História Lacrimogênica de Cordel (ou A Hora da Estrela) - Cia Biruta

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H“ istória Lacrimogênica de Cordel (ou A Hora da Estrela)” é um encontro com Clarice Lispector. O espetáculo da Cia Biruta de Teatro consegue entregar ao público uma Clarice muito distante do mito da autora inacessível propagada por leitores e críticos. Apresentada na rua, na praça, aberta à apreciação dos passantes, a peça do grupo teatral de Petrolina, Sertão de Pernambuco, é uma adaptação do romance “A Hora da Estrela”, escrito por Clarice e publicado em 1977.

A história original narra a trajetória de Macabéa, uma moça pobre do interior de Alagoas, que migra para o Rio de Janeiro, onde consegue um trabalho como datilógrafa. Mas, em sua adaptação para o teatro de rua, a Cia Biruta vai além de interpretar apenas a história contada no livro, leva ao palco (ou à praça) uma versão ficcionalizada da própria autora, em um jogo de mascaramento e duplo paródico entre Rodrigo S.M, Macabéa, Olímpico e Clarice.

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Em um cenário minimalista, com poucos elementos cênicos costurados em referências ao teatro mambembe e à cultura nordestina – da cortina esticada na praça, ou das peças que se movem no palco/rua –, a Cia Biruta conta sua história em cerca de 60 minutos de diálogos dinâmicos e pausas bem pontuadas, que fazem o tempo do relógio acelerar. De cadeira em cadeira, a imagem do público é de rostos concentrados, quase tristes com o reflexo da cena, ou do riso que se propaga de um espectador a outro. Inteligente e simples, ao mesmo tempo, a dramaturgia é capaz de alcançar jovens, idosos e crianças, graças a uma construção textual que acerta na acessibilidade e no tempo da comédia e da tragédia.

A atenção do público é atraída pelas nuances e sutilezas das trocas de personagens, pela entonação diferenciada dos atores, pelo trabalho corporal, entrosamento e intimidade que Cristiane Crispim e Juliano Varela demonstram em cena. Eles entregam à plateia um dos pontos altos do espetáculo, a incorporação das máscaras. Mais que acessórios, as máscaras aderem aos corpos dos atores na alternância que se faz entre Clarice e Macabéa, Rodrigo S.M e Olímpico. Atrelado ao trabalho corporal e à preparação vocal dos intérpretes, completamente transformados no palco, esse jogo máscara/corpo/voz envolve o público nas tramas psicológicas criadas por Clarice.

No momento final dessa tragicomédia, sentimos toda a nossa expectativa culminar em um arrepio na espinha ao assistir Macabéa viver a sua hora da Estrela. Durante toda a peça somos surpreendidos pelas soluções cênicas criadas pela Cia Biruta e no epílogo superamos a tragédia com um brinde ao teatro, um brinde à persona de Clarice e à sua obra, sob o olhar da própria autora, representada em um painel de dois metros de altura que se revela por trás do cenário.

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“Perder-se também é caminho”.

Não teria frase melhor para começar a escrita sobre o processo de encenação do trabalho “História Lacrimogênica de Cordel (ou A Hora da Estrela)” do que esta citação da própria Clarice Lispector, autora da obra adaptada. O convite feito pela atriz Cristiane Crispim à Cia Biruta de Teatro, para transformar uma obra literária em teatro com máscaras e encená-la nas ruas, desde o início nos levou a questionar como e para onde deveríamos seguir. Ao mesmo tempo, instigou-nos a nos embrenhar neste novo caminho/labirinto da obra de Clarice, explorando o encontro com o público através da materialização da obra, agora por meio do corpo da atriz/ator em cena.

Entretanto, o teatro não é um caminho que se percorre sozinho, por isso, foi necessário encontrar parceiros para iniciar essa caminhada. Juliano Varela, ator e professor, juntou-se a Cristiane Crispim no elenco, e, percebendo que a rua era um território pouco desbravado

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por nós, convidamos Djaelton Quirino e Carol Arcoverde do grupo Teatro de Retalhos, de Arcoverde-PE, para uma troca que proporcionou novas possibilidades e estratégias para vivenciar a arte pública. Esse encontro foi crucial para desenharmos o espaço cênico no qual os artistas da cena estabeleceriam a comunicação artística do trabalho.

