SONDAGEM: PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LEITURA,

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Sondagem: Processo de Aquisição da Leitura, Escrita e Números – Um estudo de caso Survey: Case of Acquisition of Reading, Writing And Numbers – A Case Study

Cecília de Castro Rocha Gabriela Betanho Inácio Karen Chaves Barbosa Kátia Cristina Barbosa Lilian de Oliveira Silva Mara de Souza Leal Marina Cupertino Peres Curso de psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Resumo O presente trabalho foi realizado com uma criança de quatro anos e oito meses e teve a finalidade de verificar em qual etapa da alfabetização ela se encontra. A investigação foi realizada através de observações feitas a partir de atividades propostas, buscando-se verificar como se dá o processo de aquisição da leitura, escrita e números. O método utilizado foi a sondagem, que consiste em uma série de exercícios realizados com a criança, além de entrevistas semi-estruturadas realizadas com os responsáveis e com a professora da escola em que a mesma estuda.

Palavras chave: Sistema de escrita e leitura; leitura de mundo; reconhecendo os números. Abstract This research was conducted with a 4 year old child. The purpose of this research was to establish in what level of literacy she was. The research was realized using observations during some activities. It was attempted to confirm the process through which children gain literacy and numeracy. Some experiments were conduced with the child and the parents, as well as the teacher, were interviewed in a semi-structured way. Key words: numbers.

System of writing and reading; reading the world; acknowledging the


Introdução Desde os primórdios, a humanidade busca registrar de alguma maneira fatos importantes para as diversas culturas. Tais registros contribuíram para que diversos ensinamentos fossem repassados geração a geração, o que tornou possível o nosso conhecimento acerca do modo de vida de nossos antepassados. Não é possível dizer com precisão quando os homens desenvolveram a linguagem falada, mas foi a partir dela que se tornou possível construir milhares de linguagens e sistemas simbólicos complexos. Os atos de ler e escrever foram cruciais na formação da sociedade e em sua evolução. Através da escrita e da leitura o ser humano pôde relacionar-se melhor com o meio em que vivia e com seus semelhantes, assim como a representação numérica possibilitou controlar melhor seu dia-a-dia, passando a realizar trocas comerciais e as mais diversas transações financeiras das sociedades primitivas. Esses registros eram feitos das mais variadas formas como, por exemplo, desenhos nas paredes das cavernas, representações em argilas, repetições constantes de símbolos, amarração em cordas gigantescas e, assim, a vida e o cotidiano eram registrados e sem saberem construíam a história da linguagem. Paralelamente à evolução da linguagem, o ser humano evoluiu cognitivamente, realizando conexões surpreendentes e cada vez mais complexas, tornando o processo de aquisição de leitura e escrita cada vez mais dinâmico. Alguns pesquisadores demonstraram que a criança apresenta noções em relação à linguagem escrita; estas noções vão desde a produção de rabiscos e a aprendizagem da fala, passando por desenhos e o surgimento do jogo simbólico, tentativa de escrita e suas noções rudimentares até a produção e compreensão dos símbolos. Desde muito cedo a criança entra em contato com o mundo da escrita através de livros, revistas, jornais, placas de sinalização, rótulos, embalagens, dentre tantos outros estímulos. Assim ela vai criando suas hipóteses sobre como se dá a escrita. De posse destes conhecimentos, o trabalho irá discorrer sobre como se dá esta aquisição para uma criança na fase de alfabetização escolar, como ela faz a leitura de mundo, quais os recursos que ela utiliza, se tem o domínio do sistema de escrita e leitura, dentre outros aspectos. Para isso, contamos com a colaboração de uma criança e seus responsáveis para realizarmos algumas atividades, utilizando como método a sondagem da leitura e escrita da criança, baseada nos textos lidos e estudados em sala, no vídeo sobre a alfabetização e nas supervisões com a professora e suas monitoras, além de entrevistas com a mãe, a babá e a professora. Ao longo deste trabalho serão apresentadas as etapas através das quais este trabalho foi desenvolvido.


