Revista Inscrita nº 14

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dossi ê temático

Internação compulsória: um canto de sereias1 Cristina Maria Brites*

O

imaginário social sobre o consumo de crack tem sido alimentado por uma série de reportagens veiculadas pela mídia patronal2, nas quais destacam-se imagens que registram os comportamentos de risco e ilícito dos usuários da substância nas chamadas cracolândias das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Usuários de crack correndo em meio ao trânsito da movimentada Avenida Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, após tentativa de recolhimento pelo poder público municipal; venda e uso de crack ocorrendo de forma ‘descontrolada’ em algumas ruas da região central da cidade de São Paulo; depoimentos de familiares desesperados em busca de filhos, pais, mães, irmãos em cenários degradantes: ruas, becos, buracos em viadutos, construções desocupadas, locais abandonados e repletos de entulho e lixo, nos quais concentram-se a venda e o consumo dessa droga.

Imagens chocantes e degradantes, que suscitam nos telespectadores sentimentos de revolta, medo, insegurança e impotência. Desperta-se de imediato o impulso desejoso por uma solução eficiente, rápida e definitiva para eliminar a presença aterrorizante do crack em nossa realidade. Imagens fortes, como alertam alguns âncoras jornalísticos, acompanhadas por relatos de tragédias familiares, números sobre o consumo de crack e fracassadas tentativas de interrupção do uso moldam uma visão fatalista sobre esse fenômeno. Visão que, por sua vez, nutre o apelo uníssono pela repressão e pela cura. Tais notícias, intencionalmente reprisadas pela maioria dos canais abertos da televisão brasileira, revelam e ocultam verdades sobre a realidade do consumo de crack entre nós. Revelam a gravidade da dependência do uso da droga, os desafios que se colocam para

N ú mero 1 4 • C onselho F ederal de S ervi ç o S ocial

* Assistente social, doutora em serviço social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense (UFF). 1 - Vale assinalar que os elementos aqui apontados não esgotam a complexidade do tema, e os aspectos aqui abordados, visam a complementar os debates sobre o tema que tratam mais detidamente da violação dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Reforma Psiquiátrica. 2 - Salvo engano, o termo foi cunhado pelo jornalista José Arbex Jr, para designar o conteúdo e a forma da produção de notícias que atendem aos interesses dominantes, representados pelos proprietários dos veículos de comunicação no Brasil.

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