Contudo, tínhamos o desafio de dar vida a dois personagens populares, Macabéa e Olímpico, por meio de corpos-máscaras. Apesar de estarem inseridos em uma obra considerada hermética e intimista, esses personagens nos conduzem a um mundo cênico onde o drama circense e existencial tenta se camuflar nas máscaras sociais ao seu redor. Formou-se, assim, uma roda de seres míticos/bufobrincantes, um terreiro que pisamos, mas que exigia guias.

Assim, Érico José, ator e encenador, uniu-se ao projeto, acompanhado por Fábio Soares, brincante de cavalo marinho. Juntos, exploraram possibilidades corpóreas, exercícios de composição e arquitetura cênica, além de um trabalho primoroso com o texto guiado por Érico, partindo das intenções e imagens das palavras escritas por Clarice. Sem dúvida, este encontro com Érico foi (e continua sendo) de extrema importância para o desenvolvimento do trabalho. Com Fabinho Soares, ampliamos o percurso ao encontrar as figuras do cavalo marinho e seus corpos dançantes, resultando em um estado de atenção e presença dinâmicas no corpomáscara, sem perder a leveza estabelecida pela brincadeira. Após absorver todas essas contribuições, retornamos ao ponto de partida. Agora, é o grupo reorganizando a caminhada, descobrindo possibilidades por meio do texto escrito, corpóreo, mascarado e plástico como formas de arte na rua.

Partimos, então, para outra demanda: a adaptação do livro para o palco, a partir de uma dramaturgia popular voltada para a rua. Este desafio seria superado e construído coletivamente nos ensaios, a partir das provocações que surgiriam durante o percurso. Exercícios, músicas, sonoridades e frases sugeridas iluminaram a dramaturgia, sendo anotados e utilizados como pré-texto ou texto vivido pelo coletivo. Neste momento, a colaboração da assistente de direção Camila Rodrigues, atriz e produtora do grupo, foi fundamental para a organização desta dramaturgia, que se materializou na cena.

Com todos esses elementos em mãos, o diretor entra com todos os seus sentidos aguçados no labirinto que é a sala de ensaio, buscando conduzir e extrair todas as possibilidades que o elenco traz de forma tão generosa e potente por meio do corpo, da voz ou das máscaras, que ganharam ainda mais

potência com o trabalho delicado, e ao mesmo tempo primoroso, do figurino feito por Leticia Rodrigues, integrante do grupo, que deu unidade aos personagens e contribuiu para a formação de uma simbiose apreciada pelo espectador. Desse modo, o trabalho deveria manter a mesma dinâmica que o romance provoca no leitor, alternando entre a expansão e a introspecção dos personagens.

Ao recordar as apresentações realizadas nas comunidades periféricas e rurais de Petrolina e o público diverso que as acompanhou, reagindo e interagindo, identificando-se com as máscaras de Madama Carlota, Olímpico e Macabéa, tenho a sensação de que estamos no caminho certo. No entanto, as máscaras pedem para percorrer novos lugares, que ainda vamos descobrir, em busca de um novo caminho, mas sempre em direção ao público.

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Por Camila Rodrigues

Oprocesso teatral é, por si só, complexo, e quando se pretende construir uma abordagem horizontalizada e coletiva, é aí que tudo se torna ainda mais complicado. A maneira que encontramos para dar voz às nossas histórias e narrativas através do teatro não é a mais fácil, não vem pronta e muito menos tem fórmula mágica. Demanda (re)conhecimento de si, do outro e do coletivo ao qual se está inserido. Requer negação de qualquer estrutura hierárquica ou de superioridade e exige uma construção horizontal, um processo democrático e, acima de tudo, honesto. Nesse sentido, o processo criativo do espetáculo “História Lacrimogênica de Cordel (ou A Hora da Estrela)” acompanha o amadurecimento do grupo ao longo de seus 15 anos e permanece na escolha de construção dramatúrgica coletiva e colaborativa, que vem sendo investigada de maneira mais consciente a partir de 2014 com o desenvolvimento da pesquisa “Cenas Ribeirinhas”.

