Congresso de Inovação 2018 - Megatendências 2050

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CONGRESSO DE INOVAÇÃ 2018 MEGATENDÊNCIAS 2050

TRABALHO, SAÚDE E BEM-ESTAR TECNOLOGIA PARA UMA VIDA DE QUALIDADE ALÉM DOS 100 ANOS



EDITORIAL

MEGATENDÊNCIAS E REFLEXÕES: NOSSO EQUILÍBRIO PARA O AMANHÃ PROFESSOR DOUTOR GUSTAVO HENRIQUE BOLOGNESI DONATO COORDENADOR DA PLATAFORMA DE INOVAÇÃO FEI

A

sociedade tem experimentado intensas transformações tecnológicas, econômicas e sociais que incorporam ao dia a dia, naturalmente e de forma direta, soluções disruptivas antes inimagináveis. A onipresença tecnológica nos habitua ao convívio com a robótica, a inteligência artificial, a personalização das soluções e a uma existência de realidade e experiência aumentadas. Todas as dimensões da vida são amplamente impactadas, da educação às relações profissionais e pessoais. Ganha-se muito em conforto e eficiência, mas emergem diversas questões relativas aos limites, ao equilíbrio e às incertezas sobre o que está por vir – trata-se de uma nova realidade, com novos problemas, novas perguntas e, portanto, novas respostas. É nesse contexto que uma mudança de mentalidade aberta ao novo e alinhada a uma agenda de futuro – e que combine a solidez dos fundamentos a visões inspiradoras, à criatividade e ao domínio do processo inovador – se revela essencial. Trata-se do enfrentamento dessa nova realidade com soluções disruptivas e de alto impacto para o desenho do futuro no qual queremos viver – elemento central do projeto de inovação da FEI, que busca preparar o jovem para ser um solucionador dos grandes desafios do amanhã. A realização das três edições do Congresso FEI de Inovação e Megatendências 2050 – com os temas Internet das Coisas (2016), Cidade e Campo Inteligentes (2017) e Trabalho, Saúde e Bem-Estar (2018) – tem levado a comunidade FEI a intensas reflexões sobre megatendências, visões e sobre o

nosso papel no amanhã. Assim, nossa comunidade universitária assimila suas inquietudes e seu protagonismo, ao mesmo tempo em que exercita sua capacidade visionária. Na edição 2018 discutimos tecnologia para uma vida de qualidade além dos 100 anos e refletimos sobre os desdobramentos das transformações atuais e das próximas décadas no trabalho, na saúde e no bem-estar, sempre com foco na qualidade de vida e na centralidade do ser humano até 2050. Em termos de trabalho, o destaque ficou com as novas formas de atuação por competência, valor e resultado, alinhadas ao conceito de gig economy, que demandam o aprender a aprender sempre. Nossos convidados também abordaram a tecnologia destruindo e criando posições e mercados, em uma nova estabilidade dinâmica que orbita desafios e oportunidades; e os novos modelos de negócios que estão se reinventando rapidamente, de tal sorte que só a educação pode ser tida como meio para dar opções, e somente o bom uso da tecnologia como caminho para a abundância. Na saúde, abordamos o protagonismo do paciente como agente de sua longevidade, por meio do monitoramento em tempo real dos hábitos e sinais vitais, o que se confunde com uma contínua consulta. Os especialistas também lembraram que a inteligência artificial, combinada ao big data, ajudará a detectar padrões e contribuirá para a prevenção e personalização das terapias e intervenções. Além disso, a saúde caminha para a migração, lastreada pela tecnologia, de uma lógica de sickcare para um real healthcare, de forma individual, escalável e mais

inclusiva, ao mesmo tempo em que a ditadura da prevenção testa os limites individuais, a ética e a compaixão. Sobre o bem-estar, discutiu-se muito o novo equilíbrio estudo-trabalholazer. De um lado, o conforto e as conveniências; de outro, o desequilíbrio das velocidades, a perda de concentração e a solidão. Como ficam nossos limites e nosso lado humano? E a família? Discutiu-se da possibilidade de designer babies e gerontolescência ao convívio das gerações para entendermos em qual futuro e como queremos viver. Foram muitas e profundas as reflexões. Saímos transformados! Recebemos mais de 60 líderes que dialogaram ricamente com os 1,2 mil presentes e os mais de 4,6 mil internautas que prestigiaram nosso evento pelo streaming em seis países nas Américas, Europa e Ásia. O cenário possui muitos desafios, mas as oportunidades são inúmeras se nos prepararmos, prepararmos os jovens e atuarmos de forma empreendedora e original. A comunidade universitária saiu provocada, com inquietudes, mas engrandecida e muito inspirada a pensar o equilíbrio entre humanidade e tecnologia, fazendo desta última o que quisermos para o bem. Nossos agradecimentos a todos os presentes, autoridades, docentes, alunos e colaboradores pelo ambiente tão enriquecedor. Fica cada vez mais evidente que, para a comunidade FEI, o futuro não mais acontece, mas se constrói! Com os votos de que os relatos e testemunhos a seguir sejam inspiradores e nos conduzam a ricas reflexões e visões, fica o convite para construirmos juntos o nosso amanhã! Boa leitura!

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3º CONGRESSO FEI DE INOVAÇÃO

“TECNOLOGIA PARA UMA VIDA DE QUALIDADE ALÉM DOS

TRABALHO       O que será do trabalho nas próximas décadas, como os avanços tecnológicos terão impacto sobre o emprego e quais serão as novas partir de novas competências e de aprendizagem contínua

SAÚDE

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possibilidades de atuação a

Os avanços tecnológicos das últimas décadas vêm trazendo mais velocidade, segurança e

criar novas terapias e modelos de gestão, propiciando uma verdadeira revolução no setor

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eficácia para a área da saúde, ao

BEM-ESTAR       De que maneira as tendências futuras e o progresso tecnológico poderão influenciar para aumentar vida das pessoas no planeta e de que forma isso irá impactar os diferentes grupos sociais

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o bem-estar e a qualidade de


SUMÁRIO

E MEGATENDÊNCIAS 2050

100 ANOS – TRABALHO, SAÚDE E BEM-ESTAR”

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O futuro do trabalho na era digital Competências comportamentais valorizadas Como será a busca pelo novo trabalho em 2050?

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A era da nova globalização

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Avanços tecnológicos em saúde

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Os requisitos tecnológicos para uma vida longa Inovações na saúde na era da informação Medicina de Precisão e as próximas explosões tecnológicas

Saúde também é lugar de engenheiro

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Como chegar aos 100 anos com

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O bem-estar em 2050 será diferente?

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Coworking e Crowdsourcing: novas formas de atuação

Tecnologia como aliada do agronegócio

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Incentivo ao aprendizado contínuo

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Sustentabilidade para o corpo e o planeta

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Monitoramento e digitalização da saúde Segurança de dados e riscos para a individualidade

Diagnósticos e medicamentos na era digital

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Estudos de Engenharia e Ciência da Computação com relevância na Medicina

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Equilíbrio entre trabalho, família e lazer

qualidade de vida e mais saúde

O Brasil e a quarta revolução tecnológica Gerações diferentes e o mundo digital Gerontolescentes inspiradores

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A tecnologia no mundo do trabalho Desafio para os mentores

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MEGATENDÊNCIAS PARA 2050:

UM OLHAR PARA O TRABALHO, A SAÚDE E O BEM-ESTAR

ESPECIALISTAS, DOCENTES, DISCENTES, COLABORADORES E CONVIDADOS DEBATEM TEMAS VOLTADOS PARA UMA VIDA COM QUALIDADE PARA ALÉM DOS 100 ANOS

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stimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que a população mundial deverá atingir 10 bilhões de habitantes em 2050, com maior crescimento nos países em desenvolvimento. A expectativa de vida também aumentará nas próximas décadas em todo o mundo e a tecnologia terá papel fundamental para garantir saúde e longevidade com qualidade de vida para boa parte dessa população. Para que esses benefícios estejam ao alcance do maior número possível de pessoas será fundamental o fomento a uma cultura de inovação à luz de uma agenda de futuro, o desenvolvimento científicotecnológico e a apropriada formação dos profissionais do amanhã. As universidades e centros de formação superior possuem papel central nesse contexto, necessariamente articulados com líderes empresariais, de governo e da sociedade civil. Com objetivo de fomentar esses diálogos, construir cená-

rios e abordar uma agenda de tendências para as próximas décadas, o Centro Universitário FEI realizou, pelo terceiro ano consecutivo, o Congresso FEI de Inovação e Megatendências 2050. Durante o encontro, em outubro de 2018, especialistas de diferentes áreas da Ciência e Tecnologia, além de líderes e gestores de empresas nacionais, multinacionais, governo, professores, alunos e convidados compartilharam experiências e abordaram os muitos cenários futuros sobre a temática ‘Tecnologia para uma vida de qualidade além dos 100 anos – trabalho, saúde e bem-estar’. A iniciativa faz parte da Plataforma de Inovação FEI, que tem como objetivo central promover uma transformação organizacional e cultural que, pautada por uma agenda de futuro e pela excelência na missão de educar, gerar e difundir conhecimento, constitua uma comunidade visionária, ativa e protagonista nas transformações sociais e tecnológicas que trarão qualidade de vida às gerações futuras.

REFLEXÕES O professor doutor Fábio do Prado, reitor do Centro Universitário FEI, afirma que os temas debatidos nos três dias de congresso estimulam a reflexão e, ao mesmo tempo que inquietam pelo desconhecimento e pelas incertezas, fascinam pela novidade e ousadia do que está por vir, e inspiram os jovens a buscarem um futuro melhor, mais justo, igualitário, eficiente, acessível e sustentável para toda a sociedade. “O debate das megatendências torna-se elemento de articulação entre a cultura de inovação e os projetos pedagógicos diferenciados na FEI, trazendo definitivamente os estudantes para a prática da inovação e motivando-os para o desenvolvimento de projetos multidisciplinares transformadores, que deverão ser pautados por soluções de

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problemas reais e que impactam o desenvolvimento da humanidade”, argumenta. Para o reitor, não faltaram experiências exitosas e inovadoras durante o encontro, assim como boas ideias, criatividade e muita inspiração para professores, alunos e demais convidados. “O tema tecnologia para uma vida de qualidade nos estimula a refletir de que forma a informação digital e as novas tecnologias vão transformar os ambientes de trabalho, contribuindo para a longevidade e o bem-estar das gerações futuras, e como os estudantes devem ser preparados para estabelecerem seu papel nesse cenário. É natural que esse tema seja de grande abrangência e precisamos continuar a discutir como tais tecnologias vão ocupar novos espaços na vida

das pessoas, assim como os limites éticos dessas aplicações na sociedade”, ressalta. O presidente da Fundação Educacional Inaciana Padre Sabóia de Medeiros, mantenedora do Centro Universitário FEI, Padre Theodoro Peters, S.J., acrescenta que o encontro proporcionou uma intensa imersão de conhecimento e abertura de perspectivas para o futuro na construção de cenários, modelos e novos caminhos para o bem comum, envolvendo a comunidade universitária e representantes de lideranças empresariais e industriais de relevância. “A FEI está aberta à análise crítica consistente de conteúdos e metodologias, e está apta para experimentar tecnologias diferentes, desenvolver as habilidades pessoais e a agilidade mental, estimular o saber pen-


SESSÃO DE ABERTURA

Os especialistas discutiram como será o desenvolvimento tecnológico nas próximas décadas e qual será o impacto dessas inovações no modo de trabalho, no ensinoaprendizagem, no bem-estar e na saúde. Tudo indica, por exemplo, que o futuro da Medicina e, consequentemente, da saúde das pessoas, se apoiará fortemente nas tecnologias digitais, exigindo a compreensão dos efeitos dessa nova dinâmica para que seus resultados sejam positivos. A tecnologia também já está alterando a forma de se fazer diagnósticos e tratamentos, e deverá interferir até mesmo na relação médico-paciente, propiciando que mais e mais pessoas conquistem uma vida longa e de qualidade. No entanto, para atingir esse objetivo tam-

sar e o saber fazer, incentivar a versatilidade, a habilidade na linguagem e a verbalização do pensamento e dos projetos. Nossa Instituição exerce a profecia de vislumbrar o futuro, de estimular a esperança e o otimismo, a percepção e a vitalidade, a alegria e a euforia pelo excelente resultado obtido, bem como a superação da experiência do fracasso pela correção de rotas. A tecnologia transforma o trabalho, estimula a longevidade e agita o futuro bem-estar”, acentua. O presidente da mantenedora assegura que a comunidade da FEI deseja dialogar com as forças vivas da sociedade e com os setores produtivos para que os próprios especialistas, assim como os alunos, com toda a sua juventude, possam forjar novos caminhos e processos para o bem

bém é fundamental dar mais importância ao bem-estar, equilibrando trabalho, família e lazer. Isso poderá ser uma tarefa mais fácil para aqueles que entenderem que o futuro do emprego caminha para um cenário baseado em demandas, competências, flexibilidade e entrega de resultados. As novas soluções tecnológicas, a exemplo de Inteligência Artificial (IA) e robotização – que já são realidade em várias empresas no mundo e no Brasil – também deverão ampliar as transformações no mercado de trabalho nas próximas décadas. Por essa razão, os jovens precisam ser convidados a conhecer e entender essa nova dinâmica de trabalho e de vida, para que sejam realmente protagonistas e tenham boas respostas para a produtividade e o bem-estar.

comum e delinear desde cedo a sua plena realização. Convidado para fazer parte da cerimônia de abertura do Congresso FEI de Inovação, o diretor comercial da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), Adalberto Parreira, reforça a importância desse tipo de discussão aberta a estudantes de graduação e pós-graduação para a formação dos futuros desenvolvedores de tecnologia e inovações, que precisam estar bem preparados para solucionar os problemas que ainda surgirão e atender às demandas futuras. “É muito gratificante saber que existe uma instituição de ensino no Brasil preocupada com o amanhã e que tem promovido eventos com objetivo de debater o futuro com alunos, professores e profissionais do

Da esq.: Padre Theodoro Peters, S.J., presidente da Fundação Educacional Inaciana Padre Sabóia de Medeiros; professor doutor Fábio do Prado, reitor do Centro Universitário FEI; Orlando Morando, prefeito de São Bernardo do Campo; e Adalberto Parreira, diretor comercial da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração

mercado, abordando assuntos tão importantes sobre tecnologia e inovação”, destaca. Para o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando, o conhecimento é a única forma de transformar uma sociedade ao longo dos anos e é primordial que ocorram eventos como esse para a expansão da aprendizagem, pois, além de reunir grandes pensadores, atrai a atenção de grandes executores, que serão os profissionais do futuro. “Nossa cidade tem características únicas, localização privilegiada e grande potencial de crescimento e expansão, por isso, acredito muito nas inovações e iniciativas que podem sair da FEI para São Bernardo, o Grande ABC e o Brasil”, VEJA O VÍDEO ressalta.

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11 COMPETÊNCIAS COMPORTAMENTAIS VALORIZADAS

12 COMO SERÁ A BUSCA PELO NOVO TRABALHO EM 2050?

14 A ERA DA NOVA GLOBALIZAÇÃO

16 COWORKING E CROWDSOURCING: NOVAS FORMAS DE ATUAÇÃO

18 TECNOLOGIA COMO ALIADA DO AGRONEGÓCIO

20 INCENTIVO AO APRENDIZADO CONTÍNUO

O FUTURO DO TRABALHO NA ERA DIGITAL

Os avanços tecnológicos despertam incertezas sobre o desemprego, mas também abrem possibilidades para novas formas e áreas de atuação no mercado de trabalho, que demandam novas competências e aprendizagem contínua dos profissionais

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relatório ‘The Future of Jobs’ do Fórum Econômico Mundial estima que, em 2025, mais da metade de todas as atividades profissionais serão realizadas por máquinas o que, em um primeiro momento, parece ser um fator de grande preocupação por parte dos profissionais, em especial aqueles que ainda nem chegaram ao mercado de trabalho. A boa notícia é que, graças ao uso de novas tecnologias, há uma perspectiva de criação de 133 milhões de novos empregos até 2022 – contra cerca de 75 milhões que deverão ser eliminados no mesmo período –, que se concentrarão cada vez mais em países que gerem plataformas tecnológicas. A revolução digital e as tecnologias disruptivas de crescimento exponencial realmente têm provocado mudanças no mercado de trabalho nos últimos anos, com o desaparecimento de algumas profissões e o surgimento de outras, e também pela demanda de novas competências de profissionais de todas as áreas. Esse novo modelo tem exigido cada vez mais adaptabilidade das empresas e, principalmente, dos profissionais, que devem estar prontos a enfrentar e solucionar qualquer desafio na carreira.

Na medida em que as inovações avançam no contexto da Quarta Revolução Industrial e estreitam a fronteira entre as tarefas realizadas pelo ser humano e por robôs e máquinas com Inteligência Artificial (IA), criase na sociedade um sentimento comum de incerteza, instabilidade e complexidade sobre o futuro do trabalho. A Boston Consulting Group, por exemplo, sugere que em torno de 2050 não existirá nenhum trabalho que não seja complementar à IA. No entanto, o debate sobre a substituição do homem pela máquina e de tecnologias que impactam grandes mercados ocorre desde a Primeira Revolução Industrial (1760-1860) e, mesmo com os muitos movimentos de ruptura que ocorreram desde então, o ser humano sempre se adaptou e garantiu sua posição frente ao trabalho. Em relação à inteligência artificial não deverá ser diferente, embora modificações muito mais velozes e complexas devam ocorrer, principalmente devido à alta capacidade tecnológica de os robôs desenvolverem atividades que antes eram específicas dos seres humanos. Para os especialistas convidados para o primeiro dia do 3o Congresso FEI de Inovação e Megatendências

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ÍNDICE


TRABALHO

2050, as evoluções digitais, organizacionais e de mercado iminentes são promissoras e podem trazer novas oportunidades relacionadas à inovação e tecnologia, entretanto, os profissionais precisam estar preparados para acompanhar esses avanços. O vice-presidente de Planejamento de Produto e Digital Office da MAN Latin America, Leandro Pugliese de Siqueira, afirma que a revolução tecnológica exige mudanças efetivas e culturais por parte das corporações e que a indústria automobilística está no centro da transformação e das megatendências de conectividade e mobilidade. “Isso tem afetado nossa atuação e sempre é um assunto que está na pauta da estratégia do grupo, de forma a mover as barreiras da tecnologia e trazer para a realidade. Tivemos, por exemplo, uma experiência em introduzir uma plataforma digital no sistema de transporte da empresa e não foi fácil convencer os envolvidos sobre a relevância da iniciativa. No entanto, conseguimos mostrar que precisamos pensar diferente e ‘fora da caixa’, ser criativos e solucionadores de problemas para atender à demanda de mercado”, acentua. Também há quem acredite que só

sobreviverão empregos que dependam da criatividade, da inteligência emocional e de habilidades sociais. Desde a virada do milênio, o mundo tem se transformado de tal maneira que, em muitos países e setores, as ocupações mais procuradas atualmente nem existiam há cinco ou 10 anos, e o ritmo dessa mudança só deve aumentar. O Fórum Econômico Mundial prevê, inclusive, que 65% das crianças que ingressam no Ensino Fundamental, hoje, deverão trabalhar em atividades que ainda não existem. Além disso, estudos da consultoria McKinsey indicam que os empregos do futuro serão cada vez mais fragmentados, as carreiras voláteis e as ocupações temporárias, associadas a projetos específicos por prazo determinado. O trabalho tende a ser requisitado por demanda variável e compartilhada, sendo remunerado mais pelas competências e pelo resultado e menos pela atividade, com maior flexibilidade de atuação e permitindo que o profissional tenha, ao mesmo tempo, vários postos de trabalho. Além disso, 70% dos gestores acreditam que novos talentos e habilidades serão requeridos para o emprego do futuro, ainda que ocorra uma

descaracterização das fases da vida devido à longevidade e aos avanços tecnológicos – até então bem determinadas com os períodos de estudo, trabalho e aposentadoria. Por isso, muitos profissionais não vão parar de trabalhar e, portanto, terão de aprender a conciliar as demandas profissionais com a família e o lazer, para manter a longevidade e o bem-estar bem equilibrados. “Para acompanhar a velocidade da transformação tecnológica e garantir uma posição no mercado, uma vez que muitos cargos e empresas poderão deixar de existir, os profissionais deverão investir fortemente no aprimoramento das habilidades e na aprendizagem contínua, que vão além da formação universitária, de forma que estejam capacitados para atuar em um novo trabalho ou até mesmo desempenhar uma mesma atividade de maneira diferente”, ressalta o vice-presidente executivo de Engenharia da Embraer, Mauro Kern, líder da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ao lembrar que 57% dos empregos atuais são vulneráveis à automação. O progresso tecnológico também desencadeará desdobramentos nas

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relações trabalhistas, principalmente com o fim gradual do clássico emprego assalariado. Levantamento feito pela consultoria McKinsey aponta que, em 2027, os trabalhadores freelancers vão superar os formais nos Estados Unidos – mesmo atualmente, só 6,5% dos profissionais norte-americanos são sindicalizados. Os profissionais serão cada vez mais autônomos e, por isso, deverá ser planejado um sistema de proteção social que permita que esses indivíduos mudem com frequência de atividade sem ficarem desprotegidos. “Os desafios regulatórios precisam ser discutidos de forma global, assim como a realização de uma revisão das legislações trabalhistas no Brasil, para que o mercado de trabalho mais flexível não caminhe para uma deterioração social crescente”, acredita o economista Octavio de Barros, cofundador e sócio da Quantum4 Soluções de Inovação e presidente do conselho do think tank da República do Amanhã, instituição que se dedica a produzir e difundir informações sobre temas específicos.

LEANDRO PUGLIESE DE SIQUEIRA

“...CONSEGUIMOS MOSTRAR QUE PRECISAMOS PENSAR DIFERENTE E ‘FORA DA CAIXA’, SER CRIATIVOS E SOLUCIONADORES DE PROBLEMAS PARA ATENDER À DEMANDA DE MERCADO.”

MAURO KERN

“TEMOS UM FUTURO EXTRAORDINÁRIO PELA FRENTE E SOMOS PROTAGONISTAS DISSO. HOJE, TEMOS DIFICULDADES DE LIDAR COM INCERTEZAS PORQUE ESPERAMOS QUE A ESTABILIDADE SEJA ESTÁTICA...”