Objetivos A finalidade deste trabalho foi investigar, através de uma sondagem (que consiste numa série de exercícios realizados com uma criança, e que conta ainda com a colaboração dos pais da escola) como se dá o processo de aquisição da leitura, escrita e números nessa criança, e a partir das observações feitas durante as atividades propostas visando descobrir em qual etapa da alfabetização ela se encontra. Dessa forma, este trabalho pretende demonstrar os resultados obtidos com a sondagem, para, assim, verificar a relação que a criança estabelece com o aprender nos diferentes ambientes em que está (escola, família). Os resultados obtidos foram discutidos e analisados de acordo com textos, e no decorrer do trabalho será possível verificar o caminho que percorremos na sua realização, dificuldades com as quais nos deparamos, sensações e suposições. Método Criança A criança com a qual realizamos o processo foi Luana (nome fictício), uma menina de 4 anos e 8 meses. Após autorização dos pais para realizar as atividades do trabalho, marcamos de ir num dia para conhecer Luana e sua mãe, Patrícia, acabamos conhecendo a babá (Vanessa, pessoa responsável pelos cuidados da menina) também. Em outro dia fomos para a aplicação das atividades, Luana nos esperava de banho tomado, usava uma tiara de princesa na cabeça, e a babá disse que ela já estava ansiosa. Patrícia nos acomodou em uma mesa e sentou-se junto a nós. Uma parte do grupo ficou responsável pelas entrevistas com a mãe e com a babá na mesma hora em que fazíamos a sondagem com Luana, para que a presença da mãe não influenciasse nossas atividades. A babá ficou o tempo inteiro na cozinha e área de serviço, só passou por nós quando foi solicitada a fazer a entrevista. A mãe, depois de terminar a entrevista, sentou-se no sofá em frente à mesa onde estávamos com Luana, mas esta estava de costas para a mãe. A presença da mãe nos incomodou um pouco, sentimo-nos um pouco constrangidas, mas procuramos realizar a sondagem da melhor maneira possível. Na nossa chegada, Luana estava um pouco tímida, se agarrava a mãe, mas logo se sentou-se à mesa e mostrou-nos um de seus cadernos escolares. Folha por folha, foi nos contando o que tinha feito. Atentamente, fomos observando suas atividades, percebendo que as tarefas eram baseadas naquelas que nós mesmo aprendemos, o modelo tradicional


de ensino. Tinha vogais em pontilhado para “cobrir” e depois fazer sozinha, tinha continhas de matemática simples (adição e subtração), desenhos para colorir, seu nome em todas as páginas que antes era pontilhado para ela “cobrir”, mas que depois ela foi escrevendo sozinha, e, em quase todas as atividades, tinha um desenho para colorir. Assim que ela terminou de nos mostrar, explicamos o porquê de estarmos ali com ela. Dissemos que queríamos conhecer como a criança aprende, o que lhe é passado pela escola, e para isso pensamos em algumas atividades e brincadeiras a serem feitas com ela, mas que não era para ela se preocupar com o que era certo ou errado, era para ela fazer tudo do jeito que achava que era. Sem relutância alguma, Luana concordou em colaborar conosco. Iniciamos a sondagem com a atividade de Leitura de Mundo. Utilizamos embalagens de creme dental, sabonete, achocolatado de leite, usámos os rótulos desses produtos e cartões com seus nomes. Todos foram apresentados na ordem colocada anteriormente e Luana respondeu tudo o que lhe foi perguntado baseada na função de cada um destes produtos, atentando também para as ilustrações contidas nas embalagens e rótulos. Quando mostramos a primeira embalagem (creme dental) ela não pegou, só ficou observando. Entregamos a ela e pedimos que nos dissesse o que achava que era aquilo e o que estava escrito. Com todos os outros materiais, Luana segurava com a mão e respondia da mesma maneira, atentando para o sentido que o produto fazia a ela. A resposta que ela dava, por exemplo, a embalagem do achocolatado, era a mesma que ela dava ao rótulo e aos cartões. Todas as respostas fizeram sentido, estavam relacionadas aos produtos e suas funções; mesmo quando os cartões em letras impressas lhe foram apresentadas, ela conseguiu identificá-los. A única discrepância com relação aos cartões com letras impressas foi com a escrita do sabonete, em que ela nos mostrou de cabeça para baixo, mas a explicação do que era aquilo que estava escrito não foi diferente das outras respostas. Sempre que apresentávamos estes materiais, perguntávamos o que ela pensava que era, o que estava escrito, e onde estava escrito. No decorrer desta atividade, Luana foi nos respondendo antes que perguntássemos, como por exemplo, quando ela terminava de falar o que era o produto, dizia: “(...) e onde eu vi que tá escrito isso é aqui”. Quando pedíamos que nos mostrasse com o dedo onde estava escrito o que ela achava que era o produto, ela apontava para a marca. A segunda etapa da sondagem foi os Portadores de Texto. Esta foi a atividade em que as respostas de Luana foram mais discrepantes. Selecionamos uma reportagem de jornal, uma receita de bolo, uma historinha em quadrinhos e um bilhete. Utilizamos um anteparo