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Em nossos projetos, buscamos trabalhar totalmente de maneira colaborativa. Neste trabalho dramatúrgico em específico, o processo criativo contou com a participação ativa de toda a equipe. Envolveu releituras da obra original, debates, atividades de escrita e compreensão do texto e das sensações múltiplas que dele emergiram, a partir de uma proposição do ator-pesquisador e encenador Érico José. Além disso, houve discussões constantes sobre o que, de fato, queríamos focar e apresentar ao público, de modo que este pudesse se identificar de alguma maneira com a narrativa. No processo de recorte e adaptação do texto, as provocações de Carol Arcoverde e Djaelton Quirino, ambos do grupo Teatro de Retalhos (Arcoverde-PE), nos acompanharam até a finalização do espetáculo, cujas atividades propostas contribuíram, inclusive, para a construção de cenas.

A própria rua, que seria nosso palco futuramente, nos inspirou tanto na estética quanto nas sonoridades que passaríamos a investigar e experimentar. Ao final do processo, elenco, direção, assistência de direção e figurinista haviam se envolvido na mesma proporção e importância.

Em processos de criação tradicionais e verticais, sabemos que há papéis vistos com mais poder de decisão, como a função de direção ou encenação. Há também o endeusamento do texto e da palavra, onde os atores e atrizes são apenas transmissores da voz do outro e o público um mero receptor do entretenimento. Não há espaço para a coletividade, para trocas, proposições, debates, críticas ou até mesmo divergências que visem um objetivo comum a todos os envolvidos no processo da criação teatral.

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A Cia Biruta vai exatamente na contramão dessa perspectiva. Para nós, a horizontalidade no labor e a polifonia de vozes durante a criação são essenciais para a qualidade artística e profissional que buscamos alcançar, assim como para a sociedade que, cotidianamente, buscamos construir.

Para um grupo interiorano, que atua e promove ações na periferia de uma cidade ribeirinha que não dispõe de um planejamento político concreto para a cultura, pensar as coletividades e as trocas é pensar sua própria existência. Para existirmos e criarmos, precisamos que o outro também tenha todos os suportes necessários para existir e criar, que tenha espaços e liberdade para expressar quem se é e sua visão acerca do mundo. Sendo assim, ao tomarmos consciência do entorno e do contexto que nos reflete socialmente, não haveria, artisticamente, outra maneira de desenvolvermos nossas pesquisas e processos.

Assim, feito por muitas mãos, mentes e corações, o espetáculo “História Lacrimogênica de Cordel (ou A Hora da Estrela)” abarca todos esses princípios. Sem o companheirismo, parceria, compromisso e fé dos profissionais envolvidos, esse trabalho não teria saído do plano das ideias e se concretizado nas ruas, com o povo. Sem escuta, sem abdicação das vaidades e dos egos, sem os passos para trás e sem os recomeços, Macabéa não teria nascido em nós e nós, nela, não teríamos renascido e nos dado o direito ao grito, parafraseando Clarice Lispector.

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Macabéa demorou para nascer em meu corpo. Um corpo que, mesmo antes de tê-la em seus braços, abdômen, pernas, nervos, ossos e músculos, já a experimentava em medos, pausas e rompantes de quem não tem muito jeito para a vida. Quem tem? Macabéa é descrita por Clarice como alguém extraordinariamente incompetente para a vida, mas quem seria competente? Eu sou Macabéa: ela forçou dentro de mim sua existência.

Foram 8 anos desde a frustrada tentativa da primeira montagem em 2015 até a aprovação da montagem de teatro de rua no edital do Funcultura Geral em 2019/2020 e a estreia em 2023. Nesse meio tempo, elaborei meu trabalho de conclusão de curso, explorando o processo criativo em máscaras para a adaptação da obra “A Hora da Estrela”. Embora o espetáculo não tenha vingado, o trabalho com as máscaras continuou, justificando meu percurso na Licenciatura em Artes Visuais pela UNIVASF e trazendo a máscara como eixo do estudo sobre tridimensionalidade e os atravessamentos da materialidade desse objeto com a literatura, a cena e a história do teatro.

Na exposição do meu TCC em 2017, apresentei as máscaras de Madama Carlota, Seu Raimundo, Glória e o Médico, esculpidas por mim, e dois bonecos de madeira que projetei e que foram esculpidos por um artesão. Naquele momento, as máscaras falantes estavam mudas, os bonecos - sentados em um banco de praça colocado no meio da expografia - imóveis, incapazes de inventar acontecimentos para si. Fotografias em que calço as máscaras em meu corpo com as gestualidades das personagens, lembravam ao público que elas foram feitas para o jogo cênico.

