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luzes
a inércia da realidade A situação energética atual nos diversos países é uma construção de décadas, ou mesmo de mais de um século, e resulta da conjugação de diversos fatores, nomeadamente, do estado da ciência e da tecnologia, da economia, dos recursos existentes e das decisões políticas, ou da falta delas.
Infelizmente, aos decisores falta frequentemente uma visão integrada da realidade, ter a consciência da importância dos fatores referidos anteriormente e do tempo necessário para que as mudanças possam atingir os objetivos de forma não disruptiva para a sociedade. Não é pelo facto de se decretar politicamente que o mix energético terá de ser muito diferente daqui a pouco mais de dez anos, que tal poderá acontecer sem perturbar o normal funcionamento de uma sociedade. Tem sido apregoado que Portugal tem boas condições para a produção de energia elétrica baseada em energias renováveis e assim é. No entanto, tem faltado ter a consciência das dificuldades existentes para que tal seja uma realidade, sem que os portugueses sejam sacrificados, tanto no que se refere ao seu bem-estar energético como no que se refere ao equilíbrio do seu orçamento. Uma boa parte dos nossos recursos renováveis assenta na produção em aproveitamentos hidroelétricos. Contudo, sabemos que o potencial de aumento desta produção é já bastante limitado, que não se tem investido na capacidade de armazenamento de água (o que seria necessário dada a menor distribuição temporal das chuvas), que não temos um sistema de transvases (que permitiria deslocar a água de umas regiões para as outras) e que o clima tende a ser menos pluvioso (havendo, por isso, menos água disponível). Uma outra importante componente das energias renováveis é a eólica. Sendo um país com um litoral extenso, relativamente à sua superfície, com grande desnível de cota entre o litoral e o interior, temos, de facto, boas condições de ventos. No entanto, todos sabemos da sazonalidade dos ventos e da sua relativa www.oelectricista.pt o electricista 79
imprevisibilidade a médio e longo prazo. Na impossibilidade de armazenar a energia sob a forma eólica, teremos de armazenar essa energia, quando ela é sobrante, sob outra forma, que poderia ser a elétrica, mas também sabemos que tal não é fácil e, assim, o país não dispõe de meios de armazenamento de grandes quantidades de energia elétrica. Ficamos, então, limitados à possibilidade de fazer bombagem da água já turbinada em algumas centrais hidroelétricas, mas que acaba por ter pouco significado, em termos de quantidade. Outro recurso renovável abundante no país é a energia solar, sendo anunciado como o caminho a seguir para conseguir a descarbonização da produção da energia elétrica. Talvez seja, mas como o rendimento do processo é ainda bastante baixo, são necessárias grandes áreas para a instalação dos aproveitamentos e o investimento necessário, tendo vindo a diminuir, é, ainda, considerável. Além disto, ainda não sabemos quanto irá custar ao investidor a reciclagem dos painéis em fim de vida. Outras opções de produção mais vanguardistas têm sido anunciadas (hidrogénio, fusão nuclear, pequenos reatores de fissão nuclear, entre outros). No entanto, para já, quase não passam de miragens tecnológicas, na medida em que ainda têm muitas dificuldades (umas mais do que outras) para ser resolvidas antes de poderem ser realmente uma opção eficiente na produção limpa de energia elétrica. A todas as dificuldades apontadas acresce o facto de a produção de energia elétrica ser um setor privado, que se rege pelas regras de mercado, não sendo possível ao estado “obrigar” a investir no setor, a não ser pela via dos incentivos, o que necessita de fundos públicos, direta ou indiretamente.
Custódio Pais Dias, Diretor
Portugal tem a tendência para ter um comportamento bipolar, ou faz pouco ou nada e situa-se na cauda dos ranking internacionais, ou aposta muito forte para estar na vanguarda do mundo. Na minha opinião, no caso da descarbonização da produção de energia elétrica a aposta foi demasiado forte e os portugueses pagam a fatura. Ninguém se questionou qual a razão pela qual os países com maiores economias e, também, mais poluidores não foram tão longe como nós. De facto, eles não quiseram comprometer demasiado a sua economia e o bem-estar das suas populações. Em Portugal ninguém se preocupou com isso. Seguimos, cegamente, as decisões tomadas por países ricos, do norte e centro da Europa, mas não temos as mesmas condições que eles, em termos de infraestruturas e de rendimentos per capita. Além disso, os recentes acontecimentos bélicos no leste da Europa, com graves consequências, em termos energéticos, para alguns dos países ricos que seguimos, leva-os a repensar algumas das opções tomadas e a reduzir a velocidade que previram para a transformação da produção de eletricidade, sempre com o objetivo de proteger a sua economia e os seus cidadãos. Por cá, as decisões são tomadas sem grande apego à realidade sócioeconómica do país, fala-se da pobreza energética dos portugueses e tomam-se decisões que fatalmente vão encarecer o preço da energia elétrica. Consequentemente, agravarão a referida pobreza energética. Globalizamos os preços, mas não globalizamos os rendimentos. No setor energético a realidade mostra que tem uma inércia própria, que tem de ser respeitada. Caso contrário, por ser um bem fundamental na economia e na vida das pessoas, a consequência será um agravamento destas duas realidades.