Algumas anotações e inquietações sobre a questão dos públicos de cultura

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2 indivíduos e grupos. A disponibilidade para fruição aumenta e se qualifica quanto maior e melhor for a experiência de proximidade com a cultura, que se forma e transforma-se no bojo das interações sociais, no plano da vida ordinária. Falar de públicos, portanto, é menos uma questão que se esgota no comportamento de consumidores de bens e serviços culturais, e mais a percepção e compreensão qualitativa dos inúmeros processos configurados e instituídos socialmente, que induzem ou reprimem o surgimento de um comportamento instituinte no sujeito: buscar acesso, desejar fruir, se apropriar e ressignificar bens simbólicos. Falar de públicos significa, nesse contexto, para além do consumo de bens simbólicos, a tentativa contínua e planejada de acompanhar e compreender os sentidos conferidos à vida cotidiana, os quais revelam interesses e motivam práticas culturais. Práticas de mediação sempre presentes em todas as dimensões da experiência de socialização dos indivíduos e grupos, especialmente aquelas mobilizadas pela educação e pela ambiência familiar, estabelecem tensionamentos com as variáveis de acessibilidade física e econômica, e atuam de forma a favorecer ou não o encontro com bens e serviços artísticos e simbólicos. Neste sentido, a questão da formação de públicos de cultura assume uma característica bem mais complexa do que a construção de públicos para a cultura. Na primeira e mais ampla dimensão, estamos diante da formação de um habitus cultural cotidiano que se caracteriza pelas práticas ordinárias de convivência com bens e serviços culturais, e que configuram e são configurados pelo capital cultural dos sujeitos. Na segunda dimensão, nos referimos à formação de um hábito cultural flutuante referente às práticas de uso do tempo livre configuradas pelas opções de entretenimento e lazer. Na primeira, estamos enfrentando a questão de formação de sujeitos e cidadãos com direito à cultura. Na segunda, estamos nos referindo a públicos consumidores. Uma dimensão afeta, positiva ou negativamente a outra, daí o caráter sempre relacional e dinâmico que impede de se considerar os públicos de cultura ou para a cultura, como entidades estáticas, necessitadas apenas da descoberta e do manejo pedagógico por especialistas em público. Arriscaria a dizer que, se os públicos de cultura precisam ser formados, isso significa tratar os desafios por um tríplice viés: dos direitos à cultura; da educação e da comunicação. Portanto, estamos falando de políticas públicas de cultura, da relação entre cultura e educação e entre cultura, produção e difusão de informações, ou seja, dos significados produzidos por estes públicos e dos sentidos compartilhados socialmente.


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