Porém, tratava-se de um ensaio fotográfico, de uma emulação do jogo, e sequer a memória documentada pela imagem continha o acontecimento teatral. Faltava dar vida às máscaras, fazê-las cumprir seu legado ancestral de intermediar o visível e o invisível, de evocar deuses e forças, incorporar nos rituais os mitos e as histórias que congregam as gentes em círculo.

Em 2020, publiquei meu TCC em formato de livro, intitulado “Mitos, Ritos e Tipos no Processo de Criação em Máscaras”, onde relato os caminhos poéticos que percorri para esculpir as máscaras. Ressurge, após o lançamento, a necessidade de retomar o processo de montagem mas, desta vez, com um desafio adicional: a rua. A percepção dos caminhos apontados pela pesquisa indicava uma relação do texto não apenas com as máscaras, mas com o teatro popular, o circo, o melodrama e o cordel como literatura compartilhada pela performatividade do corpo-voz. Assim, escrevi o projeto e convenci o grupo a reviver o desejo de colocar Macabéa em cena.

Inclusive, “Macabéa” era o nome da primeira tentativa de montagem mas, dessa vez, para ficar explícita a nossa opção de diálogo com a estética e a linguagem popular da máscara - e para manter a tradição de nomes longos cultivada pelo grupotornou-se “História Lacrimogênica de Cordel (ou A Hora da Estrela)”.

Antes, o nome de Macabéa era o título, mas sua máscara como objeto não existia; a atriz representava-a, desnuda do personagem autor/autora Rodrigo S.M. No entanto, ao final do processo dessa nova proposta (aprovada pelo edital em plena pandemia e que, por isso, passou por nova suspensão de anseio, transcorrendo, de fato, de setembro de 2021 a dezembro de 2023), Macabéa reclamou sua vida materializada na máscara. Pela máscara, ela fala, age, e eu me vejo. A máscara de Macabéa foi concluída no dia de sua estreia em cena - um parto. Eu pari a máscara de Macabéa e nasci como atriz, mais uma vez, com ela.

Como uma divindade ou um espírito ancestral que deseja comunicar-se com seu povo, Macabéa apresentou-se nas ruas e praças das periferias e zona rural de Petrolina, Pernambuco, no mês em que os cristãos celebram o nascimento de Cristo. Nas últimas apresentações, seu nome ecoou insistente na boca de uma criança, que, repetindo uma das cenas do espetáculo, saiu gritando: “Macabéeea, Macabéea!” Assim, Macabéa, que insiste em renascer, nasceu também naquele grito eufórico de um menino encantado com o teatro realizado na praça de seu bairro.

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Por Juliano Varela

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Cada ser humano resultante de um [sim molecular]* vive, sob a égide solar universal, fincado na inquietude. Não existe vida sem inquietude, seja ela de qual natureza for.

Pode ser emocional, financeira, erótica, artística... alguma há e disso ninguém consegue fugir. É o esplendor da vida [explosão].

Qual era a inquietude de Clarice?

[O que me atrapalha a vida é escrever]. E Macabéa, o que a inquietava? [Acho que não preciso vencer na vida].

Há sempre algo que nos espinha a medula. A cada movimento brusco o sentimos. A cada respiração um tanto ofegante o sentimos. A cada cochilo descuidado o sentimos, porque [sentir é um fato]. Não há como escapar daquilo que nos faz suar as faces, as mãos e as virilhas. É a pulsação vibrante do ato de criar. [Pensar é um ato].

Tudo é criação divina, pois [Deus é o mundo]; criar é se perder na inexata agonia da manipulação das ideias para vislumbrar os borrões, os esboços, os desenhos herméticos, para se deleitar nas incompreensões das possibilidades, para se deixar também ser manipulado pelo caminho até que, ato contínuo, o tête-à-tête acontece, e ela, a obra prima, se apronta para te criar. [Ela forçou dentro de mim a sua existência].

Por vezes não sabemos se foi Clarice quem criou Macabéa ou se foi Macabéa quem criou Clarice. A Macabéa de Clarice (ou a Clarice de Macabéa) é um espinho fincado em alguma mucosa nossa de cada dia. Algo de tão íntimo-escancarado que chega a nos constranger:

como pode uma pessoa que, ao ser tão ela, é capaz de [ser obrigada a ser feliz, mesmo sem saber o que ela era, assim como um cão não sabe que é um cão]?

