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Nosso Mundo...4 Mundo de Todos

Uma questão científica e filosófica

Do ponto de vista científico, a fecundação é um processo contínuo, que dura entre 25 e 30 horas. A singamia – fusão do material genético masculino e feminino – é o momento crucial em que podemos falar de um novo organismo. Relativamente ao estatuto biológico do embrião, o Código Deontológico da Ordem dos Médicos refere que “o médico deve guardar respeito pela vida humana desde o momento do seu início”. Da mesma forma, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida defende que “a vida humana merece respeito, qualquer que seja o seu estádio ou fase, devido à sua dignidade essencial”. Se é certo que a ciência sabe quando “começa” a vida humana, o“início” da pessoa humana é uma questão muito diferente do ponto de vista ético. Sobre esta questão filosófica e nada consensual a ciência não se pode pronunciar. De facto, a vida humana tem início com a fecundação, mas nunca se chegará a um acordo acerca da definição ontológica e ética do embrião. Levantam-se infinitas controvérsias quando até os mais respeitados pensadores procuram respostas a estas perguntas. Para os defensores do direito à interrupção voluntária da gravidez, este é um cuidado de saúde e o direito aos cuidados de saúde é um direito humano. O feto é parte do organismo materno e a mulher tem livre-arbítrio no que diz respeito ao seu corpo. Frases como “o meu corpo, a minha escolha”, são usadas repetidamente quando se discute este assunto. Por outro lado, quando temos em conta os múltiplos critérios sociais e económicos que podem levar uma mulher à decisão de abortar, é fácil depararmo-nos com um paradoxo: será o aborto mais condenável que a rejeição de uma criança fruto de uma gravidez indesejada, que será, possivelmente, maltratada ou abandonada e sujeitada aos mais variados tipos de trauma? No final de contas, temos de conhecer e examinar os diversos argumentos à luz dos princípios da bioética e elaborar dentro de nós um entendimento, tendo consciência de que cada um emite opiniões com base nas suas próprias crenças e em regras éticas e morais. A título pessoal, considero que a descriminalização do aborto não obriga as mulheres grávidas a realizá-lo; permite-lhes, sim, terem mais controlo sobre o que acontece no seu corpo e o impacto que terá nas suas vidas. Ao impedir-se o acesso a um aborto seguro, aumenta-se a mortalidade das pessoas com útero, uma vez que estas não vão deixar de abortar, mas terão de passar a fazê-lo de forma clandestina e insegura, com consequências devastadoras.

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Aviso: Pontes sobre Muros Precisam-se

Mariana Martinho, 4º ano

Aviso: Pontes sobre Muros Precis-“Acessibilidade é acesso. Pode ser entendida como o acesso de qualquer pessoa, incluinam-se do as pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida, ao meio físico da sociedade, ao transporte e à comunicação, garantindo a sua segurança e a sua autonomia.” (Unesco) Desigualdade. Barreiras ao acesso - ao meio físico, ao transporte, à comunicação. Pessoas com deficiência, que, depois de tantos anos de Humanidade e, portanto, de tantas pessoas com deficiência, ainda são alvo de tantas falhas no que toca à acessibilidade. 1/6 das pessoas na UE têm uma deficiência - seja ela motora, visual, auditiva, intelectual ou invisível (80% de pessoas com uma deficiência que não é visível pela população).

Mas quando é que a acessibilidade a pessoas com deficiência Mas quando é que a acessibilidade a pessoas surgiu como um problema? com deficiência surgiu como um problema?

Então e agora?

Remontamos à Idade Média. À época dos corpos majestosamente construídos. Se assim era, os corpos humanos que cumpriam os requisitos eram exaltados, mas os restantes… falhavam no paradigma. E, por isso, as pessoas com deficiência eram ignoradas na sociedade - até hoje. Este pensamento de valorização do corpo ideal conduziu a uma construção de um mundo cujos acessos não eram pensados para todos. A acessibilidade não era pensada e concretizada. As pessoas com deficiência a ser ignoradas - até hoje.

Então e agora?