para ela não ver onde estávamos lendo mas, nem foi preciso, pois sua atenção estava voltada para o seu caderno de exercícios (um caderno que parece ser para ela escrever o que quiser, quando quiser, para brincar). Fornecemos as instruções necessárias e lemos primeiramente o bilhete, onde o remetente chamava-se Maria. Quando perguntamos o que era, Luana disse que parecia a história de João e Maria. Assim foi até o final. Lemos cada um dos portadores e, de cada um, ela tirava uma palavra-chave e acrescentava na história de João e Maria, como quando lemos a história em quadrinhos, onde havia a palavra televisão; Luana nos respondeu dizendo que João e Maria estavam vendo televisão. Quando retiramos o anteparo e apresentamos a ela os textos, ela não soube identificar onde estava cada um que foi lido. Ela se guiou pelas gravuras que estavam na capa da revista em quadrinho, mas mesmo assim, o que ela acertou (bilhete e história do gibi) pareceu ser mais um “chute”. Todos os textos lidos, menos o bilhete, ela disse que estavam no gibi; o bilhete ela acertou, e a receita e a reportagem ela disse que pareciam João e Maria deitados. Estes dois textos estavam mais ou menos do mesmo tamanho, e um em cima do outro, talvez por isso sua imaginação foi tão longe. Em seguida, mostramos a última história da revista em quadrinhos, uma que só possui três quadrinhos sem nenhuma fala e pedimos que contasse uma história. Luana contou-nos uma história que, de certa forma, estava bem condizente com o que estava ilustrado. Mas não se contentou com apenas esses três quadrinhos, abriu em outra página e continuou a história, sem ter ligação alguma com a outra. A terceira etapa da sondagem foi o Ditado. Como em todas as atividades propostas por nós, Luana aceitou fazer prontamente. Explicamos que ela poderia escrever da maneira que achava que era, sem se preocupar se estava certo ou errado. Ditamos algumas palavras e uma frase relacionadas com a historinha que ela havia contado com o gibi, que foram: Mônica, irmão, bola, gibi e Eu fui para escola, respectivamente. As letras que ela utilizou para formar as palavras foram aquelas que ela havia aprendido, que são as vogais; utilizouse apenas das consoantes t e l, em que esta última ela confundia com a vogal e. Uma curiosidade que observamos é que Luana nos disse que a letra u seguida da letra i, fica complicado de escrever, porque parece que o u fica grande demais, e por isso ela não coloca junto. Assim, quando ela foi escrever a palavra “bola”, colocando ui no início, apagou e escreveu de outra forma. Quando pedimos que lesse o que escreveu e passasse o dedo para mostrar onde estava lendo, Luana parece ter memorizado a ordem de escrita. Acertou todos, exceto “gibi”, onde ela disse que não se lembrava o que havíamos falado;


ao mostrar com o dedo, apontava para o que escreveu como um todo, ou percorria toda a escrita rapidamente, sem parar. Terminada esta atividade, passamos para a Leitura. Apresentamos alguns livros de história para Luana, pedimos que escolhesse um e nos contasse a história do livro, inventando ou lendo o que estava escrito. Luana escolheu o livro “Pote de Melado” de Mary França e Eliardo França. O que ela narrou estava bem condizente com as imagens que ela via, apesar de não ser a mesma história que estava escrita. Por vezes ela passava o dedo sobre o que estava escrito no livro, como quem estivesse lendo realmente a história. Começou a contar a partir da página onde se iniciava a história, e terminou na última; sua história foi rápida, e findou com a frase célebre: “(...) e foram felizes para sempre”, fechando o livro. Partimos então para outra atividade, Imagine Porque. Nesta tarefa, em particular, sentimo-nos mais constrangidas com a presença da mãe, pois algumas questões estavam relacionadas a ela, e outras que estavam relacionadas à família. Por isso, achamos melhor não fazer algumas perguntas à Luana, mas hoje, analisando a situação, pensamos que não deveríamos ter deixado passar essa oportunidade de aprofundar mais nestas questões. No entanto, fizemos o possível para fazermos pelo menos uma pergunta de cada aspecto (imagem de si, relação figura paterna/criança/escola, diversão, dentre outros). Para que construíssemos um personagem para esta tarefa, perguntamos se ela tinha alguma boneca que mais gostava; Luana levantou-se e foi buscar Gabriela, sua boneca. Contou-nos algumas histórias dessa boneca e depois fizemos as perguntas. As primeiras respostas estavam relacionadas realmente com a boneca, mas logo Luana começou a se espelhar e responder ao que perguntávamos de acordo com ela mesma. Finalizamos a sondagem com o Jogo de Varetas. Perguntamos se ela conhecia, se já havia jogado, e a resposta foi que nunca tinha jogado, mas queria muito jogar. Propusemos que ela então inventasse o jogo, e fazendo jus à fama de contadora de historias, Luana inventou um jogo bastante diferente, sem que entendêssemos direito. Quando ela terminou de contar sobre o jogo, sugerimos a maneira usual de jogar varetas, e assim tentamos jogar. Algumas regras foram criadas por ela, como: se você conseguiu pegar apenas uma vareta, tem mais uma chance de jogar; se você “roubou”, pegou a vareta mexendo em outra, mas quer continuar jogando, também tem mais uma chance, mas apenas mais uma; a escolha da próxima a jogar era ela quem escolhia a partir de uma brincadeira (uni duni tê). Para ver quem ganhou, Luana disse que seria quem tivesse “um monte”, e para isso sugerimos que contássemos as varetas, sem, contudo, nos atentarmos a pontuação de cada cor.