SURFISTAS Mesmo diante de tantas transformações e especulações sobre desemprego e o futuro do trabalho, o engenheiro Mauro Kern está otimista e compartilha do pensamento do livro Abundância: o Futuro é melhor do que você pensa, de Peter Diamandis. Em palestra ministrada na Confederação Nacional da Indústria, o autor ressaltou, com base em indicadores, que a humanidade está vivendo uma das melhores épocas sob todos os aspectos, quando comparados com os últimos 100 anos, o que inclui aumento da expectativa de vida, queda da mortalidade infantil, aumento da renda per capita e quedas nos custos de alimentação, energia e transporte. “Temos um futuro extraordinário pela frente e somos protagonistas disso. Hoje, temos dificuldades de lidar com incertezas porque esperamos que a estabilidade seja estática, mas, na verdade, ela é dinâ-

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mica e só ocorre com o movimento. Para exemplificar, comparo com a experiência de um surfista que precisa enfrentar as diferentes ondas para ficar estável em cima da prancha. Isso só ocorre por causa do movimento e, talvez, essa aparente instabilidade possa deixar a vida mais prazerosa. Por isso, será que não temos de olhar para o contexto em que vivemos e nos considerarmos como surfistas dessa grande onda?”, pontua. Para o executivo da Embraer, com toda essa revolução que se aproxima rapidamente muitas mudanças devem ocorrer, e as tecnologias disruptivas não podem ser encaradas apenas como um cenário de insegurança. Pelo contrário, os avanços também trazem grandes benefícios para a sociedade, como o surgimento do computador, smartphone e da internet. Em 2020, por exemplo, a expectativa é de que o mundo abrigue 8 bilhões de habitantes,

e 66% da população tenha acesso à internet. “Serão novas mentes conectadas que terão alcance ilimitado à informação, capazes de criar, descobrir, colaborar e trocar experiências com pessoas de diversos lugares do mundo, podendo fazer algo extraordinário para a humanidade. É uma inclusão fantástica que só conseguimos ter a partir da disponibilidade dessas novas tecnologias”, reforça o engenheiro Mauro Kern. Independentemente da área de atuação, a sugestão dos especialistas é abrir a mente para um imenso campo de oportunidades a ser explorado no futuro e questionar-se: o que estamos fazendo ou devemos fazer para evoluir e nos adequarmos ao novo mundo que se configura? Como aliar as competências ou adquirir novas habilidades frente às megatendências VEJA O VÍDEO do futuro?


TRABALHO

COMPETÊNCIAS COMPORTAMENTAIS VALORIZADAS As projeções indicam que, até 2020, 35% das habilidades mais demandadas para a maioria das ocupações no mercado devem mudar e o propulsor dessa transformação é a chamada Indústria 4.0, caracterizada pelos processos de automação, inteligência artificial e machine learning, entre outros conceitos. Nesse cenário, as competências comportamentais – denominadas soft skills – vão ganhar cada vez mais destaque no mercado. Criatividade, inteligência emocional, capacidade de tomada de decisão, comunicação, trabalho em equipe e compartilhamento de conhecimento estão entre as habilidades apontadas como as mais desejadas, no futuro, por empresas de todos os tamanhos e segmentos. “As máquinas vão fazer muito no ambiente de trabalho, mas a criatividade humana por trás delas vai prevalecer. Além disso, será um mundo de relação mais intensa, no qual ninguém vai fazer nada sozinho. Por isso, ter inteligência emocional para conviver e lidar com o outro nessa jornada vai fazer muita diferença”, ressalta o vice-presidente executivo de Engenharia da Embraer, Mauro Kern. A diversidade de idade, gênero, cultura e expertise profissional, assim como a troca de experiência, são apontadas pelo executivo como as grandes virtudes na formação e no trabalho em equipe, podendo contribuir para melhores resultados. Diante dessas novas demandas, o diretor de Recursos Humanos América do Sul da Festo e professor da Funda-

ção Getúlio Vargas (FGV-SP), Vladmir Stancati, ressalta que os conhecimentos técnicos, até então considerados o alicerce para conseguir uma oportunidade no mercado de trabalho, não serão mais suficientes para manter o emprego na era digital. “No mundo corporativo, muitas vezes, ainda se privilegiam as habilidades técnicas em detrimento das comportamentais. Porém, em época de crise em que há desligamentos constantes, observa-se que as demissões ocorrem, principalmente, por questões ligadas à conduta, como falta de trabalho em equipe e dificuldade de lidar com o outro. Por isso, o que sustenta o profissional são as competências voltadas à inteligência emocional, que estão relacionadas ao autoconhecimento e à empatia, o que inclui a capacidade de entender e controlar as próprias emoções e a humildade de saber se colocar no lugar do outro e compreender o ponto de vista alheio sem perder o respeito”, enumera. RECRUTAMENTO O professor da FGV reforça que os processos seletivos precisam contemplar avaliações das competências técnicas e comportamentais, principalmente frente ao futuro do trabalho. Na empresa de automação industrial, por exemplo, uma etapa da entrevista envolve testes mais objetivos para verificar conhecimentos específicos e domínio da língua estrangeira. Mas, na segunda etapa, o candidato precisa comentar, com detalhes, situações de

VLADMIR STANCATI

“NO MUNDO CORPORATIVO, MUITAS VEZES, AINDA SE PRIVILEGIAM AS HABILIDADES TÉCNICAS EM DETRIMENTO DAS COMPORTAMENTAIS...” sucesso e insucesso vivenciadas para que o recrutador analise suas habilidades comportamentais. Os selecionados também conversam com vários gestores da empresa para que a decisão seja colegiada, uma vez que cada profissional pode observar um aspecto diferente. “Processo seletivo não é ciência exata, mas tentamos fazer abordagens diferentes para sermos assertivos nas contratações e para que os candidatos vejam se é esse ambiente de trabalho que buscam para atuar”, informa.

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COMO SERÁ A BUSCA PELO NOVO TRABALHO EM 2050? “AS FUTURAS ORGANIZAÇÕES NÃO SERÃO MAIS ‘EMPREGADORAS’, MAS ASSOCIAÇÕES DE COMPETÊNCIAS POR TEMAS E PROBLEMAS OFERECIDOS.” Ingo Plöger

“POSSUIR UMA BOA BASE TÉCNICA COMO A FEI PROPORCIONA É EXTREMAMENTE IMPORTANTE, MAS AS HABILIDADES COMPORTAMENTAIS FARÃO GRANDE DIFERENÇA...” Fernanda Santos de Sales

“...AS PESSOAS RECEBERÃO DINHEIRO PARA OFERECER SOLUÇÕES MUITO CRIATIVAS, EMPÁTICAS E ESTRUTURADAS, O QUE A AUTOMATIZAÇÃO NÃO CONSEGUE FAZER.” Fernanda Cruz Boscari

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O clássico emprego assalariado com formalização de horário tenderá a chegar ao fim, enquanto o trabalho voltado para a busca da solução de novos problemas cresce de maneira disruptiva, baseado em demanda, competências, entrega de resultados e maior participação dos colaboradores nas tomadas de decisão. Esse é o cenário do mercado de trabalho em 2050 projetado em uma atividade lúdica realizada pelo membro do Conselho de Curadores da FEI, Ingo Plöger, presidente internacional do Conselho Empresarial da América Latina (CEAL) e da IP Desenvolvimento Empresarial e Institucional (IPDES), juntamente com a estudante do 7º semestre de Engenharia Química Fernanda Cruz Boscari e a engenheira de produção Fernanda Santos de Sales, ex-aluna da FEI que trabalha como Business Development no Laboratório de Inovação do Banco Votorantim. A dinâmica simulou um processo seletivo do futuro no qual o executivo de uma empresa com 15 mil colaboradores busca uma jovem profissional para a vaga de coordenação de processos. Para a escolha da candidata, o gestor tem a ajuda dos associados (representados pelo auditório) para avaliar os perfis das entrevistadas por meio de pesquisa em tempo real, via smartphone. A atividade foi desenvolvida no primeiro dia do 3o Congresso FEI de Inovação com o objetivo de provocar e inspirar professores, alunos e convidados a imaginarem como será a busca pelo emprego e a nova relação de trabalho no futuro. Para isso, os participantes realizaram uma intensa pesquisa sobre tendências mundiais, trocaram experiências e se prepararam para vivenciar e compartilhar a visão que o mercado está seguindo para 2050. A encenação abordou questões como motivação para a candidatura ao trabalho, qualificação profissional, importância do ge-

renciamento e da atuação em equipe, avanços tecnológicos e equilíbrio entre trabalho, família e lazer. Na opinião dos envolvidos, no futuro há grandes chances de a relação profissional ser conduzida conforme foi apresentado na atividade lúdica, e empresas e profissionais precisam estar preparados para se adaptarem a essa nova realidade. O engenheiro e economista Ingo Plöger afirma que as empresas do futuro serão conhecidas como ‘caçadoras de problemas’, como foi encenado na dinâmica, e vão buscar temas a serem solucionados, diferentemente do que é feito pelas empresas modernas atuais que se denominam como solucionadoras, ao propor melhorias com base em necessidades já conhecidas. “As futuras organizações não serão mais ‘empregadoras’, mas associações de competências por temas e problemas oferecidos. Não faltarão oportunidades, mas as pessoas terão de se adaptar a essa nova forma de oferecer suas competências para a solução de problemas como forma de trabalho”, explica. O conselheiro da FEI enfatiza, ainda, a importância de ter iniciativa, disposição e aprendizado contínuo para aproveitar todas as oportunidades que virão no futuro. Em relação à contratação e motivação dos colaboradores no ambiente de trabalho também deverá ocorrer uma mudança radical no mindset das empresas e nas lideranças, que exercerão cada vez mais os papéis de conselheiros e mentores. “Conselheiro será aquele que estará na frente institucional e empresarial, não se envolverá tanto na questão interpessoal de valores e missão, mas em torno de objetivos e resultados. Já o mentor vai construir uma comunidade visionária, integrar-se nos grandes temas interpessoais e da humanidade, além de compartilhar valores e ética com o time”, acentua.


TRABALHO

Da esq.: Ingo Plöger, presidente do CEAL e da IPDES e conselheiro da FEI; engenheira Fernanda Santos de Sales, Business Development no Banco Votorantim; e Fernanda Cruz Boscari, aluna de Engenharia Química da FEI

A engenheira Fernanda Santos de Sales acredita que os líderes deverão inspirar e motivar as equipes, potencializando a troca de conhecimento e as experiências entre os profissionais, além de dar mais autonomia, o que poderá contribuir para o aumento da produtividade e criatividade de todos. Com o mercado cada vez mais competitivo, os participantes também concordam que a valorização das competências comportamentais será fundamental no processo da revolução digital. “Possuir uma boa base técnica como a FEI nos proporciona é extremamente importante, mas as habilidades comportamentais farão grande diferença nessa nova era. Ter uma boa comunicação com nossos pares e líderes, saber trabalhar em equipe para a ampla troca de conhecimento, manter um pensamento mais criativo para a resolução de pro-

blemas e, principalmente, ter grande flexibilidade diante de um mercado em constante mudança serão essenciais”, ressalta a ex-aluna da FEI, que participou do InovaJunto, um programa de intraempreendedorismo do Banco Votorantim com parceria do Banco do Brasil, e ficou três meses no Vale do Silício, na Califórnia, Estados Unidos. Nesse período, a jovem desenvolveu um projeto utilizando blockchain (tecnologia de registro distribuído que visa à descentralização como medida de segurança), participou de eventos e de diversos cursos. A engenheira relata que essa experiência proporcionou a oportunidade de adquirir novas competências e habilidades e estar em um ambiente amplamente disruptivo, o que contribuiu para que saísse da zona de conforto e encarasse novos desafios. Frente aos avanços tecnológicos

e às megatendências, a aluna de Engenharia Química da FEI, Fernanda Cruz Boscari, acredita que um dos maiores desafios na busca por um trabalho no futuro será a capacidade de atualização profissional em relação à velocidade de mudanças no mercado. “Acredito que serão desejados pelo mercado não aqueles que trabalham muito tempo, mas os que fazem muito em pouco tempo. As atividades serão mais dinâmicas, as pessoas receberão dinheiro para oferecer soluções muito criativas, empáticas e estruturadas, o que a automatização não consegue fazer. O aprendizado contínuo será primordial e, por isso, desde a faculdade já participo de atividades, como a empresa Júnior FEI, e faço cursos que agreguem conhecimento e melhorem o meu curríVEJA O VÍDEO culo”, relata.

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A ERA DA NOVA GLOBALIZAÇÃO A revolução digital e cognitiva tem provocado impactos sobre os modelos de negócios, a geração de valor, a organização das empresas, o funcionamento do mercado e o mundo do trabalho, principalmente quando se elimina a fronteira entre os mundos físico, digital e biológico. O alerta é do economista Octavio de Barros, cofundador e sócio da Quantum4 Soluções de Inovação, que fez a palestra ‘A Nova Globalização: os bárbaros atacam os impérios’ durante o 3o Congresso FEI de Inovação. Os bárbaros são considerados os principais atores da nova economia, porque são mais ágeis, ‘caçadores de problemas’ e transformam as regras do jogo de acordo com as mudanças da sociedade. Já as empresasimpérios buscam proteger suas posições de mercado, margens e lucros e, por isso, se veem ameaçadas frente aos novos competidores. Essa nova era da globalização está associada à plataformização das atividades econômicas a partir da revolução digital e cognitiva, na qual as tecnologias passam a gerir cadeias inteiras de produção fora do chão de fábrica e do país onde as empresas operam. “Precisamos ter em mente que a globalização baseada no comércio

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de bens e mercadorias mudou. Hoje, a nova globalização é marcada pelo fluxo de dados, de informações e serviços, dependendo essencialmente de customização, plataformas tecnológicas, software, big data, inteligência artificial, Internet das Coisas (IoT), robotização e impressão 3D, entre outros recursos”, ressalta. Dentro do contexto de inovações e desenvolvimento de plataformas tecnológicas, o economista afirma que está acontecendo um fenômeno que permeia todo o processo de globalização no mundo, que é o declínio e a perda da relevância do core business. Isso quer dizer que a principal atividade que originou a empresa torna-se apenas mais uma dentro de um conjunto de outras nesse processo de ‘transversalização’ do negócio. Segundo Octavio de Barros, é possível afirmar que essas novas tecnologias abrem perspectivas inéditas. Bons exemplos são empresas como Amazon, Uber e Google, que já deixaram de ser intangíveis e estão produzindo ativos para muito além de suas atividades primárias – Uber e Google estão desenvolvendo carros elétricos e a Amazon passou a atuar também com seguros. Outra mudança que vem ocorrendo na indústria e na macroe-

conomia é o processo de ‘destaylorização’ da produção e de ‘servicização’ das companhias, por meio do qual a sociedade caminha para uma era hiperindustrial, com o crescimento dos negócios dependendo da incorporação progressiva de serviços de valor e não mais de custos. “Mesmo que a indústria perca peso em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), torna-se mais robusta na medida em que aumenta a sua densidade de serviços de valor. Então, podemos dizer, hoje, que a nova globalização depende essencialmente de customização e muito menos de custos baixos de mão de obra e de fatores locacionais clássicos”, pontua. DESAFIOS A perda de importância da territorialidade cria imensos desafios para os países emergentes, porque a expansão da produção em massa a baixo custo – que marcou o crescimento das empresas desde o pós-guerra – não corresponde mais à nova globalização. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a noção de cadeia de valor está perdendo sentido com o desenvolvimento da economia digital e, devido ao uso de novas tecnologias, as empre-


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sas têm reduzido as parcerias entre os países. Exemplo disso são os produtos manufaturados, como calçados e têxteis, que já estão sendo produzidos competitivamente em países desenvolvidos – Nike e Adidas são algumas das gigantes do setor que começaram a transferir suas estruturas de produção de Indonésia, Paquistão e Vietnã para Estados Unidos e Alemanha. “Isso vem ocorrendo porque a tendência dessa nova globalização é a transição de uma economia de posse para a economia da experiência em todos os setores. Essa mudança é muito significativa, pois os consumidores privilegiam cada vez mais a experiência em relação à posse. Há uma necessidade de personalização do que é oferecido à sociedade, e a força de uma grande empresa depende do reconhecimento de as pessoas sentirem que são diferentes, uma vez que o consumidor não quer mais ser tratado de maneira generalizada, mas sim de forma personalizada”, ressalta. E a necessidade de atrair e reter a atenção do consumidor passa, de forma cada vez mais crescente, a exigir uma mão de obra qualificada e capaz de lidar com inteligência artificial, algoritmos e análise de grande quantidade de dados. Apesar de ser uma tendência irreversível, o Brasil ainda convive com uma demanda não atendida de 160 mil profissionais qualificados na área digi-

tal, em particular no segmento de data analytics. O economista Octavio de Barros lembra que o papel do data scientist é justamente integrar a tecnologia ao negócio, pois, sem conhecer o negócio, de nada adiantará ter acesso a milhões de dados. Além disso, inteligência artificial e big data permitem identificar padrões de comportamento e consumo, assim como a interação com o ser humano para que as empresas possam oferecer um produto ou serviço. Por outro lado, os fluxos globais de dados aumentam a preocupação em relação à segurança e privacidade dessas informações armazenadas frente aos ataques cibernéticos. O vice-presidente do Grupo Stefanini, Ailtom Barberino do Nascimento Filho, informa que o mercado enfrenta um grande desafio para proteger essa imensurável quantidade de dados e talvez, neste momento, a opção mais segura seja mesmo o armazenamento em nuvem, por acabar pulverizando as informações para diversos locais. “Cada vez mais, há tentativas de ataques e invasões em ambientes de dados e, para diminuir esses riscos, é preciso primeiro um processo de educação do usuário e dos colaboradores das empresas em relação às portas de entrada, seguido por investimentos em tecnologias e em processos preventivos e investigativos para que se consiga antecipar possíveis ataques”, ensina.

OCTAVIO DE BARROS

“HOJE, A NOVA GLOBALIZAÇÃO É MARCADA PELO FLUXO DE DADOS, DE INFORMAÇÕES E SERVIÇOS, DEPENDENDO ESSENCIALMENTE DE CUSTOMIZAÇÃO, PLATAFORMAS TECNOLÓGICAS, SOFTWARE, BIG DATA, INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, INTERNET DAS COISAS (IoT), ROBOTIZAÇÃO E IMPRESSÃO 3D, ENTRE OUTROS RECURSOS.”

SUPREMACIA DIGITAL Não à toa, as duas maiores economias mundiais – China e Estados Unidos – são os países protagonistas da nova globalização e revolução digital e cognitiva ao concentrarem as 10 maiores empresas tecnológicas globais (big techs): Amazon, Facebook, Apple, Google, Microsoft, IBM, Alibaba Group, XIAOMI, Tencent e Baidu. Com o surgimento dessas ‘empresas plataforma’, que controlam o futuro da inteligência artificial e a capacidade de atender a novos clientes em qualquer lugar do mundo, sem aumento de custo, cria-se uma enorme barreira à entrada de novas concorrentes. A Amazon, por exemplo, tem acesso à maior rede de informações de preços no mundo, muito mais do que qualquer outra empresa, o que confere à companhia um poder praticamente imbatível frente à concorrência. Para o economista Octavio de Barros, já está ocorrendo um processo de ‘comoditização digital’, que se refere ao impacto e à popularização do acesso e do uso de tecnologias digitais padroni-

zadas com o propósito da competitividade e produtividade. “Quanto mais os países se distanciarem da agenda da inovação, mais correrão o risco de se tornarem irrelevantes na economia global e a recuperação ficará bem mais difícil”, sinaliza. Diante das transformações em curso a favor da economia digital e da ‘plataformização’ das atividades, setores econômicos de países emergentes, como o Brasil, precisarão desenvolver suas próprias plataformas digitais ou se tornarão apenas usuários/consumidores na economia digital. Além disso, a competição é o principal estímulo à inovação e as empresas que conseguem sobreviver em mercados competitivos são muito mais produtivas. Para atingir essas metas, no entanto, é preciso sair da zona de conforto, investir e ter abertura econômica que sinalize a favor da produtividade, da eficiência e do VEJA O VÍDEO uso de tecnologias.

