Psicopatologia. Uma abordagem integrada.

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A lua e as estrelas Paracelso, um médico suíço que viveu de 1493 a 1541, rejeitou as concepções de possessão demoníaca e sugeriu, em vez disso, que os movimentos da lua e das estrelas exerciam profundo efeito no mecanismo mental das pessoas. Trazendo à luz o pensamento similar da Grécia antiga, Paracelso especulou que os efeitos gravitacionais da lua nos fluídos corporais poderiam ser uma causa possível de transtornos mentais (Rotton e Kelly, 1985). Essa teoria inspirou a criação da palavra lunático, que deriva do latim luna, que significa “lua”. Você pode ouvir alguns amigos comentarem sobre algo louco que fizeram durante a noite quando dizem: “Deve ter sido a lua cheia”. A crença de que corpos celestiais afetam o comportamento humano ainda existe, embora não haja evidência científica para apoiá-la (Raison, Klein, e Steckler, 1999; Rotton e Kelly, 1985). Apesar de muita zombaria, milhões de pessoas ao redor do mundo estão convencidas de que seu comportamento é influenciado pelas fases da lua ou pela posição das estrelas. Essa crença é mais perceptível hoje em pessoas que são adeptas à astrologia e afirmam que seu comportamento e a maioria dos acontecimentos em suas vidas podem ser previstos pela relação entre o dia a dia e a posição dos planetas. Entretanto, nenhuma evidência séria tem confirmado tal conexão.

Comentários A tradição sobrenatural está bem presente e viva na psicopatologia, embora esteja relegada, em sua maior parte, a pequenas seitas religiosas e a culturas primitivas. Membros de religiões organizadas na maior parte do mundo procuram a psicologia e a ciência médica para ajudar nos principais transtornos psicoló-

AP Photo/Hatem Moussa

incidente começou quando uma garota de 14 anos disse que sentia um cheiro estranho que vinha de um respiradouro. Ela caiu no chão, gritando e reclamando que seu estômago doía e seus olhos ardiam. Logo, muitos alunos e a maioria dos professores das salas de aula adjuntas, que podiam ver e ouvir o que estava acontecendo, vivenciaram sintomas semelhantes. De 86 pessoas suscetíveis (82 alunos e 4 professores das quatro salas de aula), 21 pacientes (17 alunos e 4 professores) vivenciaram sintomas graves suficientes para serem atendidos em um hospital. A inspeção do prédio da escola pelas autoridades de saúde pública revelou que não houve causa aparente para tais reações, e os exames físicos realizados pela equipe de médicos não revelaram anormalidade física. Todos os pacientes receberam alta e rapidamente se recuperaram (Rockney e Lemke, 1992). A histeria em massa pode simplesmente demonstrar o fenômeno de contágio emocional, em que a sensação de uma emoção se dissemina para outros ao nosso redor (Hatfield, Cacioppo, e Rapson, 1994; Wang, 2006). Se alguém perto de nós ficar com medo ou triste, é bem possível que por um momento você também sentirá medo ou tristeza. Quando esse tipo de experiência chega a um completo surto de pânico, comunidades inteiras são afetadas (Barlow, 2002). Pessoas são também sugestionadas quando estão em estados emotivos elevados. Portanto, na medida em que uma pessoa identifica a “causa” do problema, outras provavelmente presumem que suas próprias reações têm a mesma origem. Numa linguagem popular, essa reação compartilhada é, às vezes, chamada de psicologia das massas.

Emoções são contagiosas e podem se transformar em histeria em

massa.

gicos; de fato, a Igreja Católica Romana requer que se esgotem todos os recursos médicos antes que soluções espirituais, como exorcismo, possam ser consideradas. Além disso, curas miraculosas são, às vezes, alcançadas por exorcismo, poções mágicas e rituais e outros métodos que parecem ter pouca ligação com a ciência moderna. É fascinante explorá-las quando elas de fato acontecem, e iremos voltar a esse tópico em capítulos posteriores. No entanto, tais casos são relativamente raros, e quase ninguém defenderia o tratamento espiritual para transtornos psicológicos graves, exceto, talvez, como último recurso.

A tradição biológica Buscam-se as causas físicas dos transtornos mentais desde os primórdios da história. Foram importantes para a tradição psicológica: um homem, Hipócrates; uma doença, a sífilis; e as primeiras consequências da crença de que os transtornos psicológicos tinham causa biológica.

Hipócrates e Galeno O médico grego Hipócrates (460-377 a.C.) é considerado o pai da medicina moderna ocidental. Ele e seus discípulos deixaram um conjunto de obras chamado Corpo Hipocrático, escrito entre 450 e 350 a.C. (Maher e Maher, 1985a), no qual eles sugeriam que os transtornos psicológicos poderiam ser tratados como qualquer outra doença. Eles não limitaram suas pesquisas para as causas da psicopatologia à área geral de “doença”, porque acreditavam que os transtornos psicológicos pudessem também ser causados por patologias cerebrais ou por traumas na cabeça e que poderiam ser influenciados pela hereditariedade (genética). Essas são deduções notavelmente astutas para aquela época e têm sido apoiadas até anos recentes. Hipócrates considerava o cérebro a sede da sabedoria, da consciência, da inteligência e da emoção. Por conseguinte, os transtornos envolvendo essas funções estariam claramente localizados no cérebro. Hipócrates também reconheceu a importância das contribuições psicológicas e interpessoais para a psicopatologia, como os efeitos por vezes negativos do estresse familiar; em determinadas ocasiões, ele isolou pacientes de suas famílias. Capítulo 1 – Comportamento

anormal no contexto histórico

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