Capacitismo: define a discriminação contra a pessoa com deficiência. Experiencia-se não só pela componente física, mas também pela linguagem ou pelas atitudes. (Catarina Oliveira, de “Espécie Rara sobre Rodas”) Vivemos numa sociedade que é capacitista. Algures, todos temos atitudes capacitistas - a infantilização (falar para alguém com deficiência como se falássemos para uma criança), tomar a condição como um elogio à pessoa com deficiência ou àqueles que a rodeiam (“és tão forte”, “deve ser um fardo cuidar dessa pessoa”), etc. Portanto, é urgente desconstruir certas ideias que vamos criando e atitudes que aprendemos por imitação. Sem culpa, porque nos foi ensinado assim e não tivemos outra escolha, mas com o senso de responsabilidade de que podemos reaprender e ser mais conscientes do que somos, fazemos e dizemos. Por isso, como quando refletimos sobre qualquer minoria e percebemos o nosso privilégio, a atitude certa é apercebermo-nos da responsabilidade que nos cabe.

“A responsabilidade é que gera a mudança, a culpa paralisa-te.” (Catarina Oliveira)

A estranheza associada a estar junto de alguém com uma condição com a qual não estamos habituados a lidar acontece - e é por isso que normalizar e falar mais sobre o assunto (principalmente, diretamente com quem lida com uma deficiência) é o caminho a seguir. Privilegiemos o diálogo. Quando conhecermos uma pessoa com diversidade funcional, questionemos como ela se sente melhor e sobre como podemos ser úteis (obviamente, sem ser invasivos). Como faríamos com qualquer pessoa - porque é que com uma pessoa com deficiência seria diferente? E, acima de tudo, mais do que a pergunta, preocupemo-nos em ouvir a resposta. Os pedidos, as vontades, os direitos de qualquer ser humano são válidos, e uma pessoa com deficiência merece usufruir deles. É a isto que se chama acessibilidade - é sobre podermos todosser independentes de terceiros e garantir a

A doença e o défice são realidades com as quais vamos lidar no quotidiano de um Hospital. Mais não seja porque vamos lidar com todo o tipo de pessoas. Neste contexto, iremos contactar, alguns pelas primeiras vezes, com quem tem necessidades diferentes das nossas, que sofre com os olhos de estranheza, com os comentários de pudor, de uma sociedade marcada pelo ideal de perfeição. Por isso, somos agentes ativos, na tentativa de melhorar um mundo ainda tão preso a ideias do passado. Como vamos agir? Como será o nosso olhar, a nossa escuta, a nossa voz perante este tema? todos igualdade nas oportunidades - o que, socialmente, ainda estamos longe de alcançar. Felizmente, nos últimos tempos, temos assistido a cada vez mais sensibilização sobre o tema. Nas redes sociais, cada vez mais vídeos sobre o assunto têm sido partilhados. Cada vez mais, também esta “minoria” ganha voz. E, com a compreensão da existência do problema, acontece a mudança. Mais legendas, mais rampas, mais barreiras a ser abolidas e pontes a ser construídas. Mas ainda muito falta fazer. O estigma em relação a quem atravessa mais barreiras no seu dia a dia do que o próprio é uma realidade muito presente, pelo que a compreensão de que diferentes pessoas precisam de diferentes recursos, de que precisamos de uma atenção, não igual, mas igualitária, para que cada um tenha acesso ao que necessita, é crucial.

Não é um problema ultrapassado. Enquanto houver a quem seja impedida acessibilidade, é um problema do presente e do futuro. As pontes do diálogo são as pontes que unem o surdo a uma conversa, o senhor em cadeira de rodas ao bonito miradouro ou a senhora com défice motor à sua bebida preferida. São muros que precisam de ser derrubados e cujo conteúdo, de tanto interesse, não pode ser deixado de lado. Tomemos consciência de que somos pedras que vão sendo lapidadas, para que se construam pontes sobre os muros. Precisam-se.

Somos Futuros Médicos

ANEM: de portas abertas para ti.

Francisco Franco Pêgo Presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM)