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COWORKING E CROWDSOURCING: NOVAS FORMAS DE ATUAÇÃO e negócios nesses tempos de constantes inovações. Eventos, exposições, palestras e workshops também ocorrem nesses espaços e são novos atrativos para o compartilhamento de experiências entre os frequentadores. Para o sócio-fundador do CO.W. Coworking Space, Renato Auriemo, nos próximos anos os espaços compartilhados deverão ser consolidados em todos os segmentos para o desenvolvimento de um trabalho conjunto com foco em alavancar a criatividade e as soluções de alto potencial para o mercado. O executivo ressalta que o coworking é um centro de inovação que reúne pessoas com boas ideias de negócios e um ecossistema criativo no qual as necessidades de uns podem ser a solução dos outros. “No início, os es-

paços eram um atrativo apenas para novas empresas, no entanto, com a disponibilização de ambientes maiores, o coworking passou a atrair outros perfis de companhias, possibilitando unir mais profissionais e realizar uma troca de conhecimentos fundamental nesse universo corporativo de mudanças digitais”, ressalta. Enquanto o coworking já está consolidado no mercado brasileiro, o crowdsourcing vem demonstrando ser promissor como nova forma de trabalho para o futuro. O termo foi citado pela primeira vez em 2006, na revista Wired, para se referir a um novo conceito de interação social baseado na construção coletiva de soluções com benefícios para todos. O crowdsourcing é um modelo de produ-

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Espaços de trabalho compartilhados (coworking) e uso de inteligência coletiva (crowdsourcing) para criar ideias e solucionar problemas ganham cada vez mais importância e relevância como novos modelos de trabalho, já com foco no futuro. De acordo com o Censo Coworking Brasil 2018, o País já tem quase 1,2 mil escritórios compartilhados que, juntos, atendem a aproximadamente 214 mil pessoas. Esses ambientes compartilhados deixaram de ser apenas alternativa para profissionais autônomos, freelancers ou startups devido ao custo – geralmente mais baixo do que manter um escritório próprio –, e estão sendo ocupados por empresas que buscam networking, troca de experiências e geração de novas ideias

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ção que possibilita unir profissionais de diversas áreas e do mundo – recrutados pela internet – para solucionar problemas do dia a dia, desenvolver novas tecnologias, criar conteúdo ou prover serviços. Um exemplo clássico é a Wikipedia, a maior enciclopédia virtual do planeta, que se caracteriza pela colaboração dos internautas no desenvolvimento de conteúdos e correções de informações. “Esse modelo é uma das novas apostas na forma de trabalho, principalmente com a transformação digital e o mundo cada vez mais conectado. Nesse novo universo, o profissional desejado será aquele que tem iniciativa, criatividade e que consiga agregar novos conhecimentos e habilidades para desenvolver atividades e aumentar sua empregabilidade. Para as empresas, é uma forma de unir experiências e conhecimentos, assim como gerar riquezas globalmente”, explica o vicepresidente do Grupo Stefanini, Ailtom Barberino do Nascimento Filho. O empreendedorismo tem ainda

mais potencial de crescimento junto às inovações e, na opinião do executivo, o uso efetivo das novas tecnologias abrirá uma série de oportunidades e de novos postos de trabalho no futuro, que vão requerer mentes brilhantes com soluções incríveis e a custos baixos. “O Brasil é um campo aberto com enormes possibilidades e a capacidade de criação dos brasileiros é muito significativa. Já temos muitas oportunidades para resolver ineficiências operacionais de plataformas ou aplicativos bem estabelecidos, como Uber e Waze. E as startups podem ser facilmente absorvidas por grandes empresas, nas quais o processo de implantação interno é demorado”, sugere. AIRBNB EXPERIENCES Para muitas pessoas, viajar significa imergir na cultura local e é muito mais do que visitar os principais pontos turísticos de uma localidade. Com o foco voltado a esse mercado, o Airbnb tem ampliado o serviço de hospitalidade ao redor do mundo

e passa a oferecer uma plataforma de experiências que está presente em vários países – inclusive algumas cidades do Brasil, entre as quais São Paulo e Rio de Janeiro. Desde 2017, os usuários do serviço também podem agendar excursões ou outras atividades desenvolvidas e guiadas por anfitriões locais, que definem a programação e os valores do serviço. A nova ferramenta já está sendo encarada como uma nova forma de trabalho ou receita adicional, pois possibilita gerar riquezas ao unir indivíduos com interesses comuns. “Esse novo modelo também é uma oportunidade para as pessoas compartilharem hobbies, habilidades, especialidades ou locais favoritos que, muitas vezes, os turistas não conseguem encontrar por conta própria. Além disso, é uma tendência de conciliar algo de que gosta e ainda obter uma fonte de renda”, afirma o CEO da Mobility, Oskar Kedor. Esse é um claro exemplo dos novos modelos de negócios que emergem da sociedade, da experiência e da popularização digital.

RENATO AURIEMO

AILTOM BARBERINO DO NASCIMENTO FILHO

OSKAR KEDOR

“...O COWORKING PASSOU A ATRAIR OUTROS PERFIS DE COMPANHIAS, POSSIBILITANDO UNIR MAIS PROFISSIONAIS E REALIZAR UMA TROCA DE CONHECIMENTOS...”

“O BRASIL É UM CAMPO ABERTO COM ENORMES POSSIBILIDADES E A CAPACIDADE DE CRIAÇÃO DOS BRASILEIROS É MUITO SIGNIFICATIVA. JÁ TEMOS MUITAS OPORTUNIDADES...”

“ESSE NOVO MODELO TAMBÉM É UMA OPORTUNIDADE PARA AS PESSOAS COMPARTILHAREM HOBBIES, HABILIDADES, ESPECIALIDADES OU LOCAIS FAVORITOS...”

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TECNOLOGIA COMO ALIADA DO AGRONEGÓCIO

Novas ferramentas e soluções tecnológicas no agronegócio têm facilitado o planejamento, a execução e o monitoramento de tarefas no campo. Com isso, contribuem para os resultados das safras ao aumentar a produtividade e reduzir perdas na agricultura, fortalecendo a competitividade no mercado internacional e tornando a produção mais sustentável. A utilização de drones nas áreas de cultivo é um dos recursos que mais ganharam espaço na agricultura e na pecuária nos últimos anos, por tratar-se de um equipamento versátil capaz de desempenhar diferentes funções. Estimativas da Comissão Brasileira de

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Agricultura de Precisão (CBAP) indicam que 67% das propriedades agrícolas no Brasil já adotam algum tipo de inovação tecnológica, seja na área de gestão dos negócios ou nas atividades de cultivo e colheita. Responsável por 21% do Produto Interno Bruto (PIB) do País, que é o terceiro maior exportador mundial de alimentos, o agronegócio brasileiro tem impulsionado a economia e, ao mesmo tempo, deparado com grandes desafios, principalmente relacionados ao crescimento populacional e ao aumento da expectativa de vida. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura

(FAO) indica que, se o atual ritmo de consumo continuar, em 2050 serão necessários 60% a mais de comida, 50% a mais de energia e 40% a mais de água para atender uma população mundial estimada em 10 bilhões de habitantes. Para a presidente do Instituto Brasileiro para Inovação e Sustentabilidade no Agronegócio (IBISA) e do conselho diretor da Associação Brasileira do Agronegócio da Região de Ribeirão Preto (ABAG/RP), engenheira agrônoma Mônika Bergamaschi, a tecnologia é a grande aliada no campo, especialmente para o aumento da produtividade (produção por área), ou seja, produzir mais na mes-


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ma área já destinada ao cultivo. Nos últimos 25 anos, por exemplo, a área plantada com grãos no Brasil cresceu 53% e a produção aumentou 261%, graças à incorporação de recursos tecnológicos e à melhoria da gestão. “O trabalho no campo é muito árduo, intenso e requer 24 horas de atenção. E o uso de drones, por exemplo, já permite um monitoramento muito mais eficaz se comparado ao desenvolvido em terra”, informa. Segundo a presidente do IBISA, o grande desafio para a agricultura atualmente é desenvolver capacidade para produzir sustentavelmente alimentos, fibras e energia limpa para uma população que só cresce, assim como alimentos diferenciados para uma população que também envelhece. “No entanto, mais do que atender à demanda futura, precisamos lidar com dados atuais preocupantes. Atualmente, 1/6 da população mundial passa fome, enquanto o desperdício de alimentos é tão expressivo que seria suficiente para alimentar toda essa população”, afirma. O envelhecimento da população que trabalha no campo também preocupa o setor e, neste caso, a tecnologia pode ser uma grande aliada para manter os jovens e as mulheres no campo e até mesmo levar de volta para a área rural quem saiu para estudar ou trabalhar nas

cidades. A engenheira destaca que é preciso que a atividade seja suficientemente atrativa para despertar o interesse, e ofereça possibilidades de as pessoas conciliarem trabalho com lazer e bem-estar. O sócio-diretor da Prospectiva Consultoria, Ricardo Sennes, lembra que há cada vez menos áreas agrícolas no Brasil vs. população nas últimas décadas, o que significa outro grande desafio do ponto de vista tecnológico. “Como gerar alimentos suficientes para atender a essa massa de pessoas que habitará o planeta até 2050 é uma das equações a serem resolvidas. E uma das missões do Brasil pode ser justamente utilizar os recursos tecnológicos para estar entre os principais produtores de alimentos do mundo nas próximas décadas, transformando-se em uma espécie de ‘OPEP’ de alimentos ao lado de outros emergentes”, argumenta. Dados da FAO indicam que os países emergentes têm mantido um crescimento no mercado agrícola e já representavam 20,1% do total global em 2015, contra 9,4% em 2000. Além de Brasil e China, Indonésia e Índia foram os países que mais cresceram no segmento, enquanto Estados Unidos, União Europeia, Austrália e Canadá viram seu percentual de participação no segmento ser reduzido em 10% no mesmo período.

MÔNIKA BERGAMASCHI

“O TRABALHO NO CAMPO É MUITO ÁRDUO, INTENSO E REQUER 24 HORAS DE ATENÇÃO. E O USO DE DRONES, POR EXEMPLO, JÁ PERMITE UM MONITORAMENTO MUITO MAIS EFICAZ SE COMPARADO AO DESENVOLVIDO EM TERRA.”

DESIGUALDADES Para acompanhar as demandas e as evoluções na agricultura é preciso diminuir a desigualdade entre os grandes agricultores – que já fazem uso de tecnologia de ponta há algum tempo – e os pequenos produtores, que ainda estão dando os primeiros passos para a modernização ou sequer têm recursos para os investimentos necessários para a modernização das lavouras. “No Brasil, temos agricultura 4.0 e 0.4, com uma enormidade de produtores rurais que sequer entendem a necessidade de se fazer a correção da acidez de solo”, lamenta a engenheira agrônoma Mônika Bergamaschi. A presidente do IBISA e da ABAG/RP lembra que o Brasil é muito grande e são várias agriculturas. Há propriedades que já incorporaram o que há de mais moderno em tecnologia, inovação e gestão, e outras que estão completamente à margem, nas quais há muito a ser feito. “Evidentemente que depende da cultura, da escala de

produção e da rentabilidade”, enfatiza. No Estado de São Paulo, por exemplo, existem 320 mil propriedades rurais e a maior parte tem até 20 hectares. Para ganhar produtividade e competitividade, alguns pequenos produtores precisam se unir, e um caminho é fazer parte de organizações, como cooperativas e associações. O desperdício é mais uma questão a ser resolvida com o uso da tecnologia. O último relatório da FAO estima que cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos produzidos anualmente para o consumo humano se perdem no mundo. “Além de conscientizar a população sobre a importância do armazenamento e do consumo corretos dos alimentos para diminuir o desperdício, o Brasil enfrenta dificuldades com a logística e a falta de mais centros de distribuições regionais para que os alimentos circulem menos pelas estradas, o que certamente favoreceria a qualidade e a durabilidade até a chegada à mesa do consumidor”, argumenta a engenheira.

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INCENTIVO AO APRENDIZADO CONTÍNUO Com o mercado cada vez mais dinâmico, a educação precisa refletir todas as transformações tecnológicas, econômicas, sociais e culturais. Portanto, o aprendizado contínuo, ou lifelong learning, torna-se primordial para que o profissional possa acompanhar as mudanças disruptivas e mantenha-se atualizado e competitivo. Se, nas décadas passadas, bastava ter um diploma para garantir uma vaga no mercado de trabalho, atualmente é preciso ir muito além da bagagem que a graduação ou especialização trazem para ter sucesso na carreira. Na era digital, a educação precisa ser compreendida não como uma tarefa a ser realizada e concluída em um número determinado de anos, mas como um projeto de vida de longo prazo, para que o profissional seja capaz de aprender a aprender para enfrentar os desafios constantes e voláteis decorrentes da revolução tecnológica. Especialistas argumentam que foi-se o tempo em que o profissional se formava, conquistava o diploma, se especializava e vivia uma carreira de estabilidade com os conhecimentos adquiridos nessa fase da formação. No contexto de inovação e tecnologia, o conhecimento avança, mas também se transforma, podendo ficar obsoleto muito rapidamente. Dessa forma, o aprendizado contínuo pas-

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sa a ser uma necessidade da carreira para dominar as novas tecnologias, aperfeiçoar-se e desenvolver habilidades profissionais e sociais. A Harvard Business Review, da Harvard Business Publishing, indica que os recursos para aproveitar a educação continuada nunca foram tão abundantes e isso se deve, principalmente, à tecnologia que amplia o acesso e democratiza o aprendizado, com métodos de ensino on-line e cursos variados, de curta a longa duração, gratuitos ou pagos. O conceito de lifelong learning existe desde a década de 1950, mas está sendo reinventado e a grande mudança é a flexibilidade oferecida pelas tecnologias. “A ideia de aprender com base no e-learning muda tudo, porque possibilita uma educação personalizada e de acordo com os interesses e as necessidades desejadas pelo profissional naquele momento”, afirma o professor doutor José Claudio Securato, presidente da Escola de Negócios Saint Paul. Mesmo com todas as transformações tecnológicas e no ensino, o docente acredita na continuidade da importância da graduação e pós-graduação, entretanto, no futuro o profissional precisará de microcertificações para que consiga estruturar uma formação profissional customizada. O CEO da Mobility, Oskar Kedor, acrescenta que os profissionais estão

mais interessados no desenvolvimento de habilidades voltadas à inteligência emocional e a outras questões fundamentais para conquistar uma boa qualidade de vida, que não são necessariamente ensinadas na formação tradicional. Por isso, instituições têm criado cursos sobre várias temáticas para ajudar estudantes e profissionais a adquirirem autoconhecimento. Fundada em Londres, a The School of Life, com sedes em São Paulo e em outros países da Europa e Ásia, é uma das organizações que oferecem essas aulas e tem atraído um público diversificado. “Em 2017, a escola recebeu 7,2 mil estudantes e os cursos mais procurados foram sobre propósito, empatia e resiliência. Isso mostra que as pessoas têm uma carência muito grande de lidar e entender a importância dessas habilidades ao longo da carreira profissional, o que também pode ajudá-las na compreensão do que buscam e querem para a vida hoje e no futuro”, acentua. Segundo o economista Octavio de Barros, da Quantum4 Soluções de Inovação e do think tank da República do Amanhã, alguns estudiosos têm insistido que a educação do futuro, compatível com a revolução digital, deverá se parecer conceitualmente com o Renascimento, época considerada um dos poucos momentos na história em que houve mudanças disruptivas tão


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significativas quanto as que ocorrem atualmente. “Por isso, prima-se por uma educação baseada no incentivo à inventividade e criatividade nesses tempos em que as atividades profissionais serão cada vez mais interdisciplinares”, ressalta. Para acompanhar os avanços tecnológicos, as exigências do mercado e as tendências para o futuro, instituições de ensino de modo geral também deverão passar por um processo de transformação das metodologias de ensino e de capacitação do corpo docente para que consigam formar e qualificar os profissionais que vão ser demandados nessa nova era digital. As mudanças apontadas pelos especialistas envolvem a ampliação do uso de recursos tecnológicos, maior integração entre universidades e empresas, desenvolvimento de competências, valorização da interdisciplinaridade, estudantes no centro da aprendizagem e um novo papel do professor dentro e fora da sala de aula. Os ambientes serão cada vez mais colaborativos, nos quais serão expostos contextos próximos da realidade dos alunos para discussão. “Também é preciso potencializar a capacidade de o professor se relacionar com o aluno e as tecnolo-

gias. Os temas mais técnicos poderão ser aprendidos de forma digital para que as horas em sala de aula sejam de compartilhamento de conhecimento e troca de experiência na busca de soluções para problemas reais. Por isso, busca-se mudar a ideia das aulas tradicionais, com teorias e exercícios e, inclusive, o processo de avaliação”, acentua o professor José Claudio Securato. Para o executivo da MAN Latin America, Leandro Pugliese de Siqueira, as universidades e os centros universitários precisam oferecer ambientes inovadores, e a aproximação do meio acadêmico com as empresas é uma das formas de proporcionar essa oportunidade, ao estreitar a relação entre instituição e mercado. Além disso, essa proximidade permite realizar um trabalho conjunto que contribui para o desenvolvimento de novos profissionais e atende às necessidades das organizações. “Embora essa relação já seja uma realidade em algumas instituições no Brasil, como é o caso do Centro Universitário FEI, este será o futuro da universidade, que deve ganhar ainda mais força nos próximos anos diante das mudanças disruptivas”, ressalta.

JOSÉ CLAUDIO SECURATO

“A IDEIA DE APRENDER COM BASE NO E-LEARNING MUDA TUDO, PORQUE POSSIBILITA UMA EDUCAÇÃO PERSONALIZADA E DE ACORDO COM OS INTERESSES E AS NECESSIDADES DESEJADAS PELO PROFISSIONAL NAQUELE MOMENTO.”

ENSINO COM INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL Além da busca pelo aperfeiçoamento por parte dos profissionais, as instituições de ensino também devem estar preparadas para oferecer soluções customizadas que agreguem conhecimento e atendam às necessidades dos interessados em aprender. A Escola de Negócios Saint Paul desenvolveu o LIT, uma plataforma disruptiva de educação corporativa por assinatura (mensal ou anual) que permite aos usuários o acesso a uma ampla variedade de cursos, palestras e grupos de discussão por meio do smartphone, tablet ou computador. A plataforma on-learning – sistema de ensino baseado em machine learning – possui um tutor (Paul) que utiliza a tecnologia de inteligência artificial da IBM Watson. A tecnologia faz uso de computação cognitiva para entender que tipo de conteúdo o aluno quer acessar e, a partir de dados, é capaz de apontar a melhor estratégia de aprendizado. O tutor Paul também foi treinado com algoritmos para incluir o ensino de competências comportamentais e técnicas. “No Brasil, criou-se um pensamento de que o ensino on-line é ruim e existe certo preconceito. Mas, com o uso da inteligência artificial, conseguimos fazer uma curadoria e customização do conteúdo de acordo com o interesse de cada usuário e a melhor forma de absorção de conheci-

mento. Com isso, otimizamos tempo e eliminamos conteúdos que os alunos já conhecem, focando na qualidade e no que realmente desejam e querem aprender”, afirma o presidente da Escola de Negócios Saint Paul, José Claudio Securato. Para o docente, a tecnologia já é uma grande aliada da educação e terá cada vez mais o poder de ampliar e melhorar a qualidade do ensino em todos os níveis. Entretanto, ainda existem as dificuldades de acesso e de inclusão dos recursos para todos os estudantes, principalmente devido às restrições de investimentos no setor público. “Na Índia, por exemplo, foi instalado um computador como se fosse um caixa eletrônico com internet em uma comunidade que não falava inglês. As crianças aprenderam a operar, buscaram conteúdos na internet e, quando expostas a temas específicos em salas de aula, tiveram médias similares às de estudantes de uma escola privada de Nova Deli. Isso mostra que a tecnologia funciona e o importante são as iniciativas. O desafio é conectar e digitalizar 100% das escolas, mas podemos começar pelo uso do smartphone por parte do professor em sala de VEJA O VÍDEO aula”, sugere.

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ÍNDICE 24 OS REQUISITOS TECNOLÓGICOS PARA UMA VIDA LONGA

26 INOVAÇÕES NA SAÚDE NA ERA DA INFORMAÇÃO

28 MEDICINA DE PRECISÃO E AS PRÓXIMAS EXPLOSÕES TECNOLÓGICAS

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AVANÇOS TECNOLÓGICOS EM SAÚDE

Ao romper barreiras e criar novas terapias e modelos de gestão, a tecnologia propiciou uma verdadeira revolução no setor, que permitirá mais longevidade até 2050

SAÚDE TAMBÉM É LUGAR DE ENGENHEIRO

30 COMO CHEGAR AOS 100 ANOS COM QUALIDADE DE VIDA E MAIS SAÚDE

32 SUSTENTABILIDADE PARA O CORPO E O PLANETA

33 MONITORAMENTO E DIGITALIZAÇÃO DA SAÚDE

35 SEGURANÇA DE DADOS E RISCOS PARA A INDIVIDUALIDADE

36 DIAGNÓSTICOS E MEDICAMENTOS NA ERA DIGITAL

ESTUDOS DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO COM RELEVÂNCIA NA MEDICINA

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SAÚDE

O

s avanços tecnológicos das últimas décadas trouxeram mais velocidade, segurança e eficácia para a área da saúde e já beneficiam milhões de pessoas ao redor do planeta. Ao romper barreiras e criar novas terapias e modelos de gestão, a tecnologia propiciou uma verdadeira revolução no setor, cujos resultados terão forte influência na qualidade de vida e no bem-estar das pessoas para as próximas décadas. A internet das coisas e a inteligência artificial possibilitam maior interoperabilidade e diagnósticos mais precisos. Soma-se a tudo isso a perspectiva de tratamentos individualizados, melhor precisão e rapidez na disponibilidade de indicadores clínicos e inovações nas áreas farmacológica, de biotecnologia e da Engenharia Genética. Com enorme potencial, o big data também será essencial para reduzir custos e desperdícios e, assim, melhorar a experiência do paciente no atendimento assistencial, uma vez que a disponibilidade de dados em tempo real poderá ajudar os provedores da saúde nas tomadas de decisões. Em contrapartida, será necessário ter muita atenção para que todo esse aparato tecnológico não represente um risco à individualidade, com perda de autonomia e privacidade para profissionais e pacientes. Vencer esses desafios será determinante na questão da saúde e, consequentemente, da longevidade. Desde sempre, muito da evolução na área da saúde e da atividade médica deve-se às novidades que nascem da área tecnológica de diversos campos de pesquisa, inclusive a Engenharia. Segundo o professor doutor Antônio Roberto Batista, especialista em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Fundação Educacional Inaciana Padre Sabóia de Medeiros, mantenedora do Centro Universitário FEI, a tecnologia será aquilo que o ser humano fizer dela. “No campo da Medicina e da saúde há muitos desafios novos, sejam éticos, educacionais, de sustentabilidade econômica ou gerenciais, que

ANTÔNIO ROBERTO BATISTA

“NO CAMPO DA MEDICINA E DA SAÚDE HÁ MUITOS DESAFIOS NOVOS, SEJAM ÉTICOS, EDUCACIONAIS, DE SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA OU GERENCIAIS, QUE ESTIMULAM A DISCUSSÃO...” estimulam a discussão sobre como inserir todo esse conhecimento e tecnologia a serviço das pessoas e do bemestar”, analisa. Com oportunidades e riscos, o objetivo é que as novas soluções sejam sustentáveis, melhorem desempenhos, reduzam custos e ofereçam mudanças que beneficiem amplamente a sociedade. Durante muito tempo, a tecnologia voltada para a saúde trouxe, ao lado dos benefícios, elevação dos custos dos serviços, mas isso vem mudando em função de novos paradigmas. “Temos um triplo objetivo para o futuro, em que é preciso introduzir um novo conceito de saúde da população, transformar o cuidado em atenção e reduzir custos, ações que resultarão em uma quarta questão inserida no centro desse processo: a qualidade. O consumidor de saúde não quer mais filas nos serviços e deseja mais qualidade no atendimento, questões que estão no âmago das novas tecnologias”, enumera o economista sê-