Terminamos de jogar e Luana quis jogar novamente. Nesta segunda rodada, fomos agindo de acordo com as regras, e percebendo que havia pego poucas varetas, Luana emburrou, fez que ia chorar e disse que queria ganhar. Explicamos que o jogo ainda não havia acabado, e ela teria mais chances de pegar outras varetas. Terminamos o jogo e ela ganhou novamente, ficando satisfeita. Encerramos a sondagem, porém, ao contarmos à Luana que havíamos terminado, ela disse: “Agora vamos brincar de outra coisa”. Indagamos o que seria. “De professora... eu sou a professora e vocês as alunas”. Perguntamos com ia ser, ela pegou seu estojo de lápis, nos entregou e disse que deveríamos agir conforme ela nos orientasse. Entretanto ela nos deixou a vontade para escolhermos as cores para colorir os desenhos que fizemos. Por exemplo, quando ela pediu que desenhássemos um sol, disse-nos para não esquecer que o sol é amarelo; mas perguntamos se podíamos colorir de outra cor também, e ela concordou, dizendo que poderíamos fazer como quiséssemos. Além de desenhar um sol e uma flor, pediu que escrevêssemos as letras l, o e a, em seqüência, separadas por um tracinho (da mesma maneira que vimos no seu caderno escolar), e o nosso nome. Quando terminamos, mostramos a ela e pedimos que deixasse um recado em nossa tarefa, assim como sua professora deixava. Para todas nós, ela desenhou uma espécie de envelope, dizendo que era um recado muito importante, muito especial, que só a gente poderia ler. Informamos à mãe que havíamos acabado. Neste momento, a mãe interferiu dizendo para Luana cantar o hino da escola antes de irmos embora do colégio. Parece que na escola, antes de saírem, as crianças devem cantar o hino escolar. A menina parecia desconhecer a letra do hino por inteira, sua mãe tentou lhe ajudar, mas também não conhecia. Neste momento, Luana já havia se levantado e ido em direção a mãe, ficando perto dela. Cantamos o hino, despedimo-nos de Luana, agradecemos à mãe e à babá. E assim, encerramos nossa sondagem. Brincando de aprender.~ Escola Para realizarmos a sondagem por completo, consideramos que uma visita à escola de Luana, observar a escola e a sala de aula, e conversar com a professora dela seria de grande valia. Pois foi isso que fizemos.