Qual o tamanho da fé de gente artista que, ao ser tão gente, é capaz de encarnar palavras e outras gentes tão vivas e tão lacerantes, como a Macabéa de Clarice (ou a Clarice de Macabéa)? Ou trocando em miúdos: quando é que a gente descobre que é gente? [Desculpe, mas não acho que sou muito gente]. E quando é que a gente descobre que é gente artista?

O pensamento antecede a ideia, a ideia antecede a palavra, a palavra pensada antecede a palavra escrita [desde Moisés se sabe que a palavra é divina].

A gente nasce de um [sim molecular] como coisa que se faz carne, que nos antecede como gente que sente e que age, que nos antecede como gente que se faz classe, coletivo latejante que pulsa vida [todas as vidas são uma arte], vida real, mesmo que ficcionada, a mais cruel das possibilidades, porque vida está em todo lugar, [brotando até do chão por entre as pedras], nos exigindo atitudes inquietantes.

A fé que move artistas de literatura e de teatro — e aqui, de literatura com teatro — é tal qual a fé que um cão tem em seu dono, capaz de se entregar a uma ultrapassagem em subida de focinho aberto, alegria ofegante, sorvendo o vento como numa grande brincadeira sem risco. Escrever palavras e encarnar vidas no teatro é ofício de ventura, é trabalho de verdade, [é contato interior inexplicável], é tatuagem-água-viva.

Mas quando é que artistas percebem tudo isso? Há respostas às inquietudes da vida? Ora, não sejam ingênuas, Macabéas, Cristianes, Rodrigos, Julianos, Olímpicos, Carlotas... Tudo é vida quando se há cruza, desde a fase mais larvária até a mais expressiva. Tudo é cruza, divina, encontro sinestésico, resultado do que ocorre no processo, no fazer, no labor, no inesperado até, pode ser, mas, sobretudo, naquela [simplicidade que surge após muito trabalho].

Não há espinho maior na vida de artista que a impossibilidade do encontro. [É que ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e sofrer um pouco é um encontro]. É para nós e para outras pessoas que fazemos o que fazemos, mas não é um “para nós e para outras pessoas” qualquer. Gente artista sempre almeja um olhar cruzado que diz “vai!” e é no olhar cruzado que diz “vai!”

que a gente se entende como artista, que a gente sabe que é artista, porque é a hora que a gente vai ter que saber o que fazer com esse olhar cruzado.

Às vezes, o olhar é de julgamento, às vezes, é de afago. Mas o que importa mesmo é saber o que fazer com o olhar, é saber como lidar com ele, como jogar com ele. É aí que reside a pulsação vibrante do ato de criar, é aí que reside o encontro com as possibilidades. É aí que se “vai!”.

Porque em cena, de nada vai adiantar o julgamento que te desestabiliza, muito menos o afago que te alimenta a vaidade. É no olhar com as outras pessoas, olhar que te enxerga, que te afeta, que te mergulha ao mesmo tempo que te transborda, que pode te amar ou te odiar; é na experiência da alteridade, seja ela cruel ou compassiva [Eu bem avisei que era literatura de cordel, embora eu me recuse a ter qualquer piedade], que gente artista se percebe, no pleno exercício de sua arte-fé.

E assim, a gente, gente de literatura com teatro, esperançosa que nem uma Macabéa, toca esse bonde livresco, lacrimogênico e melodramático, [enorme como um transatlântico], entre Clarices e morangos, personagens circenses de uma vida paquerada pela morte [a vida come a vida], porque todo mundo morre; morre? [A morte que é nesta história o meu personagem predileto].

Gente artista de literatura com teatro, essa gente que [mexe com coisas delicadas], vai longe demais, até encontrar seu ponto de não retorno. É dali pra frente, não se pode voltar,

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pois é esperada e querida a estreia e tem sempre alguém disposto a escutar as palavras ditas, a sentir as emoções vividas, a arder no calor que emana do trabalho coletivo, nas mais fervorosas periferias, nos mais profundos sertões.

É certo que todo mundo morre, assim como morreu Macabéa, assim como morreu Clarice. Mas gente artista de literatura com teatro, em seu ato contínuo de criação, tem em si uma estratégia interessante. Que se ouça em alto e bom tom: [Eu, que simbolicamente morro várias vezes só para experimentar a ressurreição]

[Sim].

*Entre colchetes, Clarice Lispector em “A Hora da Estrela”.