ANDRÉ CEZAR MEDICI

“O CONSUMIDOR DE SAÚDE NÃO QUER MAIS FILAS NOS SERVIÇOS E DESEJA MAIS QUALIDADE NO ATENDIMENTO, QUESTÕES QUE ESTÃO NO ÂMAGO DAS NOVAS TECNOLOGIAS.” nior em Saúde do Banco Mundial, professor doutor André Cezar Medici, que tem contribuído nos últimos 30 anos para projetar e melhorar as reformas dos serviços de saúde no Brasil e em países em desenvolvimento. Para atingir essas metas será necessário incorporar padrões de qualidade cada vez melhores e novas métricas no sistema de saúde, associadas a resultados clínicos, custos, relevância das ações e à redução no desperdício de recursos. Essas informações deverão ser coletadas e avaliadas em todo o ciclo de cuidado do paciente, desde a detecção da doença até seu completo tratamento e restabelecimento. Para o especialista, isso só será possível com uma revolução tecnológica da informação por meio do big data, que avaliará a saúde baseada no valor e nos resultados obtidos com tratamentos e intervenções. Para controlar a qualidade e alcançar resultados na área torna-se obrigatória a mensuração dos siste-

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mas de custos, que permita medir e comparar os resultados alcançados com as despesas incorridas ao longo do ciclo de cuidado do paciente. “Ao adotar uma metodologia de valor, o risco passa a ser compartilhado entre todos os que fazem parte do processo. Com isso, não é só quem paga pelo serviço que assume o risco, uma vez que parte substancial também passará a ser assumida pelo profissional da saúde, pelo hospital e por todos aqueles que compartilham o uso da tecnologia ao longo do ciclo de cuidado”, descreve o economista André Cezar Medici. Essa nova forma de medir e valorizar a saúde tem acompanhado os processos tecnológicos e pode ser aplicada em equipamentos e terapias, nos processos de gestão e organização, na tecnologia da informação e na gerência de processos, com o uso sistemático de big data, assim como na cadeia de suprimentos, na qual se inclui tecnologia associada à gestão de medicamentos, insumos e materiais médicos, entre outros. O economista do Banco Mundial defende, ainda, que a longevidade está associada a uma série de processos e inovações em que a utilização de dados para medição dos resultados, de custos e desempenhos passa a ser uma questão fundamental. Com o uso da IoT, por exemplo, será possível reduzir as despesas relacionadas ao trabalho por meio de máquinas e equipamentos usados na hospitalização, enquanto que o uso de big data e de processos analíticos produzirá dados úteis para informar se é preciso aumentar a produtividade, resolver problemas de qualidade e reduzir custos. “Com isso, teremos uma revolução no trabalho em saúde”, avalia. Além disso, o uso da biotecnologia na produção de medicamentos e os tratamentos customizados para cada pessoa marcarão esse processo de inovação, trazendo novas terapias

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e soluções mais individualizadas, em que o tipo de medicamento que um indivíduo precisa será formulado a partir da análise de sua genética e de doenças preexistentes. O indivíduo também deixará de ser visto como ‘paciente’ e passará a ser um ‘agente’ capaz de acompanhar seus indicadores de saúde no dia a dia e de discutir com a equipe médica sobre seus problemas, colocando-se como elemento determinante da decisão clínica a respeito da própria saúde e das questões associadas ao seu processo de cura. Entretanto, há um contraponto a ser avaliado em relação aos direitos individuais. “A chamada ditadura da prevenção fará com que cada vez mais as pessoas, ao entrarem em um plano de saúde, sejam avaliadas em relação a hábitos e fatores que ameacem a sua vida, fazendo com que cada indivíduo seja responsável pelos riscos associados a seus hábitos, diferentemente de hoje, em que os custos de pessoas com maior e menor risco decorrentes de escolhas individuais são repartidos entre todos os participantes do plano”, comenta André Cezar Medici. Nesse novo modelo, quem pratica esportes radicais, fuma ou tem hábitos de vida pouco saudáveis verá seus custos com os planos ficarem mais altos. Viver mais trará, ainda, uma série de fatores negativos, a exemplo do aumento da multimorbidade por doenças crônicas, que tem efeitos específicos na elevação dos custos associados à saúde e à dificuldade das possibilidades terapêuticas. Nesse contexto, é possível que a soma de fatores como a multimorbidade, o envelhecimento e o uso de novos medicamentos resulte em maiores problemas para o profissional da saúde – como dificuldade de prescrição, orientação e monitoramento dos pacientes –, que terão de ser enfrentados no decorrer desse processo.

OS REQUISITOS TECNOLÓGICOS Mais do que a expectativa de vida com qualidade, a grande preocupação dos gestores de saúde está em ampliar a acessibilidade aos benefícios e avanços tecnológicos para toda a população, inclusive aos milhões que se encontram fora do sistema em várias partes do mundo. Para os especialistas convidados para o 3o Congresso FEI de Inovação, antes de pensar em como redistribuir o acesso à saúde ou propor alterações na Constituição, no que diz respeito aos direitos do cidadão e ao dever do Estado, é preciso refletir sobre o conceito de forma ampla. Conforme pressupõe a Organização Mundial da Saúde (OMS), ser saudável significa um estado de normalidade do funcionamento do organismo humano, viver com boa disposição física e mental e ter bem-estar social. “Podemos definir Medicina de várias formas, mas gosto de dizer que é a conjunção de compaixão com a vontade de servir ao semelhante, de fazer o bem. Isso é o que move a todos que escolheram a profissão. Mas temos de aliar a ciência com a aplicação para atender um maior número de pessoas, e a base expoente do conhecimento é a tecnologia”, ressalta o professor doutor José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Paulista de Medicina (APM). Segundo o médico, não interromper o ciclo virtuoso que envolve tecnologia, conhecimento, ética e compaixão representará benefícios para toda a sociedade daqui a 50 anos e, para alcançar a saúde plena, será preciso que-


SAÚDE

PARA UMA VIDA LONGA brar barreiras, entender os limites cronológicos, ampliar o estado de saúde e seus benefícios ao máximo e respeitar os atributos que compõem a qualidade de vida. Para chegar a esse resultado será essencial equacionar a sustentabilidade da vida com os custos dessa longevidade. Nesse processo, a multidisciplinaridade de medicações e a produção de drogas cada vez mais eficazes serão fundamentais. Para exemplificar, o professor José Luiz Gomes do Amaral cita uma experiência realizada na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP) – já incorporada em outros países. Em um trabalho desenvolvido na UTI do Hospital São Paulo, farmacêuticos clínicos consultaram as prescrições de um grupo de 500 pacientes e, a partir de conversas com os médicos, procuraram potenciais interações medicamentosas naquelas prescrições. “O resultado foi uma quantidade absurdamente alta de interações medicamentosas potenciais, que poderiam resultar em outras manifestações clínicas. Para isso, foram usadas bases de dados e modificamos 30% das prescrições. Essa é uma maneira de tratar um comportamento adverso com o domínio da tecnologia”, relata. Esse é apenas um exemplo do uso da tecnologia para melhorar questões médicas, mas muitos

outros fatores serão determinantes para revolucionar o avanço tecnológico em saúde. Entre os exemplos estão o uso de IoT com dispositivos médicos conectados e de analytics para fins de pesquisa e produção de informações; hospitalometria com a métrica em todos os processos; conectividade e acesso total a dados de comunicação; telessaúde, com uso de telefone celular como instrumento de aproximação entre paciente e médico; robótica, mecatrônica e impressão 3D. O economista André Cezar Medici acrescenta que essas tendências parecem futurísticas, mas estão muito próximas e serão acessíveis em um curto espaço de tempo. No entanto, para serem aplicadas será necessário criar estratégias para o desenvolvimento de bases, assim como a aquisição e o compartilhamento de dados próprios, o desenvolvimento de Parcerias Público-Privadas (PPPs) e o acesso à interoperabilidade, com equipamentos e sistemas flexíveis para integrar bases distintas de dados de outros parceiros, entre outras questões. “Atualmente, gerenciamos a saúde com competência, temos pessoas qualificadas e comprometidas. Mas acredito que, de certa forma, a educação na Medicina é antediluviana e, provavelmente, não estamos preparados para a destruição criativa de muitos elementos que ainda conservamos na formação médica. É preciso, sem dúvida, uma mudança para acompanharmos toda essa evolução”, avalia o presidente da APM, para quem, apesar da existência de algumas agências bem estruturadas no Brasil, ainda não há uma firme gestão da incorporação de tecnologias em saúde no País. ENTRAVES Conflitos tecnológicos e normativos sempre estão associados à implantação de novas tecnologias, principalmente pelas barreiras jurídicas referentes à regulamentação. “No caso das patentes na área de medicamentos, por exemplo, a aprovação demorava aproximadamente cinco anos nos países desenvolvidos. Hoje leva, no máximo, dois anos, enquanto no Brasil o tempo médio gira em torno de 11 anos”, lamenta o economista André Cezar Medici. Para que o País avance para as próximas fases e seja um player importante é imprescindível uma rápida revisão desses processos, mais investimentos e interação entre empresa e universidade. E a mudança tem de ser rápida, pois não se pode permitir que, enquanto a base de conhecimentos se amplia, a tecnologia não siga por causa de limitações econômicas.

Ao pensar na incorporação de tecnologia à saúde é fundamental avaliar os benefícios que serão gerados e não os altos valores agregados às despesas da inovação, a partir do impacto positivo do uso durante um determinado número de anos. Se a geração desses recursos é muito grande, o custo da tecnologia fica menor, portanto, o custo é sempre relativo. Outra dificuldade a ser superada está relacionada ao domínio das novas tecnologias, uma vez que não há limites para esses avanços cada vez mais rápidos. Um bom exemplo é o atendimento remoto, que já vem sendo aplicado em vários países, incluindo o Brasil. O grande desafio, no entanto, está em como dominar todo esse processo tecnológico e usá-lo efetivamente em benefício das pessoas. “O interesse do paciente sempre precisa estar em primeiro lugar e, para isso, temos um trabalho imenso pela frente. Não avançar rápido é retroceder, deixando o Brasil muito mais longe do que podemos imaginar. Há muito a ser feito”, enfatiza o professor José Luiz Gomes VEJA O VÍDEO do Amaral.

JOSÉ LUIZ GOMES DO AMARAL

“O INTERESSE DO PACIENTE SEMPRE PRECISA ESTAR EM PRIMEIRO LUGAR E, PARA ISSO, TEMOS UM TRABALHO IMENSO PELA FRENTE. NÃO AVANÇAR RÁPIDO É RETROCEDER...”

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INOVAÇÕES NA SAÚDE NA ERA DA INFORMAÇÃO Tratamentos mais precisos e menos invasivos, diagnósticos precoces, redução dos custos, melhor desempenho, eficiência no atendimento e, acima de tudo, bem-estar. Para manter um sistema de saúde que ofereça essas características no atendimento à população, mais do que nunca é preciso investir em inovação, tanto para o atendimento de doenças de alta complexidade como na saúde básica. Apontadas por especialistas como a principal aliada na busca por melhores índices de saúde no Brasil, as tecnologias diagnósticas serão essenciais para os avanços na promoção e manutenção da saúde, garantindo a universalização da atenção assistencial de qualidade para as próximas décadas, mesmo frente ao envelhecimento da população. O futuro se apoiará nas tecnologias digitais e sua integração com o corpo, por meio do monitoramento em tempo real, da Medicina de Precisão individualizada e do uso de tecnologias não invasivas. Apesar de todo o potencial disruptivo, conseguir a adesão dos médicos será um grande desafio. Desde que a Medicina se tornou científica, a partir da segunda metade do século 19, uma série de inovações derivadas da química, física, eletrônica e, mais recentemente, do processamento de imagens, computação, ge-

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nética, inteligência artificial e biotecnologia genômica tem impulsionado o progresso. Atualmente, duas áreas se destacam nesse processo: uma delas envolve a computação cognitiva, com potencial disruptivo de grande magnitude que possibilita complementar a inteligência humana; e a segunda é o estudo do genoma, que poderá ser usado para garantir a longevidade acelerando o progresso da cura de doenças graves como câncer e diabetes, entre tantas outras. Junto com a possibilidade da manipulação genética em seres humanos, que abre oportunidades para novas pesquisas, há uma ampla discussão sobre questões éticas e jurídicas que podem impor limites nessa experimentação científica como contraponto ao processo de inovação. “Estamos complementando a inteligência humana com a tecnologia e virando deuses ao mexer com a Engenharia Genômica, mas não sabemos o que será do futuro, para o bem e para o mal”, enfatiza o professor doutor Renato Marcos Endrizzi Sabbatini, docente da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, CEO e presidente do conselho do Instituto Edumed para Educação em Medicina e Saúde. Além da prevenção e manutenção da saúde, outras tendências têm sido incorporadas à área médica graças ao

progresso tecnológico, entre as quais a gestão comportamental relacionada a questões que impactam a saúde, como obesidade, sedentarismo, estresse e prevenção de sequelas, assim como o uso mais intenso de tecnologias digitais e unificação dos prontuários médicos individuais. Esses e outros aspectos farão com que a chamada ‘Pirâmide de Saúde’ se inverta, colocando no topo o autocuidado, os amigos, a família e as redes de apoio. “A tendência é que o sistema de saúde permita essa inversão, fazendo com que a população não entre nas etapas mais caras e complicadas do tratamento de determinadas enfermidades, por exemplo”, sinaliza o CEO do Instituto Edumed. Dessa maneira será possível atingir a tripla meta, que ajudará gestores do setor a pensarem ações que visam ampliar a cobertura dos serviços de saúde, melhorar a experiência assistencial e reduzir ou estabilizar o custo per capita de forma sistemática e com uma visão de saúde populacional. No mundo inteiro, existe uma disparidade entre a Medicina institucional e as necessidades populacionais, mas, na medida em que as sociedades ficam mais aprimoradas, essas diferenças tornam-se menores e mais restritas a situações de extrema especificidade na área terapêutica. No Brasil,


SAÚDE

RENATO MARCOS ENDRIZZI SABBATINI

“ESTAMOS COMPLEMENTANDO A INTELIGÊNCIA HUMANA COM A TECNOLOGIA E VIRANDO DEUSES AO MEXER COM A ENGENHARIA GENÔMICA...” há um problema grave de gestão e definição de informações de saúde e, mesmo que a universalização dos dados via big data seja essencial, o País está – em termos genéricos – longe do ideal. Segundo o professor doutor Vicente Odone, coordenador clínico do Instituto de Tratamento de Câncer Infantil (ITACI), o grande desafio é a informação e caracterização das necessidades de forma mais precisa. “As instituições de referência isoladas desempenham trabalhos maravilhosos, entretanto, se não tivermos um conjunto de dados de maneira adequada nunca vamos produzir os resultados esperados para a população”, avalia. Na Oncopediatria, que envolve o atendimento de crianças e adolescentes entre 0 e 18 anos, a estimativa é de 12,5 mil novos casos por ano. Destes, 6,8 mil pacientes estão registrados no Instituto Nacional de Câncer (INCA), enquanto os demais – 8,5 mil – sequer foram incluídos no sistema e podem simplesmente ter morrido antes mesmo do diagnóstico. O médico afirma que mudar esse quadro será fator determinante para garantir o total acesso à saúde.

VICENTE ODONE

“...SE NÃO TIVERMOS UM CONJUNTO DE DADOS DE MANEIRA ADEQUADA NUNCA VAMOS PRODUZIR OS RESULTADOS ESPERADOS...”

CARLOS EDUARDO THOMAZ

“A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL TAMBÉM ESTÁ MUDANDO PERSPECTIVAS GRAÇAS AO ACESSO PARA A CONSTRUÇÃO DE ALGORITMOS... ”

INFORMATIZAÇÃO COMO ALAVANCA O que de fato alavanca a atual explosão tecnológica são os computadores, que serão determinantes para a digitalização dos processos, conectividade e mobilidade na área da saúde. As aplicações médicas (muitas já existentes) serão ampliadas e aperfeiçoadas, marcando o futuro tecnológico no segmento. Computadores cognitivos, sistemas autônomos, IoT, inteligência artificial, realidade virtual e aumentada, dispositivos médicos vestíveis e implantáveis, impressão 3D, tecnologias não invasivas, monitoramento de ingestão de medicamentos, genômica personalizada, nanotecnologia, robótica e biônica estão entre as novidades. “Esse desenvolvimento tecnológico, que evolui aceleradamente, permitirá que médicos saibam mais sobre o paciente e sua saúde sem que, para isso, o corpo precise ser invadido. Com um número incrível de aplicações, essas tecnologias passam a ser implementadas na indústria farmacêutica, na análise de big data e nos riscos individuais, com grande potencial para auxiliar o diagnóstico de terapia (ou terapia de incisão)”, avalia o biomédico Renato Marcos Endrizzi Sabbatini. Amplamente estudadas no Centro Universitário FEI, nanoeletrônica, inteligência artificial e big data são três linhas que vêm ganhando profundidade nas pesquisas relacionadas à área de saúde na Instituição. O professor doutor Carlos Eduardo Thomaz, coordenador do Programa de Mestrado e Doutorado em Engenharia Elétrica da FEI e um dos pesquisadores mais envolvidos com os estudos na área, lembra que, no passado, o conhecimento baseava-se no sistema linear de separação de padrões e havia poucos dados, diferentemente da tecnologia disponível atual, que oferece uma grande quantidade de informação e mais precisão para atravessar a fronteira entre a ciência e a tecnologia. “Na academia, trabalhamos de forma singular a evolução de hardware e armazenamento de dados na nuvem, ponto fundamental para mudar as perspectivas de IoT, pois permite armazenar uma massa de dados constituída de algoritmos. Com isso, esses dados ficam acessíveis a qualquer entidade tecnológica ou instituição. A inteligência artificial também está mudando perspectivas graças ao acesso para a construção de algoritmos, possibilitando diagnósticos mais precisos e eficientes, tratamentos adequados e, obviamente, a redução de custos”, relata.

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MEDICINA DE PRECISÃO E AS PRÓXIMAS EXPLOSÕES TECNOLÓGICAS A área da saúde tem passado por um período de grandes mudanças, fruto das transformações que tiveram início há pouco mais de duas décadas. Na Oncopediatria, o professor Vicente Odone acredita que tudo caminha para a individualização da Medicina, diferentemente do que ocorreu entre as décadas de 1960 e 1970, quando era preciso trabalhar com agentes terapêuticos inespecíficos e uma mistura de resultados pouco palpáveis, no melhor modelo ‘ensaio vs. erro’. Esse novo processo deverá mudar completamente a perspectiva e os nomes de muitas especialidades, como a própria Oncologia, pois há uma série de enfermidades correlacionadas dentro dessas grandes áreas com dados similares. “Atualmente, a área de classificação de moléstias começa a ficar independente das análises clínicas e laboratoriais. Aquele termo ‘mais genérico’, em que o resultado do exame era verificado de maneira automática, tem sido substituído pelos recursos individualizados”, sinaliza. Os tratamentos de doenças com base em informações genéticas têm despertado mais interesse de profissionais da saúde por trazer esperança de recursos mais eficientes e menos invasivos. Desde que foi possível decifrar o genoma humano, em 2001, os cientistas conseguiram entender como algumas doenças são causadas e os estudos passaram a ser desenvolvidos em nível genético. E, com a modernização das tecnologias para detectar essas mutações, novas causas de enfermidades foram sendo identificadas mais facilmente, o que amplia a possibilidade de tratamentos específicos para cada tipo e grupo de doença que contenha as mesmas características genéticas e os mesmos fatores ambientais. “Com o estudo do genoma, o indivíduo passa a ter tratamento indi-

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vidualizado e recebe dosagem de medicamento personalizada para uma melhor resposta ao tratamento. Isso já é feito para câncer de mama e, no caso da leucemia, com mais de 20 doenças diferenciadas de acordo com o genoma, fará com que o indivíduo seja um paciente único”, afirma o professor Renato Marcos Endrizzi Sabbatini. Dessa forma, os paradigmas tradicionais de descobrir o efeito de um medicamento a partir de testes com um grande número de pessoas diferentes, e que resulta em uma dose padrão, deixará de existir graças ao uso de tecnologia na Medicina de Precisão. Com a implantação de tecnologias disruptivas criamse também novos modelos de negócios na saúde, nos quais o consumidor/paciente passará a ser o grande protagonista, o que significa que haverá uma migração do atual sistema baseado em sickcare (cuidado dos doentes) para o healthcare (cuidado da saúde), por meio do qual os indíviduos farão seu acompanhamento no dia a dia e ao longo da vida. “No mundo da saúde, seguimos processos similares ao da Indústria 4.0, em que o consumidor é responsável pela sua própria montagem, com escolhas mais adequadas à manutenção e ao funcionamento pleno da sua saúde”, destaca o presidente e CEO da Siemens no Brasil, André Clark. Nos dias atuais também ocorre uma enorme transformação no mercado de prestação de serviços de saúde, com a consolidação de empresas e hospitais que buscam a industrialização dos processos e da gestão na área. Nesse novo momento, o objetivo é expandir a Medicina de Precisão e melhorar a experiência do paciente por meio da integração de dados, com atendimento e tratamento compatíveis às suas necessidades.


SAÚDE

SAÚDE TAMBÉM É LUGAR DE ENGENHEIRO Os especialistas concordam que a área da saúde ainda é muito tradicional, se comparada aos grandes sistemas de inovação desenvolvidos nos setores tecnológicos industriais. Mas também é consenso a necessidade de o segmento expandir possibilidades, pois o Brasil está em um processo em que os avanços científicos em saúde serão fundamentais. O presidente e CEO da Siemens no Brasil, André Clark, garante que a área da saúde também é lugar para engenheiros, que são empreendedores na essência e acompanham a velocidade com que se produzem novos conhecimentos e negócios. “O ecossistema brasileiro de inovação é altamente importante e a curva ascendente nos próximos anos será excepcional. Acreditamos fortemente que os aplicativos farão a ‘jornada dos pacientes’ ser muito melhor, mais segura e tranquila, e também caberá aos engenheiros a responsabilidade por desenvolver processos e tecnologias que beneficiem as pessoas. É o que sabemos fazer e haverá uma enorme oportunidade para todos os que se engajarem e tiverem capacidade de inovar”, analisa. A Siemens Healthineers é especializada em serviços de imagens médicas, diagnósticos laboratoriais, serviços gerenciados, consultoria e serviços de TI de saúde, assim como tecnologias para diagnóstico terapêutico e molecular. A empresa tem presença direta em 75 países e vendas em mais de 180. “A divisão lançou, no início de 2018, o spin-off avaliado em aproximadamente €105 bilhões, o que mostra o tamanho do espaço da aplicação de tecnologia na área de saúde e as inúmeras oportunidades profissionais voltadas, por exemplo, à Engenharia e às áreas correlatas”, afirma André Clark. Entre projetos de colaboração e pesquisas, um destaque é a criação de um software que aumenta a eficiência na detecção precoce de nódulos pulmonares incidentais em laudos diagnósticos de imagens, por meio de componentes de inteligência artificial. Utilizando a tecnologia NLP (Natural Language Processing) é possível automatizar a identificação de casos que necessitem de acompanhamento e iniciar o tratamento o mais cedo possível. Dessa maneira, as chances de recuperação do paciente são muito maiores e há uma significativa redução nos custos do tratamento, já que os sintomas do câncer de pulmão geralmente aparecem apenas quando a doença já está em estágio avançado.