Fomos em duas à escola. Particularmente achamos que fomos muito mal recebidas pelas pessoas com quem tentamos contactar pra irmos até lá (secretária e diretora). Chegamos e a secretária nos levou direto à sala da professora do Jardim I, Michele. Sem nos apresentar a escola, sem nos apresentar aos alunos, sem nos apresentar à professora, fomos “entregues“ à sala. A professora também não fez questão de nos apresentar aos alunos e nem de se apresentar a nós. Como Michele estava no meio de uma atividade com as crianças, ficamos em um canto da sala observando. Era para ficarmos uma hora na escola, no entanto, pela falta de tempo para a professora nos dar a entrevista, ficamos três horas. Quando foi a hora do lanche, pudemos conversar com a professora por alguns minutos. O final da conversa teve que ser interrompido para que ela buscasse as crianças de volta. Terminamos a entrevista quando o funcionário falou que iria ficar com as crianças para que a Michele terminasse logo conosco, para “liberar logo”, segundo suas próprias palavras. Durante a entrevista, perguntamos acerca da escola e algumas perguntas específicas sobre Luana. Apesar de parecer um pouco constrangida, Michele nos respondeu sem relutar, sem parecer que estávamos incomodando. Ela compreendeu o trabalho que estávamos fazendo, e sua importância como experiência da prática da aprendizagem das crianças. Ela nos contou também que queria fazer Psicologia, mas fez Pedagogia. Pudemos perceber também, que a escola segue o modelo tradicional de ensino, segundo as falas da professora, mas que também utiliza outros métodos quando preciso. Segundo suas próprias palavras: “(...)método de ensino não tem fixo, você usa o que a criança precisa(...)”. Fomos embora da escola agradecendo a todos e nos desculpando pelo incômodo. Exceto a professora, todos os outros funcionários que tivemos contato, apenas falaram “tá bom”, como se estivessem dizendo “tudo bem, eu desculpo pelo incômodo que vocês provocaram aqui na escola”. Realmente não nos sentimos bem dentro da escola. Família Mãe: A entrevista com a mãe, como dito, foi ao mesmo momento em que as atividades com a criança eram desenvolvidas. A mãe nos levou a um quartinho, chamado de quarto da bagunça, onde fica o computador e alguns brinquedos da Luana (criança que trabalhamos). Patrícia (mãe) nos disse que a filha está no Jardim I, tem 4 anos e 8 meses, e estuda na Escola Monteiro


Lobato, que é próxima da sua residência. Contou-nos que a menina tem uma professora, escreve o próprio nome, as vogais e os números até 10. A criança colore sozinha, depois mostra como ficou. A mãe deixou claro que ninguém faz a lição pela Luana, apenas ajudam no que ela precisa de orientação. Luana fica com a babá (Vanessa) pela manhã e a tarde vai para a escolinha. Ela não reclama da escola, mas sim dos colegas, quando eles estão fazendo alguma coisa que não pode ou que não é o momento. A mãe disse que Luana não tem problemas de aprendizagem, que seu processo é normal, mas percebe que a menina troca o “E” pelo “3”. Ela também contou que na escola tem uma nutricionista que cuida da alimentação, mas isso é uma escolha dos pais, pois alguns levam lanche de casa. A família é de Londrina-PR/Brasil, e quando vieram para Uberlândia-MG/Brasil a mãe foi procurar uma escola para Luana estudar. Patrícia gostou da escola, sabe que ela utiliza o método tradicional, gostou da disciplina que exigem lá, achou o ligar bonito, limpo, ficou satisfeita com as atividades oferecidas (natação, karatê, inglês, entre outras), disse que todos os professores são formados; na opinião dela o que importa não é o modelo de ensino seguido pela escola, o mais importante é a adaptação da criança e a menina dela não teve problema nenhum, e isso basta para a sua satisfação. Quando pedimos para falar com a babá a mãe foi logo chamá-la. Babá Conversamos com a babá (Vanessa) logo em seguida e no mesmo ambiente da conversa com a mãe. Ela nos disse que ajuda a menina a fazer as lições, mas a criança geralmente não precisa de ajuda, porque a professora explica muito bem na sala, e quando vai fazer os exercícios sabe o que tem que ser feito. Mas ela percebe que a menina tem um pouco de dificuldade com números; Luana resolve problemas de matemática simples, de adição (por exemplo, 3 carneirinhos + 2 carneirinho dá quantos carneirinhos?). Quando a menina não está na escola, ela brinca com outras crianças na área de lazer do condomínio onde reside, assiste o canal “Discovery Kids”, brinca no computador, brinca de Barbie, de escrever cartas, ajuda na cozinha (estas últimas são atividades adoradas por Luana, segundo a babá).