. Em primeiro lugar, quero dar-te as boas-vindas a Medicina! Esta é a frase que mais te é repetida estes dias. Mas é de facto uma frase da maior justiça. Não é toda a gente que consegue estar onde estás hoje e deves sentir-te com muito orgulho nisso. Mas o melhor ainda está para vir. Vais passar cerca de 6 anos neste curso e isso é muito tempo. Vai passar muito depressa, não tenhas dúvida - diz-te quem se está agora a despedir da faculdade - mas no final vais olhar para trás e perceber a diferença avassaladora entre a pessoa que entrou e a pessoa que saiu do curso. Vais viver aqui muitos dos momentos mais marcantes da tua vida e isso vai acompanhar-te sempre. Apesar de esta pintura de “time of our lives” ser justíssima e verdadeira, também não posso dourar a pílula. A verdade é que nem tudo é um mar de rosas a partir daqui… E provavelmente a primeira coisa que deves saber é que este país ainda não decidiu se quer que tu sejas de facto um médico especialista, pronto a exercer uma profissão que beneficia a população através de cuidados de qualidade. Por mais estranho que pareça, assumiram contigo e com os teus colegas o compromisso de vos deixar embarcar nesta primeira metade da viagem, mas quando chegarem a meio dela, daqui a cerca de 6 anos, os botes que prosseguirão serão muito menores que os barcos em que agora estão. Esqueceram-se do compromisso que tinham assumido convosco no início deste curso e vão deixar-vos ficar a meio da formação. Mais ainda: apesar da grandeza desta viagem e das ótimas recordações que dela levarás, não irás certamente esquecer o momento em que apenas puderes auscultar um dos pulmões ou uma das metades do tórax de uma pessoa doente por haver 10 colegas teus que precisavam de treinar essa mesma auscultação ao mesmo tempo. Ainda menos da vez que essas forem as condições para fazer um toque retal ou vaginal. Creio que assim percebeste o enredo deste romance que é ser estudante de Medicina:

Uma pessoa entra muito feliz num curso que a faz plena e com o qual se identifica

Depois é deparada com uma série de adversidades que parecem impossibilitar qualquer sensação de concretização

Felizmente, como em todos os enredos, também aqui há um desfecho positivo com a intervenção de uma personagem que arrebata a história. A única diferença é que aqui não há um herói de capa ou uma fada que espalha purpurinas para assumir esse papel. São mesmo pessoas como tu - de carne e osso; que também estudam anatomia e histologia e fisiologia; que também conciliam os estudos com a restante vida pessoal - a assumir este protagonismo de mudar o ensino médico e a forma como o ensino superior e a saúde são geridos em Portugal.

Mundo de Todos

TU PODES SER PARTE DA ANEM COM FACILIDADE!! COMO?

• Participando nos eventos que a ANEM organiza • Candidatando-te às Comissões Organizadoras das atividades da ANEM • Integrando as delegações da ANEM aos seus eventos internacionais • Eventualmente integrando o NEM/AAC e sendo Representante Local na ANEM

Somos estudantes espalhados pelas várias Faculdades de Medicina deste país e pegamos diariamente em causas como aquelas que ali escrevi, decidindo ser os agentes de mudança dessas realidades: Seja na Saúde Pública, Educação Médica, Saúde Sexual e Reprodutiva, Formação, Tecnologia em Saúde, Direitos Humanos ou programas de Mobilidade, somos uma equipa de cerca de 200 pessoas que anda pelo país a tentar melhorar o ensino e a saúde em Portugal - a Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM)! Organizamos atividades, reunimos com ministérios, fazemos campanhas, vamos a eventos internacionais, entre muitas outras formas de atuação… tudo com o intuito de fazer algo mais por cada uma destas causas. Por fim, e acho que para já será o mais relevante, tenho de te contar uma última coisa sobre estas pessoas… Hoje em dia é extremamente fácil saberes de todas estas oportunidades através das nossas redes – Instagram ou Facebook – pelo que com um “follow” ou “like” tudo isto te passa a chegar à frente dos olhos com facilidade. Para já, esperamos ver-te no próximo Congresso Nacional de Estudantes de Medicina ou a candidatar-te a uma das próximas Comissões Organizadoras que vamos abrir. Qualquer questão, não hesites em contactar-nos. A ANEM é a casa dos 12 000 estudantes de Medicina em Portugal e tu acabas de entrar para ela. Desafio-te a aproveitá-la, para que também faça parte dessa dife- rença avassaladora que vais ver na tua vida em 6 anos!!

Educação Médica

Monkeypox: Nova ameaça?

Dr Pedro Silva, Alumnus FMUC

Pedro Silva

Em maio deste ano, foi detetado o primeiro caso na Europa de Monkeypox ou Varíola dos Macacos num cidadão britânico que tinha vindo da Nigéria. O país africano identificou casos em várias regiões desde o ano passado. Posteriormente ao primeiro caso no Velho Continente, foram detetados mais 18 843 em 29 países europeus (dados de 6 de setembro de 2022), em que muitas das pessoas não tinham saído do continente europeu. A nível mundial, de acordo com o Center for Disease Control and Prevention (CDC), perto de 58 000 casos, a esmagadora maioria em locais não endémicos, e 18 mortes foram reportadas em 103 países (a 12 de setembro de 2022). Já em Portugal, segundo a Direção Geral da Saúde, foram diagnosticados 897 infetados, 99% em indivíduos do sexo masculino. Até junho deste ano, o diretor da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesu, declarou a doença como Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional, atendendo ao aumento significativo do número de novos casos.