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Cia Biruta de Teatro de Petrolina atua desde 2008 no sertão de Pernambuco buscando, na concepção de seus projetos e espetáculos, construir diálogos com as questões sociais e políticas do Brasil contemporâneo. A partir da pesquisa artística e antropológica dos processos e práticas populares de cultura e resistência

existentes nas margens do rio São Francisco, alia a produção teatral com ações de formação artística de jovens da periferia, de que é resultado a criação do Núcleo Biruta de Teatro, onde desenvolve além de experimentações estéticas, procedimentos pedagógicos em teatro a partir das vivências do grupo em suas pesquisas.

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Diretor, ator, produtor e cofundador da Cia Biruta de Teatro. Atua também como diretor artístico das ações formativas do Núcleo Biruta de Teatro no qual foi responsável por ministrar oficinas, orientar e encenar “Corpo Fechado” (2019) e “Processo Medusa” (2017), dentre outros trabalhos. Nos últimos anos desenvolveu a pesquisa, “Cenas Ribeirinhas” (2014-2016); produziu o projeto de formação e intercâmbio “Pontes Flutuantes” (2017 e 2019) e dirige e atua no espetáculo “Chico e Flor contra os monstros na Ilha do Fogo” (2015). Também dirigiu trabalhos no universo da contação de histórias, dentre eles a web-série “Contanto o Rio Opará – Histórias para navegar” (2021) e o espetáculo “Notícias do Dilúvio - Um canto a Canudos” (2023).

Atriz, diretora, produtora e cofundadora da Cia Biruta de Teatro, em Petrolina, grupo gerado em 2008. Foi coordenadora e atrizpesquisadora no experimento cênico da pesquisa homônima Cenas Ribeirinhas (2016). Atuou nos espetáculos “Processo Medusa” (2017), como atriz e uma das colaboradoras na dramaturgia; “Corpo Fechado” (2019) como codiretora; e “Notícias do Dilúvio – Um canto a Canudos” (2023), como atriz e coprodutora. Autora do livro “Mitos, ritos e tipos no processo de criação em máscara” (2020). Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) - DCH Campus III, Juazeiro-BA. Especialista em Dança Educacional e Artes Cênicas pela CENSUPEG. Graduada nos cursos de licenciatura em Artes Visuais (UNIVASF) e em Letras Português-Inglês (UPE). Professora de Arte na rede de ensino público do estado da Bahia. Professora-tutora no Curso EaD de Licenciatura em Teatro (UFBA).

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Atriz-pesquisadora e produtora cultural na Cia Biruta de Teatro. Esteve no elenco e na coordenação de temporadas e itinerância do espetáculo “Processo Medusa”. Coordenou o “Núcleo Biruta de Teatro” (2022) e a “oficina de Palhaçada para Criação Cênica” (2021) e a “Mostra Biruta 14 anos - Resistências Artísticas no Semiárido Pernambucano” (2022). É atriz e coprodutora de “Notícias do Dilúvio - Um canto a Canudos”, espetáculo que integrou a mostra “Encruzilhada Nordeste(s): (contra)narrativas poéticas”, do projeto “Cena Agora” (Itaú Cultural) em 2021 e, em 2023, o projeto Temporada Casas de Espetáculos (Sesc Petrolina), bem como a mostra local do projeto Palco Giratório na programação do festival Aldeia do Velho Chico (Sesc Petrolina). Também é atriz e coprodutora do espetáculo infanto-juvenil “Chico e Flor contra os monstros da Ilha do Fogo” (2023).

Graduanda em Artes Visuais pela UNIVASF, é produtora cultural e faz parte da Cia Biruta de Teatro atuando como atriz, figurinista, sonoplasta e assistente de produção em seus espetáculos como “Contando o Rio Opará – Histórias para Navegar”, “Processo Medusa”, “Corpo Fechado”, participou, junto a Cia Biruta, de festivais relevantes para cena artística pernambucana, como o “Janeiro de Grandes Espetáculos”. Atuou como codiretora de arte e figurinista no filme “CHICO E FLOR: A LENDA DO RIO OPARÁ” (2021). É idealizadora do Quilombo Urbano, onde trabalha na produção de cadernos artesanais, dentre outros produtos artísticos, realizando oficinas de encadernação. Em parceria com a Cia Biruta, pode realizar a mostra de artes, “Mostra de Arte Novembro Negro, liberdade é não ter medo de brilhar” em 2019.