A menina escreveu um bilhete para a babá que dizia: “Proibido Vanessa ir embora”. Na verdade o bilhete era um desenho com uma pessoa (mulher) e um risco em cima, como uma placa de proibição. Vanessa acredita que é importante no processo de aprendizagem de Luana, e sabe disso pelas demonstrações que a meninas dá. A menina às vezes vai para a casa da babá para brincar, ela gosta de ir para lá. Vanessa relatou que a garotinha liga sozinha o computador, entra na internet e nos sites que gosta para brincar; ela sabe buscar o que quer no item “favoritos” da internet, e se não está lá ela pede ajuda, mas são poucas às vezes. Quando Luana vê televisão e em um sítio algo lhe chama atenção e deseja entrar depois, ela diz que vai anotar, pega um papel e diz que anotou, mas depois a mãe ou a Vanessa precisam digitar e lembrar o site para ela, pois não conseguem ler o que ela tentou escrever. Resultados Criança Luana, em todo o processo de sondagem que realizamos, o qual a mãe chamou de brincadeira, parecia estar bem à vontade. Demonstrou ser uma criança comunicativa, alegre e afável, dando para notar que está nas condições normais do seu desenvolvimento físico-motor para sua idade. Durante a sondagem ela demonstrou ser uma criança muito esperta, pois decorou a seqüência das embalagens mostradas e a cada atividade já nos respondia as perguntas detalhadamente sem termos a necessidade de fazê-las. No decorrer da atividade “Imagine Por que” ela demonstrou ser uma verdadeira contadora de histórias, uma criança bem criativa; mas também pudemos perceber com algumas daquelas perguntas se ajustavam adequadamente a sua realidade. No jogo de varetas, ela criou as regras e as modificou o tempo todo. Não aceitou perder; quando estava com menos varetas fazia cara de choro e manipulava o jogo de forma que ela ganhasse. Nesta atividade, percebemos o quanto Luana tem para si uma propriedade das brincadeiras, ou melhor, como ela quer ganhar a todo custo aquilo que está competindo com outrem. Talvez seja pelo fato de ser filha única e não ter que partilhar com outros o que é seu, e por isso, sente-se dona da situação, e quando não é, faz de tudo para ser. Ao final da sondagem, quando Luana nos chamou para brincar de escolinha, demonstrou certa flexibilidade, fazendo a tarefa junto conosco e nos deixando livres para


colorir do jeito que quiséssemos; isto nos surpreendeu porque no início desta brincadeira ela nos disse que deveríamos seguir suas orientações. Quanto à hipótese sobre a construção da escrita, leitura e números, podemos dizer que Luana encontra-se no nível pré-silábico da alfabetização (Ferreiro & Teberoski, 1986), no qual a criança ainda não compreende a relação entre o registro gráfico e o aspecto sonoro da fala. Há uma baixa diferenciação entre as grafias das palavras. Podemos perceber também uma presença de quantidade mínima de caracteres e a necessidades de variá-los, que pode ser constatado na produção do ditado. Luana já sabe escrever seu nome sozinha, porém demonstrou só conhecer as vogais e as consoantes L (a qual ela confunde com a letra E - cursiva) e T do alfabeto. Ela ainda não sabe ler, conhece os números de 1 a 10 e sabe fazer contas de adição e subtração. Pudemos perceber no jogo de varetas que ela está aprendendo os números de 11 em diante, mas com alguma dificuldade ainda. Queremos deixar claro que o que dizemos a respeito de Luana, são apenas suposições, pois consideramos que para aprofundarmos em hipóteses mais concisas, teríamos que conviver mais tempo com ela e desenvolver outras atividades para que a conheçamos melhor. Escola Na visita que fizemos à escola, pudemos notar o quão rígida e tradicional ela é. O material geral da escola, o modo como os alunos desenvolvem as tarefas, os materiais “pessoais” das crianças, até o comportamento dos alunos tudo pareceu padronizado. Os alunos em sala de aula obedeciam a professora sem que ela precisasse brigar ou impor sua vontade. Esse quesito chamou atenção, já que é difícil controlar o comportamento, a fala, as atitudes de crianças de 4 anos em um grupo. A maneira como a professora trata os alunos também nos agradou; delicada, dedicada, esforçada e, principalmente, pareceu ter um ouvido generoso! Sim, ela ouvia cada criança com atenção, com interesse. Pode até ser que o comportamento de Michele tenha se modificado com a nossa presença, mas como não convivemos com essa sala por mais de três horas, não podemos afirmar isto. O que podemos dizer é que Michele parece gostar muito de crianças e por isso as trata bem. Michele, durante a entrevista, afirmou que prefere o método tradicional de ensino, considera o mais eficiente, o que funciona na verdade, e que por isso não tem nenhuma queixa a respeito disso. Diz ela que “(...) dependendo de como você trabalha com o tradicional, é bem mais eficiente que o construtivismo (...)”. Contudo, também nos disse


