O verdadeiro unicórnio da indústria nacional 2.ª Parte
robótica
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DA MESA DO DIRETOR
J. Norberto Pires Prof. da Universidade de Coimbra
A AIMMAP está a comemorar 60 anos de existência. Organizou a 23 de maio, na Fundação de Serralves, uma interessante conferência sobre os desafios da indústria que se revelou um debate realista sobre o futuro de um setor de elevado dinamismo, que aposta na inovação e desenvolvimento, mas recusa caminhos fáceis e baseados em buzzwords. É muito importante colocar a indústria e os seus resultados no debate que fazemos sobre o futuro do país, porque a indústria cria valor, gera atividade económica e, com isso, cria emprego. Mas também porque a indústria, pela sua essência e propósito, vive de realismo e de ter os pés bem assentes na terra, e isso é muito importante num mundo em transformação rápida que tem uma certa dificuldade em encontrar e manter referências. Infelizmente, durante muito tempo dominou a ilusão de que o país poderia sobreviver apenas com o turismo e com os serviços: isso ainda é um discurso que confrangedoramente vemos e ouvimos em alguns locais do país. Mais grave é que essa ilusão teve impacto na política económica e industrial do país, mas também em opções educativas e de formação e qualificação profissional. A inversão que observamos no passado recente, com investimentos mais ou menos eficazes na inovação e na promoção da internacionalização (apesar de serem acompanhados de iniciativas menos felizes na área crítica da formação
e qualificação profissional), permitiu alterações significativas em poucos anos: as exportações cresceram de 28% para 41% do PIB; a balança comercial passou a ser superavitária pela primeira vez em muitas décadas; o investimento aumentou significativamente; o emprego é mais qualificado. Mas, apesar destes resultados e da evidência que representam, a palavra indústria, a promoção da sua atividade, o foco no reforço da competitividade da indústria nacional, o reforço da capacidade de inovação, especialmente em colaboração com os centros de conhecimento, ainda não é uma prioridade nacional, e nem está perto disso, apesar das boas palavras e das boas intenções. Além disso, e tendo por base tendências oriundas de países mais desenvolvidos e uma certa imagem mais atrativa (mais sexy, mais cool) de que gozam certas áreas de atividade, nomeadamente ligadas às novas tecnologias, emergiu recentemente uma outra ilusão que pode ser
"A AIMMAP está a comemorar 60 anos de existência. Organizou a 23 de maio, na Fundação de Serralves, uma interessante conferência sobre os desafios da indústria que se revelou um debate realista sobre o futuro de um setor de elevado dinamismo, que aposta na inovação e desenvolvimento, mas recusa caminhos fáceis e baseados em buzzwords. É muito importante colocar a indústria e os seus resultados no debate que fazemos sobre o futuro do país, porque a indústria cria valor, gera atividade económica e, com isso, cria emprego. Mas também porque a indústria, pela sua essência e propósito, vive de realismo e de ter os pés bem assentes na terra, e isso é muito importante num mundo em transformação rápida que tem uma certa dificuldade em encontrar e manter referências."
também muito perigosa. É a ilusão de que as startups, as empresas de crescimento rápido, também elas normalmente associadas a novas tecnologias, podem substituir, ou ser alternativa, a uma indústria que apesar de não ter nada de tradicional, pois vive de uma relação muito próxima dos centros de conhecimento e promove a inovação, é uma indústria de manufatura que exige instalações industriais, equipamentos produtivos caros e complexos, relações multidisciplinares que envolvem várias áreas de engenharia e que, por isso, cresce de forma mais lenta, exige competências muito diversas, investimentos elevados, mas que se caracteriza por ser sustentável. Essa ideia é perigosa porque permite antever que os decisores políticos ainda não perceberam que os dois tipos de indústria são complementares, e que um grande dinamismo de empresas do setor tecnológico precisa de um setor industrial de manufatura e transformação muito forte que as suporte e dê propósito. Os bons resultados das empresas metarlúgicas e metalomecânicas, nomeadamente em termos de exportação, mostra bem que o país pode contar com este setor, que a aposta no setor industrial é uma aposta segura, mas também que as políticas de promoção e desenvolvimento industrial exigem reflexão estragtégica, a longo prazo, que não é compatível com “modas 4.0”. Às vezes, perante as declarações dos responsáveis políticos, fica uma sensação de ligeireza, de imediatismo, como se uma política para o setor industrial tivesse de ser sexy e basear-se nas buzzwords do momento. O setor melaúrgico e metalomecânico não é um setor constituído por startups, nem por empresas gazela, nem gera com facilidade empresas unicórnio, mas é um setor com empresas bem sustentadas que cresceram de forma segura e são uma garantia de serviço, inovação e de resultados. O unicórnio aqui é o próprio setor que se gosta de caraterizar pela máxima: inovação que funciona e que dá resultados. Pensem nisso.