As baratas, Leonardo da Vincie o futuro da robotica - 2.ª Parte

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As baratas, Leonardo da Vinci e o futuro da robótica 2.a Parte

J. Norberto Pires

robótica

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DA MESA DO DIRETOR

Prof. da Universidade de Coimbra

Teve acesso aos desenhos e projetos dos Gregos, documentados pelos Árabes em publicações que estavam já traduzidas. Fez estudos de anatomia humana e animal (nomeadamente de aves, na tentativa de reproduzir o seu voo), tinha conhecimentos de mecânica e projetou e, provavelmente, construiu mecanismos que reproduziam movimentos e funções humanas. No entanto, poucos desses desenhos chegaram até hoje e muito poucos sobre o projeto secreto de um robot foram encontrados. Do seu maior livro de apontamentos, o Codex Atlanticus, faltam algumas páginas precisamente na altura em que parecia preparar-se para projetar um robot (Figura 1). Isso levou alguns investigadores a especular que as páginas em falta continham os estudos para um robot espetacular de aspeto humano (um cavaleiro andante com uma armadura germano-italiana típica do século XV). Teria sido projetado entre 1495 e 1497, mais ou menos na altura em que pintou A Última Ceia e elaborou a decoração da Sala delle Asse do castelo da família Sforza em Itália. O ambiente retratado nos tetos e paredes da sala, uma floresta de árvores altas, com as cúpulas pintadas no teto e os troncos nas paredes, parece ser o ambiente adequado para um cavaleiro andante mecânico. Era, ao que se pensa, capaz de mover a cabeça e braços, levantar-se e sentar-se, abrir e fechar o maxilar

da armadura, emitir sons, entre outros. Teria, pelo menos, dois sistemas de juntas diferentes: pernas com três graus de liberdade (joelhos, tornozelo e anca) e braços com 4 graus de liberdade (ombro, cotovelo, pulso e mãos). A fonte de energia era hidráulica, recorrendo a canais que passariam por debaixo da sala. Mas ele poderia ter pensado em usar também molas e/ou contrapesos. Este projeto seria o corolário lógico dos seus estudos de anatomia e mecânica. Pode ser que ainda um dia sejam encontradas as folhas perdidas do Codex Atlanticus numa qualquer biblioteca europeia ou coleção particular. No entanto, Leonardo da Vinci é conhecido pelos seus estudos incompletos e pela forma peculiar como escrevia os seus apontamentos da direita para a esquerda, como a imagem num espelho, de uma forma em que parece falar consigo próprio e não para eventuais leitores. Os seus apontamentos são uma espécie de monólogo, que ele não sentiu a necessidade de publicar, embora isso fosse já possível na sua época. Por qualquer razão pode ter destruído essas páginas e desmontado todos os mecanismos relacionados com elas, de forma a que não fossem reproduzidos. Ou outros o fizeram por ele, por razões políticas ou religiosas. O que quero dizer com tudo isto é que a imaginação da natureza é muito, muito maior do que a imaginação do homem. Em 2007 escrevi um texto que publiquei no blogue “De Rerum Natura” e que reproduzo aqui no essencial. O watt é a unidade de potência (energia/tempo), e é usada para especificar a variação de energia de um sistema por unidade de tempo. A energia é aqui apresentada como trabalho, ou seja, a energia consumida na realização de uma determinada tarefa. Por exemplo, enquanto escrevia este texto estive a ouvir a música "Safe from harm” dos Massive Attack (do álbum Massive Attack Collected). Durante esse tempo o meu ouvido interno esteve a realizar o equivalente a um bilião de operações em vírgula flutuante por segundo.

Fazendo equipa com o meu cérebro, o meu ouvido interno (assim como o de um qualquer ser humano normal) consegue distinguir sons até 120 dB, e identificar uma conversa particular no meio de uma multidão de pessoas (não é que eu seja cusco, mas é verdade). Nenhum sistema artificial atual, construído com a nossa mais sofisticada tecnologia, consegue fazer algo que se aproxime. E o que é verdadeiramente espantoso é que o ouvido interno consegue esse processamento de forma muito eficiente consumindo somente 14*10-6 watts, isto é, poderia trabalhar durante 15 anos consecutivos com a energia fornecida por uma pequena pilha AA. De facto, o corpo humano consome 100 watts, e o nosso cérebro somente 50 watts. Todo o nosso sistema biológico é altamente eficiente do ponto de vista energético, e nós sabemos que tem capacidades muito avançadas, muito para além daquilo que conseguimos fazer com a nossa tecnologia. Só para terem uma ideia, o meu PDA que também é telefone consome 21,6 *10-3 watt em standby (ou seja, sem fazer nada) e esgota a bateria de 3,6 Volts (1200 mAh) em 200 horas (8,3 dias). Se estiver a ser usado para telefonar dura poucos dias (3 a 4 dias), ou seja, consome cerca de 60 * 10-3 watts. E é um dispositivo limitado, com capacidades de processamento muito inferiores ao meu ouvido interno. Ou seja, estamos muito longe de construir sistemas comparáveis com o nosso cérebro, ou sistema auditivo, visão, tato, locomoção, sentido de orientação, e outros. Se fossemos capazes de copiar a sua eficiência resolvíamos os problemas energéticos mundiais, para além de termos capturado a forma como os sistemas biológicos processam informação, o que constituiria em si uma enorme revolução. É interessante notar que grande parte do processamento realizado pelos nossos sistemas neuronais é analógico, sendo a informação posteriormente digitalizada. O ouvido, por exemplo, realiza


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