Mas o que é Monkeypox?

Esta patologia é uma zoonose identificada primeiramente em colónias de macacos em 1958. Contudo, os primatas não são considerados como reservatório do vírus, sendo apontado como origem mais provável os pequenos roedores. A doença é endémica na África Central e Ocidental e foi identificada pela primeira vez em humanos em 1970. Tal como a Varíola, é da família dos Ortopoxvírus e, desde a década de 80 do século XX a incidência da doença aumentou cerca de 20 vezes. A principal razão apontada foi a suspensão da vacinação contra a varíola, doença considerada como erradicada precisamente em 1980, depois do último caso ter surgido três anos antes. As vacinas também são eficazes contra a Monkeypox. Fora da região endémica, os casos estão ligados a viagens à África Central e Ocidental ou mesmo ao transporte de animais daquela área. Em 2003, nos Estados Unidos da América, ocorreu uma epidemia da Varíola dos Macacos através de roedores infetados importados do continente Africano. Estes animais infetaram cães que transmitiram a doença às pessoas, mas longe de atingir o número de infetados em 2022.

Educação Médica

Caracterização da patologia

A Monkeypox tem, em geral, um período de incubação de entre 1 a 2 semanas. O diagnóstico é feito através da técnica molecular PCR. A doença é transmitida a partir do início dos sintomas depois de uma síndrome prodrómica com febre, cefaleias e mal estar. A sintomatologia é semelhante à da Varíola. Entre um e três dias depois do pródromo, aparece um exantema papulovesicular na face e nos membros e que evolui para crostas. Olhos, genitais e mucosa oral também podem ser atingidos. Normalmente só é necessário tratamento de suporte. No ano atual, foi aprovado um antivirusal para casos graves.

Segundo a OMS, a taxa de letalidade é estimada entre 3 a 6% nos países endémicos, com maior risco para pessoas com patologias crónicas. Importante, ainda, que a taxa de ataque (produto de 100 com o quociente entre número de pessoas afetadas pelo número de pessoas expostas) pode chegar a 50% entre coabitantes. Quanto à transmissão, é possível não só animal-pessoa, mas também por contacto interpessoal. Se a alimentação ou proximidade com sangue ou carne de animais é a forma de contágio mais comum entre espécies diferentes, entre humanos é o contacto físico próximo com pessoas infetadas ou utensílios contaminados como lençóis da cama, roupas ou toalhas. Não há confirmação de que o vírus se espalhe pelos fluídos vaginais ou através do esperma, como chegou a ser especulado pelo aparecimento de casos na comunidade gay.

Estratégia e possível evolução

A Organização Mundial da Saúde recomendou aos países não endémicos com casos detetados que fizessem a va- cinação com a vacina contra a Varíola dos contactos pró- ximos dos infetados. Pessoas com exposição presencial, com contacto físico direto com os casos, com contacto com objetos contaminados, incluindo profissionais de saúde que não estavam, no momento, com o equipamento de proteção individual. O isolamento dos casos positivos é fundamental. Em Portugal, a Direção Geral de Saúde publicou uma norma para regulamentar a administração da vacina e recomenda a vacinação aos contactos próximos até 14 dias depois do último contacto de risco para a transmissão. Segundo o CDC, a disponibilidade das vacinas e de testes de diagnóstico vão ser fundamentais para o controlo e mesmo resolução desta Emergência em Saúde Pública. No entanto, há algo que parece certo. A pandemia por COVID-19, ainda por identificar a sua origem e o seu reservatório, e a Varíola dos Macacos despertaram as autoridades de Saúde Pública, os epidemiologistas e mesmo toda a comunidade científica mundial para os riscos de zoonoses constituírem ameaças importantes para os seres humanos e para o seu modo de vida em sociedade.

Educação Médica

Quem está mais vulnerável a sofrer um enfarte agudo do miocárdio?

Ana Beatriz Dias, 5º ano.

