A virtualidade de ficar em casa O tema “Fiquem em casa” é um tema recorrente, mas mais do que nunca está mais presente nos quotidianos de todos os portugueses. Naturalmente que este simples ato de confinamento nos pode livrar de muitos dissabores, no entanto não o devemos considerar como uma perda de liberdade, mas sim como um ato de consciência.
Adriano A. Santos Departamento de Engenharia Mecânica
robótica
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Editorial
Politécnico do Porto
O facto é que quando o “bicho”, como diz o povo, nos pega e passamos a ter dificuldade em mudar de posição na cama, porque nos cansamos, quando não conseguimos deslocarnos à casa de banho sem ajuda, porque nos cansamos, quando não conseguimos lavar na totalidade os dentes, porque nos cansamos, não conseguimos tomar balho, porque nos cansamos ficaremos realmente em casa.
Recentemente o nosso Primeiro Ministro (PM) reiterou o pedido de nos confinarmos às nossas residências, no entanto o modo como o disse soou a uma obrigação ou se quisermos dizer de outra forma a uma imposição. O PM falou-nos num tom de aconselhamento, que mais tarde recebeu a devida anuência do Presidente da República (PR), apelando à consciência cívica de cada um para o combate individual e coletivo desta pandemia. Por outro lado, irá ser decretado o estado de emergência que, embora em moldes diferentes, dizem, nos permitirá alguma liberdade. É neste ponto que o cidadão fica dividido não pelo facto de o dever de confinamento ser muito explícito, mas por todos os condicionalismos, quero dizer exceções, que nos baralham completamente a lógica que as ações de combate ao Covid-19 nos apontam. Assim sendo, do ponto de vista da economia, o país não pode mais parar uma vez que é impossível manter a economia a funcionar e os parcos apoios que o estado concede aos cerca de 10 milhões de portugueses residentes. Neste ponto compreende-se que a população ativa se desloque, deixe o confinamento, para trabalhar. As unidades produtoras não podem trabalhar a 100% em teletrabalho, o comércio tradicional dificilmente se adaptará a um regime de funcionamento online de atendimento entre outras tantas atividades. No entanto e entendendo que muitas outras atividades “poderão” continuar a funcionar acabam por ser ações contraditórias ao confinamento. Começando por utilizar uma expressão que alguém em tempos proferiu “não sei se vou ou se fico”, todas as exceções apontadas conduzem-nos a uma lógica que se torna ilógica onde 1 e 1 será 1 mas que também poderá ser 2 ou mesmo 0, isto é, é tudo e não é nada. A verdade é que sacrificamos, em tempos, todos os setores capazes de produzirem riqueza e movimentar a economia, sacrificamos a atividade e o apoio social confinando-nos. Neste mês de novembro em que entramos num novo confinamento com restrições severas impostas a 121 conselhos dizem-nos os políticos “fiquem em casa”, mas podem ir ao cinema, “fiquem em casa”, mas podem ir ao teatro, “fiquem em casa”, mas podem ir ao centro comercial, “fiquem em casa”, mas podem ir ao restaurante (desde que sejam 6) no entanto se for uma festividade só podem ser 5, alguém vai ter que sair da mesa quando for hora de festejar, ou seja, “fiquem em casa”, “fiquem em casa”, “fiquem em casa”, … talvez virtualmente uma vez que com tantas exceções só num ambiente virtual ou de realidade aumentada posso sair ficando em casa, estamos a desenvolver a capacidade de omnipresença, ou seja da ubiquidade. O facto é que quando o “bicho”, como diz o povo, nos pega e passamos a ter dificuldade em mudar de posição na cama, porque nos cansamos, quando não conseguimos deslocar-nos à casa de banho sem ajuda, porque nos cansamos, quando não conseguimos lavar na totalidade os dentes, porque nos cansamos, não conseguimos tomar balho, porque nos cansamos ficaremos realmente em casa. Esta, dentro de muitas outras visões será, apesar de tudo, a face boa da moeda uma vez que o “bicho” ao nos pegar daqui e dacolá, tal “Saci-pereré”, nos poderá conduzir a uma cama de hospital com um bilhete que, porventura, pode ser só de ida.