A nova onda das técnicas atuais de inteligência artificial também permite a Engenharia reversa no desenvolvimento de processos de inovação, a partir de um modelo de alta precisão. “Dentro da Engenharia, nosso papel é entender o mecanismo usado para a tomada de decisão e qual é a finalidade desse processo e, a partir daí, fazer a ponte entre o engenheiro, que desenvolve a tecnologia, e o médico, que avalia a eficácia e o uso dessa nova proposta ou ferramenta”, sinaliza o professor da FEI, Carlos Eduardo Thomaz. É um desafio fazer com que ocorra um bom entendimento entre profissionais com visões e linguagens tão distintas, mas é preciso insistir e investir em mais e mais pesquisas para acelerar o processo de inovação. Para o CEO do Instituto Edumed, Renato Marcos Endrizzi Sabbatini, a ideia é unir a Medicina e a Engenharia para que as inovações se concretizem a serviço da população. Outro ponto destacado são as novas possibilidades de trabalho frente à enorme demanda por profissionais em diversas áreas, a exemplo da bioinformática, campo interdisciplinar entre a informática e os estudos da biologia, e em big data e analytics, nas quais haverá um déficit de 500 mil especialistas nos próximos anos, inclusive na Europa e nos Estados Unidos. A robótica já garantiu seu espaço na área da saúde com grande sucesso e as cirurgias robóticas completaram 10 anos de aplicação no Brasil. Mas ainda há muito por vir com o uso de impressão 3D para uma infinidade de serviços, inclusive a criação de próteses e órteses; uso de robôs autônomos que executam os procedimentos cirúrgicos planejados por cirurgiões; e ampliação da telemedicina para disponibilizar serviços a distância e ampliar os cuidados com a saúde nos locais mais remotos do País. Esse intercâmbio de informações só pode ser executado por meio de plataformas on-line de alta velocidade. “No Brasil, já temos uma vivência tecnológica bem-sucedida nessa área com operação remota de ressonância magnética. O exame pode ser realizado em qualquer região do País, com um profissional habilitado a quilômetros de distância”, explica o vice-presidente de Operações e TI da Alliar, Eduardo Margara da Silva, ex-aluno da FEI. Caracterizada como importante suporte para a Medicina tradicional, a telemedicina tem o grande potencial de melhorar o atendimento em saúde no Brasil, pois facilita os processos ao colocar um maior número de pessoas em contato com a saúde on-line e de forma estruturada.

ANDRÉ CLARK

“O ECOSSISTEMA BRASILEIRO DE INOVAÇÃO É ALTAMENTE IMPORTANTE E A CURVA ASCENDENTE NOS PRÓXIMOS ANOS SERÁ EXCEPCIONAL. ACREDITAMOS FORTEMENTE QUE OS APLICATIVOS FARÃO A ‘JORNADA DOS PACIENTES’ SER MUITO MELHOR, MAIS SEGURA E TRANQUILA...”

VEJA O VÍDEO

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COMO CHEGAR AOS 100 ANOS COM QUALIDADE DE Um olhar multiprofissional para a promoção da saúde e a longevidade – aliado a questões como sustentabilidade, política de inclusão do idoso, equilíbrio social no acesso à saúde, atividade física e tecnologia inserida na área assistencial de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças – será fundamental para determinar como a população vivenciará plenamente a longevidade e, quem sabe, poderá chegar ou ultrapassar os 100 anos com qualidade de vida em 2050. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018 a expectativa de vida do brasileiro alcançou a maior média da história, chegando a 76 anos, o que representa um salto de 22 anos em relação ao registrado na década de 1960, quando a média era de 54 anos. Até 2060, a população acima de 60 anos no País atingirá aproximadamente 32,1% do total de habitantes – com expectativa média de vida de 81 anos. Com uma perspectiva de vida centenária a caminho, cuidar da saúde física e mental será fundamental. No entanto, viver bem, de forma saudável e

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feliz dependerá essencialmente de cuidados que devem ser iniciados precocemente, situação difícil para um País em que apenas 25% da população tem acesso ao sistema suplementar de saúde, enquanto 75% depende de serviços públicos muitas vezes ineficientes. “O grande desafio será envelhecer com saúde, e os avanços tecnológicos e o equilíbrio social terão papel essencial nesse processo, garantindo acesso total aos serviços de saúde”, destaca o vice-presidente de Operações e TI da Alliar, Eduardo Margara da Silva. Para oferecer essas condições, o Brasil terá de enfrentar seus graves problemas de infraestrutura e condições de vida, semelhantes a décadas passadas em algumas regiões que ainda convivem com falta de água potável e saneamento básico, alimentação inadequada e insuficiente, e pouco ou nenhum serviço de saúde. “Contornar essa situação é uma questão urgente, que depende de políticas públicas que consigam diminuir esse abismo de desigualdades e criem condições adequadas para toda a po-

pulação, possibilitando um envelhecimento digno e saudável. Precisamos vencer algumas barreiras para que seja empolgante chegar aos 100 anos”, pontua o professor doutor José Luiz Gomes do Amaral. O presidente da Associação Paulista de Medicina também considera fundamental diminuir essa sistemática política de exclusão do idoso e a escassez e/ou restrição de recursos para essa população crescente, viabilizando meios para incorporá-los à sociedade, mudando conceitos já enraizados e utilizando novas tecnologias e soluções a fim de alcançar, de forma democrática, a igualdade na distribuição dos serviços e facilidades para o grupo populacional que mais cresce no Brasil. Para fortalecer essa integração de serviços e tecnologias é preciso desenvolver projetos que auxiliem a socialização e diminuam o sério problema da solidão, que afeta milhões de pessoas no planeta. O acesso urbano é apontado como uma das soluções, não apenas de melhoria de infraestrutura de vias e calçadas, entre outros, mas também com o desenvolvimento de aplicativos


SAÚDE

EDUARDO MARGARA DA SILVA

“O GRANDE DESAFIO SERÁ ENVELHECER COM SAÚDE, E OS AVANÇOS TECNOLÓGICOS E O EQUILÍBRIO SOCIAL TERÃO PAPEL ESSENCIAL NESSE PROCESSO...”

VIDA E MAIS SAÚDE que permitam que pessoas impossibilitadas de andar, por exemplo, possam receber o apoio de voluntários para retirá-las de casa ou de abrigos e hospitais para um passeio e convívio social. Outro aspecto fundamental para a longevidade é a alimentação, uma vez que a saúde é reflexo dos hábitos de consumo ao longo da vida. “As enfermidades que adquirimos estão amplamente ligadas aos alimentos. A obesidade infantil, por exemplo, é um problema de saúde pública mundial e traz consequências sérias para as crianças, como hipertensão e diabetes, que podem se estender para a vida adulta. Para ter ideia do tamanho do problema, nos Estados Unidos a doença é considerada tão grave quanto o câncer”, enfatiza a coordenadora do Green Rio e CEO do Planeta Orgânico, Maria Beatriz Bley. A empresária afirma que é absolutamente possível atender à demanda de alimentação, inclusive em relação a orgânicos com preços mais baixos, se houver uma mudança de paradigma e de hábitos alimentares por parte da população.

Para tanto, é fundamental criar núcleos de agricultura sustentável com produção de alimentos sem agrotóxico que atendam as cidades e hortas em parceria com as comunidades, valorizar os produtores locais e compreender a sazonalidade dos produtos. Como o empenho para assegurar a longevidade começa nos primeiros anos de vida, a educação alimentar é outra questão que precisa de mais atenção nas escolas, desde a Educação Infantil. Além de tornar-se um consumidor consciente no futuro, a criança que aprende o valor nutritivo dos alimentos e seus benefícios à saúde leva esses hábitos para dentro de casa e estimula a adesão dos adultos. “E por que não desenvolver tecnologias de incentivo? Na Dinamarca, por exemplo, para melhorar os hábitos alimentares das crianças foi criado um aplicativo que funciona como uma espécie de ‘Caça ao Pokémon’. Mas, em vez dos bichinhos, a criança sai à procura de legumes e frutas e ganha pontos com isso. É uma motivação para se alimentar bem”, sugere Maria Beatriz Bley.

MARIA BEATRIZ BLEY

“AS ENFERMIDADES QUE ADQUIRIMOS ESTÃO AMPLAMENTE LIGADAS AOS ALIMENTOS. A OBESIDADE INFANTIL, POR EXEMPLO, É UM PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA MUNDIAL...”

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SUSTENTABILIDADE PARA O CORPO E O PLANETA Não há dúvida de que a tecnologia é uma aliada na difícil equação saúde e longevidade. Porém, para garantir a saúde plena é preciso olhar para frente e não tropeçar em questões do passado. “De que adianta falar em inovações se 18% dos óbitos ainda são causados por doenças infecciosas como sífilis, malária ou Chagas? Não é possível permitir esse retrocesso e, nesse sentido, a tecnologia tem papel determinante em todo o ciclo, seja na prevenção, no controle de doenças ou na promoção da saúde”, avalia o vice-presidente de Operações e TI da Alliar, Eduardo Margara da Silva. A tecnologia poderá, por exemplo, combinar serviço de qualidade com custos mais baixos com uso de internet das coisas para criação de aplicativos de promoção da saúde, monitoramento de idosos, diagnóstico precoce que reduza os gastos de tratamento ou com uso de big data no prontuário unificado dos pacientes. Com isso, será possível driblar o número de consultas, exames e internações – que aumenta progressivamente conforme a idade avança –, ganhar em agilidade e assertividade no atendimento e favorecer a população para chegar aos 100 anos com qualidade de vida. Obviamente, a tecnologia sozinha não garantirá o envelhecimento saudável e incluir a prática da atividade física na rotina é essencial. Afinal, o único meio de prevenir os males da inatividade é permanecer ativo, não durante um mês, mas por toda a vida. “Somos seres pensantes emocionais, mas somos sinestésicos. Portanto, seja uma caminhada ou uma atividade esportiva, o importante é a constância do exercício de acordo com as limitações, com esforço muscular e cardiovascular moderado”, orienta a ex-atleta olímpica de natação e empresária Fabiola Molina. Recomendada pela Organização Mundial da Saúde para garantir qua-

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lidade de vida, a atividade física deve ser incorporada aos hábitos desde cedo para melhorar a disposição, o vigor, a autoconfiança e a resistência às enfermidades. Para a ex-atleta, ter uma vida fisicamente ativa prepara o indivíduo para viver mais, bem e de forma saudável. Além do corpo e da mente, também é preciso preservar o bem-estar do planeta, que deverá atingir a marca de 9 bilhões de habitantes em 2030. Mesmo com o bônus demográfico do Brasil, é fundamental encontrar meios de administrar as três crises com saldo negativo – energia, alimento e água – e preparar-se para a sustentabilidade. “Com a maior diversidade e concentração de água doce do mundo e o papel de atender a essa demanda, respondendo a essas crises tão determinantes para a longevidade e para o futuro do planeta, o Brasil pode ser o grande ator geopolítico se souber valorizar e administrar sua biodiversidade”, avalia a CEO do Planeta Orgânico, Maria Beatriz Bley. No contexto da quarta revolução e da economia do século 21, é fundamental apostar na bioeconomia baseada no uso dos ativos biológicos e biomiméticos com objetivo de melhorar a sustentabilidade. Essas são as premissas da Amazônia 4.0, que se caracteriza pela criação de ecossistemas de inovação em que todos os biomas possam trabalhar como em uma Indústria 4.0. Conciliar a união do urbano com o rural é outro desafio importante. “Se as tendências se confirmarem teremos, em um curto espaço de tempo, 70% da população vivendo nas cidades, enquanto os outros 30% no campo serão responsáveis por alimentar a todos. Portanto, é preciso investir em novas tecnologias e em agricultura sustentável e, para isso, a parceria entre universidades e os setores público e privado será essencial”, destaca Maria Beatriz Bley. Os projetos de eco-

FABIOLA MOLINA

“SOMOS SERES PENSANTES EMOCIONAIS, MAS SOMOS SINESTÉSICOS. PORTANTO, SEJA UMA CAMINHADA OU UMA ATIVIDADE ESPORTIVA, O IMPORTANTE É A CONSTÂNCIA DO EXERCÍCIO DE ACORDO COM AS LIMITAÇÕES, COM ESFORÇO MUSCULAR E CARDIOVASCULAR MODERADO.”

nomia verde, por exemplo, que englobam um conjunto de processos produtivos industriais, comerciais, agrícolas e de serviços, geram desenvolvimento econômico compatibilizado com igualdade social, erradicação da pobreza e melhoria do bemestar, reduzindo a devastação dos recursos naturais e gerando inúmeras possibilidades. Para a empresária, o caminho escolhido definirá como serão as próximas décadas e essa é uma deVEJA O VÍDEO cisão que cabe a todos.


SAÚDE

MONITORAMENTO E DIGITALIZAÇÃO DA SAÚDE Com a era digital e a constante evolução das tecnologias de informação, a saúde vem passando por diversas transformações, principalmente em relação à otimização de processos e atenção à assistência, que impactarão para sempre a vida das pessoas. Na prática, significa oferecer diagnósticos mais precisos, processos mais rápidos, otimização do tempo do profissional, redução de custos e mais conforto e segurança aos pacientes. Isso será possível ao oferecer maior acesso aos usuários, via internet, de informações e recursos de saúde em que toda a cadeia de valor esteja digitalizada. Para lidar com a qualidade no atendimento e a participação em programas preventivos, questões como gerenciamento e nível de segurança de dados pessoais (por exemplo, empregando blockchain), padronização de tratamentos, cuidados com o autodiagnóstico, custo da saúde e o desejo de que todas as informações estejam em um painel eletrônico com acesso compartilha-

do serão fundamentais. O sucesso desse novo processo estará na forma como todos esses pontos se interconectam para alcançar os melhores resultados. O Brasil investe próximo de 9% do PIB em saúde (dados de 2016, somando investimento público e privado), uma quantia bem menor se comparada, por exemplo, aos Estados Unidos, que aplicam perto de 18% do Produto Interno Bruto na área. A expectativa brasileira é que, nos próximos 15 anos, o número alcance entre 20% e 25%, um grande desafio tendo em vista o aumento de gastos que deverá acompanhar a longevidade. “Com a expectativa de que 1/3 da população tenha mais de 60 anos até 2050, certamente aumentam os custos e haverá uma pressão enorme na saúde, principalmente em relação à alta incidência de doenças crônicas, que tendem a aumentar com o avanço da idade”, afirma o engenheiro de produção Roberto Ribeiro da Cruz, CEO da Pixeon, empresa de sistemas de

ROBERTO RIBEIRO DA CRUZ

“COM A EXPECTATIVA DE QUE 1/3 DA POPULAÇÃO TENHA MAIS DE 60 ANOS ATÉ 2050, CERTAMENTE AUMENTAM OS CUSTOS E HAVERÁ UMA PRESSÃO ENORME NA SAÚDE...”

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gestão para centros de imagem, hospitais, laboratórios e clínicas. Diante dos desafios de aumentar o acesso da população à saúde, os hospitais, as clínicas e os demais serviços podem se beneficiar de um novo modelo de gestão, que tem como um dos principais objetivos a utilização de bancos de dados digitais. “Evidentemente, a questão da segurança e do impacto das informações é uma preocupação, mas é preciso inovar ao criar soluções estruturais em escala para que os investimentos em saúde, as novas tecnologias, os bancos de dados e o acesso irrestrito aos serviços essenciais cheguem a todos”, destaca Patrícia Ellen da Silva, ex-presidente da Optum do Brasil (empresa que ajuda a modernizar a infraestrutura do sistema de saúde), e atual secretária de Desenvolvimento Econômico do Governo do Estado de São Paulo. O propósito das empresas de serviços de saúde é cuidar de um maior número de pacientes com menor custo e mais eficiência, o que tem sido possível graças à transformação digital e à utilização de tecnologias que oferecem novas experiências de atendimento, especialmente para pacientes que necessitam de acompanhamento constante. Para Patrícia Ellen da Silva, o maior impacto vindo com essas evoluções é o monitoramento remoto da saúde, uma ferramenta de bem-estar que incentiva as pessoas a criar mudanças de hábitos por meio de dispositivos digitais e permite maior interação com a equipe de saúde, que recebe as informações em tempo real e responde ao paciente proativamente. O uso eficiente dos recursos de saúde, com base na análise e no suporte ferramental, também melhora a experiência do atendimento, da qualidade e do desfecho clínico, desde que se mantenha o acolhimento sistêmico e humanizado.

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PATRÍCIA ELLEN DA SILVA

“EVIDENTEMENTE, A QUESTÃO DA SEGURANÇA E DO IMPACTO DAS INFORMAÇÕES É UMA PREOCUPAÇÃO, MAS É PRECISO INOVAR AO CRIAR SOLUÇÕES ESTRUTURAIS EM ESCALA...”

DAVID UIP

“O SETOR DE SAÚDE TEM O DEVER DE TER COMO REFERÊNCIA A APROXIMAÇÃO COM AS UNIVERSIDADES PARA BARATEAR CUSTOS, ASSIM COMO AS PPPs...”

PARCERIAS Diante das inovações, os gestores públicos e privados têm como desafios, além de manter o sigilo de dados, tornar a tecnologia sustentável e acessível para toda a população. Não é uma solução fácil, mas será possível a partir da união dos agentes envolvidos, que precisam fomentar a área de tecnologia e estimular o seu desenvolvimento. “O setor de saúde tem o dever de ter como referência a aproximação entre universidades para baratear custos, assim como as parcerias público-privadas, combinando tecnologia de informação em saúde e pesquisa clínica”, defende o médico David Uip, diretor da Faculdade de Medicina do ABC e ex-secretário de Saúde do Estado de São Paulo. Também é fundamental entender o enorme potencial desse setor, não apenas de diagnósticos, tratamentos individualizados e prontuários eletrônicos, mas na área de pesquisas e na gestão de políticas públicas que possibilitarão hospitais cada vez mais tecnológicos, robotizados e com o compromisso de manutenção da saúde pelos próximos anos. As tecnologias que chegam junto com a Quarta Revolução Industrial podem afetar positivamente a área da saúde para a criação de um ‘Hospital 4.0’, por exemplo, que colocará o paciente como parte central desse processo. “Máquinas que usam tecnologias 4.0 antecipam a necessidade de manutenção, materiais que usam essas tecnologias viabilizam o inventário automático, mão de obra que usa tecnologia 4.0 elimina tarefas que não agregam valor para o paciente”, exemplifica o sócio-diretor de Operação de Tecnologia da SPI, Elcio Brito da Silva, um dos autores do livro Automação & Sociedade – Quarta Revolução Industrial, um olhar para o Brasil, que tem participação de docentes do Centro Universitário FEI. Ter capacidade técnica e volume (em termos de escala) para trabalhar cada eixo desse processo de criação é outro ponto considerado fundamental para analisar a saúde do ponto de vista da Engenharia de Produção, descobrindo formas de como ‘desenhar’ a solução para o paciente, criar novos métodos, oferecer novos serviços, integrar e conectar questões de transporte, ambulatório, central de diagnóstico, central de materiais, centro cirúrgico e tecnologia da informação.