que não conhece muito sobre o construtivismo, mas que gostaria de conhecer uma escola que só trabalhasse com esse método. A estrutura da escola é bem planeada, grande, espaçosa, organizada, limpa. Gostamos da estrutura física, porém, o resto (comportamento dos funcionários, método de ensino, a forma como a escola encara nosso tipo de trabalho enquanto estudantes) não nos agradou nem um pouco. Sentimo-nos mal na escola, como se estivéssemos incomodando o tempo todo; como se tivessem aceito que nós fossemos porque insistimos muito. A rigidez desta escola está estampada no comportamento dos funcionários, rejeitando, mesmo que de uma forma velada, outros olhares sobre a escola. O tradicionalismo está colado nas paredes da sala, no material dos alunos, nas atividades e tarefas dadas a eles. Os aspectos positivos da escola, que apontamos acima, foram esmagados pelos pontos negativos. Não há uma boa estrutura física e organização que sustente um método de ensino rígido, uma maneira fria e grosseira de lidar com o outro que está ali com o interesse de conhecer a escola sob um outro olhar. Enfim, é complicado julgar uma escola e seu método de alfabetização, pois depende do interesse de cada um: dos pais, da escola, dos alunos (será que eles têm escolha?); mas confessamos que a conduta da escola não nos agradou. Família Durante a conversa com a mãe, percebemos que Luana é uma criança criativa. Ela escreve cartas, e nesse caso não nos referimos a tarefas escolares, e as lê para a mãe, o pai e a babá. Além disso, ela realiza sozinha algumas atividades tais como acessar jogos em seu computador. Ela gosta muito de brincar com bonecas, e de fato há muitas destas em seu quarto. Os critérios para escolha da escola, pelos pais, foram a disciplina e a proximidade da mesma ao local de moradia. Nesse ponto da entrevista há algumas considerações importantes a serem feitas. Curiosamente, a mãe dessa criança é formada em Psicologia, apesar disto, ela não incluiu entre os critérios para escolha da escola a metodologia de ensino. Ela nos relatou que sabe da existência de outras metodologias, mas como não entende muito disso optou pela metodologia tradicional, e gosta dessa, pois a filha se adaptou e isso é o mais importante. Quando indagamos a esta mãe o que ela pensava sobre o “aprender”, fomos surpreendidas pela sua relutância em responder. Após alguns segundos ela disse que o


“aprender” é muito importante e que deseja oferecer à filha oportunidades de expandir seus conhecimentos. A partir desse ponto ela começa a relatar sua trajetória pela faculdade e algumas dificuldades pelas quais passou. Ela não exerce a profissão desde que passou morar em Uberlândia, mas planeja retornar a atividade no próximo ano; aos nossos olhos ela pareceu muito insegura quanto ao exercício da profissão. A entrevistada relata que seu marido faz algumas criticas à educação da criança, já que ela pode se formar e não exercer a profissão, assim como a mãe. Percebemos muito desconforto da parte da entrevistada durante essas declarações, ela ficou tremula e parecia não mais caber no cômodo da casa em que estávamos. Quando pedimos permissão para falar com a babá ela concordou imediatamente, parecia aliviada com o fim da entrevista, e rapidamente se retirou e pôs-se a chamar a babá. No início da conversa a mãe parecia muito receptiva, mas com certa insegurança. Achamos que com o decorrer da entrevista ela ficaria mais tranqüila, o que de fato não ocorreu. A babá, ao entrar para a entrevista, parecia ansiosa, nervosa, mas no decorrer da conversa ela relaxou, respondeu com tranqüilidade. Demonstrou ser uma pessoa muito atenta a menina, e pudemos perceber que ela gosta muita de estar com a criança, tanto que a leva à sua casa às vezes. Relatou que Luana a chama de “mamãe”, e havia um ar de satisfação em seu semblante ao nos contar, e uma ternura tomou conta de sua fala. Pudemos perceber que Vanessa tem orgulho da menina, ela fala com muita propriedade sobre a criança, e com satisfação. Quando terminamos as entrevistas, as atividades com a menina estavam em andamento. Considerações Finais

Este trabalho nos acrescentou muito com relação ao aprendizado de avaliação de uma criança, ao lidar com outros ambientes diferentes do nosso escolar-universitário. Percebemos que muito do que vemos nos livros, está estampado na prática, claro que de uma maneira mais imperfeita, mas essas imperfeições traduzem a particularidade de cada criança. Luana, que muito nos ajudou para desenvolvermos a sondagem, enriqueceu nossos conhecimentos demonstrando que, o que vemos em sala de aula, o que lemos e discutimos nos textos, são possíveis de serem observados na realidade, na prática.


