Revista A ed. 11

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MARCOS PONTES

de vida. Tem poluição, tem ruído, tem dificuldade de transporte, de trânsito, água mais suja, acúmulo de resíduos sólidos, lixo. Uma série de problemas urbanos. E você tem muita tecnologia ali. Por outro lado, nas áreas mais afastadas das cidades, na área mais rural, nas cidades do interior você tem uma qualidade de vida muito melhor, a convivência é muito melhor, o ar é melhor. De repente você começa a ver e conclui que é um desequilíbrio interessante, como se fosse uma balança cruzada em “xis”. Você tem mais tecnologia, menos qualidade de vida. Mais qualidade de vida, menos tecnologia. Isso te leva a pensar que tipo de tecnologia a gente quer ter na verdade pra que ao mesmo tempo a gente tenha qualidade de vida e conforto dentro de nossas casas. Acho que quanto mais perto da natureza a gente está mais a gente se sente bem. O desafio do acesso a tecnologia em cidades do interior é que a gente consiga trazer a tecnologia sem estragar a cidade, sem deixar ela se tornar uma metrópole conturbada pelo trânsito e poluição, por exemplo. E como fazer isso? Através do desenvolvimento sustentável. Eu estou com um projeto, idealizado depois que participei da 14ª Conferência Geral da Unido (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial), em Viena, ano passado, que vai ser apresentado na Rio+20 (N.E.: a entrevista foi realizada semanas antes do evento no Rio de Janeiro), em parceria com o governo do estado de Roraima, a Fundação Astronauta Marcos Pontes e a Unido. Em Viena, eu participei de diversos painéis que trataram do tema Ecocidades, que nada mais são que cidades onde certas metodologias ou tecnologias são aplicadas de forma a serem favoráveis ao meio ambiente. Algumas dessas cidades trabalham com energia, outras com transporte urbano, outras com tratamento de água. Assistindo aquilo lá, de repente me passou pela cabeça o seguinte: peraí, não existe nenhuma cidade que integra tudo isso. Isso tá errado. Se a gente tem esREPRODUÇÃO: WWW.MARCOSPONTES.NET

A realização de um sonho: o brasileiro com astronautas da Missão Centenária, em 2006

SE VOCÊ FOR VER O PRESTÍGIO E O QUE GANHA UM PROFESSOR DO ENSINO FUNDAMENTAL VAI PERCEBER QUE A GENTE ESTÁ CRIANDO UMA ESTRUTURA EM CIMA DE UM MONTE DE AREIA” sas coisas separadas a gente fica com o sistema quebrado. Porque a gente não integra todas essas tecnologias, conhecimentos, metodologias já aplicadas para estas cidades. A Unido tem contatos e trabalha em toda esta rede de Ecocidades. Eu falei com o diretor geral da organização (Kandeh K. Yumkella) e sugeri essa integração. Ele gostou da ideia e a gente começou a pensar no projeto de uma maneira mais efetiva. No início, pensamos no projeto como uma eco-cidade no Brasil e em Roraima. Aí você pode me perguntar, mas por que Roraima? Olha, eu conheço o estado e ele tem características bem interessantes. Roraima tem um pedaço de floresta amazônica, além disso, uma parte de lavrado (N.E.: termo utilizado na região para definir savana), como eles chamam e montanhas. São três ecossistemas. E ainda tem povos indígenas ali. É como se fosse uma árvore com tronco pequeno que você consegue ainda girar. Se fosse um estado como São Paulo ou Minas Gerais, que já tem um tronco de 30 metros, você não consegue girar em menos de muitas décadas. Então eu propus Roraima. Quando os técnicos da ONU vieram para visitar e analisar viram que era um estado pequeno, com 15 cidades, pouco mais de meio milhão de habitantes. Assim, Roraima vai ser o primeiro eco-estado do planeta. Pretende-se que se torne modelo pra ser copiado no restante do mundo. A ONU entra com expertise, o governo do estado com a estrutura e a fundação como gerente de projeto. Vamos começar modificando a educação, levar essa cultura de sustentabilidade para as crianças, desde o início. Preparação de professores, prefeitos, secretários, etc, pra modificar o planejamento urbano dessas cidades. É um projeto bem amplo, vai demorar seis anos sua implementação. Seis anos são suficientes? Dentro da análise que fizemos inicialmente, visitando as cidades do estado, é um tempo razoável. Seis anos é o prazo estimado para que as cidades estejam caminhando com as próprias pernas. A coisa é muito prática. Eu sou engenheiro e gosto da coisa prática. Não dá pra ficar só na discussão. Enquanto o problema não chegar dentro de casa aquilo parece que não aflige e não se toma providência. Esse projeto é a semente de um futuro diferente. É uma utopia pensar em um projeto como esse para uma metrópole como São Paulo ou Nova Iorque? Aí eu diria que esses seis anos teriam de ser multiplicados pelo menos por dez. Estaríamos falando de algo em torno de 60 anos só pra começar. Pode demorar mais tempo, mas tem que ser feito. Não tem escapatória. A gente não pode mais ter esse modelo de cidade que temos hoje em dia. Não podemos mais ter o modelo de comportamento e de consumo que temos hoje. Isso tem que ser mudado desde o ensino fundamental. Você vai a muitas casas hoje em dia e vê quantas televisões lá? Precisa de tudo isso? Cada vez que você constrói uma televisão você usa recurso. Pra descartar um aparelho televisor você tem um problema nas mãos. Outro exemplo: pra que morar numa mansão se você pode ter uma qualidade JUL-AGO/2012

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