SAÚDE

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SEGURANÇA DE DADOS E RISCOS PARA A INDIVIDUALIDADE

Com a digitalização dos dados será possível ter privacidade, sem perder o livre arbítrio? Sem dúvida, a questão da segurança e o impacto das informações são algumas preocupações nessa nova era de processos em nuvem e dados digitalizados e compartilhados. E saber como lidar com tamanha quantidade de informação de modo seguro e transparente, tanto ao paciente quanto aos profissionais que deles fazem uso, é um dos grandes desafios, segundo o engenheiro Roberto Ribeiro da Cruz, CEO da Pixeon. No entanto, a resposta para essa questão está na mesma tecnologia usada pelo mercado financeiro para garantir a segurança e a privacidade de Bitcoin – o blockchain – uma base de dados descentralizada e pú-

blica, em que a criptografia permite e garante que essa transação seja segura na rede. O engenheiro ressalta que o blockchain será realmente determinante para resolver o conteúdo técnico e tornar os dados mais seguros. Entretanto, a questão regulatória no Brasil será uma barreira importante por dificultar a implantação de inovações digitais. Na área farmacêutica, por exemplo, a indústria gasta bilhões de dólares para desenvolver um produto fazendo pesquisas clínicas para garantir o uso seguro e adequado. “Em contrapartida, com as informações digitais temos um aspecto favorável, que são os pacientes compartilhando dados sobre o uso do medicamento através do sistema de farmacovigilância, o que permitiria à indús-

tria e às autoridades de vigilância sanitária, via análise com inteligência artificial, ter um feedback ‘real e mais global’ que resultaria em verificações mais rápidas do ponto de vista de segurança para o paciente, como também melhorias do produto, novas indicações e impacto gerado para o paciente”, enumera o membro do Grupo Orientador de Inovação da FEI, Theo Van der Loo, ex-presidente da Bayer. Se há um preço para a era da digitalização da saúde, este envolverá questões de sigilo e proteção da individualidade. É fato que os dados podem ter existência indefinida, portanto, os riscos associados à segurança dos sistemas digitais, gravação e divulgação de dados de modo indesejado são ainda maiores. De acordo com a base

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de vazamentos de dados Breach Level Index, em 2017 o número de desvios de informações na área da saúde foi o mais alto de todos os setores. Em diferentes países, os vazamentos de dados médicos variam em escala, mas o resultado é sempre o mesmo: a perda de informações pessoais. “O problema não está no monitoramento, mas sim em armazenar e transmitir informações entre sistemas com o objetivo do diagnóstico a distância, mas que podem ser levadas a aspectos que comprometam a vida das pessoas. Essa preocupação avança além da questão ética na comunidade médica e vem chegando ao público em geral”, afirma o professor doutor Marcelo Antonio Pavanello, vice-reitor de Ensino e Pesquisa do Centro Universitário FEI. Apesar disso, utilizar os dados a favor da população pode ser muito bom para todos. Com o acesso total às informações de saúde será possível, por

exemplo, identificar em qual região há maior incidência de determinada doença e, para a indústria farmacêutica, saber onde está a maior cobertura de algum medicamento. “Por outro lado, será que ter um exame de análise clínica compartilhado e à disposição de uma indústria farmacêutica seria ideal?”, questiona o engenheiro Roberto Ribeiro da Cruz. Afinal, a informação pode ser usada para o bem e para o mal e, por isso, a discussão deve ser ampliada. Atualmente, duas regulamentações cuidam da proteção de dados: o Regulamento Geral de Proteção de Dados na União Europeia (GDPR, na sigla em inglês) – cuja ideia é proteger os dados dos indivíduos – e, mais recentemente, foi aprovada no Brasil a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que garante aos cidadãos que as informações sejam preservadas e usadas de forma adequada. No entanto, ainda há muito a

ser debatido, pois as novas tecnologias sempre vêm na frente da legislação vigente. Para contextualizar o tema de regulamentação, recentemente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), promoveu o estudo ‘Internet das Coisas: um plano de ação para o Brasil’, mostrando que o País pode ser competitivo em alguns setores, inclusive na saúde. “Em relação ao ambiente de saúde, por exemplo, o estudo mapeou eventuais barreiras regulatórias que impactem o desenvolvimento de tecnologias no setor, como o monitoramento remoto das condições dos pacientes e a identificação e o controle de epidemias, que resultarão em planos de ação de cada frente de trabalho”, descreve o engenheiro Elcio Brito da Silva.

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DIAGNÓSTICOS E MEDICAMENTOS NA ERA DIGITAL

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Entre os mais recentes dispositivos de diagnóstico, as tecnologias de IoT e inteligência artificial são os grandes destaques. Com circuitos em miniatura, funções de microcontroladores e transmissão wireless de dados, os wearables podem ser integrados a acessórios como peças de vestuário, pulseiras, óculos e até relógios de pulso, fones de ouvido e smartphones, não apenas para melhorar a qualidade de vida e os hábitos de seus usuários, mas para revolucionar a prática da Medicina. Um bom exemplo é o estudo realizado nos Estados Unidos para desenvolver um adesivo que gera informações mais precisas que smartwatches conhecidos. Além de muito mais eficaz do que um holter convencional, o adesivo poderá gerar uma economia de US$ 5,8 bilhões por ano em gastos com saúde. Os próximos avanços apontam para os insideables, por meio dos quais os médicos poderão, por exemplo, implantar na perna de um paciente um sensor para testes de diabetes conectado no celular que, em segundos, informa taxa de insulina e glicose. “A tendência é ‘chipar’ o corpo, garantindo melhor performance, saúde e bem-estar”, resume Roberto Ribeiro da Cruz. A expectativa para um futuro próximo também inclui a personalização do tratamento e, para isso, três interações são apontadas como determinantes para a plena eficiência: a Nutrigenética, que oferece uma dieta mais adequada ao perfil genético do paciente; a Nutrigenômica, que é o impacto de nutrientes na expressão gênica, o que permite conhecer o mecanismo de ação das substâncias biologicamente ativas contidas nos alimentos e seus efeitos benéficos nos organismos; e a Farmacogenética, que pode identificar os fatores genéticos que explicam a variabilidade individual na resposta aos medicamentos. “Por meio


SAÚDE

THEO VAN DER LOO

“...TEMOS UM ASPECTO FAVORÁVEL, QUE SÃO OS PACIENTES COMPARTILHANDO DADOS SOBRE O USO DO MEDICAMENTO...”

MARCELO ANTONIO PAVANELLO

“O PROBLEMA NÃO ESTÁ NO MONITORAMENTO, MAS SIM EM ARMAZENAR E TRANSMITIR INFORMAÇÃO ENTRE SISTEMAS...”

dessas três interações, alinhadas com o sequenciamento genético, já é possível apontar melhores alimentos e medicamentos para um tratamento individualizado e efetivo. Espera-se que todas essas informações estejam concentradas em um prontuário eletrônico (PEP), armazenado na nuvem e com acesso aos profissionais da saúde”, aponta o CEO da Pixeon. Outra expectativa para um futuro próximo é que, ao nascer, a criança já tenha o sequenciamento genético pronto – assim como funciona com o teste do pezinho. Além de saber como será fisicamente, o teste permitirá detectar doenças futuras e, consequentemente, prevenir o risco de que se desenvolvam. O engenheiro Roberto Ribeiro da Cruz acredita que a nova tecnologia será capaz de revolucionar totalmente a Medicina preventiva, mas, em contrapartida, também poderá trazer uma era de discriminação genética, uma vez que, com o acesso à informação, o indivíduo poderá ser eliminado de uma vaga de trabalho pelo risco de desenvolver determinada patologia, por exemplo. “Esse pode ser um novo problema para a ética, pelo fato de o indivíduo ter a informação precoce de que tem uma doença genética, mas não a cura da mesma”, acentua. Junto dos processos de informação e acesso à internet chega também o risco do autodiagnóstico. Segundo dados de uma recente pesquisa do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), 40% da população já faz autodiagnóstico pela internet e, consequentemente, também se automedica. Esse grupo prefere buscar os sintomas de doenças no Google e evitar a visita ao serviço de emergência ou ao consultório médico. Entre os motivos levantados pelos autores do estu-

ELCIO BRITO DA SILVA

“...O ESTUDO MAPEOU EVENTUAIS BARREIRAS REGULATÓRIAS QUE IMPACTEM O DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIAS NO SETOR...”

do para esse comportamento está o estilo de vida mais digital. “A saúde avança, mas o paciente está cada vez mais conectado e precisa ter cautela com as informações disponibilizadas na internet. Afinal, nem tudo é confiável e nem sempre os sintomas de determinada doença são similares”, alerta o médico David Uip. A interpretação errônea de dados e o uso de medicamentos sem prescrição médica poderá implicar, no futuro, em altos custos com tratamento, impactando principalmente nas despesas do setor público de saúde. Apesar de todos os riscos, a tecnologia já se tornou indispensável na área da saúde, uma vez que traz contínuas inovações, maior assertividade para a pesquisa e o desenvolvimento de novos medicamentos. Seja no tracking de todo o processo de fabricação dos produtos farmacêuticos, chegando à cadeia de fornecimento, ou no uso de aplicativos que ajudam no controle de doses de acordo com a prescrição médica, lembrete de horário ou alerta de que a medicação está acabando, as inovações não param. Segundo o ex-presidente da Bayer, Theo Van der Loo, a tecnologia veio para ficar e, sem dúvida, impactará positivamente o segmento da saúde, a indústria farmacêutica e o setor de biotecnologia. “O que há pouco tempo parecia improvável já é realidade. Pesquisadores de diversas instituições já estudam processos de medicamentos personalizados via impressão 3D para algumas doenças específicas, que devem tornar viável a produção de medicamentos especiais e mais complexos como, por exemplo, com uma estabilidade muito reduzida. Na área de próteses e implantes, a impresVEJA O VÍDEO sora 3D já é praticamente uma realidade”, exemplifica.

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ESTUDOS DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO Pesquisas realizadas no Centro Universitário FEI comprovam a importância das áreas de Engenharia e Ciência da Computação para a criação de novos sistemas e recursos em benefício da saúde. O objetivo dos estudos desenvolvidos por professores pesquisadores e alunos do Programa de Pós-graduação, Mestrado e Doutorado é criar tecnologias, produtos e processos que afetem positivamente a vida das pessoas, permitindo inovações na saúde e colaborando para a longevidade. Parte desses projetos ficou exposta durante o 3o Congresso FEI de Inovação e Megatendências 2050. Um deles envolve a locomoção com cadeiras de rodas. Os modelos tradicionais são considerados ineficientes porque exigem esforço excessivo do cadeirante, levando com frequência a dores e lesões nos membros superiores. Na tentativa de solucionar essa dificuldade, o grupo de pesquisa do Núcleo de Tecnologia Assistiva da FEI desenvolveu uma cadeira de rodas híbrida (ou com assistência parcial), em que a propulsão manual é assistida por motor elétrico. “O grupo investiga estratégias de controle que podem ser ajustadas na cadeira híbrida em função das limitações motoras do usuário, para que possa participar da propulsão sem ficar exposto a esforços excessivos e ao risco de lesões. Para testar essas estratégias, desenvolvemos e construímos um protótipo de cadeira híbrida”, afirma o professor doutor Marko Ackermann, coordenador do curso de Engenharia Mecânica da FEI e orientador do projeto. Outra linha de pesquisa do Núcleo de Tecnologia Assistiva da FEI envolve a reabilitação motora de membros superiores. Um dos sistemas apresentados, o NeuroStim, é uma órtese associada a um estimulador configurável por meio de aplicativo de smartphone, cuja estimulação é disparada a partir de um sinal mioelétrico (atividade elétrica muscular) acima de um limiar pré-estabelecido. O sistema visa a reabilitação da mão de pessoas hemiplégicas, como ocorre devido a acidentes vasculares encefálicos (AVE). O paciente deve iniciar o movimento de abertura da mão e, mesmo que não consiga realizar a ação, essa intenção é capturada por meio de sinais

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mioelétricos pelo mesmo dispositivo. Superando um limiar pré-estabelecido, a estimulação elétrica é aplicada auxiliando a execução do movimento. Já o NeuroStrick é uma braçadeira com motores de vibração com diferentes sequências de ativação. O sistema tem o objetivo de atenuar os tremores essenciais ou da doença de Parkinson. Nesse caso, um teste de viabilidade foi feito com dois pacientes com resultados promissores, e a FEI vai dar continuidade ao estudo investigando o posicionamento e a intensidade do estímulo, que parece enganar o cérebro. Em resposta a essa perturbação ocorre uma ajuda para atenuar os próprios tremores. Um terceiro sistema – StimShield – também é um estimulador elétrico neuromuscular para utilização em fortalecimento muscular em clínicas de reabilitação. “Mas, neste caso específico, o objetivo é ser usado na disciplina de Engenharia Biomédica para ensinar aos alunos o que é estimulação elétrica neuromuscular e como a resposta motora varia em função dos parâmetros do estímulo como amplitude, frequência e modulação do sinal”, afirma a professora doutora Maria Claudia Ferrari de Castro, coordenadora dos projetos no Laboratório de Engenharia Biomédica do Departamento de Engenharia Elétrica da FEI e diretora do Departamento de Tecnologias para Programas de Tecnologias Aplicadas do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Os sistemas foram frutos de dissertações de mestrado e projetos de iniciação científica orientados pela docente. Outro estudo é fruto de um trabalho de conclusão de curso de Engenharia Elétrica com ênfase em Telecomunicações e visa dar mais conforto ao paciente que precisa fazer polissonografia. O exame, realizado em clínicas ou hospitais, utiliza diversos medidores e eletrodos para obter as informações necessárias à análise do sono, gerando desconforto no paciente. Além disso, o emaranhado de fios gera um risco indireto de afetar os resultados, uma vez que as condições de repouso são bem diferentes das encontradas no cotidiano do paciente. Orientado pelo professor doutor Renato Giacomini, coordenador do curso de Engenharia Elétrica e docente


SAÚDE

COM RELEVÂNCIA NA MEDICINA do Programa de Pós-graduação em Engenharia Elétrica da FEI, o projeto consiste em vários sensores que serão integrados junto a um microcontrolador para coletar diversos dados referentes ao usuário, como temperatura e luminosidade do ambiente, movimento, frequência cardíaca e oxigenação do sangue. “As informações são enviadas para o smartphone do proprietário, por meio de bluetooth, e ficam disponibilizadas para visualização em tempo real. Ao final do projeto, o protótipo será inserido em uma pequena caixa que poderá ser ‘vestida’ pelo usuário, por exemplo, no braço, para que as medições possam ser feitas de forma confortável e não invasiva”, explica Paolo De Marchi Silva, um dos autores do estudo. Ao analisar a grande demanda de uso de óculos de realidade aumentada dentro dos centros cirúrgicos, alunos de Ciência da Computação têm trabalhado para avançar nas técnicas de realidade virtual, realidade aumentada e virtualidade aumentada, sobretudo nas áreas de Medicina, telemedicina e recuperação de informações médicas. “Os óculos são muito usados pelas equipes médicas para obter e controlar informações durante os procedimentos, permitindo uma tomada de decisão mais precisa e rápida, com impactos nos resultados e tempo de recuperação do paciente. Por isso, decidimos investir nessas pesquisas”, informa o professor doutor Paulo Sérgio Rodrigues, docente do Departamento de Ciência da Computação e integrante do Grupo de Processamento de Sinais e Imagens. Com uso da tecnologia MOS (Metal Oxide Semiconductor), o Centro Universitário tem realizado projetos de CIs (circuitos integrados) com aplicação de tecnologias que visam melhorar o trabalho dos profissionais da saúde e a qualidade de vida dos pacientes. Um dos trabalhos é o bio-amplificador CMOS, que utiliza pseudorresistores para melhor desempenho de equipamentos para eletrocardiograma. O engenheiro Cleiton Fidelix Pereira desenvolveu o projeto, que é capaz de fazer a detecção dos sinais cardíacos e, ao mesmo tempo, garantir eficiência na recuperação do monitoramento da frequência cardíaca diante de ruídos, anomalias e movimentos do paciente, sob a orientação do professor Renato Giacomini. O desenvolvimento foi realizado na FEI e o protótipo produzido no exterior, utilizando tecnologias avançadas ainda não disponíveis na indústria nacional. Todos os testes de protótipos foram realizados na FEI.

TECNOLOGIA DE ROBÔS Na área de robôs, a equipe RoboFEI desenvolve pesquisas aplicadas em robótica autônoma e inteligente desde 2003, com robôs jogadores de futebol. No entanto, o grupo observou que os robôs de assistência doméstica são uma forte tendência para auxiliar pessoas em suas atividades cotidianas. Com essa motivação, as pesquisas de Interação Humano-Robô na FEI tiveram início em 2013 utilizando robôs fabricados e disponibilizados no mercado e, em 2015, a equipe começou os estudos para criação de seus próprios robôs autônomos para ambientes domésticos. Assim surgiu a HERA (Home Environment Robot Assistant), que opera de maneira autônoma e inteligente em ambiente residencial, interagindo com pessoas, objetos e equipamentos. Na casa de um idoso, por exemplo, a HERA pode monitorar a hidratação, a ingestão de medicamentos, o deslocamento e, em caso de acidentes, faz perguntas para detectar a reação do indivíduo. “Se a robô identificar que foi grave, liga para a emergência e para o médico cadastrado. Também estamos trabalhando no reconhecimento das reações humanas para que o robô possa causar mais empatia. Trata-se do uso de inteligência artificial para beneficiar diretamente as pessoas”, explica o professor doutor Plinio Thomaz Aquino Junior, orientador do projeto. A FEI também possui dois projetos que podem ser adaptados e utilizados em estudos na área da saúde. Um deles é o SAMPE (Sociedade para o Avanço de Materiais e Engenharia de Processos), no qual os alunos projetam e constroem vigas de material compósito, como fibra de carbono e resina, fibra de vidro e resina, e fibra natural e resina, que devem suportar altas cargas. “O desenvolvimento de peças mais leves e mais resistentes faz parte de um projeto de peças e equipamentos para apoio médico, como próteses e instrumentos biocompatíveis e bioabsorvíveis”, pontua a professora doutora Adriana Martinelli Catelli de Souza, coordenadora do curso de Engenharia de Materiais.

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ÍNDICE 42 O BRASIL E A QUARTA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

43 GERAÇÕES DIFERENTES E O MUNDO DIGITAL

45 GERONTOLESCENTES INSPIRADORES

46 EQUILÍBRIO ENTRE TRABALHO, FAMÍLIA E LAZER

48 A TECNOLOGIA NO MUNDO DO TRABALHO DESAFIO PARA OS MENTORES

O BEM-ESTAR EM 2050 SERÁ DIFERENTE? Como as megatendências vão impactar a sociedade e, consequentemente, a vida da população do planeta

O

progresso tecnológico e as tendências futuras estão diretamente relacionados ao bem-estar e à qualidade de vida. A quarta revolução que o mundo presencia, com a capacidade tecnológica evoluindo de maneira rápida e disruptiva, irá impactar diferentemente os diversos grupos sociais, mas pode ser usada para viabilizar um ganho de qualidade no modo de vida da população em geral. No Brasil, os potenciais da Indústria 4.0 poderão colaborar com o desenvolvimento econômico e, consequentemente, com o novo modelo de vida e de consumo, que envolve desafios relacionados à produção de alimentos, empregabilidade e geração de renda. Os atuais sinais de rupturas em vários campos econômicos permitem dizer que a revolução digital já começou e deve ser levada em consideração quando se fala em megatendências. Nesse contexto, a sociedade atual precisa assumir o protagonismo da reflexão e da preocupação com o futuro da humanidade, inclusive no que diz respeito ao modo de vida e ao bem-estar. Segundo o economista Ricardo Sennes, doutor em Ciência Política e sócio-diretor da Prospectiva Consultoria, ao estudar as revoluções anteriores é possível observar como foram os impactos geopolíticos e sociais causados pelas novas tecnologias e suas

consequências em outras dimensões da vida, como renda, capacidade produtiva, jogo político, guerras e acesso aos recursos estratégicos. “A tecnologia não avança no vácuo, mas combinada com todas as variáveis, e as tendências tecnológicas vão impactar na humanidade neste futuro próximo, assim como as tendências demográficas e ambientais”, argumenta. No decorrer dos anos, fica evidente que a rapidez da penetração de tecnologias no cotidiano das pessoas é cada vez mais acentuada, a exemplo do smartphone, que levou poucos anos para ser incorporado, enquanto outras tecnologias levaram 10, 15, 20 anos para chegar às mãos da sociedade. As novas tecnologias têm como característica principal o acesso muito rápido a uma enorme massa de usuários, de pequenas empresas a startups, diferentemente daquelas que marcaram a Segunda Revolução Industrial e que tenderam a ficar por algum tempo concentradas em poucos privilegiados. Aliás, os sinais da Quarta Revolução Industrial já podem ser mensurados e projetados para os próximos anos. Estimativas indicam que o tráfego global de informações pela internet, entre 2015 e 2019, será 66 vezes maior e haverá um salto de empregabilidade no setor de tecnologia da informação, que hoje já soma 100 milhões de pessoas,


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BEM-ESTAR

impactando no desemprego em outros segmentos. O foco dinâmico de produção de valor na sociedade também está se transformando de maneira muito rápida, com vendas de e-commerce registrando US$ 25 trilhões em 2015 e crescendo à taxa de dois dígitos por ano na maior parte dos países do mundo. Essas revoluções tecnológicas vão impactar na população de acordo com os locais em que estão inseridas e, infelizmente, os países latino-americanos não estão bem posicionados. A concentração geográfica da sede das multinacionais digitais está nos Estados Unidos, com empresas cujo valor de mercado chega a US$ 2,8 trilhões; seguida pela Ásia, com US$ 670 bilhões; e Europa, com US$ 161 bilhões. As multinacionais digitais presentes na África e na América Latina têm valor de mercado de apenas US$ 61 bilhões. “Temos o enorme desafio de utilizar essa dinâmica tecnológica para o desenvolvimento socioeconômico. Precisamos, de alguma maneira, transformá-la em novos polos de produção, viabilizar um novo modo de produção no Brasil para, obviamente, impactar positivamente nossa qualidade de vida, não apenas como usuários, mas como atores ativos e com capacidade de transformar essa tecnologia como parte de nossa economia”, enfatiza o economista.

DO CAMPO PARA A CIDADE A partir de 2009, pela primeira vez na história da humanidade passou-se a ter mais pessoas vivendo no meio urbano. Isso leva a refletir sobre como será a nova configuração de cidades do ponto de vista social e estrutural no futuro, assim como a relação com o transporte e o acesso à educação, saúde, empregabilidade e qualidade de vida. Da mesma maneira, conduz à reflexão de como gerar alimentos para uma massa de moradores dessas cidades e como o Brasil pode se manter como ‘celeiro’ do mundo no futuro (leia mais na página 18). Esse processo de migração para as cidades terá impactos diretos no bem-estar da população do planeta nos próximos 50 anos, porque a tendência é o crescimento populacional acelerado. A dinâmica de urbanização começou na Europa na Primeira Revolução Industrial, seguida pela América do Norte e América Latina. No Brasil, dos anos 1950 até hoje, são as megacidades que concentram o crescimento populacional. Já a Ásia, o Oriente Médio e a África estão passando agora pelo processo de urbanização. Mesmo a China, com o megaprocesso de migração dos últimos 25 anos, conseguiu há apenas poucos anos atingir a marca de 50% de sua população em cidades, enquanto a Índia ainda tem 70% dos habitantes

RICARDO SENNES

“TEMOS O ENORME DESAFIO DE UTILIZAR ESSA DINÂMICA TECNOLÓGICA PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO E, DE ALGUMA MANEIRA, TRANSFORMÁ-LA EM NOVOS POLOS DE PRODUÇÃO, VIABILIZAR UM NOVO MODO DE PRODUÇÃO NO BRASIL...”