De acordo com Ferreiro e Teberosky (1986), pudemos constatar que a criança sondada ainda está no nível pré-silábico, ou melhor, ainda está não, já está neste nível de alfabetização. Os avanços que esta garotinha de 4 anos e 8 meses apresenta em termos de compreensão do que está sendo lido, apresentado, proposto à ela, para nós, é bastante grande. A compreensão que ela possui das tarefas que têm que ser feitas, são mais importante do que saber ler e escrever corretamente. Neste sentido, concordamos plenamente quando compreender o sentido que o texto traz é muito mais importante e proveitoso do que saber ler e escrever corretamente, sem, no entanto, entender o que se está fazendo, sem saber o porquê de estar fazendo isto. O modelo tradicional de alfabetização, pelo qual todos nós fomos alfabetizadas também, passa a ser “ultrapassado” a partir do momento em que “descobrimos” o construtivismo. Conhecendo este método de ensino, o construtivismo, principalmente a partir do texto de Carvalho (2002) e das aulas de Psicologia Escolas e Problemas de Aprendizagem II, percebemos que se trata de um processo de ensino que se dispõe a adequar-se à criança, e não o contrário como é feito com o tradicional, em que a criança deve ajustar-se a ele. Segundo Carvalho (2002), o construtivismo trata-se de uma: Teoria segundo a qual o conhecimento é construído na interação entre o sujeito (o indivíduo que aprende) e o objeto do conhecimento (aquilo que vai ser aprendido). Para aprender, é preciso agir sobre o objeto do conhecimento. Esta ação pode ser de natureza mental (comparar, classificar, ordenar, formular hipóteses, tirar conclusões, etc) ou de natureza material (lidar com objetos concretos) (p. 86). Com todo o material que colhemos, com todas as observações e suposições que fizemos, não nos resta outra opinião que não seja a favor do construtivismo. As dificuldades encontradas por nós estão relacionadas justamente à pouca experiência. Curioso isto, mas é a mais pura verdade. Sentimos certa insegurança ao irmos para a realidade, ao sairmos dos livros e nos depararmos com a criança, com a escola. Ao terminarmos, pensamos em tantas coisas que poderiam ser modificadas em nós mesmas durante todo o processo, mas que só com a prática que realmente aprenderemos a lidar com estas situações; percebemos o quanto esta insegurança atrapalha em certos momentos; e entendemos também que fazem parte de um novo conhecimento.


Esta experiência nos instigou a conhecer crianças mais velhas do que Luana, para verificarmos na prática, todos os níveis de alfabetização sendo superados um a um; para verificarmos se ao invés de “comerem letras”, as crianças estão “acrescentando letras”, como já foi discutido em sala de aula. E, de certa forma, tivemos contato com essas questões através das supervisões dos outros grupos que também trabalharam com o mesmo processo, a sondagem. Para finalizar os comentários sobre esta nova experiência instigante, motivadora e esclarecedora, pela qual nós todas passamos, deixaremos nossa opinião a respeito do desenvolvimento do processo de leitura, escrita e números de crianças em fase de alfabetização. Certamente cada criança possui seu ritmo, suas facilidades e dificuldades com relação ao aprendizado, e isto deve sim ser considerado da maneira mais significativa possível. Ao invés de nos atentarmos somente ao que ela esta “errando”, ao que ela está “omitindo”, devemos nos ater aos progressos que essa criança vem fazendo com o tempo, aos avanços alcançados com o decorrer do aprendizado. Compreender uma mensagem é mais válido do que descodificá-la. É expondo nossas expectativas de uma mudança no método de ensino das escolas, pelo menos em grande parte delas, deixando de ser tradicionalistas para serem construtivistas, que encerramos nosso trabalho. Cabe à nós, futuros profissionais conhecedores dessa metodologia de ensino que vem se mostrando mais conveniente, mais produtiva que as demais, levarmos estas novas experiências ao âmbito escolar. Referências Bibliográficas

Carvalho, M. Guia Prático do alfabetizador. 4ed São Paulo: Ática, 2002. Drummond, J. A. Evolução e cultura, http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0104-59702004000100011, em 01 de dezembro de 2007. Ferreiro, E; Teberosky, A. Evolução da escrita, In: Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986, pp. 181 – 247. Góes, M. C. R. Critérios para avaliação de noções sobre a linguagem escrita em crianças não alfabetizadas. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, V. 49, 1984, pp. 3-14. Ribeiro, M. et. al. Avaliação qualitativa de crianças com queixas escolares: contribuições da psicologia educacional. Interações, 3 (5), 1998, pp. 75-92.


Salvador, G., Rech, S. T. http://ucsnews.ucs.br/ccet/deme/emsoares/inipes/numer.html, em: 01 de dezembro de 2007. Santos, E.R, Anderle, S.S. Interconexão cognitiva-motriz e a aprendizagem da leitura e escrita. http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=992, em: 01 de dezembro de 2007.


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