As baratas, Leonardo da Vinci e o futuro da robótica

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As baratas, Leonardo da Vinci e o futuro da robótica 1.a Parte

DA MESA DO DIRETOR 2 robótica

Sempre gostei muito de baratas porque são máquinas fantásticas de locomoção e porque são estúpidas. Na verdade, elas andam tão bem um pouco pelas duas razões: têm uma estrutura mecânica otimizada (e muito simples) para a locomoção e quando encontram problemas resolvem-nos sem pensar e sem ativar de imediato o seu sistema nervoso central. Quando disse isto, em tempos, à minha mulher Martha, que esteve uns meses em Macau a trabalhar num jornal, ela não achou grande piada porque as baratas vivem aos montes naquele clima e são impossíveis de extinguir. Mas na verdade, por incrível que possa parecer, a robótica está a aprender muito com seres vivos como as baratas. Não para chatear jornalistas a precisar de descanso, mas para aprender como construir sistemas mais eficientes. A nossa forma de pensar tende a adicionar sensores a tudo, bem como dispositivos de processamento de dados (processadores), que permitam observar tudo, processar e corrigir. Ora, se observarmos o comportamento da natureza não é bem assim que as coisas se passam, verificando-se que em muitas tarefas se deixa à solução mecânica a maior parte das respostas e só muito mais tarde, em casos extremos, é que o sistema nervoso central é ativado

do da Vinci dizia que a melhor forma de realizar dispositivos eficientes era observar a natureza. Devo confessar que descobri o génio de Leonardo quando iniciei em 2002 uma compilação de uma nota de revisão histórica para um livro que estava a escrever. Fiquei abismado com as capacidades, interesses e universalidade deste homem do renascimento. Dotado de um intelecto superior, o artista Leonardo da Vinci percebeu que a visão era um meio fundamental para adquirir conhecimento, estudar e perceber os fenómenos naturais: Saper Vedere ("saber ver") era a chave para desvendar as criações naturais e, com esse conhecimento, imaginar e projetar mecanismos que tentavam reproduzir as características naturais em que estava interessado. Desenvolveu um invulgar poder de observação que, aliado à sua enorme e reputada capacidade para desenhar objetos tal como eram, se tornou no seu principal instrumento de investigação. Anotava os seus estudos de forma gráfica (o texto servia para complementar os gráficos e esquemas) nos seus cadernos de apontamentos (Codex Atlanticus, Ms.B. Ms.I., …, hoje guardados no Museu da História da Ciência – Florença, Itália, ou pertencentes a colecções particulares como é o caso do Codex Leicester que pertence a Bill Gates, cofundador da Microsoft).

Figura 1. Estudos de Leonardo da Vinci para um robot antropomórfico.

Continua na próxima edição.

J. Norberto Pires Prof. da Universidade de Coimbra

e chamado a intervir. Um bom exemplo é a barata. Mecanicamente é um excelente projeto de uma máquina capaz de andar. Para além disso, como demonstram experiências feitas na Universidade do Michigan, e muitas outras, se o seu movimento é perturbado a barata resolve isso recorrendo às suas capacidades mecânicas: ou seja, o sistema de locomoção é, em grande medida, passivo. Não reage de forma ativa, disparando o sistema nervoso, a todas perturbações. As mais simples são resolvidas de forma passiva. O resultado geral é uma excelente máquina de locomoção. Isso significa que no curso da evolução a natureza achou que um bom sistema de locomoção não precisava de ser reativo e deveria era depender de um bom sistema mecânico, pois isso tornava-o bem mais previsível e fácil de controlar. Isto é importante não só para a robótica, mas também para a biónica. Se quisermos perceber aquilo que faz um sistema de locomoção fiável e seguro, talvez isso implique observar como fez a natureza durante vários milhões de anos em vários dos-seres vivos que temos hoje, incluindo o homem. Ver mais aqui: www.youtube.com/embed/OXvNdAj5O14. Mas isto não é nada de novo na forma de pensar. Um dos maiores engenheiros de todos os tempos, o fantástico Leonar-


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