformidade cinge-se ao plano da tarefa e não ao local. A consideração dos factores humanos da iluminação é a essência da concepção dum ambiente de luz, seja de que natureza for, porque a finalidade última é servir as necessidades do ser humano. É o ver e o sentir, constituindo a parte difícil do projecto, por não ser mesurável. É aí que reside o saber fazer do autor. Projectar ambientes de luz é uma arte. É criar ambientes com emoções e sentimentos provocados, para incutir motivações. Assim sendo, a boa iluminação não é uma ciência exacta, mesurável. Não é um puro acto de engenharia, exigindo intervenções com conceitos de âmbito arquitectónico, de saúde, de psicologia, de fisiologia e de neurobiologia, porque envolve o corpo e a mente, recorrendo aos sistemas nervosos de formação e de não-formação de imagens, como tão bem expressa António Damásio no livro “A Estranha Ordem das Coisas”.
2. A PRODUÇÃO NORMATIVA A regulamentação e normas que vão sendo publicadas, acompanham com significativo desfasamento a evolução das técnicas de iluminação ditadas pelo avanço do conhecimento científico.
Veja-se, por exemplo, o caso do Índice de Brilho Directo (UGR) que aparece pela primeira vez, na Norma EN 12464-1 datada de 2002, quando se trata dum parâmetro em uso desde os finais da década de 70 do século passado (em 1983 tivemos oportunidade de traduzir as instruções do “Método de Cálculo do Índice do Brilho Directo”, publicação essa, disponível na OE após ter tido apresentação presencial). Todavia, mesmo a consideração do UGR fica aquém do desejável, porque se, por um lado, contempla o encandeamento directo, deixa em vazio a avaliação do encandeamento indirecto, devido à luz reflectida e às imagens das áreas luminosas das luminárias colocadas em pontos críticos do tecto, cujas luminâncias surjam espelhadas no plano de trabalho, dificultando a acuidade visual por atenuação de contrastes. E este pode ser muito mais danoso para a acuidade visual. Os trabalhos do Dr. Richard Blackwell da Universidade de Ohio, também na década de 70, levaram à definição do Factor de Rendimento de Contraste, como avaliador dos efeitos nocivos dessa luz reflectida. O método de cálculo por ser de alguma complexidade condiciona a sua prática, mas os fundamentos teóricos não podem ser ignorados e deixar de ser utilizados em projectos.
3. A NOVA PORTARIA N.º 138-I/ 2021 A ponderação dos objectivos essenciais e primordiais da iluminação, com os desideratos da optimização energética, tem de ser determinante na análise custo energético/objectivo. De nada serve um sistema de iluminação ser altamente eficaz, se não servir os objectivos para que foi concebido: primeiramente, a criação das ambiências adequadas em cada local e a cada momento e, em segundo lugar, que isso se faça à custa do menor consumo energético. E esta ordem de prioridades é absolutamente inalterável e inquestionável. Este preâmbulo vem a propósito do explicitado na recente Portaria n.º 138-I/2021 de 1 de julho, que “Regulamenta os requisitos mínimos de desempenho energético relativos às envolventes dos edifícios e aos sistemas técnicos e a respectiva aplicação em função do tipo de actualização e específicas características técnicas”.