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no campo. Essa mudança vai definir, fundamentalmente, o que será o bemestar médio da população mundial daqui a 40, 50 anos, e a organização dos espaços será um fator fundamental para garantir o bem-estar dos habitantes do planeta no futuro. É sabido que existe uma dificuldade de transitar de uma vida rural para a vida urbana, tanto do ponto de vista social como organizacional. Todas essas dimensões estão em xeque atualmente, pois não se sabe qual parte desse contingente populacional que vai para as cidades poderá (ou não) se beneficiar dessa revolução tecnológica em curso. Pesquisas recentes realizadas na África, por exemplo, mostram que a tecnologia no campo reduz a necessidade de mão de obra direta, fazendo a população migrar para as cidades por não conseguir ter progresso no campo devido à falta de empregabilidade. “É um processo socioeconômi-

co muito forte e, se não houver preparo ou respostas importantes, será um problema para a humanidade”, avisa o economista Ricardo Sennes. Por outro lado, é uma oportunidade para usar a tecnologia para beneficiar e gerar soluções para essa população das cidades em desenvolvimento. A Ásia, por exemplo, está levando a população a uma condição de ‘classe média do mundo’, possibilitando aos gestores e responsáveis por políticas públicas refletirem que as empresas mais bem posicionadas serão aquelas que estiverem nesses novos países emergentes atendendo a classe média/baixa. Para o consultor, haverá tensões no médio prazo derivadas desse tipo de processo, mas, ao mesmo tempo, é uma grande oportunidade. Um grande desafio tecnológico também está relacionado à diminuição do espaço para produção agrícola e como atender a essa massa de popu-

lação que deixa a área rural e de subsistência e se transforma em um consumidor vivendo nas cidades. De novo, é a tecnologia que poderá oferecer um novo perfil de consumo de alimentos e energia em 40 anos, uma vez que não se sabe se a produção pecuária seguirá sustentável ou se a humanidade terá de aprender a se alimentar de outras formas, a exemplo de insetos ou até mesmo de alimentos sintéticos. Para o Brasil, essa pode ser uma oportunidade de estar entre os principais produtores de alimentos do mundo nos próximos 30 anos, desde que aproveite a disponibilidade de terra e explore as demais áreas envolvidas, como maquinário, inteligência, análise de solo, robótica e planejamento. “Precisamos colocar esse avanço tecnológico junto com algumas questões ambientais e socioeconômicas para beneficiar o bem-estar da população do Brasil”, acredita Ricardo Sennes.

O BRASIL E A QUARTA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA A população brasileira responde rapidamente às novas tecnologias e aos dispositivos de TI, é campeã no uso de telefones celulares e usuária assídua de Uber e Facebook, entre muitas outras ferramentas digitais. O uso da tecnologia na área de governo no Brasil também é destaque e um exemplo é São Paulo, que tem nota fiscal eletrônica generalizada e 100% do imposto de renda digital, ambos com altíssimo nível de confiança. Outra área com musculatura digital que raramente é encontrada com a mesma semelhança em outros países são as agências de fomento, como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). No entanto, essa característica digital levanta dúvidas sobre o impacto que o uso excessivo de tecnologias causa no bem-estar da sociedade e reforça a necessidade de transformar essa capacidade em um meio de melhorar o modo de vida, o trabalho e a geração de renda. Apesar dos bons indicadores, o presidente e diretor criativo da Agência Idealista e conselheiro da FEI, Silvio Matos, ressalta que o brasileiro precisa se movimentar a tempo de acompanhar a oportunidade gerada pelo início dessa nova revolução. E para o Brasil ser um dos protagonistas da Quarta Revolução Tecnológica é preciso

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um esforço coletivo e mais incentivo público que possibilite uma infraestrutura de economia digital, diminua o custo e aumente todas as conexões de internet no País. “Infelizmente, a cultura dos brasileiros nos mostra que talvez não acompanhemos essas novidades de forma 100% efetiva, devido à infraestrutura educacional e a outros problemas”, pondera. O conselheiro destaca que essa facilidade de o brasileiro lidar com as plataformas digitais tem várias razões, e uma delas está relacionada ao setor bancário, que tem altíssimo nível de desenvolvimento tecnológico. “Desde que o País saiu da hiperinflação com o Plano Real, no início dos anos 1990, houve o desafio de manejar as contas e isso possibilitou o desenvolvimento de uma tecnologia bancária digital com alto nível de digitalização. Enquanto o sistema brasileiro de pagamentos é 100% eletrônico com alto nível de confiança, nos Estados Unidos, por exemplo, ainda se paga contas com cheques enviados pelo correio”, pontua Silvio Matos. Embora tenha nichos na economia digital, o Brasil ainda não transforma essa capacidade em plataforma de negócios e é justamente nessa questão que é necessário ter VEJA O VÍDEO mais investimentos.

SILVIO MATOS

“INFELIZMENTE, A CULTURA DOS BRASILEIROS NOS MOSTRA QUE TALVEZ NÃO ACOMPANHEMOS ESSAS NOVIDADES DE FORMA 100% EFETIVA...”


BEM-ESTAR

GERAÇÕES DIFERENTES E O MUNDO DIGITAL Ao mesmo tempo em que o mundo está cada vez mais conectado, cresce o isolamento social, como mostra um recente relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) ao afirmar que, até 2040, serão gastos cerca de US$ 30 trilhões com o problema da depressão e da solidão no mundo, reforçando a necessidade de que a tecnologia precisa ser usada para ajudar no bem-estar das pessoas de todas as gerações. Tanto que, em janeiro de 2018, o Reino Unido criou pela primeira vez na história um ‘Ministério da Solidão’ para enfrentar o que a primeira-ministra britânica, Theresa May, descreveu como ‘a triste realidade da vida moderna’ que afeta milhões de britânicos. No entanto, o epidemiologista especialista no estudo do envelhecimento, Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade do Brasil e copresidente da Aliança Global de Centros de Longevidade Internacionais, ressalta que o mesmo governo fechou, ao longo do último ano, mais de 500 bibliotecas públicas, exatamente onde as pessoas solitárias vão em busca de companhia, como mães com filhos, pessoas com problemas de saúde mental e idosos que, muitas vezes, não têm recursos para manter as casas aquecidas no inverno. “Vivemos em um mundo cada vez mais tecnológico e é preciso impedir que as relações interpessoais estejam apenas relacionadas à tecnologia e suas inúmeras vertentes. Como trabalhar isso é um grande desafio, porque teremos de criar novas soluções para minimizar os efeitos da tecnologia para a saúde mental, a solidão e a depressão e estimular o diálogo entre gerações”, afirma. O médico lembra que a expectativa de vida no Brasil já passa dos 76 anos – 50 anos atrás era de apenas 50 anos –, e ressalta que o futuro do bem-estar de quem é jovem hoje dependerá de como esse

indivíduo vai se preparar, ao longo do curso de vida, para a velhice. Para tanto, é necessário acumular os quatro capitais para o envelhecer bem: saúde, conhecimentos, capital social e capital financeiro. Mas só isso não basta. É preciso também ter um propósito para que esses anos a mais de vida façam sentido. A revolução da longevidade exige isso de cada um, individualmente. O médico lembra que ninguém se torna idoso de repente, mas o preparo para a velhice também depende das oportunidades que a sociedade oferece. Segundo Alexandre Kalache, em um País tão desigual como o Brasil, envelhecer para muitos é uma triste perspectiva devido à falta de oportunidades, exclusão social e pobreza, que podem fazer dessa etapa da vida não uma conquista, mas um padecimento. De agora até 2065, quando o Brasil deverá ter 228 milhões de habitantes, a carreira de quem está iniciando a vida profissional hoje estará sendo impactada pela 'Revolução da Longevidade'. “Passaremos de 30 milhões de idosos em 2020 para 78 milhões em 2065, ou 34% da população. Se o jovem profissional que concluir sua formação em 2020 trabalhar 45 anos, terá atravessado essa rapidíssima transição demográfica. Em uma geração experimentaremos o que, por exemplo, a França experimentou em cinco ou seis, o que é de imensa importância em meio a níveis insustentáveis de desigualdade social”, enfatiza. Os especialistas acreditam que a qualidade de vida absoluta possa até melhorar com os avanços tecnológicos. Entretanto, a qualidade de vida relativa gera muitas dúvidas quando se projeta, por exemplo, a urbanização, pois as previsões indicam que 22% da população mundial viverá em favelas – só na América Latina serão 197 milhões de pessoas nessas comunidades. “Existem duas projeções e preo-

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ALEXANDRE K ALACHE

“EM UMA GERAÇÃO EXPERIMENTAREMOS O QUE, POR EXEMPLO, A FRANÇA EXPERIMENTOU EM CINCO OU SEIS, O QUE É DE IMENSA IMPORTÂNCIA...” cupações futuras, como as respostas para questões sobre a teoria de que vão existir ‘super-humanos’ depois de 2050, que terão condições de multiplicar os próprios genes e aperfeiçoá-los, enquanto a maioria da população não terá acesso a quase nada, o que poderá causar um distanciamento ainda maior entre as classes no planeta”, afirma o presidente da EVONIK e da Sociedade Beneficente Alemã (SBA), Weber Porto. Para o executivo, é preciso refletir se também haverá uma nova geração de ‘inúteis’, ou seja, de pessoas que, ao perderem o emprego, não terão condições de ser realocadas. Os estudiosos do tema já afirmam que, no futuro próximo, o principal fator para uma vida longa não será mais parar de fumar, de beber ou controlar o colesterol e o sedentarismo, mas sim as relações humanas, consideradas um verdadeiro capital social de saúde e conhecimento e um importante indicador que permitirá a alguns indivíduos viverem bem até os 80, 90 ou 100 anos de idade.

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WEBER PORTO

“É UMA GERAÇÃO DESCONFIADA EM RELAÇÃO AO SUCESSO DA CARREIRA E QUE ACREDITA EM OUTRA POSSIBILIDADE DE TRABALHO, COMO HOME OFFICE.” MENTORIA

As gerações vão se transformar rapidamente até 2050, o que reforça a necessidade de criar formas de administrar essa diversidade para gerar bemestar na vida cotidiana, seja pessoal ou profissional. Uma das possibilidades é aproveitar a necessidade que o jovem tem de mentoria para que a população madura possa assumir esse papel. Para o Padre Luís Corrêa Lima, docente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o estudo da história também pode contribuir para o entendimento entre gerações, pois, embora o aprendizado adquirido pela humanidade esteja passando por evoluções tecnológicas, é da natureza humana a ligação com a cultura e a busca pela segurança por meio de hábitos e experiências que deram certo. “Embora a história não responda os nossos questionamentos, nos ajuda a pensar no presente e projetar o futuro. Afinal, o conceito de civilização passou a significar ‘aquilo que a humanidade aprende e não esquece’. Mas o fu-

PADRE LUÍS CORRÊA LIMA

“...A SABEDORIA, A DESTREZA E A HABILIDADE PODEM SER ATRIBUÍDAS A QUALQUER GERAÇÃO, DE ACORDO COM SEU CONHECIMENTO E VIVÊNCIA.” turo é algo a ser inventado e não tem receita pronta”, argumenta. Desde a década de 1980, a sociedade mundial convive com gerações que se distanciam rapidamente de hábitos e conceitos das anteriores. E isso acabou criando atitudes e comportamentos bem específicos. A Geração Y (nascida entre 1980 e 1990), por exemplo, foi beneficiada com grandes avanços tecnológicos, como computadores e videogames, mas não se prende e muda de carreira conforme os desafios pessoais. A Geração Z (nascida entre 1990 e 2010), por sua vez, é nativa digital, não sabe o que é a vida sem computador e vive conectada o tempo todo, mas sente falta de intimidade com os outros e não é boa ouvinte, por fazer tudo ao mesmo tempo. “É uma geração desconfiada em relação ao sucesso da carreira e acredita em outra possibilidade de trabalho, como home office. Evidentemente, é a geração mais fechada de todas, com um grande potencial para o egocentrismo”, observa o executivo Weber Porto.


BEM-ESTAR

GERONTOLESCENTES INSPIRADORES

DENISE SANTOS

“NOSSA META É CUIDAR DO BEM-ESTAR DE CADA UM DESSES INDIVÍDUOS PERMANENTEMENTE, POR MEIO DE AÇÕES DE PROMOÇÃO DA SAÚDE.” A geração atual, chamada de Alfa e formada pelos nascidos em 2010, é composta de pessoas precoces, curiosas, antenadas, espertas, grandes influenciadoras e que se adaptam a novas tecnologias de forma surpreendente. A independência típica dessa geração tende a trazer uma característica empreendedora devido às habilidades com as novas tecnologias, mas, por causa do egocentrismo, também ocorre certo conflito que pode ser percebido no ambiente de trabalho, principalmente em grandes empresas que possuem uma pirâmide de empregados que engloba diferentes idades, cargos, profissões e escolaridade. Um bom exemplo dessa diversidade é o universo de um hospital. A engenheira Denise Santos, graduada pela FEI e CEO da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, explica que o segmento de saúde é como um ‘mini Brasil’, tamanha a diversidade de perfis de pessoas, funções, atividades, níveis sociais e de escolaridade e, consequentemente, de comportamentos. “Na BP,

ERIK BABAEGHIAN PIASKOWY

“A TECNOLOGIA SERÁ ESSENCIAL PARA O RELACIONAMENTO ENTRE GERAÇÕES, QUE TAMBÉM PRECISA ENVOLVER QUESTÕES ÉTICAS E FILOSÓFICAS. ” por exemplo, temos do PhD ao indivíduo que leva até três horas no transporte público para chegar ao trabalho. No entanto, a premissa fundamental é que, no dia a dia de trabalho, todos convivam em harmonia como deve ocorrer em um país. Claro que os conflitos podem ocorrer e é fato que, eventualmente, acontecem – assim como dentro das nossas casas, entre pais e filhos, por exemplo –, mas devem ser atritos naturais em um espaço de convivência pautado pelo amor, pelo respeito e pela colaboração”, pontua. A executiva relata que, hoje, a maior discussão dentro do hospital está voltada ao cuidado integral do indivíduo – seja paciente ou colaborador – e há muita tecnologia à disposição dos responsáveis por olhar para essa população composta de mais de 8 mil pessoas. “Nossa meta é cuidar do bem-estar de cada um desses indivíduos permanentemente, por meio de ações de promoção da saúde. Precisamos estar sempre testando novos modelos integrativos para garantir o

Atualmente, é possível encontrar uma grande quantidade de indivíduos com idade entre 55 e 80 anos que, embora não sejam mais jovens, não estão fragilizados e se recusam a aceitar o estereótipo de ‘velhinho'. Segundo o epidemiologista Alexandre Kalache, os chamados ‘gerontolescentes’ estão chegando à velhice de uma forma diferente dos pais e avós. Essa geração de baby boomers, nascida de 1945 a 1965, tem um passado de ativismo, participou dos movimentos estudantis nos anos 1960 e da revolução sexual – em suma, criou a ‘adolescência’ como construção social. Além disso, acompanhou cada mudança que envolve costumes e tecnologia nas últimas décadas e continua tendo lugar de destaque no mundo e na sociedade. Não à toa, os baby boomers nos Estados Unidos, por exemplo, detêm 70% do PIB daquele país. O médico acredita em uma revolução paralela em que não só o jovem fará parte, mas na qual haverá grande interação com o idoso que, na medida em que envelhece, está mais interessado em guiar, inspirar, ser mentor e deixar um legado do que competir ou acumular riqueza. Por isso, enfatiza que é preciso entrar em sintonia. O Padre Luís Corrêa Lima acrescenta que, nestes tempos de mudanças, o papel do idoso está diferente do passado, quando era a única referência de sabedoria para as novas gerações. “Hoje, sabe-se que a sabedoria, a destreza e a habilidade podem ser atribuídas a qualquer geração, de acordo com seu conhecimento e vivência. Outra questão é saber conviver com a morte e, nesse caso, nem os profissionais da saúde estão devidamente preparados”, pontua.

bem-estar físico e mental e auxiliar para que essas pessoas sejam felizes”, argumenta. Para o estudante Erik Babaeghian Piaskowy, diretor do Clube de Negócios e Empreendedorismo da FEI, é difícil projetar um cenário ideal de convivência para 2050, mas a tecnologia será essencial para o relacionamento entre gerações, que também precisa envolver questões éticas e VEJA O VÍDEO filosóficas.

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PADRE PEDRO RUBENS FERREIRA OLIVEIRA

“DISCERNIMENTO É ESCOLHA ENTRE O BOM E O MELHOR. POR ISSO, A FAMÍLIA TEM DE CRIAR MEIOS DE USAR COM DISCERNIMENTO A TECNOLOGIA E NÃO CLASSIFICÁ-LA COMO VILÃ.”

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Especialistas argumentam que as mudanças nos próximos 30 anos serão comparadas com as que aconteceram nos últimos 300 anos. Essa intensidade está relacionada com o avanço da tecnologia, que pode ser boa ou ruim para o emprego e a vida pessoal, pois a balança entre trabalho e lazer tende a ficar ainda mais desequilibrada. No entanto, não se pode colocar a culpa apenas na tecnologia, pois cabe a cada indivíduo administrar o espaço e o tempo adequadamente. Muitas vezes, as novidades trazidas pela tecnologia assustam porque a velocidade e a capacidade da evolução humana é exponencialmente menor quando comparada com a rapidez das tecnologias. Estas, por sua vez, sempre trazem promessas e consequências. Por exemplo, a inteligência artificial e os robôs que ajudam os seres humanos na qualidade do trabalho ao mesmo tempo podem tirar empregos; o celular que diminui distâncias também pode prejudicar a conexão entre familiares e amigos; e a biotecnologia que promete curar doenças também ameaça a humanidade com a possibilidade de modificar o genoma e criar os chamados designer

babies, com riscos ainda não esclarecidos pela ciência que, sem dúvida, extrapolam a simples escolha de características como a cor dos olhos e dos cabelos. “O ser humano ama as promessas, mas odeia as consequências que a tecnologia traz, as quais realmente podem ser assustadoras. Mas o problema maior somos nós, os seres humanos, e como aplicamos e regulamos o uso da tecnologia”, acredita o presidente da Agência Idealista e conselheiro da FEI, Silvio Matos, para quem cada indivíduo precisa pensar em quanto continua sendo capaz de amar, sorrir, chorar, inventar, criar e ter capacidade de continuar sendo humano. Como não é mais possível viver em um mundo desconectado, é necessário aprender a buscar o equilíbrio e usar todas as informações e o acesso irrestrito à tecnologia com discernimento. E o bom senso diz que isso deve começar dentro de casa, com o bem-estar em família, cujo vínculo e aproximação são fundamentais para a saúde e até mesmo para a melhor execução do trabalho. “Discernimento é escolha entre o bom e o melhor. Por isso, a família tem de criar meios de usar com discernimento a tecnologia e não classi-

Montagem a partir das fotos de: iStockphoto/Vasyl Dolmatov/Peopleimages/VladGans

EQUILÍBRIO ENTRE TRABALHO, FAMÍLIA E LAZER


BEM-ESTAR

ficá-la como vilã. O mesmo aconteceu quando surgiu o jornal, o rádio e a televisão, que eram vistos como meios que atrapalhariam os relacionamentos. O fiel da balança é o equilíbrio”, exemplifica o Padre Pedro Rubens Ferreira Oliveira, reitor da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). O religioso lembra que sempre houve um desequilíbrio entre trabalho e lazer, mas, antes, o indivíduo levava o trabalho para casa e, hoje, fica tudo disponível pela internet. Essa realidade fascinante obriga cada um a pensar em uma mudança de hábito para controlar o tempo entre trabalho e lazer. “Como controlar isso se o trabalho está no celular, na palma das nossas mãos? De que maneira educar o jovem para usar a tecnologia com equilíbrio se já a conhece antes mesmo de ser educado?”, questiona. A resposta é reequilibrar o tempo, controlar a ansiedade e a angústia que a tecnologia provoca e educar-se para usar esses meios de forma inteligente. Outra preocupação das famílias é o crescimento exponencial no número de jovens com diagnóstico de depressão por não terem a vida perfeita exposta pelos colegas e famosos nas redes sociais. Nesse ponto, a aproximação com a família é essencial, tanto para demonstrar que o adolescente tem o amor verdadeiro dentro de casa quanto para explicar que nem tudo o que se mostra nas redes sociais é real. A cirurgiã-dentista Patrícia Alvim Lage Lamas, mãe de um aluno da FEI, garante que essa rede de proteção – criada pela família ou mesmo pelos amigos e vizinhos – colabora não só para o bem-estar, como também para a saúde e a longevidade. Ao trabalhar como voluntária em uma cidade do Kansas, nos Estados Unidos, a dentista pôde vivenciar esse sentimento de perto. “Pesquisadores norte-americanos conseguiram demonstrar que o segredo da longevidade está relacionado a essa rede de proteção. Ao analisarem a comunidade longeva de uma cidade na Pensilvânia, os cientistas perceberam que não eram as questões genéticas, os hábitos alimentares ou o trabalho que

PATRÍCIA ALVIM LAGE LAMAS

“OS CIENTISTAS PERCEBERAM QUE NÃO ERAM AS QUESTÕES GENÉTICAS, OS HÁBITOS ALIMENTARES OU O TRABALHO QUE INFLUENCIAVAM PARA ESSA VIDA LONGA, MAS A APROXIMAÇÃO ENTRE AS PESSOAS...”

influenciavam para essa vida longa, mas a aproximação entre as pessoas que criava uma teia de proteção e impedia o sentimento de ameaça”, conta. O presidente da Robert Bosch América Latina, Besaliel Botelho, também acredita que a essência humana não mudou e que a tecnologia pode trazer muitos benefícios ao comportamento humano, além de melhorar o bemestar e a qualidade de vida. Para o executivo, até mesmo as empresas estão confrontando o ambiente de trabalho e tentando transformar o local na extensão da casa e da família para atingir mais propósitos e motivar o cuidado entre as pessoas. “Quando a empresa é uma extensão da família, as pessoas mudam a forma de trabalhar. E é necessário transformar o trabalho, formar times e quebrar hierarquias”, ensina. Para o jornalista José Emílio Am-

JOSÉ EMÍLIO AMBRÓSIO

“...NOS PERGUNTAMOS O QUE SERÁ DA HARD NEWS NO FUTURO, POIS TUDO O QUE ACONTECE NO MUNDO ESTÁ QUASE IMEDIATAMENTE DISPONÍVEL NO CELULAR, MAS NEM SEMPRE COM A SERIEDADE NECESSÁRIA.”

brósio, diretor no Grupo Bandeirantes de Comunicação, o fato de o contato pessoal estar dando cada vez mais espaço para a comunicação via redes sociais e aplicativos também é preocupante. E, ao mesmo tempo em que traz benefícios, a tecnologia acende o alerta para a questão do relacionamento pessoal, do consumo e da qualidade dos conteúdos. Para os comunicadores, a expansão da tecnologia traz um problema ainda mais sério, porque as notícias relevantes e atuais (hard news) – que necessitam de uma explicação aprofundada por serem complexas – estão ficando velhas diante da velocidade da internet e da força das redes sociais. “Frente a esse cenário, nos perguntamos o que será da hard news no futuro, pois tudo o que acontece no mundo está quase imediatamente disponível no celular, mas nem sempre com a seriedade necessária”, afirma.

