Nada de novo?

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Nada de novo?

J. Norberto Pires

robótica

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DA MESA DO DIRETOR

Prof. da Universidade de Coimbra

Escrevi o texto abaixo em 2015, isto é, há cerca de 4 anos. Vejam em detalhe e verifiquem se algo mudou. Se não poderíamos dizer exatamente a mesma coisa. Se nos preparamos para a tempestade que aí vem. Se estamos mais protegidos. Se fizemos o trabalho de casa. Na economia. Nas empresas. Na ciência. Na nossa vida do dia-a-dia.

Nesta confusão irresponsável que se vive em Portugal, na qual não há uma instituição credível, e anda tudo a cavalgar a espuma dos dias, ninguém sequer pensa na tempestade que aí está à porta. É uma tempestade tão forte que a Alemanha estuda mudar a constituição para fazer aquilo que impediu a Portugal, Grécia, Irlanda, e outros, nos momentos de aflição da Troika: aumentar o défice, ou seja, a dívida, para incentivar a economia. Para além de uma enorme hipocrisia, tudo isto deveria colocar os portugueses em frente ao espelho, sem clubismos, a fazer a seguinte pergunta: – Se a grande e poderosa Alemanha pensa em fazer isto, alterando até a sua constituição, vão ser as lengas-lengas do Centeno e da “geringonça” que nos vão proteger? Fizemos e estamos a fazer o que é necessário para enfrentar o que aí vem?

228 MIL MILHÕES, 226 MILHÕES, 646 MIL, 971 EUROS E 19 CÊNTIMOS Numa sessão com a juventude de um partido, a Ministra das Finanças referiu que Portugal tinha os cofres cheios, querendo dizer com isso que o país estaria preparado para enfrentar qualquer dificuldade do futuro a curto e médio prazo. Logo de seguida o Primeiro-Ministro num congresso partidário regional usou a mesma mensagem para comparar a situação atual do país com aquela que encontrou quando tomou posse em junho de 2011. A oposição e respetivas claques escandalizaram-se com a imagem infeliz e trataram de zurzir nos dois responsáveis governativos. Convém, no entanto, tentar perceber o que quis dizer a Maria Luís Albuquerque e avaliar da sua razoabilidade. Temos cofres cheios? De quê? De dinheiro nosso não é com certeza, porque se trata de dinheiro emprestado, e ainda por cima a uma taxa média muito acima do valor pago pelos locais em que está depositado. A maioria desse dinheiro está depositada no BCE (cerca de 18,5 mil milhões do total de 24 mil milhões) que paga -0,2% pelos depósitos, ou seja, pagamos todos cerca de 40 milhões para guardar esse dinheiro que nos foi emprestado. O que estamos a fazer com esse dinheiro guardado? A manter uma reserva que nos permite absorver algum tipo de dificuldade de financiamento futura. Não temos os cofres cheios (é tão infeliz esta expressão), estamos é a gerir a dívida (oh! ideia maldita) e a fazer uma reserva de segurança que permita ao país amortecer variações de mercado. A ideia da Ministra foi a de tentar passar uma imagem de que tem a situação sob controlo e dentro das possibilidades do país. Ora essa ideia não é de todo verdadeira. De facto, e como já referido, o que fizemos foi constituir uma reserva para amortecer flutuações de mercado e dos juros da dívida, a qual deve existir e ser bem gerida para não ter custos excessivos, ou no nosso caso, custos insuportáveis. O que é insensato e populista é dizer que temos os cofres cheios. Não temos. Temos os cofres vazios, uma

dívida a crescer e, na verdade, nenhuma ideia ou plano para resolver a encruzilhada em que estamos. E o que aí vem não é propriamente animador, pelo que nem esperança parece existir. Este país precisa de se repensar, sem bandeirinhas e sem claques, mas justamente percebendo o caminho de insustentabilidade que seguiu e que aparentemente não quer resolver. Perdemos nesta legislatura uma oportunidade única de reformar o país. Subscrevo o que disse o João Miguel Tavares no Público de dia 24 de março: “Entendo que o breve ímpeto reformista que existiu foi travado com a saída de Vítor Gaspar das Finanças e com o papel acrescido de Paulo Portas nas relações com a troika. Entendo que a seriedade com que Portas encarou a reforma do Estado está bem expressa no seu patético guião a dois espaços e corpo 14. Entendo que a ausência de uma verdadeira reforma laboral perpetua os níveis altíssimos de desemprego. Entendo que o elevado endividamento, sobretudo no setor privado, nunca foi enfrentado como devia. Entendo que o Estado continua a ter uma incompreensível tolerância para com as rendas no setor energético e nas PPP. Entendo, em resumo, que o grande pecado do Governo ao longo destes anos não foi a imposição da austeridade nem o aumento dos impostos, mas o desaproveitamento de uma oportunidade de ouro para reformar profundamente o país”. Acrescento somente dados de ontem, publicados pelo INE. A dívida das administrações públicas subiu em 2014 cerca de 5,6 mil milhões de euros, quando comparada com 2013, atingindo o fantástico valor de 130,2% do PIB. Se quiserem saber o valor atual da dívida direta do Estado Português basta consultar online a Agência que gere a dívida pública nacional. Os dados mais recentes são de 28 de fevereiro de 2015 e dizem que a dívida direta do Estado é de 228 mil milhões, 226 milhões, 646 mil, 971 euros e 19 cêntimos (ou seja, subiu cerca de 2,5 mil milhões relativamente a 31 de janeiro de 2015). Soluções? Reformas? Arrepiar caminho? É disso que temos os cofres de cheios: de dívida e de vazio de ideias. E a coisa ameaça encher ainda mais.


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