As Doenças Cardiovasculares (DCV) representam um conjunto de doenças que afetam os vasos sanguíneos e o coração, encontrando-se relacionadas com o processo de aterosclerose que contribui para a ocorrência de Enfarte Agudo do Miocárdio (EAM). O processo da ate- rosclerose produz o estreitamento e a rigidez nas artérias afetadas, através da formação de placas de gordura (colesterol) no interior das mesmas, que ao romperem levam à formação de coágulos, obstruindo o seu lúmen. O EAM é um evento cardíaco que se define por uma lesão do miocárdio com indícios de necrose e consequente isquémia do mesmo. É a principal causa do óbito em Portugal, atingindo cerca de 20 por 100 000 habitantes. São mais frequentes na idade adulta, contudo cerca de 20% são jovens. Reconhecem-se diversos fatores de risco cardiovasculares que ,comprovadamente, contribuem para o EAM como: a genética individual, a dislipidémia, hipertensão arterial (HTA), diabetes mellitus, pré-obesidade/obesidade, sedentarismo, hábitos alimentares desadequados, consumo de tabaco e dro gas. Todos estes fatores se intrincam com o estilo de vida podendo ser potenciados ou atenuados consoante as boas ou más práticas do nosso dia a dia. O padrão alimentar mediterrânico tem sido relacionado com a prevenção de DCV. Este baseia-se no consumo Todos estes fatores se intrincam com o estilo de vida podendo ser potenciados ou atenuados consoante abundante de legumes, frutas, leguminosas, frutos oleaginosos, cereais pouco refinados e azeite; na ingestão moderada de peixe, carne (limitando a carne vermelha ou processada à menor quantidade possível), laticínios, vinho tinto e na ingestão reduzida de ovos e doces. A elevada ingestão de alimentos industrializados, em particular de carnes processadas, alimentos salgados e com baixo teor de fibra estão associados ao aumento do risco de DCV. A atividade física de rotina deve ser encorajada desde a infância, feita com regularidade e adaptada de acordo com a idade de modo a minimizar o risco de aterosclerose. O exercício físico aumenta o gasto calórico melhorando o transporte e captação de insulina e promove um aumento do metabolismo basal ou de repouso, responsável por 60% a 70% do gasto energético total. Este processo contribui para a perda de peso e diminuição do risco de desenvolver diabetes, HTA, por exemplo. Uma das principais adaptações que o exercício físico promove é a hipertrofia do tecido muscular. Esta é acompanhada pelo aumento do número e tamanho das miofibrilas, maior capacidade da via oxidativa, aumento da vascularização e capilarização. Estas adaptações reduzem a resistência vascular, melhoram o fluxo sanguíneo, proporcionando um maior transporte de glicose e lípidos para os tecidos, e ainda potencializam a ação da insulina devido o aumento da proteína quinase AMP-ativada (AMPK), mediadora da estimulação da captação de glicose induzida pela contração muscular.

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A vulnerabilidade para um EAM aumenta nos homens acima dos 50 anos, mulheres acima dos 60 anos, diabéticos, hipertensos, pessoas com níveis de colesterol alto, particularmente se não estiverem bem controladas, fumadores e quem já teve anteriormente um EAM. O perímetro abdominal é um importante fator ligado ao risco de DCV, ou seja: um perímetro abdominal acima de 80cm nas mulheres e 94cm nos homens associa-se a um risco cardiovascular aumentado e um perímetro abdominal acima de 88cm nas mulheres e 102cm nos homens associa-se a um risco cardiovascular muito aumentado. A prevenção da DCV e dos fatores de risco deve ser abordada nos cuidados primários de saúde promovendo um estilo de vida saudável. De facto, verificam-se importantes lacunas no conhecimento específico sobre as DCV na população portuguesa. As estratégias e práticas de educação em saúde devem ser sensíveis às diferenças do nível de literacia nesta área, de forma a melhorar o conhecimento e a adesão da população às boas práticas de saúde. Só assim é possível percecionar onde e como se deve intervir de forma que o acesso à saúde seja maior e mais eficiente. É fundamental criar ferramentas de análise e de promoção da literacia em saúde, promovendo e reforçando comportamentos cardiovasculares positivos focando-se numa nutrição adequada, promoção de exercício físico, controlo do peso e programas de cessação tabágica, o que obriga a uma maior e melhor comunicação entre os doentes e os profissionais de saúde. Um comportamento social saudável deve ser fomentado desde a infância, de forma a minimizar os fatores de risco que contribuem para a proliferação desta doença. De salientar que o fator genético inerente a cada indivíduo explica o motivo que leva uns a serem mais vulneráveis que outros para esta doença.