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A TECNOLOGIA NO MUNDO DO TRABALHO Graças à tecnologia, as distâncias ficaram menores e é possível fazer trabalhos colaborativos por meio de videoconferências com pessoas em diferentes locais do mundo. Isso é bom, porque permite, por exemplo, que um executivo diminua o número de viagens, possibilita o compartilhamento de arquivos instantaneamente e, no campo, ajuda os agricultores a cuidar melhor das plantações. No entanto, são esses mesmos equipamentos e aplicativos que fazem com que as pessoas fiquem imersas na função 24 horas por dia, causando desequilíbrio no bem-estar e prejudicando as horas de lazer. Para dar mais qualidade de vida aos funcionários, que não precisam enfrentar horas no trânsito ou transportes públicos precários, muitas empresas estão adotando o home office, no qual o colaborador trabalha em casa realizando as mesmas atividades e fazendo uso das mesmas competências que dispõe dentro da empresa. O presidente do Conselho da Porto Seguro, Jayme Garfinkel, conta que 2 mil – dos 14 mil colaboradores da empresa – já trabalham de casa e vão ao escritório apenas duas vezes ao mês. Depois da iniciativa, a companhia registrou um grande ganho de produtividade. “Quando eu era presidente da Porto Seguro, fazia

reuniões com minha equipe todos os dias às 8h, porque acreditava que meu exemplo poderia estimular o time. No entanto, hoje percebo que a nova forma de trabalho home office tem se mostrado eficiente e produtiva, o que é bom para as empresas e para as pessoas”, relata. Na Bosch América Latina, o home office também já é uma realidade e tem dado bons resultados. Segundo o presidente da companhia, Besaliel Botelho, é fundamental aprender a lidar com as novas gerações, criando espaços e formas de trabalho diferenciados. Em relação ao trabalho no campo, a tecnologia é considerada positiva, pois, além de colaborar para a evolução da agricultura, permitindo uma produção maior de alimentos com menos prejuízo ao meio ambiente, também está atraindo mais jovens ao campo. “Com a internet das coisas e toda a tecnologia empregada no campo, a área rural passou a chamar a atenção de novos talentos”, afirma a engenheira agrônoma Mônika Bergamaschi, presidente do Instituto Brasileiro para Inovação e Sustentabilidade no Agronegócio e do conselho diretor da Associação Brasileira do Agronegócio da reVEJA O VÍDEO gião de Ribeirão Preto.

JAYME GARFINKEL

BESALIEL BOTELHO

“... HOJE EU PERCEBO QUE A NOVA FORMA DE TRABALHO HOME OFFICE TEM SE MOSTRADO EFICIENTE E PRODUTIVA...”

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“É FUNDAMENTAL APRENDER A LIDAR COM AS NOVAS GERAÇÕES, CRIANDO ESPAÇOS E FORMAS DE TRABALHO DIFERENCIADOS.”

DESAFIO PARA OS No atual cenário de grande velocidade de mudanças e disrupções, fica claro que o professor passará a ter, também, um relevante papel de conselheiro e mentor, o que representa uma janela para o futuro que deverá ser aberta e explorada pelos docentes, especialmente no nível superior. Essa mudança de paradigma tem se mostrado um grande desafio, mas também representa uma enorme oportunidade para os docentes, como mentores, construírem e compartilharem visões positivas e inspiradoras com os alunos. No entanto, não haverá um bom mentor se o aluno não o instigar sobre as questões com profundidade, por meio de boas perguntas sobre o valor das informações para que possa ultrapassar a fronteira do conhecimento. “É uma responsabilidade de todos os alunos, docentes e líderes, e estamos reinventando nossa cultura para 2050, porque existem muitos caminhos a seguir. Temos de preparar o jovem para um amanhã cada vez mais dinâmico e a educação, que tem o poder da transformação, é a única resposta para termos escolhas na vida”, enfatiza o professor doutor Gustavo Donato, coordenador da Plataforma de Inovação FEI e orga-


BEM-ESTAR

“...QUESTÕES COMO TER HUMILDADE E SABER LIDAR COM O CONTRADITÓRIO DEVEM SER ‘ENSINADAS’ POR ESSES MENTORES AOS JOVENS. PARA ISSO, O PRIMEIRO PASSO É A SABEDORIA” Ingo Plöger

MENTORES nizador do 3o Congresso FEI de Inovação e Megatendências 2050. Junto com o conhecimento é preciso trabalhar a ética, um valor que deve fazer parte do currículo com cada vez mais intensidade. Isso porque as tecnologias podem ser usadas para o bem ou para o mal, o que exige que a ética seja cada vez mais reforçada, principalmente para que os jovens compreendam sua responsabilidade no mundo. “Foi uma surpresa ouvir de um palestrante que devemos nos aprofundar na ética, o que nos leva à reflexão e à inquietude de buscar novas respostas que terão de fazer parte dos currículos. Além disso, questões como ter humildade e saber lidar com o contraditório devem ser ‘ensinadas’ por esses mentores aos jovens. Para isso, o primeiro passo é a sabedoria”, acentua o presidente internacional do Conselho Empresarial da América Latina (CEAL) e da IP Desenvolvimento Empresarial e Institucional (IPDES), Ingo Plöger, que é membro do Conselho de Curadores da FEI. Para o conselheiro, o voluntariado é outro ponto que deve ser apresentado pelos mentores para mostrar aos alunos que fazer o bem ao próximo é parte essencial da vida

e uma nova forma de trazer felicidade para si e para os outros. O Centro Universitário FEI vem passando por várias transformações nos últimos três anos e trabalha o papel do docente como mentor desde o primeiro dia de aula, quando os ingressantes são estimulados, à luz da velocidade das mudanças e das megatendências, a refletirem sobre as próximas décadas e sua inserção como profissional e indivíduo. O professor Gustavo Donato lembra que é responsabilidade das lideranças acadêmicas e dos docentes mostrar aos jovens quanto é fundamental reforçar a cultura de inovação para discutir e construir o futuro no qual desejam viver. Afinal, os egressos de hoje serão os grandes líderes do amanhã e é necessário que compreendam as grandes tendências e acompanhem os processos de mudança com proatividade, autonomia, soluções originais e realização. “Essa é uma onda maravilhosa já vivida pela humanidade, e fazer o bom uso da tecnologia para transformar esses jovens em protagonistas é um dos nossos desafios. Nunca os docentes e a família tiveram tanta relevância no estabelecimento desses valores”, ressalta.

“TEMOS DE PREPARAR O JOVEM PARA UM AMANHÃ CADA VEZ MAIS DINÂMICO E A EDUCAÇÃO, QUE TEM O PODER DA TRANSFORMAÇÃO, É A ÚNICA RESPOSTA PARA TERMOS ESCOLHAS NA VIDA.” Gustavo Donato

VEJA O VÍDEO

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UMA VIAGEM PARA 2050

DISCUSSÃO SOBRE MEGATENDÊNCIAS PERMITIU REFLEXÕES A RESPEITO DO FUTURO

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s três dias de intensos debates sobre o equilíbrio da vida diante das novas tecnologias levaram a uma profunda reflexão sobre o futuro, trazendo inquietudes, e também mostraram panoramas bastante positivos e sugestões de como é possível conciliar trabalho com saúde, bem-estar e qualidade de vida. Todas as apresentações e discussões levaram à conclusão de que o emprego não será mais o mesmo nas próximas décadas, pois surgirão novas formas de trabalho baseadas em competências e demandas, assim como ambientes de intensa colaboração. Os cuidados com a saúde também serão diferenciados, uma vez que a tecnologia permitirá novas formas de diagnóstico e individualização de tratamentos. O bem-estar estará cada vez mais atrelado ao modo como cada indivíduo conseguirá administrar a tecnologia em favor da própria vida. As reflexões demonstraram que a tecnologia deverá proporcionar um novo equilíbrio entre vida e trabalho, ao mesmo tempo em que poderá aumentar ainda mais os casos de solidão no mundo, o que reforça a importância da família e das relações sociais. O cenário do Brasil e do mundo até 2050 será de grandes desafios, mas proporcionará muitas oportunidades com a Indústria 4.0 e tecnologias como inteligência artificial, robótica e internet das coisas. “Saímos daqui provocados, inspirados, mais capacitados. Por tudo que vimos e ouvimos, saímos mais visionários, graças às ideias que surgiram durante os inspiradores diálogos ao longo desta semana. É uma trajetória de transformação pessoal e profissional”, afirma o reitor do Centro Universitário FEI, professor Fábio do Prado.

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Conscientes de que a tecnologia trará ainda mais impactos para a sociedade no futuro, em todas as esferas, as agências de fomento ampliam o incentivo para pesquisas que colaboram com o desenvolvimento e a inovação, a exemplo do que vem fazendo a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). O engenheiro Horacio Aragonés Forjaz, responsável pela área de relações institucionais da FAPESP, conta que aproximadamente 46% do desembolso anual da entidade foi dedicado ao fomento a pesquisas na área da Ciências da Vida e que, mais recentemente, a FAPESP adotou como meta estratégica de médio e longo prazos elevar em 50% o apoio – tanto em valor como em número de projetos – voltado ao programa PIPE (Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas), que tem como beneficiários, predominantemente, jovens empreendedores e startups. A entidade também acredita na importância do fortalecimento da proximidade entre indústria, academia e poder público com objetivos concretos de gerar empregos, melhorar a qualidade de vida, a sustentabilidade e a longevidade. Paralelamente à Quarta Revolução Industrial e ao importante fomento para pesquisas, o Brasil ainda tem problemas considerados básicos, como a educação pública. Os indicadores educacionais são ruins e relatórios recentes apontam que 70% das crianças na terceira série do Ensino Fundamental – com média de 8 anos de idade – ainda possuem dificuldades em escrever palavras básicas. “É uma realidade muito difícil e precisamos urgentemente implantar políticas públicas para enfrentar esse desafio de nivelar a Educação Fundamental em todo o Brasil”,


DIÁLOGO SESSÃO DE ENCERRAMENTO DE ABERTURA

ressalta o ex-secretário-executivo adjunto do Ministério da Educação (MEC), Felipe Sartori Sigollo – atual secretário-executivo adjunto do Ministério da Cidadania, Desenvolvimento Social, Esporte e Cultura. Uma das iniciativas consideradas fundamentais para mudar essa realidade é a implantação da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) na Educação Infantil, aprovada em dezembro de 2017 e que deve estar completamente adequada nas escolas até 2020. Além disso, o secretário destaca a necessidade de estimular os professores, aumentar o número de alunos e propagar o ensino a distância (EaD), uma tendência para incluir um número maior de estudantes em todo o País na educação regular, com conteúdos de qualidade. O professor Fábio do Prado acrescenta que a trajetória profissional deve ter como ponto de partida a disposição para questionar e sentir-se confortável com a experimentação, como forma de conectar fatos e gerar ideias, bem como não ficar paralisado pelo novo e pelo desconhecido. “O profissional do futuro deve estar disposto a ter iniciativa para compreender questões, fazer escolhas, buscar as melhores soluções e empreender. Quem sai na frente certamente tem as melhores oportunidades e correr riscos faz parte do sucesso. No entanto, essa caminhada não terá valor se não houver um propósito claro, uma missão nobre e partilhada por toda a comunidade”, pontua. O amplo debate durante o 3o Congresso FEI de Inovação e Megatendências 2050 possibilitou aos participantes ampliarem visões e oportunidades para serem protagonistas das mudanças. As lições mais importantes desses três dias de reflexões, na visão do reitor, são a disposição de transformar; a ousadia da descoberta; a capacidade para empreender e sair na frente para ter mais e melhores oportunidades; o aprender a assumir riscos e aventurarse enfrentando surpresas e desafios; e a certeza de que nada tem valor se não for orientado por uma missão compartilhada pela comunidade. “Os debates fortalecem o pertencimento e a importância do papel de cada um den-

tro do projeto de inovação institucional. Aqueles que não conseguem mudar suas próprias mentes não conseguirão mudar absolutamente nada”, acredita. A oportunidade oferecida para alunos, docentes e colaboradores da FEI de ouvir e dialogar com representantes altamente qualificados das lideranças empresariais, bem como autoridades competentes nos diversos temas propostos, foi destacada pelo Padre Theodoro Peters, S.J., presidente da Fundação Educacional Inaciana Padre Sabóia de Medeiros. “A imersão de estudantes com pessoas qualificadas colabora para o desenvolvimento de alternativas e soluções, pois eles serão os profissionais que vão liderar processos e desempenhar funções que demandam autonomia na tomada de decisões. Os jovens são o sonho das empresas. Os jovens são o futuro!”, enfatiza. O presidente ressalta, ainda, que foram três dias de grande envolvimento, com temas de enorme motivação e interesse social, cujas discussões mostraram com clareza que, mais do que solucionar problemas, é importante descobrir as questões que necessitam de respostas e bom desempenho. “Falamos em tecnologia destruindo empregos, no entanto, essa mesma tecnologia criará muitas novas oportunidades. O ensino e o aprender não serão mais estanques e deverão ser hábitos frequentes, uma vez que não haverá mais o roteiro quase sequencial que consistia em estudar, trabalhar e se aposentar. Devemos ser humildes ao entender a necessidade de adaptação e, com isso, ser eternos aprendizes”, enfatiza o professor doutor Gustavo Donato, coordenador da Plataforma de Inovação FEI e organizador do Congresso FEI de Inovação. O docente acrescenta que os estudantes de hoje, que estarão atuando em 2050, precisam ser inquietos e inspirados para compreender o futuro, desenvolvendo autonomia para a tomada de decisões e gestão do novo, e trabalhando fortemente para evitar o desequilíbrio entre tecnologia VEJA O VÍDEO e humanidade.

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OS DESAFIOS QUE PERMEIAM

Montagem a partir das fotos de: iStockphoto/metamorworks/PhonlamaiPhoto/Vertigo3d

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mundo começa a se encantar com a Inteligência Artificial (IA), assim como nos encantamos com um bebê que está começando a falar. A IA começa a dar os ares de sua graça e, junto com ela, o big data, os robôs inteligentes e os automóveis autônomos se tornam cada vez mais presentes em nossas vidas. Porém, a IA está apenas nascendo e estreando com os seres humanos. E, por estar no meio deles, vai dar início ao seu processo de amadurecimento e desenvolvimento. Assim como qualquer criança que passa pela adolescência para chegar à vida adulta, a IA começa a nos preocupar mais do que gostaríamos. Em poucos anos, teremos sistemas inteligentes cujo propósito será comandar e controlar nossas vidas. Não para nos restringir, mas para nos livrar de grande parte dos nossos problemas que, por vezes, demandam muito do nosso precioso tempo. Imagine que você receba um convite para uma palestra em uma cidade remota no interior de algum Estado no nordeste brasileiro. Bastaria repassar a demanda para o seu sistema de IA e este resolveria o problema para você, acionando o sistema de transporte

com carros autônomos, viagens aéreas, hospedagem e refeições em restaurantes com seu perfil e com os pratos de sua preferência. Sua saúde estará sempre impecável, sua alimentação será muito bem balanceada, você terá à disposição as melhores opções de diversão dentro de seus gostos, sua educação e formação será personalizada e você irá aprender de forma otimizada, no seu tempo. Tudo será perfeitamente monitorado pelo seu sistema de inteligência artificial, permitindo a você usufruir do que a vida pode proporcionar de melhor, inclusive no trabalho. A fase adulta da IA pode (e deve) ser realmente fantástica. Mas chegar até lá requer que cresça, aprenda e se molde ao que hoje chamamos de AI Ethics (Ética na Inteligência Artificial). E as dificuldades começam já na fase infantil. Um sistema totalmente dedicado e moldado com seu caráter, preferências e ambições tem um grande risco de ferir conceitos éticos e sociais importantes. Quando permitirmos aos sistemas de IA que tomem decisões por nós, eles entram em um dilema: o de atender nossas ambições ou serem comedidamente éticos. Como evitar

que o sistema de IA crie vieses inaceitáveis em uma sociedade que sequer consegue definir o que é ético ou não? O quanto isso pode, de fato, atrapalhar a sociedade mais do que ajudar? Suponha uma situação hipotética de um sistema de segurança com IA para identificação de suspeitos: existiria um sistema de IA que fosse eticamente aceitável em suas análises? Será que o sistema de IA faria as mesmas suposições preconceituosas que boa parte da sociedade faz relacionando cor de pele e vestimentas para apontar potenciais suspeitos? Suponha que a IA decida usar métodos mais avançados, interligando dados de vários sistemas de identificação com o intuito de esmiuçar o histórico pessoal do indivíduo, e não apontar que um rapaz moreno com as mãos no bolso, vestindo uma camiseta rasgada e um boné seja um suspeito em potencial. Seria este sistema de IA aceito por nós, seres humanos, como seguro? Um carro autônomo que, em uma situação de conflito, precise decidir se atropela uma criança que entrou na sua frente ou se desvia repentinamente e atropela uma idosa na calçada, será obviamente julgado pela sociedade e precisa, indubitavelmente, to-


A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL mar a decisão correta dentro da cultura e das percepções da coletividade. E tudo isso levando em conta os limites da privacidade e da barreira individual-coletivo. Precisamos garantir que os sistemas de IA sejam eticamente aceitáveis e que moldem seus fundamentos junto com a comunidade em que estão inseridos. Sem a menor dúvida, a inteligência artificial não será única, sofrerá influências de culturas e terá visões e parâmetros éticos diferentes, mas todos os sistemas precisam ter algo em comum: resolver problemas, ao invés de criá-los. Quais são as suas impressões? Trata-se de tecnologia a favor do ser humano? O que muda? Como adaptaremos o aprender e o trabalho? Como ficarão as relações sociais? Lógica, privacidade e ética: o que queremos e o que podemos quando se trata de IA? Junte-se a nós para este rico debate na 4ª edição do Congresso FEI de Inovação e Megatendências 2050, cujo tema será 'Inteligência Artificial e o Ser do Humano: complementariedade ou competitividade para aprender, inovar e viver?', que ocorrerá entre 15 e 17 de outubro de 2019 no campus São Bernardo do Campo do Centro Universitário FEI.

PROFESSOR DOUTOR FLAVIO TONIDANDEL COORDENADOR DO CURSO DE CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO CENTRO UNIVERSITÁRIO FEI

PROFESSOR DOUTOR GUSTAVO DONATO COORDENADOR DA PLATAFORMA DE INOVAÇÃO CENTRO UNIVERSITÁRIO FEI


CONGRESSO DE INOVAÇÃ 2018 MEGATENDÊNCIAS 2050

PARTICIPANTES DO 3º CONGRESSO FEI DE INOVAÇÃO E MEGATENDÊNCIAS 2050 • Mônika Bergamaschi*

• José Luiz Gomes do Amaral

• Jayme Garfinkel*

• Octavio de Barros

• Marcelo Antonio Pavanello*

• José Emílio Ambrósio

• Adalberto Parreira

• Oskar Kedor

• Maria Beatriz Bley

• Padre Luís Corrêa Lima*

• Fábio do Prado*

• Renato Auriemo

• Patrícia Ellen da Silva*

• Padre Theodoro Peters, S.J.

• Vagner Barbeta*

• Renato Marcos E. Sabbatini

• Padre Pedro Rubens Ferreira Oliveira

• Orlando Morando

• Vladmir Stancati*

SESSÃO DE ABERTURA

TRABALHO

SAÚDE

• Ailtom Barberino do Nascimento Filho*

• André Cézar Medici

• Fernanda Cruz Boscari • Fernanda Santos Sales • Ingo Plöger* • José Cláudio Securato* • Leandro Pugliese de Siqueira • Mauro Kern*

• André Clark* • Antônio Roberto Batista • Carlos Eduardo Thomaz* • David Uip • Eduardo Margara da Silva • Elcio Brito da Silva* • Fabiola Molina

• Roberto Ribeiro da Cruz* • Theo Van der Loo* • Vicente Odone

• Patrícia Alvim Lage Lamas • Ricardo Sennes • Silvio Matos • Weber Porto

BEMESTAR • Alexandre Kalache* • Besaliel Botelho • Denise Santos • Erik Babaeghian Piaskowy • Gustavo Henrique Bolognesi Donato*

SESSÃO DE ENCERRAMENTO • Fábio do Prado • Felipe Sartori Sigollo • Horacio Aragonés Forjaz • Padre Theodoro Peters, S.J.

* Participantes que também estiveram presentes nos debates das Rodas-Vivas A FEI agradece aos alunos e professores que participaram como apoiadores nos debates das Rodas-Vivas

EXPEDIENTE Centro Universitário FEI Campus São Bernardo do Campo Av. Humberto de Alencar Castelo Branco, 3.972 Bairro Assunção – São Bernardo do Campo – SP CEP 09850-901 – Telefone: (11) 4353-2900 Campus São Paulo Rua Tamandaré, 688 - Liberdade – São Paulo CEP 01525-000 – Telefone: (11) 3274-5200 Patrocínio

Instituição associada à ABRUC www.fei.edu.br

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Presidente Pe. Theodoro Paulo Severino Peters, S. J. Reitor Prof. Dr. Fábio do Prado Vice-reitor de Ensino e Pesquisa Prof. Dr. Marcelo Antonio Pavanello Vice-reitora de Extensão e Atividades Comunitárias Profa. Dra. Rivana Basso Fabbri Marino Coordenador da Plataforma de Inovação FEI Prof. Dr. Gustavo Donato Comunicação e Divulgação Thais Fukasawa Fabricio Bomfim

Produção editorial e design gráfico Companhia de Imprensa Divisão Publicações Coordenação de redação edição e revisão geral Adenilde Bringel (MTb 16.649) Reportagem Bruna Gonçalves Elessandra Asevedo Fernanda Ortiz Fotos Ilton Barbosa Designer gráfico Silmara Falcão




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