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É ator, performer, escritor e professor de sociologia do IFSertãoPE desde 2012. Começou no teatro em Natal-RN (1997), de onde é natural. Foi integrante do Núcleo de Teatro do SESC Petrolina (2015-2019), onde atuou na performance “Procura-se um Corpo: Ação N. 3”. No Coletivo Passarinho, Juazeiro-BA, atuou na peça “Maria e Virgulino na Hora Anunciada” (2015-2018). Com o personagem “Lampião”, participou de duas edições do “Júri Épico”: o do próprio Lampião (2019) e o do Padre Cícero (2023). No audiovisual, atuou nos curtas “Insônia” (2021) e “Enquanto você dorme” (2022) e performou no clipe “Estado Caducante”, da Banda TioZéBá (2021) e no vídeo autoral “Vermes que Governam” (2021). Como ator convidado da Cia Biruta de Teatro, trabalhou em “Processo Medusa” (2022) e está em “História Lacrimogênica de Cordel (ou Ahora da Estrela)” (2023-2024). Na literatura, publicou o livro de contos “Horizonte riscado” (2022), em parceria com o Grupo de Pesquisa Macondo, da UFRPE.

Graduada em Jornalismo, pela Universidade do Estado da Bahia, e Mestre em Comunicação Social, pela Universidade Federal de Sergipe, Eneida Trindade é jornalista e produtora cultural. Tem como principal área de atuação a assessoria de imprensa, desde 2009. Como jornalista, atuou em órgãos como a Diretoria de Museus do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, na Secretaria de Educação do Estado da Bahia, na Secretaria de Cultura, Turismo e Esportes de Juazeiro e na Secretaria de Educação e Juventude de Juazeiro, além da assessoria de imprensa da Cia Biruta de Teatro desde 2015. Como produtora, atuou na produção da coletânea Multimídia “Bahia de Todos os Cantos”, do curta-metragem de animação “Contando Janeiro” e, desde setembro de 2023, vem desenvolvendo o projeto “Canta Baixinho para Ouvir Melhor”.

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Texto adaptado:

A Hora da Estrela - Clarice Lispector

Direção de produção:

Cristiane Crispim

Produção executiva: Camila Rodrigues

Assistência de produção: Antonio Veronaldo

Leticia Rodrigues

Direção artística, pesquisa e cenografia:

Antonio Veronaldo

Assistência de direção, pesquisa e adaptação dramatúrgica:

Camila Rodrigues

Atuação, pesquisa e adaptação

dramatúrgica:

Cristiane Crispim

Juliano Varela

Preparação de elenco – oficina de máscaras:

Érico José

Fábio Soares

Preparação de elenco – oficina de teatro de rua:

Caroline Arcoverde

Djaelton Quirino

Criação, confecção dos figurinos e pesquisa:

Leticia Rodrigues

Criação e confecção de máscaras:

Cristiane Crispim

Apoio técnico:

Amanda Karoline

Anna Beatriz

Cibelle Vieira

Patrick Hernan

Execução de iluminação:

Deborah Harummy

Leticia Rodrigues

Execução de sonoplastia:

Camila Rodrigues

Interpretação em Libras:

Ely Vieira

Rita Silva

Registro audiovisual, edição e fotografia:

Abajur Soluções

Design gráfico:

Giovane Peixoto

Assessoria de imprensa:

Eneida Trindade

Comunicação em redes sociais:

Camila Rodrigues

Leticia Rodrigues

Apoio cultural:

Moésio Belfort

SEDUCE - Secretaria Executiva de CulturaPrefeitura de Petrolina

Parceria:

IFSertão - Campus Petrolina

Grupo de pesquisa LEABRASIL - IFSertãoCampus Petrolina

Incentivo: Governo de Pernambuco - Fundarpe/Funcultura

Realização:

Cia Biruta de Teatro

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Organização e editoração:

Camila Rodrigues

Cristiane Crispim

Textos:

Antonio Veronaldo

Camila Rodrigues

Cristiane Crispim

Eneida Trindade

Juliano Varela

Revisão ortográfica:

Camila Rodrigues

Fotografias:

Abajur Soluções

André Amorim

Cibelle Vieira

Fernando Pereira

Thierry Oliveira

Design e diagramação:

Giovane Peixoto

Parceria:

IFSertão - Campus Petrolina

Grupo de pesquisa LEABRASIL - IFSertãoCampus Petrolina

Incentivo:

Governo de Pernambuco - Fundarpe/Funcultura

Realização:

Cia Biruta de Teatro

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