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Saúde Cardiovascular mãe-Feto

Ana Beatriz Dias, 5º ano.

A obesidade materna pode afetar a saúde metabólica na descendência a longo prazo como resultado de alte- rações epigenéticas induzidas pela exposição fetal, e durante o desenvolvimento intrauterino, a níveis aumentados de glicose, insulina, lípidos e citocinas inflamatórias. Está comprovado que o índice de massa corporal (IMC) durante a gravidez está associado ao aumento do risco de obesidade e fenótipos metabólicos associados à descendência. De facto, existe uma correlação entre dife- rentes padrões de metilação no DNA dos descendentes e das mães com défice ou excesso de peso mesmo antes da gravidez. Assim, níveis altos de metilação em certos locais do DNA dos filhos de mulheres obesas foram associados a uma maior probabilidade de obesidade, enquanto o oposto foi observado em mulheres com défice de peso. Esta alteração do DNA pode também influenciar os rins, que ajudam a controlar a pressão arterial, alterando o seu desenvolvimento e a capacidade de filtração. Os nefrónios formam-se entre as 20 e 34 semanas de gestação. Após este período, o número de nefrónios é fixo. Algumas pesquisas em animais sugerem que a metilação genética pode afetar esse processo, diminuindo o funcionamento renal e, por sua vez, levando à hipertensão arterial (HTA). As alterações da parede dos vasos sanguíneos, e especificamente, a rigidez arterial – elasticidade reduzida das paredes– são precursores de HTA em qualquer idade. Apesar desta condição em crianças estar mais associada a anomalias cardíacas congénitas, há evidências que ligam esta condição à obesidade, possivelmente mediada por toxinas inflamatórias e processos de inflamação. Para além disso, a rigidez arterial em crianças pode, também, resultar de prematuridade, exposição reduzida ao oxigénio no útero ou função renal deficiente. As mudanças epigenéticas podem afetar como e onde é armazenado o excesso de gordura tendo, assim, impacto no risco de desenvolvimento de DCV na idade adulta. Os principais intervenientes neste processo são as mitocôndrias, que produzem energia a partir de hidratos de carbono e gorduras. Quando há um excesso de consumo de alimentos, há mais en rgia armazenada do que utilizada pelo organismo e, por consequente, um aumento da gordura corporal. O excesso calórico aliado às mudanças epigenéticas condicionam o armazenamento de gordura em redor dos órgãos abdominais. A gordura localizada no abdómen é considerada um importante fator de risco para DCV , como o enfarte agudo do miocárdio (EAM) e o acidente vascular cerebral (AVC). Em geral, encontra-se associada a níveis altos de triglicerídeos, baixos níveis do bom colesterol (HDL), resistência à ação da insulina e consequente elevação dos níveis do açúcar no sangue (diabetes). A gordura abdominal é responsável, também, por causar o aumento da gordura no fígado, frequentemente associada com HTA e aumento da viscosidade do sangue. As grávidas fumadoras ativas/passivas têm risco acrescido de perdas embrionárias/fetais, parto pré-termo, recém-nascidos de baixo peso, rotura prematura de membranas pré-termo, placenta prévia, abruptio placentae, restrição de crescimento fetal, mortalidade perinatal, dificuldade respiratória do recém-nascido e gravidez ectópica- os quais podem ser explicados pela redução das trocas gasosas, toxicidade direta ou aumento da atividade simpática. Os cigarros contêm substâncias carcinogénicas (hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, acetona, formol, naftalina, amoníaco, terebintina) com capacidade de alterar o conteúdo genético. Estes compostos podem originar deleções e translocações, muitas delas localizadas à região 11q23, podendo, assim, associar-se a doenças hematológicas malignas. Um estudo comparou a instabilidade cromossómica dos amniócitos de fumadoras e não fumadoras, tendo sido notado um aumento da incidência de anomalias cromossómicas estruturais entre as mulheres que fumam regularmente (12% vs 3,5%). Desta forma, um bom estado de saúde geral durante a gravidez - níveis ideais de tensão arterial, IMC, glicose, colesterol total aliados a uma dieta saudável (rica em vegetais, frutas, grãos integrais e pobre em açúcar, sal e carne processada) e a hábitos sãos (não fumar ou não consumir bebidas alcoólicas ou drogas)- é determinante para uma boa saúde cardiovascular do bebé. Compreender esses fatores de influência possibilita intervir de forma mais eficaz de modo a reduzir o risco e aumentar a prevenção destas doenças.

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